Mensagem para o x Dia mundial de oração pelo cuidado da criação 2025
1 de setembro
Sementes de paz e esperança
Queridos irmãos e irmãs!
O tema para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação deste ano, escolhido pelo nosso amado Papa Francisco, é “Sementes de Paz e Esperança”. No décimo aniversário da instituição deste Dia de oração, que coincidiu com a publicação da Encíclica Laudato si’, encontramo-nos em pleno Jubileu, “peregrinos de Esperança”. E é precisamente neste contexto que o tema adquire todo o seu significado.
Na sua pregação, Jesus usa com frequência a imagem da semente para falar do Reino de Deus e, na véspera da Paixão, aplica-a a si mesmo, comparando-se ao grão de trigo, que deve morrer para dar fruto (cf. Jo 12, 24). A semente entrega-se inteiramente à terra e aí, com a força impetuosa do seu dom, a vida germina, mesmo nos lugares mais inesperados, numa surpreendente capacidade de gerar um futuro. Pensemos, por exemplo, nas flores que crescem à beira da estrada: ninguém as plantou, mas elas crescem graças a sementes que foram parar ali quase por acaso e conseguem decorar o cinzento do asfalto e até mesmo penetrar na sua dura superfície.
Assim, em Cristo, somos sementes. Não só isso, mas “sementes de Paz e Esperança”. Como diz o profeta Isaías, o Espírito de Deus é capaz de transformar o deserto árido e ressequido num jardim, num lugar de repouso e serenidade: «Uma vez mais virá sobre nós o espírito do alto. Então o deserto se converterá em pomar, e o pomar será como uma floresta. Na terra, agora deserta, habitará o direito, e a justiça no pomar. A paz será obra da justiça, e o fruto da justiça será a tranquilidade e a segurança para sempre. O povo de Deus repousará numa mansão serena, em moradas seguras e em lugares tranquilos» (Is 32, 15-18).
Estas palavras proféticas que, de 1 de setembro a 4 de outubro, acompanharão a iniciativa ecuménica do “Tempo da Criação”, afirmam com força que, junto à oração, são necessárias vontades e ações concretas que tornem percetível esta “carícia de Deus” sobre o mundo (cf. Carta enc. Laudato si’, 84). Com efeito, a justiça e o direito parecem remediar a inospitalidade do deserto. Trata-se de um anúncio extraordinariamente atual. Em várias partes do mundo, já é evidente que a nossa terra está a cair na ruína. Por todo o lado, a injustiça, a violação do direito internacional e dos direitos dos povos, a desigualdade e a ganância provocam o desflorestamento, a poluição, a perda de biodiversidade. Os fenómenos naturais extremos, causados pelas alterações climáticas provocadas pelo homem, estão a aumentar de intensidade e frequência (cf. Exort. ap. Laudate Deum, 5), sem ter em conta os efeitos, a médio e longo prazo, de devastação humana e ecológica provocada pelos conflitos armados.
Parece ainda haver uma falta de consciência de que a destruição da natureza não afeta todos da mesma forma: espezinhar a justiça e a paz significa atingir principalmente os mais pobres, os marginalizados, os excluídos. A este respeito, o sofrimento das comunidades indígenas é emblemático.
E não basta: a própria natureza torna-se, por vezes, um instrumento de troca, uma mercadoria a negociar para obter ganhos económicos ou políticos. Nestas dinâmicas, a criação transforma-se num campo de batalha pelo controlo dos recursos vitais, como testemunham as zonas agrícolas e as florestas que se tornaram perigosas por causa das minas, a política da “terra queimada” (Cf. Pontifício Conselho Justiça e Paz, Terra e cibo, LEV 2015, 51-53), os conflitos que eclodem em torno das fontes de água, a distribuição desigual das matérias-primas, penalizando as populações mais fracas e minando a própria estabilidade social.
Estas várias feridas devem-se ao pecado. Não era certamente isso que Deus tinha em mente quando confiou a Terra ao homem criado à sua imagem (cf. Gn 1, 24-29). A Bíblia não promove «o domínio despótico do ser humano sobre a criação» (Carta enc. Laudato si’, 200). Pelo contrário, «é importante ler os textos bíblicos no seu contexto, com uma justa hermenêutica, e lembrar que nos convidam a “cultivar e guardar” o jardim do mundo (cf. Gn 2, 15). Enquanto “cultivar” quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno, “guardar” significa proteger, cuidar, preservar, velar. Isto implica uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza» (ibid., 67).
A justiça ambiental — implicitamente anunciada pelos profetas — já não pode ser considerada um conceito abstrato ou um objetivo distante. Ela representa uma necessidade urgente que ultrapassa a mera proteção do ambiente. Trata-se verdadeiramente de uma questão de justiça social, económica e antropológica. Para os que creem em Deus, além disso, é uma exigência teológica, que para os cristãos tem o rosto de Jesus Cristo, em quem tudo foi criado e redimido. Num mundo onde os mais frágeis são os primeiros a sofrer os efeitos devastadores das alterações climáticas, do desflorestamento e da poluição, cuidar da criação torna-se uma questão de fé e de humanidade.
Chegou verdadeiramente o tempo de dar seguimento às palavras com obras concretas. «Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspeto secundário da experiência cristã» (ibid., 217). Trabalhando com dedicação e ternura, muitas sementes de justiça podem germinar, contribuindo para a paz e a esperança. Por vezes, são precisos anos para que a árvore dê os primeiros frutos, anos que envolvem todo um ecossistema na continuidade, na fidelidade, na colaboração e no amor, sobretudo se este amor se tornar um espelho do Amor oblativo de Deus.
Entre as iniciativas da Igreja, que são como sementes lançadas neste campo, gostaria de recordar o projeto «Borgo Laudato si’», que o Papa Francisco nos deixou como herança em Castel Gandolfo, uma semente que pode dar frutos de justiça e paz. Trata-se de um projeto de educação para a ecologia integral que visa ser um exemplo de como se pode viver, trabalhar e fazer comunidade aplicando os princípios da Encíclica Laudato si’.
Peço ao Todo-Poderoso que nos envie em abundância o seu «espírito do alto» (Is 32, 15), para que estas sementes e outras semelhantes possam dar frutos abundantes de paz e esperança.
A Encíclica Laudato si’ acompanha a Igreja católica e muitas pessoas de boa vontade desde há dez anos: que ela continue a inspirar-nos, e que a ecologia integral seja cada vez mais escolhida e partilhada como caminho a seguir. Assim se multiplicarão as sementes de esperança, a serem “guardadas e cultivadas” com a graça da nossa grande e indefetível Esperança, Cristo Ressuscitado. Em seu nome, envio a todos vós a minha bênção.
Vaticano, 30 de junho de 2025
Memória dos Santos Protomártires da Igreja Romana.
LEÃO PP. XIV
Saudação aos membros do Sínodo
da Igreja greco-católica ucraniana
2 de julho
Beatitude
Eminência
Queridos Irmãos no episcopado!
Depois de ter saudado no sábado passado os numerosos peregrinos da Igreja greco-católica ucraniana reunidos na Basílica de São Pedro, hoje tenho a alegria de me encontrar convosco, que celebrais a vossa assembleia sinodal.
Este momento importante para vós tem lugar no contexto do Ano jubilar, que convida todo o Povo de Deus a renovar-se na esperança. Como gostava de repetir o Papa Francisco, a esperança não desilude, porque se funda no amor de Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor.
Certamente, no atual contexto histórico, não é fácil falar de esperança a vós e ao povo confiado ao vosso cuidado pastoral. Não é fácil encontrar palavras de consolação para as famílias que perderam entes queridos nesta guerra insensata. Imagino que o seja também para vós, que estais em contacto diário com as pessoas feridas no coração e na carne. Apesar disso, recebo tantos testemunhos de fé e de esperança por parte de homens e mulheres do vosso povo. Este é um sinal da força de Deus que se manifesta no meio dos escombros da destruição.
Estou consciente de que tendes muitas necessidades a enfrentar, tanto no plano eclesial como no humanitário. Sois chamados a servir Cristo em cada pessoa ferida e angustiada que se dirige às vossas comunidades pedindo uma ajuda concreta.
Estou próximo de vós e, através de vós, estou próximo de todos os fiéis da vossa Igreja. Permaneçamos unidos na única fé e na única esperança. A nossa comunhão é um grande mistério: é também uma comunhão real com todos os irmãos e as irmãs cuja vida foi arrancada desta terra, mas é acolhida em Deus. Nele tudo vive e encontra plenitude de sentido.
Caríssimos, consola-nos sempre a certeza de que a Santa Mãe de Deus está connosco, assiste-nos, guia-nos para o seu Filho, que é a nossa paz. Pela sua intercessão materna, rezo para que a paz possa voltar o mais depressa possível à vossa pátria.
Agradeço-vos e abençoo-vos de coração.
Saudação a peregrinos da Dinamarca Irlanda, Inglaterra
País de Gales e Escócia
5 de julho
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!
Bom dia e bem-vindos ao Vaticano!
Excelências
Queridos sacerdotes e jovens amigos!
É com alegria que vos saúdo por ocasião da vossa peregrinação a Roma durante este Ano Jubilar, que, como sabeis, está dedicado à virtude teologal da esperança. Em particular, dou as boas-vindas aos jovens da Diocese de Copenhaga, que constituem este grupo, juntamente com os professores da Irlanda, Inglaterra, País de Gales e Escócia.
Estais a seguir os passos de inúmeros peregrinos dos vossos diversos países, que há séculos fazem esta mesma peregrinação a Roma, à “Cidade Eterna”. De facto, Roma sempre foi uma pátria especial para os cristãos, pois é o lugar onde os apóstolos Pedro e Paulo deram o testemunho supremo do seu amor por Jesus, oferecendo a sua vida como mártires. Como sucessor de Pedro, desejo expressar a minha gratidão pela vossa presença aqui e rezo para que, visitando os vários lugares sagrados, possais encontrar inspiração e esperança no exemplo profundo de como os santos e mártires imitaram Cristo.
A peregrinação tem um papel vital na nossa vida de fé, pois nos afasta das nossas casas e da nossa rotina diária e dá-nos tempo e espaço para encontrar Deus mais profundamente. Esses momentos ajudam-nos sempre a crescer, pois através deles o Espírito Santo molda-nos suavemente para sermos cada vez mais conformes à mente e ao coração de Jesus Cristo.
De maneira particular, queridos irmãos e irmãs, jovens reunidos connosco esta manhã, lembrai-vos de que Deus criou cada um de vós com um propósito e uma missão nesta vida. Aproveitai esta oportunidade para ouvir, para rezar, para que possais ouvir mais claramente no fundo do vosso coração a voz de Deus que vos chama. Acrescentaria que hoje, muitas vezes, perdemos a capacidade de ouvir, de ouvir realmente. Ouvimos música, temos os ouvidos constantemente inundados com todo o tipo de estímulos digitais, mas, por vezes, esquecemo-nos de ouvir o nosso próprio coração, e é no nosso coração que Deus nos fala, que Deus nos chama e nos convida a conhecê-lo melhor e a viver no seu amor. E através desta escuta, podeis abrir-vos para permitir que a graça de Deus fortaleça a vossa fé em Jesus (cf. Cl 2, 7), para que possais partilhar mais facilmente esse dom com os outros.
E dirigindo-me a vós, queridos professores: o que acabei de dizer aos jovens aplica-se igualmente a vós, especialmente devido ao vosso importante papel na formação dos jovens de hoje: crianças, adolescentes, jovens adultos. Pois eles olharão para vós como modelos: modelos de vida, modelos de fé. Eles olharão para vós, em particular, para ver como ensinais e como viveis. Espero que, cada dia, alimenteis a vossa relação com Cristo, que é para nós modelo de qualquer ensino autêntico (cf. Mt 7, 28), para que, por vossa vez, possais guiar e encorajar aqueles que vos foram confiados a seguir Cristo na própria vida.
E, por fim, quando todos regressardes a casa, lembrai-vos de que uma peregrinação não termina, ela muda o seu foco para a diária “peregrinação do discipulado”. Somos todos peregrinos e somos sempre peregrinos, caminhando enquanto procuramos seguir o Senhor e enquanto procuramos o caminho que é verdadeiramente nosso na vida. Certamente não é fácil, mas com a ajuda do Senhor, a intercessão dos santos e encorajando-vos uns aos outros, podeis ter a certeza de que, enquanto permanecerdes fiéis, confiando sempre na misericórdia de Deus, a experiência desta peregrinação continuará a dar frutos ao longo da vossa vida (cf. Jo 15, 16).
Queridos amigos, com estas poucas palavras, e confiando-vos à intercessão de Maria, Mãe da Igreja, concedo de coração a cada um de vós a minha bênção.
