· Cidade do Vaticano ·

7ª edição do Festival de literatura-mundo em Cabo Verde

Uma homenagem à geração dos poetas da Independência

 Uma homenagem à geração  dos poetas da Independência  POR-009
03 setembro 2025

Dulce Araújo

Agostinho Neto, Onésimo Silveira, Noêmia de Sousa e Alda Espírito. Quatro poetas, respetivamente de Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe, os quatro países que este ano comemoram 50 anos de libertação do jugo colonial português. Foram homenageados na 7ª edição do Festival de literatura-mundo do Sal (FLMS), realizada de 26 a 29 de junho de 2025.

A ilha do Sal, com a sua paisagem desértica e belas praias que atraem milhares de turistas, não aparece como uma das mais dinâmicas na história da literatura cabo-verdiana; razão pela qual, os criadores do FLMS escolheram fazer dela palco desse evento, que pretende também promover o debate sobre a literatura-mundo — questão de maior equilíbrio entre o Norte e o Sul do mundo no que toca aos cânones literários e à visibilidade das diversas literaturas.

Criado em 2017, o FLMS foi ideado por Filinto Elísio e Márcia Souto, cofundadores da Rosa de Porcelana Editora, e é realizado com a parceria da Câmara municipal do Sal, entre outras. Tem a curadoria científica da santomense, Inocência Mata, docente na Universidade de Lisboa.

Com exceção do ano passado (centenário de nascimento de Amílcar Cabral) e deste ano, cada edição homenageia dois autores, um nacional e um estrangeiro. Em 2023, por exemplo, foram o lusitanista italiano, António Tabucchi, e a linguista cabo-verdiana, Dulce Almada. Em 2026 serão a especialista cabo-verdiana de “Finaçon”, Nácia Gomi, e o poeta brasileiro, Manuel de Barros.

A poesia dominou a edição 2025: a abertura foi marcada pela recitação de poemas, em particular por alunos de três escolas da ilha que encenaram também diálogos sobre o que aprenderam acerca dos poetas homenageados e da luta de libertação. A poesia foi protagonista também no recital nas Salinas de Pedra de Lume, pois, outro objetivo do Festival é levar o evento para fora das salas de conferência, tornando-o, de algum modo, acessível à população e aos turistas.

Para a ilha afluiu, de vários países, uma vintena de escritores, tradutores, estudiosos que, num clima afetivo e de partilha, sem prejuízo do aspeto científico, se debruçaram sobre “As literaturas de países africanos de língua portuguesa e a literatura-mundo”, analisando, ao mesmo tempo, as lutas de libertação e os 50 anos de independência à luz da literatura. Um percurso que, segundo estudiosos como Ana Mafalda Leite, Margarida Rendeiro, Luca Fazzini, Fátima Fernandes, se revelou, de forma geral, ter sido de encanto e desencanto, de críticas e de amor à terra, com consequente esperança no futuro. «Queremos mais» — disse a renomada escritora, Dina Salústio, satisfeita com o Festival que definiu como «uma celebração da literatura e sobretudo das nossas independências, um recuperar de memórias». Mas, não se ficou pelas memórias. O Festival foi ocasião de diálogo entre três gerações: octogenárias como a Dina e a Fátima Bettencourt, através de cujos escritos a jovem escritora, Andrea Tavares disse ter-se «aproximado pela literatura»; Goretti de Pina, inspiradora do poema coletivo com que se concluiu o FLMS, e ainda os alunos. «Um diálogo emocionante e necessário», garantia de futuro — considerou Luca Fazzini.

Análises científicas, mesas de troca de experiência entre diversos escritores, retratos aprofundados dos homenageados. E não faltaram exposição e lançamento de livros nesse Festival que vai acumulando experiência, criando redes e tornando-se, segundo os fundadores, cada vez mais rico e dinâmico, ambicionando passar de pequeno/médio, mas importante Festival, para um grande Festival de literatura-mundo. A ele está associado o prémio literário “Llana”, o maior em Cabo Verde. E entre uma edição e outra, há extensões noutros países e cidades: Itália, Brasil, Portugal, França, outras ilhas de Cabo Verde... É a literatura como chave para compreender melhor o mundo e torná-lo mais belo e harmonioso.