Se «a compaixão é a linguagem de Deus», como podem os homens desviar o olhar para outro lugar, permanecendo indiferentes aos pobres, sozinhos, frágeis? É precisamente uma questão de «justiça», comentou o Papa Francisco ao fazer esta pergunta na missa celebrada na manhã de terça-feira, 17 de setembro, em Santa Marta.
«Neste trecho do Evangelho de Lucas – o Pontífice imediatamente fez presente, referindo-se ao texto litúrgico (7, 11-17) – há uma palavra que se repete nos Evangelhos: compaixão. O evangelista não diz que Jesus “teve compaixão”, mas que “foi tomado pela compaixão” (Lc 7, 13), como se dissesse “foi vítima da compaixão”. Em síntese, «é tomado pela compaixão». Lucas escreve-o explicitamente: «O Senhor foi tomado por grande compaixão».
E foi precisamente «a compaixão – explicou o Papa – que o fez ver a realidade última daquele momento: havia a grande multidão que o seguia, havia os discípulos, havia a procissão fúnebre, a mãe, o defunto... mas Ele viu a realidade, e a realidade era aquela mulher, despojada de tudo porque tinha perdido o seu único filho, e tinha ficado viúva».
Portanto, «havia pessoas, havia amigos que a acompanhavam... mas o Senhor vê a realidade: uma mãe sozinha. Sozinha hoje e até ao fim da vida. A compaixão faz ver as realidades como elas são; a compaixão é como a lente do coração: ela faz-nos realmente entender as dimensões. E nos Evangelhos, Jesus é tantas vezes tomado pela compaixão». Aliás «a compaixão é também a linguagem de Deus». Na Bíblia, «foi Deus quem disse a Moisés: “Vi a dor do meu povo” (Êx 3, 7); é a compaixão de Deus que envia Moisés para salvar o povo». Porque «o nosso Deus é um Deus de compaixão, e a compaixão é, podemos dizer, a fraqueza de Deus, mas também a sua força. O que ele nos dá de melhor: porque foi a compaixão que o moveu a enviar-nos o Filho. É uma linguagem de Deus, compaixão».
«Então – continuou Francisco – é verdade, a compaixão não é um sentimento de dor, simples: isto seria superficial». De facto, «mesmo quando vemos um cão a morrer na estrada, pobre desventurado, sentimos um pouco de dor». Mas «isto não é compaixão. Não significa lamentar que estas coisas aconteçam, não. Compaixão «é envolver-se no problema dos outros, é jogar a vida lá. O Senhor joga a vida: vai para lá, porque é a linguagem de Deus, a compaixão».
«Não acontece o mesmo com os discípulos: não compreendem», afirmou o Papa, propondo «outro trecho da Escritura, do Evangelho: a multiplicação dos pães». Havia a multidão que tinha seguido Jesus todo o dia, ouvindo-o, muitas pessoas... o Evangelho fala (cf. Mt 15, 38 ou Mc 8, 9) de 5.000 homens, além de mulheres e crianças (cf. Mt 14, 21). Começa a escurecer no fim da tarde e os discípulos vão ter com Jesus e dizem-lhe: “Mas, Senhor, estas pessoas seguem-nos desde a manhã: despede-as, para que possam ir comprar pão nas aldeias e nós ficamos tranquilos”. Eles não dizem isto, mas sentem-no. É assim: “despedir”. Na prática sugerem ao Senhor: “Devemos terminar aqui”, os discípulos eram prudentes... A prudência diz-nos para despedir estas pessoas. Penso que naquele momento Jesus estava irado, no seu coração, considerando a resposta: “Dá-lhes de comer! Depois de um dia como este, quereis que eles ainda vão às aldeias comprar pão? Ocupai-vos do povo!”».
Portanto, prosseguiu Francisco, «o Senhor, diz o Evangelho, teve compaixão porque viu estas pessoas como ovelhas sem pastor. Por um lado, há o gesto de Jesus, sempre a compaixão, e por outro, a atitude egoísta dos discípulos. Eles procuram uma solução, mas sem compromissos. Não sujam as mãos. Podiam dizer, ocupando-se do povo: “Mas, nós vamos e carregamos”. Não. “Deixa-os ir, que se arranjem”. E aqui, se a compaixão é a linguagem de Deus, muitas vezes a linguagem humana é a indiferença. Ocupar-se até aqui e não pensar: indiferença».
«Um dos nossos fotógrafos de L'Osservatore Romano – recordou o Papa – tirou uma foto, que está agora na Esmolaria, que se chama “Indiferença”. Já o recordei várias vezes. Numa noite de inverno, em frente de um restaurante de luxo, uma senhora que vive na rua estende a mão para outra senhora que sai, bem vestida, do restaurante, e que desvia o olhar para o lado. Isto é indiferença. Ide ver essa fotografia: eis a indiferença. A nossa indiferença. Quantas vezes olhamos para o outro lado... E assim fechamos a porta à compaixão».
A este respeito, o Pontífice propôs «um exame de consciência: costumo olhar para o outro lado? Ou deixo que o Espírito Santo me guie pelo caminho da compaixão? Que é uma virtude de Deus...».
«E no final – disse novamente Francisco – há uma palavra que me comoveu quando hoje rezei com o Evangelho. Jesus diz à mãe: “Não chores”, uma carícia de compaixão; aproximou-se e tocou no caixão. Os portadores pararam. E depois disse ao rapaz: “Eu digo-te: levanta-te!”. O morto sentou-se e começou a falar. E como acaba? “Devolveu-o à mãe” Ele restituiu-o: um ato de justiça. Esta palavra é usada na justiça: restituir. A compaixão leva-nos pelo caminho da verdadeira justiça. Devemos sempre restituir àqueles que têm um certo direito, e isto salva-nos do egoísmo, da indiferença, do fechamento de nós mesmos».
O Papa concluiu a sua meditação da seguinte maneira: «Continuemos a Eucaristia de hoje com esta palavra: “O Senhor foi tomado por grande compaixão”. Que Ele também tenha compaixão por cada um de nós: precisamos dela».