Deus vos abençoe e obrigado!
Saudação às Irmãs Agostinianas
Servas de Jesus e Maria
5 de julho
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!
Queridas Irmãs!
Estou feliz por me encontrar convosco no final do vosso Capítulo provincial: nesta semana de oração, discernimento e planeamento comum, pudestes renovar a adesão ao carisma da vossa fundadora, a venerável irmã Maria Teresa Spinelli.
Enquanto continua o seu processo de canonização, procede também o vosso caminho de santidade! Como Irmãs Agostinianas Servas de Jesus e Maria, encorajo-vos a deixar-vos guiar sempre de novo pelo nome que levais. De facto, o serviço que viveis cada dia realiza-se sobretudo na consagração da vida ao Senhor e fortalece-se na devoção sincera à sua e nossa Mãe.
Imitando a irmã Maria Teresa, sereis, portanto, pacientes nas tribulações, porque é precisamente nas provações que o Senhor confirma a sua fidelidade; sereis corajosas na missão, para que a obra educativa a que vos dedicais forme mentes sábias e corações capazes de escuta e paixão pela humanidade; sereis perseverantes no seguimento de Cristo, que é «o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jo 14, 6), e por isso o critério de todas as nossas iniciativas culturais. Sabemos que uma cultura sem verdade se torna um instrumento dos poderosos: em vez de libertar as consciências, confunde-as e distrai-as segundo os interesses do mercado, da moda ou do sucesso mundano.
A este propósito, aconselho-vos a retomar uma obra do santo doutor, nosso padre Agostinho, o De Magistro, para a meditardes num futuro próximo, colhendo os frutos do vosso Capítulo. Neste escrito, Agostinho afirma que o ensino exterior deve sempre conduzir ao encontro com o Mestre interior, que é Jesus (cf. I, 11). Em seu nome, desejo todo o bem às vossas comunidades e de coração vos concedo a bênção apostólica.
Obrigado!
Angelus do xiv domingo do tempo comum
6 de julho
Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!
O Evangelho de hoje (Lc 10, 1-12.17-20) recorda-nos a importância da missão, à qual todos somos chamados, cada um segundo a própria vocação, nas situações concretas em que o Senhor o colocou.
Jesus envia setenta e dois discípulos (v. 1). Esse número simbólico indica que a esperança do Evangelho é destinada a todos os povos: é precisamente essa a grandeza do coração de Deus, a sua messe abundante, ou seja, a obra que Ele realiza no mundo para que todos os seus filhos sejam alcançados pelo seu amor e sejam salvos.
Ao mesmo tempo, Jesus diz: «A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara» (v. 2).
Por um lado, como um semeador, Deus saiu pelo mundo para semear com generosidade e colocou no coração do homem e da história o desejo do infinito, de uma vida plena, de uma salvação que o liberte. Por isso, a seara é grande: o Reino de Deus, como uma semente, germina no solo e as mulheres e os homens de hoje, mesmo quando parecem dominados por tantas outras coisas, esperam uma verdade maior, procuram um sentido mais pleno para as suas vidas, desejam a justiça, levam dentro de si um anseio de vida eterna.
Por outro lado, são poucos os operários que vão trabalhar no campo semeado pelo Senhor e que, além disso, são capazes de reconhecer, com os olhos de Jesus, o bom trigo que está pronto para a colheita (cf. Jo 4, 35-38). Há algo grande que o Senhor quer fazer na nossa vida e na história da humanidade, mas poucos são aqueles que se apercebem disso, que param para acolher o dom, que o anunciam e o levam aos outros.
Queridos irmãos e irmãs, a Igreja e o mundo não precisam de pessoas que cumprem os seus deveres religiosos mostrando a sua fé como um rótulo exterior; precisam, pelo contrário, de operários desejosos de trabalhar no campo da missão, de discípulos apaixonados que testemunhem o Reino de Deus onde quer que estejam. Talvez não faltem os “cristãos de ocasião”, que só de vez em quando dão lugar a algum sentimento religioso ou participam em algum evento; mas poucos são aqueles que estão prontos a trabalhar todos os dias no campo de Deus, cultivando no seu coração a semente do Evangelho para depois levá-la à vida quotidiana, à família, aos locais de trabalho e de estudo, aos vários ambientes sociais e àqueles que se encontram em necessidade.
Para fazer isso, não são necessárias muitas ideias teóricas sobre conceitos pastorais: é preciso, acima de tudo, rezar ao Dono da messe. Com efeito, em primeiro lugar está a relação com o Senhor, cultivando o diálogo com Ele. Então, será Ele que nos tornará seus operários e nos enviará ao campo do mundo como testemunhas do seu Reino.
Peçamos à Virgem Maria — Ela que participou na obra da salvação oferecendo generosamente o seu “Eis-me aqui” — que interceda por nós e nos acompanhe no caminho do seguimento do Senhor, para que também nós possamos tornar-nos operários alegres do Reino de Deus.
Apelo
Caríssimos, a paz é um desejo de todos os povos e é o grito doloroso daqueles que são dilacerados pela guerra. Peçamos ao Senhor que toque os corações e inspire as mentes dos governantes, para que substituam a violência das armas pela busca do diálogo.
Esta tarde irei a Castel Gandolfo, onde pretendo permanecer para um breve período de descanso. Desejo a todos que possam passar um tempo de férias para revigorar o corpo e o espírito.
Homilia da primeira missa
«pelo cuidado da Criação»
no «Borgo Laudato si’»
9 de julho
Neste lindo dia, antes de mais nada, gostaria de convidar todos, começando por mim mesmo, a viver o que estamos a celebrar na beleza de uma catedral, que se poderia dizer “natural”, com as plantas e tantos elementos da criação que nos conduziram aqui para celebrar a Eucaristia, que significa: dar graças ao Senhor.
Há muitos motivos pelos quais queremos agradecer ao Senhor nesta Eucaristia: esta pode ser a primeira celebração com o uso do novo formulário da Santa Missa pelo cuidado da criação, que é expressão do trabalho dos diferentes Dicastérios do Vaticano.
A título pessoal, agradeço a tantas pessoas aqui presentes, que trabalharam neste sentido para a liturgia. Como sabeis, a liturgia representa a vida e vós sois a vida deste Centro Laudato si’. Gostaria de vos agradecer neste momento, nesta ocasião, por tudo o que fazem seguindo esta belíssima inspiração do Papa Francisco, que deu esta pequena porção dos jardins precisamente para continuar a tão importante missão relacionada com tudo o que conhecemos após 10 anos da publicação da Laudato si’: a necessidade de cuidar da criação, da casa comum.
Aqui é como nas Igrejas antigas dos primeiros séculos, que tinham uma pia batismal pela qual era preciso passar para entrar na igreja. Não gostaria de ser batizado nesta água... mas o símbolo de passar pela água para que todos sejamos lavados dos nossos pecados, das nossas fraquezas, e assim poder entrar no grande mistério da Igreja, é algo que vivemos também hoje. No início da missa, rezámos pela conversão, a nossa conversão. Gostaria de acrescentar que devemos rezar pela conversão de tantas pessoas, dentro e fora da Igreja, que ainda não reconhecem a urgência de cuidar da nossa casa comum.
Inúmeros desastres naturais que ainda vemos no mundo quase todos os dias em muitos lugares e em muitos países, são em parte causados pelos excessos do ser humano, com o seu estilo de vida. Por isso, devemos perguntar-nos se nós mesmos estamos a viver ou não essa conversão: quanto ela é necessária!
Tendo dito tudo isto, tenham um pouco mais de paciência, pois tenho também uma homilia que preparei e que vou partilhar: há alguns elementos que realmente ajudam a continuar a reflexão desta manhã, compartilhando este momento familiar e sereno, num mundo em chamas, tanto pelo aquecimento global quanto pelos conflitos armados, que tornam tão atual a mensagem do Papa Francisco nas suas Encíclicas Laudato si’ e Fratelli tutti. Podemos reconhecer-nos exatamente neste Evangelho que acabámos de ouvir, observando o medo dos discípulos no meio da tempestade, o mesmo medo de grande parte da humanidade. Todavia, no coração do ano do Jubileu, nós confessamos, e podemos repeti-lo várias vezes: há esperança! Encontramo-la em Jesus. Mais uma vez, Ele acalma a tempestade. O seu poder não traz agitação, antes cria algo; não destrói, mas faz ser, dando nova vida. E também nós nos perguntamos: «Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?» (Mt 8, 27).
A admiração que esta pergunta expressa é o primeiro passo que nos faz sair do medo. Jesus tinha vivido e rezado nos arredores do lago da Galileia. Ali, nos seus locais de vida e de trabalho, chamou os primeiros discípulos. As parábolas com que anunciava o Reino de Deus revelam uma profunda ligação com aquela terra e com aquelas águas, com o ritmo das estações e com a vida das criaturas.
O evangelista Mateus descreve a tempestade como uma “agitação da terra” (a palavra seismos): ele usará o mesmo termo para o terremoto no momento da morte de Jesus e ao amanhecer da sua ressurreição. Cristo se eleva, de pé, sobre esta agitação: já aqui o Evangelho nos faz perceber o Ressuscitado, presente na nossa história às avessas. A repreensão que Jesus dirige ao vento e ao mar manifesta o seu poder de vida e salvação, que supera aquelas forças diante das quais as criaturas se sentem perdidas.
Assim, voltemos então a perguntar-nos: «Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?» (Mt 8, 27). O hino que ouvimos da carta aos Colossenses parece responder precisamente a esta pergunta: «É Ele a imagem do Deus invisível, o primogénito de toda a criatura; porque foi nele que todas as coisas foram criadas, no céu e na terra» (Cl 1, 15-16). Naquele dia, os seus discípulos, à mercê da tempestade e dominados pelo medo, ainda não podiam professar este conhecimento sobre Jesus. Hoje, na fé que nos foi transmitida, podemos continuar: «É Ele a cabeça do Corpo, que é a Igreja. É Ele o princípio, o primogénito de entre os mortos, para ser Ele o primeiro em tudo» (v. 18). Essas são palavras que nos comprometem ao longo da história, que fazem de nós um corpo vivo, o corpo do qual Cristo é cabeça. A nossa missão de cuidar a criação, de levar-lhe paz e reconciliação, é a sua própria missão: a missão que o Senhor nos confiou. Nós ouvimos o clamor da terra, nós ouvimos o clamor dos pobres porque esse clamor chegou ao coração de Deus. A nossa indignação é a sua indignação e o nosso trabalho é o seu trabalho.
O canto do salmista inspira-nos a este respeito: «A voz do Senhor ressoa sobre as águas, o Deus glorioso faz ecoar o seu trovão, o Senhor está sobre a vastidão das águas. A voz do Senhor é poderosa» (Sl 29, 3-4). Esta voz compromete a Igreja com a profecia, mesmo quando exige a audácia de nos opormos ao poder destrutivo dos príncipes deste mundo. Com efeito, a aliança indestrutível entre o Criador e as criaturas move a nossa inteligência e os nossos esforços a fim que o mal se transforme em bem, a injustiça em justiça e a ganância em comunhão.
O único Deus criou todas as coisas com amor infinito e deu-nos a vida: por esta razão, São Francisco de Assis chama as criaturas de irmão, irmã e mãe. Somente um olhar contemplativo pode mudar a nossa relação com as coisas criadas e tirar-nos da crise ecológica que, devido ao pecado, tem como causa a rutura das relações com Deus, com o próximo e com a terra (cf. Papa Francisco, Carta Enc. Laudato si’, 66).
Caríssimos irmãos e irmãs, o «Borgo Laudato si’», onde nos encontramos, pretende ser, por intuição do Papa Francisco, um “laboratório” onde é possível viver aquela harmonia com a criação que é cura e reconciliação para nós, elaborando novas e eficazes formas de cuidar da natureza que nos foi confiada. Portanto, a todos vós, que vos dedicais com empenho à realização deste projeto, asseguro a minha oração e o meu encorajamento.
A Eucaristia, que estamos a celebrar, dá sentido e sustenta o nosso trabalho. Assim, como escreve o Papa Francisco, «a criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia. A graça, que tende a manifestar-se de modo sensível, atinge uma expressão maravilhosa quando o próprio Deus, feito homem, chega ao ponto de fazer-se comer pela sua criatura. No apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um pedaço de matéria. Não o faz de cima, mas de dentro, para podermos encontrá-lo, a Ele, no nosso próprio mundo» (Papa Francisco, Carta Enc. Laudato si’, 236). Sendo assim, a partir deste lugar, desejo concluir estes pensamentos, confiando-vos as palavras com que Santo Agostinho, nas últimas páginas das suas Confissões, associa as coisas criadas e o homem num louvor cósmico: ó Senhor, «tuas obras te louvam para que te amemos. E nós te amamos, para que tuas obras te louvem» (Santo Agostinho, Confissões, XIII, 33, 48). Que seja esta a harmonia que transmitimos ao mundo.
Mensagem assinada pelo cardeal secretário de EstadoPietro Parolin
por ocasião da «AI for Good Summit» 2025
Genebra, 10 de julho
Em nome de Sua Santidade, o Papa Leão XIV, gostaria de expressar as minhas cordiais saudações a todos os participantes da AI for Good Summit 2025, organizada pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), em parceria com outras agências da ONU e coorganizada pelo Governo suíço. Como esta cimeira coincide com o 160º aniversário da fundação da UIT, gostaria de felicitar todos os Membros e funcionários pelo seu trabalho e esforços constantes para promover a cooperação global, a fim de levar os benefícios das tecnologias da comunicação a todas as pessoas no mundo inteiro. Conectar a família humana através do telégrafo, da rádio, do telefone, das comunicações digitais e espaciais apresenta desafios, especialmente em áreas rurais e de baixa renda, onde aproximadamente 2,6 mil milhões de pessoas ainda não têm acesso às tecnologias da comunicação.
A humanidade está numa encruzilhada, enfrentando o imenso potencial gerado pela revolução digital impulsionada pela Inteligência Artificial. O impacto desta revolução é de longo alcance, transformando áreas como a educação, o trabalho, a arte, a saúde, a governação, as forças armadas e a comunicação. Esta transformação histórica exige responsabilidade e discernimento para garantir que a IA seja desenvolvida e utilizada para o bem comum, construindo pontes de diálogo e promovendo a fraternidade, e assegurando que ela sirva os interesses da humanidade como um todo.
À medida que a IA se torna capaz de se adaptar autonomamente a muitas situações, fazendo escolhas algorítmicas puramente técnicas, é crucial considerar as suas implicações antropológicas e éticas, os valores em jogo e os deveres e quadros regulamentares necessários para defender esses valores. De facto, embora a IA possa simular aspetos do raciocínio humano e realizar tarefas específicas com incrível velocidade e eficiência, não pode replicar o discernimento moral ou a capacidade de formar relações genuínas. Portanto, o desenvolvimento de tais avanços tecnológicos deve andar de mãos dadas com o respeito pelos valores humanos e sociais, a capacidade de julgar com consciência limpa e o crescimento da responsabilidade humana. Não é por acaso que esta era de profunda inovação levou muitos a refletir sobre o que significa ser humano e sobre o papel da humanidade no mundo.
Embora a responsabilidade pelo uso ético dos sistemas de IA comece com quem os desenvolve, gere e supervisiona, quem os utiliza também partilha essa responsabilidade. A IA requer, portanto, uma gestão ética adequada e quadros regulamentares centrados na pessoa humana, que vão além dos meros critérios de utilidade ou eficiência. Em última análise, nunca devemos perder de vista o objetivo comum de contribuir para essa «tranquillitas ordinis — a tranquilidade da ordem», como lhe chamou Santo Agostinho (De Civitate Dei), e promover uma ordem mais humana das relações sociais e sociedades pacíficas e justas ao serviço do desenvolvimento humano integral e do bem da família humana.
Em nome do Papa Leão XIV, gostaria de aproveitar esta oportunidade para vos encorajar a procurar clareza ética e estabelecer uma governação local e global coordenada da IA, baseada no reconhecimento comum da dignidade inerente e das liberdades fundamentais da pessoa humana. O Santo Padre assegura-vos de bom grado as suas orações pelos vossos esforços em benefício do bem comum.
Card. Pietro Parolin
Secretário de Estado de Sua Santidade
Mensagem para o v Dia mundial
dos avós e dos idosos
27 de julho
«Bem-aventurado aquele que não perdeu
a esperança» (cf. Sir 14, 2)
Queridos irmãos e irmãs!
O Jubileu que estamos a viver ajuda-nos a descobrir que a esperança é, em todas as idades, perene fonte de alegria. Além disso, quando é provada pelo fogo de uma longa existência, torna-se fonte de uma bem-aventurança plena.
A Sagrada Escritura apresenta vários casos de homens e mulheres já avançados em idade que o Senhor inclui nos seus desígnios de salvação. Pensemos em Abraão e Sara: já idosos, permanecem incrédulos diante da palavra de Deus, que lhes promete um filho. A impossibilidade de gerar parecia ter fechado o seu olhar de esperança para o futuro.
A reação de Zacarias ao anúncio do nascimento de João Batista não é diferente: «Como hei de verificar isso, se estou velho e a minha esposa é de idade avançada?» (Lc 1, 18). A velhice, a esterilidade e a diminuição das forças parecem extinguir as esperanças de vida e fecundidade de todos esses homens e mulheres. E parece também puramente retórica a pergunta que Nicodemos faz a Jesus, quando o Mestre lhe fala de um “novo nascimento”: «Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura poderá entrar no ventre de sua mãe outra vez, e nascer?» (Jo 3, 4). Pois bem, em todas as ocasiões em que aparece uma resposta aparentemente óbvia, o Senhor surpreende os seus interlocutores com uma intervenção salvífica.
Os idosos, sinais de esperança
Na Bíblia, Deus mostra várias vezes a sua providência dirigindo-se a pessoas idosas. Foi o que aconteceu a Abraão, Sara, Zacarias, Isabel e também com Moisés, chamado a libertar o seu povo quando tinha oitenta anos (cf. Ex 7, 7). Com estas escolhas, Ele ensina-nos que, aos seus olhos, a velhice é um tempo de bênção e graça e que, para Ele, os idosos são as primeiras testemunhas da esperança. «O que é este tempo da velhice? — pergunta-se Santo Agostinho a este respeito, e continua — Deus responde-te assim: “Oh, que a tua força desapareça de verdade, para que em ti permaneça a minha força e possas dizer com o Apóstolo: quando sou fraco, então é que sou forte”» (Enarr. In Ps. 70, 11). Assim, a constatação de que hoje o número daqueles que estão avançados em idade aumenta cada vez mais torna-se, para nós, um sinal dos tempos que somos chamados a discernir, para ler bem a história que vivemos.
Com efeito, só se compreende a vida da Igreja e do mundo na sucessão das gerações. Por isso, abraçar um idoso ajuda-nos a entender que a história não se esgota no presente, nem em encontros rápidos e relações fragmentárias, mas se desenrola rumo ao futuro. No livro do Génesis, encontramos o comovente episódio da bênção dada por Jacó, já idoso, aos filhos de José, seus netos: as suas palavras os exortam a olhar com esperança para o futuro, como o tempo das promessas de Deus (cf. Gn 48, 8-20). Portanto, se é verdade que a fragilidade dos idosos precisa do vigor dos jovens, é igualmente verdade que a inexperiência dos jovens precisa do testemunho dos idosos para projetar o futuro com sabedoria. Quantas vezes os nossos avós foram para nós um exemplo de fé e devoção, de virtudes cívicas e compromisso social, de memória e perseverança nas provações! A nossa gratidão e coerência nunca serão suficientes para agradecer este bonito legado que nos foi deixado com tanta esperança e amor.
Sinais de esperança para os idosos
Desde as suas origens bíblicas, o Jubileu representou um tempo de libertação: os escravos eram libertados, as dívidas perdoadas, as terras devolvidas aos seus proprietários originais. Era um momento de restauração da ordem social desejada por Deus, em que se sanavam as desigualdades e as opressões acumuladas ao longo dos anos. Na sinagoga de Nazaré, Jesus renova estes eventos de libertação quando proclama a boa nova aos pobres, a visão aos cegos, a soltura dos prisioneiros e o retorno à liberdade para os oprimidos (cf. Lc 4, 16-21).
Olhando para os idosos nesta perspetiva jubilar, também nós somos chamados a viver com eles uma libertação, sobretudo da solidão e do abandono. Este ano é o momento propício para realizá-la: a fidelidade de Deus às suas promessas ensina-nos que há uma bem-aventurança na velhice, uma alegria autenticamente evangélica que nos convida a derrubar os muros da indiferença na qual os idosos estão frequentemente encerrados. Em todas as partes do mundo, as nossas sociedades estão a habituar-se, com demasiada frequência, a deixar que uma parte tão importante e rica do seu tecido social seja marginalizada e esquecida.
Perante esta situação, é necessária uma mudança de atitude, que testemunhe uma assunção de responsabilidade por parte de toda a Igreja. Cada paróquia, associação ou grupo eclesial é chamado a tornar-se protagonista da “revolução” da gratidão e do cuidado, a realizar-se através de visitas frequentes aos idosos, criando para eles e com eles redes de apoio e oração, tecendo relações que possam dar esperança e dignidade àqueles que se sentem esquecidos. A esperança cristã impele-nos continuamente a ousar mais, a pensar em grande, a não nos contentarmos com o status quo. Neste caso específico, a trabalhar por uma mudança que devolva aos idosos a estima e o afeto.
Por isso, o Papa Francisco quis que o Dia Mundial dos Avós e dos Idosos fosse celebrado, em primeiro lugar, encontrando aqueles que estão sozinhos. E decidiu-se, pela mesma razão, que aqueles que não puderem vir a Roma neste ano em peregrinação podem «obter a Indulgência jubilar se se deslocarem para visitar por um côngruo período […] idosos em solidão […] quase fazendo uma peregrinação em direção a Cristo presente neles (cf. Mt 25, 34-36)» (Penitenciaria Apostólica, Normas sobre a concessão da indulgência jubilar, III). Visitar um idoso é um modo de encontrar Jesus, que nos liberta da indiferença e da solidão.
Na velhice, pode-se ter esperança
O livro de Ben Sirá afirma que a bem-aventurança é daqueles que não perderam a esperança (cf. 14, 2), dando a entender que na nossa vida — especialmente se for longa — podem existir muitos motivos para sempre lançar o olhar para o passado, em vez de olhar para o futuro. No entanto, como escreveu o Papa Francisco durante a sua última internação no hospital, «o nosso físico é débil mas, mesmo assim, nada nos pode impedir de amar, de rezar, de nos doarmos, de sermos uns pelos outros, na fé, sinais luminosos de esperança» (Angelus, 16 de março de 2025). Possuímos uma liberdade que nenhuma dificuldade pode tirar-nos: a de amar e rezar. Todos, sempre, podemos amar e rezar.
O bem que desejamos às pessoas que nos são caras — ao cônjuge com quem compartilhamos grande parte da vida, aos filhos, aos netos que alegram os nossos dias — não desaparece quando as forças se esvaem. Pelo contrário, muitas vezes é justamente o carinho deles que desperta as nossas energias, trazendo-nos esperança e conforto.
Estes sinais de vitalidade do amor, que têm a sua raiz em Deus mesmo, dão-nos coragem e recordam-nos que «mesmo se, em nós, o homem exterior vai caminhando para a ruína, o homem interior renova-se, dia após dia» (2 Cor 4, 16). Por isso, sobretudo na velhice, perseveremos confiantes no Senhor. Deixemo-nos renovar todos os dias, na oração e na Santa Missa, pelo encontro com Ele. Transmitamos com amor a fé que vivemos na família e nos encontros quotidianos durante tantos anos: louvemos sempre a Deus pela sua benevolência, cultivemos a unidade com as pessoas que nos são caras, abramos o nosso coração aos que estão mais longe e, em particular, aos necessitados. Assim, seremos sinais de esperança, em todas as idades.
Vaticano, 26 de junho de 2025.
LEÃO PP. XIV
Discurso aos membros dos Capítulos gerais de oito Institutos religiosos
12 de julho
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!
Sede todos bem-vindos! Sentemo-nos e reflitamos um pouco juntos.
Queridos irmãos e irmãs!
Com alegria dou-vos as boas-vindas, por ocasião dos vossos Capítulos e Assembleias. Saúdo os Superiores e as Superioras-gerais, os membros dos Conselhos, todos vós.
Estais reunidos para rezar, confrontar-vos e refletir juntos sobre o que o Senhor vos pede para o futuro. Os vossos Fundadores e Fundadoras, dóceis à ação do Espírito Santo, deixaram-vos em herança diversos carismas para a edificação do Corpo de Cristo (cf. Ef 4, 11-12); e precisamente para que este cresça segundo os desígnios de Deus, a Igreja pede-vos o serviço que estais a realizar (cf. Decr. Perfectae caritatis, 4).
Os vossos respetivos Institutos encarnam aspetos complementares entre eles da vida e da ação de todo o Povo de Deus: a oferta de si em união com o Sacrifício de Cristo, a missão ad gentes, o amor à Igreja protegido e transmitido, a educação e a formação dos jovens. Trata-se de modos diferentes com os quais se exprime de forma carismática a única e eterna realidade que os anima a todos: o amor de Deus pela humanidade.
Como é habitual, então, cada uma das vossas Congregações identificou ângulos particulares, à luz dos quais reler a herança recebida, para modernizar e atualizar os conteúdos. Estas pistas de trabalho, que escolhestes durante o tempo da preparação, na oração e na escuta recíproca, são também um dom precioso porque constituem fruto do Espírito. É Ele que, através do contributo de muitos, sob a guia dos Pastores, ajuda a «comunidade cristã a caminhar na caridade em busca da verdade plena (cf. Jo 16, 13)» (Bento XVI, Homilia na Missa de abertura da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e das Caraíbas, 13 de maio de 2007). Deste modo, formulastes orientações que contêm advertências fundamentais: renovar um autêntico espírito missionário, fazer próprios os sentimentos “que eram de Cristo Jesus” (cf. Fl 2, 5), radicar a esperança em Deus (cf. Is 40, 31), manter viva a chama do Espírito no coração (cf. 1Ts 5, 16-19), promover a paz, cultivar a corresponsabilidade pastoral nas Igrejas locais e muito mais. Estar ao lado deles e recordá-los juntos, neste momento, ajuda-nos a compreender a riqueza do nosso ser em comunidade, particularmente como religiosos, religiosas, empenhados na mesma maravilhosa aventura de «seguir Cristo mais de perto» (Catecismo da Igreja Católica, 916).
Que isto possa renovar e confirmar em todos nós a consciência e a alegria de ser Igreja e, em particular, incentivar-vos, no discernimento capitular, a pensar em grande, como peças únicas de um desenho que vos ultrapassa e vos envolve para além das vossas próprias expetativas: o projeto de salvação com o qual Deus quer conduzir a si toda a humanidade, como uma grande família (cf. FRANCISCO, Audiência geral, 29 de maio de 2013). Este é o espírito com que nasceram os vossos Institutos, e este é o horizonte no qual colocar cada esforço, para que contribua, através de pequenas luzes, para difundir sobre toda a terra a luz de Cristo, que nunca se esgota (cf. MISSAL ROMANO, Precónio pascal).
Caríssimos, peçamos juntos ao Senhor para sermos dóceis à voz do seu Espírito, que “ensina todas as coisas” (cf. Jo 14, 26) e sem cuja ajuda, na nossa fraqueza, nem sequer sabemos o que convém pedir (cf. Rm 8, 26).
Obrigado pelo vosso trabalho e pela vossa presença fiel em tantas partes do mundo. Abençoo-vos de coração e rezo por vós. Obrigado!
Oremos juntos:
[Pai-Nosso]
[Bênção]
Obrigado a todos vós!
Homilia da missa na paróquia
de S. Tomás de Villanova
em Castel Gandolfo
13 de julho
Irmãos e irmãs!
Compartilho convosco a alegria de celebrar esta Eucaristia e desejo saudar todos os presentes, a comunidade paroquial, os sacerdotes, o Bispo da Diocese, Sua Eminência, as autoridades civis e militares.
O Evangelho deste domingo, que acabámos de ouvir, é uma das mais belas e inspiradoras parábolas contadas por Jesus. Todos conhecemos a parábola do bom samaritano (Lc 10, 25-37).
Esta história continua a desafiar-nos hoje. Ela interpela a nossa vida, abala a tranquilidade das nossas consciências adormecidas ou distraídas e alerta-nos para o risco de uma fé acomodada, conformada com a observância exterior da lei, mas incapaz de sentir e agir com as mesmas entranhas de compaixão de Deus.
A compaixão, com efeito, está no centro da parábola. E se é verdade que no relato evangélico ela é descrita por meio das ações do samaritano, a primeira coisa que o trecho destaca é o olhar. Na verdade, diante de um homem ferido que se encontra à beira da estrada, depois de ter sido atacado por salteadores, tanto do sacerdote como do levita, diz: «ao vê-lo, passou adiante» (v. 32); ao contrário, do samaritano, o Evangelho diz: «vendo-o, encheu-se de compaixão» (v. 33).
Queridos irmãos e irmãs, o olhar faz a diferença, porque expressa aquilo que trazemos no coração: ver e passar adiante ou ver e encher-se de compaixão. Existe um modo de ver exterior, distraído e apressado, um olhar que finge não ver, isto é, sem nos deixarmos sensibilizar e interpelar pela situação; por outro lado, há um modo de ver com os olhos do coração, com um olhar mais profundo, com uma empatia que nos põe no lugar do outro, nos faz participar interiormente, nos toca, comove, questiona a nossa vida e a nossa responsabilidade.
O primeiro olhar do qual a parábola quer falar-nos é aquele que Deus dirigiu para nós, a fim de que também nós aprendamos a ter os mesmos olhos que Ele, cheios de amor e compaixão uns pelos outros. Realmente, o bom samaritano é, antes de mais nada, a imagem de Jesus, o Filho eterno que o Pai enviou à história precisamente porque olhou para a humanidade sem passar adiante, com olhos, com coração e com entranhas movidos por emoção e compaixão. Como aquele homem do Evangelho que descia de Jerusalém para Jericó, a humanidade descia aos abismos da morte e, ainda hoje, muitas vezes tem de lidar com a escuridão do mal, com o sofrimento, com a pobreza, com o absurdo da morte; Deus, porém, olhou para nós com compaixão, quis fazer Ele mesmo o nosso caminho, desceu no meio de nós e, em Jesus, bom samaritano, veio curar as nossas feridas, derramando sobre nós o óleo do seu amor e da sua misericórdia.
O Papa Francisco lembrou-nos tantas vezes que Deus é misericórdia e compaixão, e afirmou que Jesus «é a compaixão do Pai por nós» (Angelus, 14 de julho de 2019). Ele é o bom samaritano que veio ao nosso encontro; Ele, diz Santo Agostinho, «quis ser chamado nosso próximo. Pois o Senhor Jesus Cristo representa-se a si próprio sob os traços daquele homem que socorreu o pobre caído no caminho, ferido, semimorto e abandonado pelos ladrões» (A doutrina cristã, I, 30.33).
Compreendemos, assim, por que a parábola instiga também cada um de nós: uma vez que Cristo é a manifestação de um Deus compassivo, acreditar n’Ele e segui-lo como seus discípulos significa deixar-se transformar para que também nós possamos ter os mesmos sentimentos d’Ele, ou seja, um coração que se comove, um olhar que vê e não passa adiante, duas mãos que socorrem e aliviam feridas, ombros fortes que carregam o fardo daqueles que estão em necessidade.
A primeira leitura de hoje, fazendo-nos ouvir as palavras de Moisés, diz-nos que obedecer aos mandamentos do Senhor e converter-se a Ele, não significa multiplicar atos exteriores, mas, pelo contrário, trata-se de voltar ao próprio coração, para descobrir que é precisamente ali que Deus escreveu a lei do amor. Se no íntimo da nossa vida descobrimos que Cristo, como bom samaritano, nos ama e cuida de nós, também nós somos impelidos a amar da mesma forma e nos tornaremos compassivos como Ele. Curados e amados por Cristo, também nós nos tornamos sinais do seu amor e da sua compaixão no mundo.
Irmãos e irmãs, hoje precisamos desta revolução do amor. Hoje, aquele caminho que desce de Jerusalém até Jericó, uma cidade que se encontra abaixo do nível do mar, é o caminho percorrido por todos aqueles que se aprofundam no mal, no sofrimento e na pobreza; é o caminho de tantas pessoas oprimidas pelas dificuldades ou feridas pelas circunstâncias da vida; é o caminho de todos aqueles que “estão em baixo” até se perderem e tocarem o fundo; e é a estrada de tantos povos espoliados, roubados e saqueados, vítimas de sistemas políticos opressivos, de uma economia que os condena à pobreza, da guerra que mata os seus sonhos e as suas vidas.
E o que fazemos nós? Vemos e passamos adiante, ou deixamos que o nosso coração seja trespassado como o do samaritano? Às vezes, contentamo-nos em fazer apenas o nosso dever ou consideramos nosso próximo somente quem está no nosso círculo, quem pensa como nós, quem tem a mesma nacionalidade ou religião. Porém, Jesus inverte a perspetiva, apresentando-nos um samaritano, um estrangeiro e herege que se torna próximo daquele homem ferido. E pede-nos que façamos o mesmo.
O samaritano, escreveu Bento XVI, «não se pergunta até onde chegam os seus deveres de solidariedade nem sequer quais sejam os merecimentos necessários para a vida eterna. Acontece outra coisa: sente o coração despedaçar-se-lhe […]. Se a pergunta tivesse sido: “O samaritano é também meu próximo?”, então, na referida situação, a resposta teria sido um “não” decididamente claro. Mas Jesus inverte a questão: o samaritano, o estrangeiro, faz-se a si mesmo próximo e mostra-me que é, a partir do meu íntimo, que devo aprender o ser-próximo e que trago a resposta já dentro de mim. Devo tornar-me uma pessoa que ama, uma pessoa cujo coração está aberto para deixar-se impressionar perante a necessidade do outro» (Jesus de Nazaré, 253).
Ver sem passar adiante, parar a nossa corrida apressada, deixar que a vida do outro, seja ele quem for, com as suas necessidades e sofrimentos, me parta o coração. Isso aproxima-nos uns dos outros, gera uma verdadeira fraternidade, derruba muros e barreiras. E, finalmente, o amor abre caminho, tornando-se mais forte do que o mal e a morte.
Caríssimos, olhemos para Cristo, o bom Samaritano, e ouçamos ainda hoje a Sua voz que diz a cada um de nós: «Vai e faz tu também o mesmo» (v. 37).
Palavras improvisadas no final da missa.
Neste momento, gostaria de entregar um pequeno presente ao Pároco desta Paróquia Pontifícia, como recordação da nossa celebração de hoje [aplausos]. A patena e o cálice com os quais celebrámos a Eucaristia são instrumentos de comunhão, e podem ser um convite a nós todos para vivermos em comunhão, para promovermos verdadeiramente esta fraternidade, esta comunhão que vivemos em Jesus Cristo.
Angelus na praça da Liberdade
em Castel Gandolfo
13 de julho
Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!
O Evangelho de hoje começa com uma lindíssima pergunta feita a Jesus: «Mestre, que hei de fazer para herdar a vida eterna?» (cf. Lc 10, 25). Estas palavras exprimem um desejo constante na nossa vida: o desejo de salvação, ou seja, de uma existência livre do fracasso, do mal e da morte.
O que o coração do homem espera é descrito como um bem “herdado”: nem se conquista através da força, nem se implora como se fôssemos servos, nem se obtém por contrato. A vida eterna, que só Deus pode dar, é transmitida ao homem como herança, de pai para filho.
Eis por que, à nossa pergunta, Jesus responde que, para receber o dom de Deus, é preciso acolher a sua vontade. Está escrito na Lei: «Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração» e «o teu próximo como a ti mesmo» (Lc 10, 27; cf. Dt 6, 5; Lv 19, 18). Fazendo assim, correspondemos ao amor do Pai: a vontade de Deus é, na verdade, aquela lei de vida que Deus, em primeiro lugar, pratica a nosso respeito, amando-nos por inteiro no seu Filho Jesus.
Irmãos e irmãs, olhemos para Ele! Jesus é a revelação do verdadeiro amor para com Deus e para com o homem: amor que se dá e não possui, amor que perdoa e não demanda, amor que socorre e nunca abandona. Em Cristo, Deus fez-se próximo de todos os homens e mulheres; por isso, cada um de nós pode e deve tornar-se próximo daqueles que encontra pelo caminho. Seguindo o exemplo de Jesus, Salvador do mundo, também nós somos chamados a levar consolação e esperança, especialmente àqueles que estão desanimados e desiludidos.
Para viver eternamente, portanto, não há que enganar a morte, mas servir a vida, ou seja, cuidar da existência dos outros no tempo que aqui partilharmos. Esta é a lei suprema, que não só está antes de qualquer regra social como lhe dá sentido.
Peçamos à Virgem Maria, Mãe da Misericórdia, que nos ajude a acolher no nosso coração a vontade de Deus, que é sempre a vontade de amor e salvação, para sermos todos os dias construtores da paz.
Apelo
Irmãos e irmãs, não nos esqueçamos de rezar pela paz e por todos aqueles que, por causa da violência e da guerra, se encontram numa situação de sofrimento e de necessidade.
Homilia da missa na catedral de Albano
20 de julho
Queridos irmãos e irmãs!
Estou muito feliz por hoje me encontrar, aqui, a celebrar a Eucaristia dominical nesta linda Catedral. Como sabeis, a minha chegada estava prevista para o dia 12 de maio, porém o Espírito Santo fez de modo diverso. Mas estou verdadeiramente feliz e, com esta fraternidade e alegria cristã, saúdo todos os presentes, Sua Eminência, o Bispo da Diocese, as Autoridades presentes e todos vós.
Na liturgia hodierna, a Primeira Leitura e o Evangelho falam-nos de hospitalidade, de serviço e de escuta (cf. Gn 18, 1-10; Lc 10, 38-42).
No primeiro caso, Deus visita Abraão na pessoa de “três homens” que se dirigem à sua tenda «na hora mais quente do dia» (cf. Gn 18, 1-2). Podemos imaginar a cena: o sol escaldante, a calma do deserto, o calor intenso e os três desconhecidos que procuram abrigo. Abraão, sentado «à porta da sua tenda», está no lugar de anfitrião, e é muito bonito ver como exerce a sua função: reconhecendo nos visitantes a presença de Deus, levanta-se, corre ao seu encontro, prostra-se por terra, pede-lhes que se detenham. E assim, toda a cena ganha vida. A tranquilidade da tarde é preenchida com gestos de amor que envolvem não só o Patriarca, mas também Sara, sua mulher, e os servos. Abraão não está já sentado, mas «de pé junto dos estranhos, debaixo da árvore» (Gn 18, 8), e aí Deus dá-lhe a notícia mais bonita que poderia esperar: «Sara, tua mulher, terá já um filho» (Gn 18, 10).
A dinâmica deste encontro pode fazer-nos refletir: Deus escolhe o caminho da hospitalidade para encontrar Sara e Abraão e para lhes anunciar o dom da sua fecundidade, que eles tanto desejavam e já nem sequer esperavam. Depois de tantos momentos de graça em que anteriormente os tinha visitado, volta a bater-lhes à porta, pedindo acolhimento e confiança. E aqueles dois idosos respondem positivamente, sem saber ainda o que está para acontecer. Reconhecem nos misteriosos visitantes a Sua bênção, a Sua própria presença. Oferecem-Lhe o que têm — comida, companhia, serviço e a sombra de uma árvore — e recebem a promessa de uma vida nova e de uma descendência.
Embora em circunstâncias diferentes, o Evangelho fala do mesmo modo de agir de Deus. Também aqui, Jesus se apresenta como hóspede em casa de Marta e Maria. Não é um desconhecido: está em casa de amigos e o ambiente é de festa. Uma das irmãs acolhe-o com mil atenções, enquanto a outra o escuta sentada a seus pés, com a atitude típica do discípulo perante o mestre. Como sabemos, às queixas da primeira, que gostaria de receber alguma ajuda em questões práticas, Jesus responde convidando-a a apreciar o valor da escuta (cf. Lc 10, 41-42).
No entanto, seria errado ver estas duas atitudes como contrapostas entre si, bem como fazer comparações em termos de méritos entre as duas mulheres. Com efeito, o serviço e a escuta são duas dimensões gémeas do acolhimento.
Em primeiro lugar, na nossa relação com Deus. Na verdade, se é importante que vivamos a nossa fé com ações concretas e com a fidelidade aos nossos deveres, segundo o estado e a vocação de cada um, é também fundamental que o façamos a partir da meditação da Palavra de Deus e da atenção ao que o Espírito Santo sugere ao nosso coração, reservando, para isso, momentos de silêncio, momentos de oração, tempos em que, silenciando ruídos e distrações, nos reunimos diante d’Ele e construímos a unidade em nós mesmos. Esta é uma dimensão da vida cristã que hoje temos particular necessidade de recuperar, seja como valor pessoal e comunitário seja como sinal profético para o nosso tempo: dar lugar ao silêncio, à escuta do Pai que fala e «vê o oculto» (Mt 6, 6). Neste sentido, os dias de verão podem ser um tempo providencial para experimentar como é bela e importante a intimidade com Deus, e como ela pode também ajudar-nos a ser mais abertos e acolhedores uns para com os outros.
São dias em que dispomos de mais tempo livre, tanto para nos recolhermos e meditarmos, como para nos encontrarmos, deslocando-nos e visitando-nos reciprocamente. Saindo do turbilhão dos compromissos e das preocupações, aproveitemo-los para saborear alguns momentos de sossego e recolhimento, bem como para, indo a algum lado, partilhar a alegria de nos vermos — como acontece comigo, hoje e aqui. Façamos disto uma oportunidade para cuidarmos uns dos outros, para trocarmos experiências, ideias, para nos compreendermos mutuamente e darmos bons conselhos: isto faz-nos sentir amados, e todos precisamos de tal. Façamo-lo com coragem. Deste modo, na solidariedade, na partilha da fé e da vida, promoveremos uma cultura de paz, ajudando também aqueles que nos rodeiam a superar divisões e hostilidades e a construir a comunhão entre pessoas, povos e religiões.
O Papa Francisco disse que «se quisermos saborear a vida com alegria, devemos associar estas duas atitudes: por um lado, “estar aos pés” de Jesus, para o ouvir enquanto Ele nos revela o segredo de tudo; por outro, estar atentos e prontos na hospitalidade, quando Ele passa e bate à nossa porta, com o rosto do amigo que tem necessidade de um momento de conforto e fraternidade» (Angelus, 21 de julho de 2019). Disse estas palavras, de resto, poucos meses antes que a pandemia começasse. E, neste sentido, quanto nos ensinou aquela longa e dura experiência, que ainda hoje recordamos.
Naturalmente, tudo isto implica fadiga. O serviço e a escuta não são sempre fáceis: exigem empenho, capacidade de renúncia. Por exemplo, na escuta e no serviço, a fidelidade e o amor com que um pai e uma mãe orientam a sua família implicam fadiga, o mesmo acontece com o empenho dos filhos, em casa e na escola, para corresponder aos seus esforços; é exigente o compreender-nos uns aos outros quando temos opiniões diferentes, o perdoar-nos quando erramos, o assistir-nos quando estamos doentes, o apoiar-nos quando estamos tristes. Mas só assim, com estes esforços, se constrói algo de bom na vida; só assim nascem e crescem relações autênticas e fortes entre as pessoas, e a partir de baixo, da quotidianidade, o Reino de Deus cresce, se difunde e se experimenta já presente (cf. Lc 7, 18-22).
Santo Agostinho, ao refletir sobre o episódio de Marta e Maria, comentou num dos seus discursos: «Nestas duas mulheres estão simbolizadas duas vidas: a presente e a futura; uma vivida na fadiga e a outra no repouso; uma atribulada, a outra bem-aventurada; uma temporária, a outra eterna» (Sermão 104, 4). E pensando no trabalho de Marta, Agostinho disse: «Quem na terra está isento deste serviço de cuidar dos outros? Quem na terra consegue descansar destas tarefas? Procuremos desempenhá-las de forma irrepreensível e com caridade [...]. O cansaço passará e o repouso chegará; mas o repouso só chegará por meio do cansaço. A barca passará e a pátria chegará; mas não se chegará à pátria, senão por meio da barca» (ibid., 6-7).
Abraão, Marta e Maria recordam-nos hoje precisamente isto: que a escuta e o serviço são duas atitudes complementares para, na vida, nos abrirmos à presença abençoadora do Senhor. O seu exemplo convida-nos a conciliar com sabedoria e equilíbrio, ao longo de cada dia, contemplação e ação, repouso e fadiga, silêncio e trabalho, tendo sempre como medida a caridade de Jesus, como luz a sua Palavra e como manancial de força a sua graça, que nos sustenta para além das nossas próprias capacidades (cf. Fl 4, 13).
No final da missa, antes de conceder a bênção, Leão XIV acrescentou estas palavras.
A Vossa Excelência entregamos este presente (uma casula), expressão da nossa proximidade à sua Igreja diocesana, com o desejo de que a Bênção do Senhor sempre os acompanhe. Obrigado pelo seu serviço e obrigado ao seu povo!
Angelus na praça da Liberdade
em Castel Gandolfo
20 de julho
Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!
Hoje, a Liturgia chama a nossa atenção para a hospitalidade de Abraão e da sua esposa Sara e, em seguida, das irmãs Marta e Maria, amigas de Jesus (cf. Gn 18, 1-10; Lc 10, 38-42). Sempre que aceitamos o convite para a Ceia do Senhor e participamos na mesa eucarística, é o próprio Deus que «nos vem servir» (cf. Lc 12, 37). Mas o nosso Deus soube, em primeiro lugar, ser hóspede e, ainda hoje, está à nossa porta e bate (cf. Ap 3, 20). É sugestivo que, na língua italiana, hóspede seja tanto aquele que hospeda como aquele que é hospedado. Assim, neste domingo de verão, podemos contemplar este jogo de acolhimento recíproco, sem o qual a nossa vida empobrece.
É preciso humildade tanto para hospedar como para ser hospedado. São necessárias delicadeza, atenção, abertura. No Evangelho, Marta arrisca-se a não entrar plenamente na alegria desta permuta. Está tão preocupada com o que tem de fazer para acolher Jesus, que se arrisca a estragar um momento inesquecível de encontro. Marta é uma pessoa generosa, mas Deus chama-a a algo mais bonito do que a própria generosidade: Ele chama-a a sair de si mesma.
Caríssimos irmãos e irmãs, só isto faz florescer a nossa vida: abrirmo-nos a algo que nos tira de nós mesmos e ao mesmo tempo nos preenche. No momento em que Marta se queixa porque a irmã a deixou sozinha a servir (cf. v. 40), Maria, conquistada pela palavra de Jesus, como que perdeu a noção do tempo. Não é menos concreta do que a sua irmã, nem menos generosa. Mas aproveitou a oportunidade. Por isso Jesus repreende Marta: porque ela ficou fora de uma intimidade que lhe daria também muita alegria (cf. vv. 41-42).
O tempo de verão pode ajudar-nos a “abrandar” e a tornarmo-nos mais parecidos com Maria do que com Marta. Por vezes, não nos damos a nós mesmos a melhor parte. Precisamos de repousar um pouco, com o desejo de aprender mais sobre a arte da hospitalidade. A indústria das férias quer vender-nos todo o tipo de experiências, mas talvez não o que procuramos. Com efeito, todo o encontro verdadeiro é gratuito e não se compra: seja o encontro com Deus, seja o encontro com os outros, seja o encontro com a natureza. É preciso simplesmente fazer-se hóspede: dar espaço e também pedi-lo; acolher e deixar-se acolher. Temos muito para receber e não apenas para dar. Embora idosos, Abraão e Sara descobriram-se fecundos quando acolheram tranquilamente o próprio Senhor em três viandantes. Também para nós, há ainda muita vida a acolher.
Oremos a Maria Santíssima, a Mãe do acolhimento, que hospedou o Senhor no seu seio e, juntamente com José, lhe deu uma casa. Nela brilha a nossa vocação, a vocação da Igreja a permanecer uma casa aberta a todos, para continuar a acolher o seu Senhor, que pede licença para entrar.
Apelo
Continuam a chegar, nestes dias, notícias dramáticas do Médio Oriente, em particular de Gaza.
Expresso a minha profunda tristeza pelo ataque do exército israelita contra a paróquia católica da Sagrada Família na cidade de Gaza; como sabeis, quinta-feira passada, causou a morte de três cristãos e graves ferimentos noutros. Rezo pelas vítimas, Saad Issa Kostandi Salameh, Foumia Issa Latif Ayyad, Najwa Ibrahim Latif Abu Daoud, e sinto-me particularmente próximo dos seus familiares e de todos os paroquianos. Este ato, infelizmente, vem somar-se aos contínuos ataques militares contra a população civil e os lugares de culto em Gaza.
Mais uma vez, peço que se ponha imediatamente termo à barbárie da guerra e que se encontre uma solução pacífica para o conflito.
À comunidade internacional, dirijo o apelo para que se observe o direito humanitário e se respeite a obrigação de proteger os civis, bem como a proibição da punição coletiva, do uso indiscriminado da força e das deslocações forçadas da população.
Aos nossos amados cristãos do Médio Oriente, digo: compreendo bem a vossa sensação de pouco poder fazer diante desta situação tão dramática. Estais no coração do Papa e de toda a Igreja. Obrigado pelo vosso testemunho de fé. Que a Virgem Maria, mulher do Levante, aurora do novo Sol que nasceu na história, sempre vos proteja e guie o mundo para os alvores da paz.
Discurso a um grupo de formadores
e aos participantes do capítulo geral
dos irmãos Xaverianos
25 de julho
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!
Estimados formadores, caríssimos irmãos Xaverianos!
É com alegria que me encontro convosco no final de dois momentos importantes que vivestes aqui em Roma: o Curso para formadores nos Seminários, promovido desde há tantos anos pelo Pontifício Ateneu Regina Apostolorum, e o Capítulo geral, no qual alguns de vós participastes como delegados.
São certamente duas ocasiões diferentes, mas podemos ver um fio condutor que as une, pois de maneira diferente somos chamados a entrar no dinamismo da missão e a enfrentar os desafios da evangelização. Esta chamada exige de todos, ministros ordenados e fiéis leigos, uma formação sólida e integral, que não se reduz somente a algumas competências cognitivas, mas que deve ter como finalidade transformar a nossa humanidade e a nossa espiritualidade, a fim de que assumam a forma do Evangelho e em nós haja «os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus» (Fl 2, 5).
A vós, formadores, a quantos se ocupam da formação dos formadores e a vós, irmãos Xaverianos, que estais particularmente comprometidos na missão ad gentes, gostaria de oferecer algumas pistas de reflexão. Recentemente, o Dicastério para o Clero promoveu um encontro internacional dedicado aos presbíteros sobre o tema: “Sacerdotes felizes”. Mas podemos dizer também que todos nós devemos ser contagiados pela alegria do Evangelho e, por isso, é possível falar de cristãos felizes, discípulos felizes e missionários felizes.
Para que este desejo não permaneça apenas um slogan, a formação é fundamental. É necessário que a “casa” da nossa vida e do nosso caminho, presbiteral ou laical que seja, esteja fundada sobre a “rocha” (cf. Mt 7, 24-25), isto é, sobre alicerces sólidos para enfrentar as tempestades humanas e espirituais de que não está isenta sequer a vida do cristão, do sacerdote e do missionário. Como construir uma casa sobre a rocha? Desejo apresentar-vos brevemente três pequenas sugestões.
A primeira é esta: cultivar a amizade com Jesus. Este é o fundamento da casa, que deve ser colocado no centro de cada vocação e missão apostólica. É necessário viver pessoalmente a experiência da intimidade com o Mestre, de ser visto, amado e escolhido por Ele sem mérito e por pura graça, pois é antes de mais nada esta nossa experiência que depois transmitimos no ministério: quando formamos outros para a vida sacerdotal e quando, na nossa vocação específica, anunciamos o Evangelho em terras de missão, transmitimos primeiro a nossa experiência pessoal de amizade com Cristo, que transparece do nosso modo de ser, do nosso estilo, da nossa humanidade, do modo como somos capazes de viver boas relações.
Recordando a Evangelii nuntiandi durante uma Audiência geral, o Papa Francisco afirmou: «A evangelização é mais do que uma simples transmissão doutrinal e moral. É em primeiro lugar testemunho [...], testemunho do encontro pessoal com Jesus Cristo, Verbo encarnado no qual a salvação se completou [...]. Não significa transmitir uma ideologia, nem uma “doutrina” sobre Deus, não! Significa transmitir Deus, que se torna vida em mim» (Audiência geral, 22 de março de 2023).
Isto implica um contínuo caminho de conversão. Os formadores e aqueles que se ocupam deles não devem esquecer que eles próprios percorrem um caminho de permanente conversão evangélica; ao mesmo tempo, os missionários não podem esquecer que são sempre os primeiros destinatários do Evangelho, os primeiros que devem ser evangelizados. E isto significa um trabalho constante sobre si mesmos, o compromisso de descer ao próprio coração e de olhar também para as áreas sombrias e as feridas que nos marcam, a coragem de deixar cair as nossas máscaras, cultivando a amizade íntima com Cristo. Assim, deixar-nos-emos transformar pela vida do Evangelho e poderemos tornar-nos autênticos discípulos missionários.
Um segundo aspeto: viver uma fraternidade efetiva e afetiva entre nós. Quando o Papa Francisco falava da vida sacerdotal e das crises a prevenir, gostava de realçar quatro proximidades: com Deus, com o Bispo, entre os presbíteros e com o Povo (cf. Discurso aos participantes no Simpósio “Para uma teologia fundamental do sacerdócio”, 17 de fevereiro de 2022). Neste sentido, é necessário aprender a viver como irmãos entre os sacerdotes, bem como nas Comunidades religiosas e com os próprios Bispos e Superiores; é preciso trabalhar muito sobre nós mesmos para vencer o individualismo e o anseio de superar os outros, que nos torna concorrentes, para aprender gradualmente a construir relações humanas e espirituais boas e fraternas. Em princípio, penso que todos concordam com isto, mas na realidade ainda há um longo caminho a percorrer.
Terceiro e último aspeto: partilhar a missão com todos os batizados. Nos primeiros séculos da Igreja, era natural que todos os fiéis se sentissem discípulos missionários e se comprometessem pessoalmente como evangelizadores. E o ministério ordenado estava ao serviço desta missão compartilhada por todos. Hoje sentimos fortemente que devemos voltar a esta participação de todos os batizados no testemunho e no anúncio do Evangelho. Nas terras onde vós, irmãos Xaverianos, promoveis a missão, certamente tereis sentido diretamente como é importante trabalhar em conjunto com as irmãs e os irmãos daquelas Comunidades cristãs; ao mesmo tempo, aos formadores gostaria de dizer que devemos formar os presbíteros para isto, a fim de que não se considerem líderes solitários, nem assumam o sacerdócio ordenado na perspetiva de se sentir superiores. Precisamos de sacerdotes capazes de discernir e reconhecer em todos a graça do Batismo e os carismas que dele derivam, talvez também ajudando as pessoas a abrir-se a estes dons, a encontrar a coragem e o entusiasmo para se comprometer na vida da Igreja e na sociedade. Em termos concretos, isto significa que a preparação dos futuros sacerdotes deverá estar cada vez mais mergulhada na realidade do Povo de Deus e realizar-se com a contribuição de todos os seus componentes: sacerdotes, leigos, consagrados e consagradas.
Caríssimos, obrigado por esta ocasião, mas sobretudo pelo vosso serviço, pelo cuidado com a formação sacerdotal, pela missão evangelizadora em terras muitas vezes feridas e necessitadas da esperança do Evangelho. Encorajo-vos a ir em frente pelo vosso caminho.
A Virgem Maria vos acompanhe e interceda por vós. Obrigado!
Mensagem por ocasião do 111º Dia mundial do migrante e do refugiado
4-5 de outubro
Migrantes, missionários de esperança
Queridos irmãos e irmãs!
O 111º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, que o meu predecessor quis fazer coincidir com o Jubileu dos Migrantes e do Mundo Missionário, oferece-nos a oportunidade de refletir sobre a relação entre esperança, migração e missão.
O atual contexto mundial é tristemente marcado por guerras, violência, injustiças e fenómenos meteorológicos extremos, que obrigam milhões de pessoas a deixar a sua terra natal em busca de refúgio noutros lugares. A tendência generalizada de cuidar exclusivamente dos interesses de comunidades circunscritas constitui uma séria ameaça à partilha de responsabilidades, à cooperação multilateral, à realização do bem comum e à solidariedade global em benefício de toda a família humana. A perspetiva de uma nova corrida ao armamento e o desenvolvimento de novas armas, incluindo aquelas nucleares, a pouca consideração pelos efeitos nefastos da atual crise climática e as profundas desigualdades económicas tornam cada vez mais difíceis os desafios do presente e do futuro.
Perante as previsões de devastação global e cenários assustadores, é importante que cresça no coração de cada vez mais pessoas o desejo de esperar um futuro de dignidade e paz para todos os seres humanos. Esse futuro é parte essencial do projeto de Deus para a humanidade e para o resto da criação. Trata-se do futuro messiânico antecipado pelos profetas: «Velhos e velhas sentar-se-ão ainda nas praças de Jerusalém; cada um terá na mão o seu bastão, por causa da sua muita idade. As praças da cidade ficarão cheias de meninos e meninas que brincarão nelas. [...] Semearei a paz: a vinha dará o seu fruto, a terra os seus produtos e o céu o seu orvalho» (Zc 8, 4-5.12). E este futuro já começou, porque foi inaugurado por Jesus Cristo (cf. Mc 1, 15 e Lc 17, 21) e nós cremos e esperamos a sua plena realização, pois o Senhor sempre cumpre as suas promessas.
O Catecismo da Igreja Católica ensina: «A virtude da esperança corresponde ao desejo de felicidade que Deus colocou no coração de todo o homem; assume as esperanças que inspiram as atividades dos homens» (n. 1818). E é certamente a busca da felicidade — e a expetativa de a encontrar em outro lugar — uma das principais motivações da mobilidade humana contemporânea.
Esta ligação entre migração e esperança revela-se claramente em muitas das experiências migratórias dos nossos dias. Muitos migrantes, refugiados e deslocados são testemunhas privilegiadas da esperança vivida no quotidiano, através da sua confiança em Deus e da sua capacidade de suportar as adversidades, em vista de um futuro em que vislumbram a aproximação da felicidade e do desenvolvimento humano integral. Renova-se neles a experiência itinerante do povo de Israel: «Ó Deus, quando saíste à frente do teu povo, avançando pelo deserto, a terra tremeu e a chuva caiu do céu, na presença do Deus do Sinai, na presença de Deus, o Deus de Israel. Fizeste cair, ó Deus, a chuva com abundância; restauraste as forças à tua herança extenuada. O teu povo ficou restabelecido, e Tu, ó Deus, reconfortaste o pobre com a tua bondade» (Sl 68, 8-11).
Num mundo obscurecido por guerras e injustiças, mesmo onde tudo parece perdido, os migrantes e refugiados erguem-se como mensageiros de esperança. A sua coragem e tenacidade são testemunho heroico de uma fé que vê além do que os nossos olhos podem ver e que lhes dá força para desafiar a morte nas diferentes rotas migratórias contemporâneas. Também aqui é possível encontrar uma clara analogia com a experiência do povo de Israel errante no deserto, que enfrenta todos os perigos confiando na proteção do Senhor: «Ele há de livrar-te da armadilha do caçador e do flagelo maligno. Ele te cobrirá com as suas penas; debaixo das suas asas encontrarás refúgio; a sua fidelidade é escudo e couraça. Não temerás o terror da noite, nem da seta que voa de dia, nem da peste que alastra nas trevas, nem do flagelo que mata em pleno dia» (Sl 91, 3-6).
Os migrantes e refugiados lembram à Igreja a sua dimensão peregrina, em permanente busca da pátria definitiva, sustentada por uma esperança que é virtude teologal. Sempre que a Igreja cede à tentação da “sedentarização” e deixa de ser civitas peregrina — povo de Deus peregrino rumo à pátria celeste (cf. Santo Agostinho, De civitate Dei, Livro XIV-XVI), deixa de estar «no mundo» e torna-se «do mundo» (cf. Jo 15, 19). Trata-se de uma tentação já presente nas primeiras comunidades cristãs, a ponto de o apóstolo Paulo ter de recordar à Igreja de Filipos que «a cidade a que pertencemos está nos céus, de onde certamente esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transfigurará o nosso pobre corpo, conformando-o ao seu corpo glorioso, com aquela energia que o torna capaz de a si mesmo sujeitar todas as coisas» (Fl 3, 20-21).
Hoje, os migrantes e refugiados católicos podem, de modo particular, tornar-se missionários de esperança nos países que os acolhem, levando adiante novos caminhos de fé onde a mensagem de Jesus Cristo ainda não chegou ou iniciando diálogos inter-religiosos feitos de quotidianidade e busca de valores comuns. Com o seu entusiasmo espiritual e a sua vitalidade, podem contribuir para revitalizar comunidades eclesiais endurecidas e sobrecarregadas, nas quais avança de forma ameaçadora o deserto espiritual. A sua presença deve, portanto, ser reconhecida e apreciada como uma verdadeira bênção divina, uma oportunidade para se abrir à graça de Deus, que dá nova energia e esperança à sua Igreja: «Não vos esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos» (Hb 13, 2).
Como sublinhou São Paulo VI, o primeiro elemento da evangelização é geralmente o testemunho: «Todos os cristãos são chamados a dar este testemunho e podem ser, sob este aspeto, verdadeiros evangelizadores. E aqui pensamos de modo especial na responsabilidade que se origina para os migrantes nos países que os recebem» (Evangelii nuntiandi, 21). Trata-se de uma verdadeira missio migrantium — missão realizada pelos migrantes — para a qual deve ser assegurada uma preparação adequada e um apoio contínuo, fruto de uma eficaz cooperação intereclesial.
Por outro lado, também as comunidades que os acolhem podem ser um testemunho vivo de esperança, entendida como promessa de um presente e de um futuro em que seja reconhecida a dignidade de todos como filhos de Deus. Dessa forma, os migrantes e refugiados são reconhecidos como irmãos e irmãs, parte de uma família em que podem expressar os seus talentos e participar plenamente na vida comunitária.
Por ocasião deste Dia jubilar, em que a Igreja reza pelos migrantes e refugiados, quero confiar à proteção maternal da Virgem Maria, Socorro dos migrantes, todos os que estão a caminho, assim como aqueles que se esforçam em acompanhá-los, para que Ela mantenha viva nos seus corações a esperança e os sustente no seu empenho em construir um mundo que se assemelhe cada vez mais ao Reino de Deus, a verdadeira pátria que nos espera no fim da nossa viagem.
Vaticano, Festa de S. Tiago Apóstolo
25 de julho de 2025.
LEÃO PP. XIV
Angelus do xvii domingo do tempo comum
27 de julho
Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!
Hoje, o Evangelho apresenta-nos Jesus a ensinar aos seus discípulos o Pai-Nosso (cf. Lc 11, 1-13): a oração que une todos os cristãos. Nela, o Senhor convida a dirigirmo-nos a Deus chamando-lhe “Abbá”, “paizinho”, como crianças, com «simplicidade [...], confiança filial, [...] ousadia [...], certeza de ser amado» (Catecismo da Igreja Católica, 2778).
A este propósito, o Catecismo da Igreja Católica diz, com uma expressão muito bela, que «pela oração do Senhor, nós somos revelados a nós próprios, ao mesmo tempo que nos é revelado o Pai» (ibid., 2783). E é verdade: quanto mais confiantes rezamos ao Pai do Céu, tanto mais nos descobrimos filhos amados e tanto mais conhecemos a grandeza do seu amor (cf. Rm 8, 14-17).
O Evangelho de hoje descreve os traços da paternidade de Deus por meio de algumas imagens sugestivas: a de um homem que se levanta no meio da noite para ajudar um amigo a acolher uma visita inesperada; ou a de um pai que tem o cuidado de dar coisas boas aos seus filhos.
Estas imagens recordam-nos que Deus nunca nos vira as costas quando nos dirigimos a Ele, nem mesmo se chegamos tarde para bater à sua porta, talvez depois de erros, de oportunidades perdidas, de fracassos, nem mesmo se, para nos acolher, Ele tiver de “acordar” os seus filhos que dormem em casa (cf. Lc 11, 7). Pelo contrário, na grande família da Igreja, o Pai não hesita em tornar-nos todos participantes de cada um dos seus gestos de amor. O Senhor escuta-nos sempre que rezamos, e, se por vezes nos responde em momentos e formas difíceis de compreender, é porque age com uma sabedoria e uma providência maiores, que estão para além da nossa compreensão. Por isso, mesmo nestes momentos, não deixemos de rezar; e rezar com confiança: n’Ele encontraremos sempre luz e força.
No entanto, ao recitarmos o Pai-Nosso, além de celebrarmos a graça da filiação divina, exprimimos também o nosso compromisso de corresponder a esse dom, amando-nos uns aos outros como irmãos em Cristo. Um dos Padres da Igreja, meditando sobre isto, escreve: «Devemos saber e lembrar que, se dizemos que Deus é Pai, precisamos agir como filhos» (São Cipriano de Cartago, A oração do Senhor, 11), e outro acrescenta: «Não pode chamar de Pai ao Deus de toda a bondade quem conserva um coração cruel e indócil; pois assim já não possui em si a marca daquela bondade do Pai celeste» (São João Crisóstomo, Homilia sobre a porta estreita e a oração do Senhor, 3). Não se pode rezar a Deus como “Pai” e depois ser duro e insensível para com os outros. Pelo contrário, é importante deixar-nos transformar pela sua bondade, pela sua paciência, pela sua misericórdia, para refletir o seu rosto no nosso como em um espelho.
Queridos irmãos e irmãs, a liturgia de hoje convida-nos, na oração e na caridade, a sentir-nos amados e a amar como Deus nos ama: com disponibilidade, discrição, solicitude recíproca, sem cálculos. Peçamos a Maria que saibamos responder este chamamento, para manifestar a doçura do rosto do Pai.
Apelo
Hoje é celebrado o V Dia Mundial dos Avós e dos Idosos com o tema: «Bem-aventurado aquele que não perdeu a esperança». Olhemos para os avós e os idosos como testemunhas da esperança, capazes de iluminar o caminho das novas gerações. Não os deixemos sozinhos, mas forjemos com eles uma aliança de amor e de oração.
O meu coração está próximo de todos aqueles que sofrem devido aos conflitos e à violência no mundo. Em particular, rezo pelas pessoas envolvidas nos confrontos na fronteira entre a Tailândia e o Camboja, especialmente pelas crianças e pelas famílias deslocadas. Que o Príncipe da Paz inspire todos a procurar o diálogo e a reconciliação.
Rezo pelas vítimas da violência no sul da Síria.
Acompanho com grande preocupação a gravíssima situação humanitária em Gaza, onde a população civil é esmagada pela fome e continua exposta à violência e à morte. Renovo o meu apelo sincero ao cessar-fogo, à libertação dos reféns e ao respeito integral dos direitos humanos.
Cada pessoa humana tem uma dignidade intrínseca que lhe foi conferida pelo próprio Deus: exorto as partes em todos os conflitos a reconhecê-la e a cessar qualquer ação contrária a ela. Exorto a negociar um futuro de paz para todos os povos e a rejeitar tudo o que possa prejudicá-lo.
Confio a Maria, Rainha da Paz, as vítimas inocentes dos conflitos e os governantes que têm o poder de pôr-lhes fim.
Saúdo a Rádio Vaticano/Vatican News que, para estar mais perto dos fiéis e dos peregrinos durante o Jubileu, com L’Osservatore Romano, inaugurou uma pequena estação sob a colunata de Bernini. Obrigado pelo serviço em tantas línguas, que leva a voz do Papa ao mundo. E obrigado a todos os jornalistas que contribuem para uma comunicação de paz e de verdade.
Mensagem aos participantes
da 28ª Assembleia geral da fiuc
28 de julho
Estimados membros da Federação Internacional das Universidades Católicas!
Por ocasião da 28ª Assembleia geral da Federação Internacional das Universidades Católicas, que este ano se realiza em Guadalajara, no México, agradeço-vos a oportunidade que me ofereceis de partilhar convosco algumas breves reflexões.
O lema que inspira a celebração do centenário da FIUC é: “As universidades católicas, coreógrafas do saber”. Trata-se de uma expressão muito bonita, que convida à harmonia, à unidade, ao dinamismo e ao júbilo. Neste contexto, devemos perguntar-nos qual é a música que seguimos. No nosso tempo, talvez mais do que noutras épocas, abundam os “cantos das sereias”, que são atraentes pela sua novidade, pela sua popularidade ou, noutras ocasiões, pela aparente segurança que infundem. Contudo, além de tais impressões, por si só superficiais, as universidades católicas são chamadas a tornar-se «itinerário da mente para Deus», de acordo com a feliz expressão de São Boaventura, a fim de que em nós se torne realidade a oportuna exortação de Santo Agostinho: «Vede, irmãos, o que acontece na alma humana. Por si mesma, ela não tem luz, não tem força. Tudo o que existe de belo na alma é fortaleza e sabedoria; mas nem sequer o que ela sabe é seu, nem a sua força é sua, não é luz por si mesma [...] Existe, porém, uma origem e uma nascente da fortaleza, bem como uma raiz da sabedoria; existe, por assim dizer, uma região, se é que assim lhe podemos chamar, da verdade imutável. Afastando-se dela, a alma ofusca-se; aproximando-se dela, ilumina-se» (Comentário aos Salmos, 58, I, 1).
O ambiente universitário, com o seu diálogo distintivo entre várias visões do mundo, não é alheio ao ser e ao agir da Igreja. Para compreender o motivo, é bom recordar, ainda que brevemente, o modo como os cristãos, desde os primórdios da evangelização, compreenderam claramente que não se podia anunciar a Boa Nova sem esclarecer em que medida era compatível ou não com outras maneiras de ver o mundo e com outras propostas acerca do significado do ser humano e do viver em sociedade. A este respeito, é importante a pergunta que São Paulo dirige aos cristãos de Roma, convidando-os a confrontar o seu estilo de vida atual com aquele que seguiam antes: «Que frutos colhíeis então, frutos dos quais agora vos envergonhais? O seu fim é a morte» (Rm 6, 21). Aqueles povos do mundo clássico não eram desprovidos de inteligência e, no entanto, o fim e o resultado de todo o seu raciocínio resumem-se, para o Apóstolo, na palavra “morte”. Porquê? O que faltava? Faltava Cristo, Palavra e Sabedoria do Pai; faltava Aquele através de quem e para quem todas as coisas foram criadas (cf. Cl 1, 16). Cristo não se apresenta como um estranho ao discurso racional, mas sim como uma chave de abóbada que confere sentido e harmonia a todos os nossos pensamentos, a todos os nossos anseios e aos nossos projetos para melhorar a vida presente e para dar significado e transcendência ao esforço humano.
S. Tomás compreendeu bem que em Cristo-Sabedoria há o que é mais próprio da nossa fé e, ao mesmo tempo, o que é mais universal da inteligência humana e, precisamente por isso, a sabedoria, assim entendida, é o lugar natural de encontro e diálogo com todas as culturas e todas as formas de pensamento. No seu Comentário às Sentenças, lemos que a sabedoria, «quer se trate de uma capacidade intelectual, quer de um dom [de Deus], diz respeito sobretudo ao divino; e na medida em que tudo o resto pode ser julgado por ela, diz-se que o sábio alcança uma certeza maior do que todos os outros» (III, d. 35, q. 2, a. 2, qc 2). Por conseguinte, não devemos afastar-nos de Cristo, nem relativizar o seu lugar único e próprio, para dialogar de maneira respeitosa e fecunda com outras escolas do saber, antigas e recentes.
Estimados irmãos e irmãs, com os bons votos de que Cristo-Sabedoria — Verdade feita Pessoa, que atrai a si o mundo — seja a bússola que norteie a tarefa das instituições universitárias às quais vós presidis, e que o seu conhecimento amoroso constitua o impulso para uma nova evangelização no âmbito da educação superior católica, concedo a todos a Bênção Apostólica.
Vaticano, 21 de julho de 2025.
LEÃO PP. XIV
Saudação aos missionários digitais
e aos influencers católicos
29 de julho
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!
Queridos irmãos e irmãs, começamos com esta saudação: a paz esteja convosco!
E quanta necessidade temos de paz neste nosso tempo dilacerado por inimizades e guerras! E quanto nos chama a dar testemunho hoje a saudação do Ressuscitado: «A paz esteja convosco!» (Jo 20, 19). A paz esteja com todos nós. Nos nossos corações e nas nossas ações.
Esta é a missão da Igreja: anunciar a paz ao mundo! A paz que vem do Senhor que venceu a morte, que nos traz o perdão de Deus, que nos dá a vida do Pai, que nos mostra o caminho do Amor!
1. Esta é a missão que a Igreja hoje confia também a vós que estais aqui em Roma para o vosso Jubileu, que viestes renovar o vosso compromisso de alimentar as redes sociais e os ambientes digitais com a esperança cristã. A paz deve ser procurada, anunciada, partilhada em toda a parte; quer nos dramáticos cenários de guerra, quer nos corações esvaziados de quem perdeu o sentido da existência e o gosto pela interioridade, o gosto pela vida espiritual. E hoje, talvez mais do que nunca, temos necessidade de discípulos missionários que levem ao mundo o dom do Ressuscitado; que, indo até aos confins da terra (cf. At 1, 3-8), deem voz à esperança que Jesus vivo nos dá; que cheguem a todos os lugares onde houver um coração que espera, um coração que procura, um coração que sente necessidade. Sim, até aos confins da terra, até às fronteiras existenciais onde não há esperança.
2. Há um segundo desafio nesta missão: procurar sempre a “carne sofredora de Cristo” em cada irmão e irmã que encontrardes nos espaços digitais. Hoje, encontramo-nos numa nova cultura profundamente caraterizada e formada pela tecnologia. Cabe a nós — cabe a cada um de vós — assegurar que esta cultura permaneça humana.
A ciência e a tecnologia influenciam a nossa maneira de viver no mundo, até ao ponto de afetar a compreensão que temos de nós mesmos e o modo como nos relacionamos com Deus, como nos relacionamos entre nós. Mas nada do que provém do homem e da sua criatividade deve ser usado para diminuir a dignidade do outro. A nossa missão — a vossa missão — é cultivar a cultura do humanismo cristão, e fazê-lo juntos. Esta é para todos nós a beleza da “rede”.
Perante as mudanças culturais, ao longo da história, a Igreja nunca ficou passiva; sempre procurou iluminar cada época com a luz e a esperança de Cristo, discernindo o bem do mal e o que era bom daquilo que precisava de ser mudado, transformado e purificado.
Hoje, estamos numa cultura em que a dimensão tecnológica está presente em quase tudo, especialmente à medida em que o amplo uso da inteligência artificial marcará uma nova era na vida dos indivíduos e da sociedade no seu todo. Este é o desafio que devemos enfrentar: refletindo sobre a autenticidade do nosso testemunho, sobre a nossa capacidade de ouvir e de falar; de compreender e de ser compreendido. Temos o dever de trabalhar juntos para desenvolver um pensamento, desenvolver uma linguagem que, sendo frutos do nosso tempo, deem voz ao Amor.
Não se trata apenas de gerar conteúdos, mas de criar um espaço de encontro de corações. Isto permitirá procurar aqueles que sofrem, aqueles que necessitam conhecer o Senhor, para que suas feridas possam ser curadas, para que se reergam e encontrem um sentido para suas vidas. Este processo começa sobretudo com a aceitação da nossa própria pobreza, deixando de lado qualquer tipo de pretensão e reconhecendo que a nossa inerente necessidade do Evangelho. E este processo é um empenho comunitário.
3. E isto leva-nos a um terceiro apelo, e por isso faço este apelo a todos vós: “Ide consertar as redes”. Jesus chamou os seus primeiros apóstolos quando eles estavam a consertar as suas redes de pescadores (cf. Mt 4, 21-22). Ele pede-nos também a nós, aliás pede-nos hoje, que construamos outras redes: redes de relações, redes de amor, redes de intercâmbio gratuito, nas quais a amizade seja autêntica e seja profunda. Redes onde se possa consertar o que está partido, onde se possa curar a solidão, sem se importar com o número de seguidores [followers], mas experimentando em cada encontro a grandeza infinita do Amor. Redes que deem espaço ao outro mais do que a nós mesmos, onde nenhuma “bolha de filtros” possa apagar a voz dos mais fracos. Redes que libertem, redes que salvem. Redes que nos façam redescobrir a beleza de nos olharmos uns dos outros, olhos nos olhos. Redes de verdade. Assim, cada história de bem compartilhada será o nó de uma única e imensa rede: a rede das redes, a rede de Deus.
Sede vós, então, agentes de comunhão, capazes de quebrar a lógica da divisão e da polarização; do individualismo e do egocentrismo. Ponde a Cristo no centro, para vencer a lógica do mundo, das fake news e da frivolidade, com a beleza e a luz da Verdade (cf. Jo 8, 31-32).
E agora, antes de me despedir com a Bênção, confiando o vosso testemunho ao Senhor, quero agradecer-vos por todo o bem que fizestes e fazeis nas vossas vidas, pelos sonhos que levais adiante, pelo vosso amor ao Senhor Jesus e pelo vosso amor à Igreja, pela ajuda que dais a quem sofre, pelo vosso caminhar nas estradas digitais.
Boas-vindas aos jovens
dos cinco continentes reunidos
em São Pedro para o início do seu Jubileu
29 de julho
Boa tarde!
Jesus diz-nos: «Vós sois o sal da terra [...]. Vós sois a luz do mundo» (Mt 5, 13-14).
Hoje as vossas vozes, o vosso entusiasmo, os vossos gritos — que são por Jesus Cristo — serão ouvidos até aos confins do mundo. Hoje estão a começar uns dias, um caminho, o jubileu da esperança, e o mundo precisa de mensagens de esperança: sois vós esta mensagem e deveis continuar a dar esperança a todos.
Esperamos que sejais sempre sinais de esperança no mundo! Hoje estamos a começar. Nos próximos dias, tereis a oportunidade de ser uma força que pode levar a graça de Deus, uma mensagem de esperança, uma luz à cidade de Roma, à Itália e ao mundo inteiro. Caminhemos juntos com a nossa fé em Jesus Cristo.
E o nosso grito deve ser também pela paz no mundo. Digamos todos juntos: “Queremos a paz no mundo!”. [A praça: «Queremos a paz no mundo!»]. Rezemos pela paz!
Oremos pela paz e sejamos testemunhas da paz de Jesus Cristo, da reconciliação, esta luz do mundo que todos nós procuramos.
[O Santo Padre concede a Bênção].
Até breve! Encontrar-nos-emos em Tor Vergata. Boa semana!
Audiência geral de quarta-feira
30 de julho
Prezados irmãos e irmãs!
Com esta catequese concluímos o nosso itinerário sobre a vida pública de Jesus, feita de encontros, parábolas e curas.
Também este tempo que vivemos tem necessidade de cura. O nosso mundo é permeado por um clima de violência e ódio que aflige a dignidade humana. Vivemos numa sociedade que adoece devido a uma “bulimia” das conexões das redes sociais: estamos hiperconectados, bombardeados por imagens, às vezes até falsas ou deturpadas. Somos oprimidos por múltiplas mensagens que suscitam em nós uma tempestade de emoções contraditórias.
Neste cenário, é possível que nasça em nós o desejo de desligar tudo. Podemos chegar a preferir não sentir mais nada. Até as nossas palavras correm o risco de ser mal interpretadas e podemos ser tentados a fechar-nos no silêncio, numa incomunicabilidade onde, por mais próximos que estejamos, já não conseguimos dizer as coisas mais simples e profundas.
A este propósito, gostaria de refletir hoje sobre um texto do Evangelho de Marcos, que nos apresenta um homem que não fala e não ouve (cf. Mc 7, 31-37). Precisamente como nos poderia acontecer hoje, este homem talvez tenha decidido não falar mais porque não se sentia compreendido, e desligar todas as vozes porque se sentiu desiludido e magoado com o que ouviu. Com efeito, não é ele que vai ter com Jesus para ser curado, mas é levado por outras pessoas. Poderíamos pensar que quantos o levam ao encontro do Mestre estão preocupados com o seu isolamento. No entanto, a comunidade cristã viu nestas pessoas também a imagem da Igreja, que acompanha cada homem ao encontro de Jesus para que ouça a sua palavra. O episódio tem lugar em território pagão, portanto estamos num contexto em que outras vozes tendem a abafar a voz de Deus.
Inicialmente, o comportamento de Jesus pode parecer estranho, dado que toma aquela pessoa à parte (v. 33a). Assim, parece acentuar o seu isolamento, mas olhando bem ajuda-nos a compreender o que se esconde por detrás do silêncio e do fechamento deste homem, como se tivesse entendido a sua necessidade de intimidade e proximidade.
Jesus oferece-lhe, antes de tudo, uma proximidade silenciosa, através de gestos que falam de um encontro profundo: toca os ouvidos e a língua deste homem (cf. v. 33b). Jesus não profere muitas palavras, diz a única coisa que lhe é necessária neste momento: «Abre-te!» (v. 34). Marcos cita a palavra em aramaico, efatá, como que para nos fazer sentir o som e o sopro “ao vivo”. Esta palavra, simples e maravilhosa, contém o convite que Jesus dirige a este homem que deixou de ouvir e de falar. É como se Jesus lhe dissesse: «Abre-te a este mundo que te amedronta! Abre-te às relações que te desiludiram! Abre-te à vida que renunciaste a enfrentar!». Com efeito, fechar-se nunca é uma solução.
Depois do encontro com Jesus, aquela pessoa não só volta a falar, mas fá-lo «corretamente» (v. 35). Este advérbio inserido pelo evangelista parece querer dizer-nos algo mais sobre os motivos do seu silêncio. Talvez este homem tenha deixado de falar porque julgava dizer as coisas de modo errado, talvez não se sentisse adequado. Todos nós passamos pela experiência de ser mal interpretados e de não nos sentirmos compreendidos. Todos nós temos necessidade de pedir ao Senhor que cure o nosso modo de comunicar, não só para ser mais eficazes, mas também para evitar ferir os outros com as nossas palavras.
Voltar a falar corretamente é o início de um caminho, ainda não é o ponto de chegada. Com efeito, Jesus proíbe aquele homem de contar o que lhe aconteceu (cf. v. 36). Para conhecer verdadeiramente Jesus é preciso percorrer um caminho, é necessário estar com Ele e atravessar até a sua Paixão. Quando o tivermos visto humilhado e sofredor, quando experimentarmos o poder salvífico da sua Cruz, só então poderemos dizer que o conhecemos verdadeiramente. Não existem atalhos para ser discípulo de Jesus.
Caros irmãos e irmãs, peçamos ao Senhor que nos ensine a comunicar de maneira honesta e prudente. Oremos por todos aqueles que foram feridos pelas palavras dos outros. Rezemos pela Igreja, a fim de que nunca desista da sua tarefa de levar as pessoas ao encontro de Jesus, para que possam ouvir a sua Palavra, ser curadas por ela e, por sua vez, tornar-se portadoras do seu anúncio de salvação.
Apelo
Renovo o meu profundo pesar pelo brutal ataque terrorista ocorrido na noite entre 26 e 27 de julho passado em Komanda, na parte oriental da República Democrática do Congo, onde mais de quarenta cristãos foram assassinados na igreja durante uma vigília de oração e nas suas próprias casas. Enquanto confio as vítimas à amorosa Misericórdia de Deus, rezo pelos feridos e pelos cristãos que, no mundo, continuam a sofrer violências e perseguições, exortando quantos têm responsabilidades a nível local e internacional a colaborar para prevenir tragédias semelhantes.
A 1 de agosto, comemoraremos o 50º aniversário da assinatura do Ato Final de Helsínquia. Animados pelo desejo de garantir a segurança no contexto da guerra fria, 35 países inauguraram uma nova era geopolítica, favorecendo uma reaproximação entre Oriente e Ocidente. Aquele evento marcou também um renovado interesse pelos direitos humanos, com particular atenção à liberdade religiosa, considerada um dos fundamentos da então nascente arquitetura de cooperação, de «Vancouver a Vladivostok». A participação ativa da Santa Sé na Conferência de Helsínquia — representada pelo Arcebispo Agostino Casaroli — contribuiu para promover o compromisso político e moral em prol da paz. Hoje, mais do que nunca, é indispensável preservar o espírito de Helsínquia: perseverar no diálogo, fortalecer a cooperação e fazer da diplomacia o caminho privilegiado para prevenir e resolver os conflitos.
Encontro com os artistas responsáveis pela animação do encontro dos jovens
em Tor Vergata
2 de agosto
Obrigado! Bom dia a todos e obrigado por tudo!
Eu quis ter este breve encontro, digamos familiar, convosco precisamente esta manhã, consciente da beleza, da arte, da música e de todos os vossos talentos que ofereceis a este grande público que temos em Roma nestes dias. Mais de meio milhão, dizem, talvez um milhão de jovens que vieram de tantos países do mundo. Para mim é um privilégio, é uma bênção poder participar nesta missão, neste serviço, como Bispo de Roma, como Santo Padre, conhecendo sobretudo a fé, o entusiasmo e a alegria que partilhamos e que dá voz àquilo que temos no nosso coração, e que é principalmente o desejo de encontrar a felicidade, a alegria, o amor; de experimentar a fé inclusive com as dádivas que o Senhor nos concedeu: a música, a dança e tantas formas artísticas que esta tarde partilhareis com os jovens. É realmente um dom para todos nós e para toda a Igreja, e agradeço-vos sinceramente. Obrigado a vós por este momento e peço a Deus que vos abençoe e vos ajude a acompanhar estes jovens que sentem também tanta necessidade de encontrar a verdadeira alegria, a autêntica felicidade que todos encontramos em Jesus Cristo.
Felicidades e muito obrigado!
Saudação aos amigos de Pascale
a jovem egípcia que faleceu
durante a peregrinação a Roma
para participar no Jubileu
2 de agosto
Prezados irmãos e irmãs, a paz esteja convosco!
Esta manhã recebi a triste notícia a respeito da vossa companheira de viagem nesta peregrinação, da vossa irmã que faleceu repentinamente ontem à noite, creio...
E certamente a tristeza que a morte traz a todos nós é algo muito humano e deveras compreensível, especialmente quando se está tão distante de casa e numa ocasião como esta, em que nos encontramos realmente unidos para celebrar a nossa fé com alegria. E, de repente, lembram-nos de modo muito forte que a nossa vida não é superficial, que não controlamos a nossa vida e que não sabemos, como o próprio Jesus dizia, nem o dia nem a hora em que, por alguma razão, a nossa vida terrena termina.
Contudo, no Evangelho aprendemos também o que Marta e Maria descobrem quando falece o irmão Lázaro, e quando Jesus não estava com elas no início, mas chegou vários dias depois da sua morte, e elas compreendem que Jesus é vida e ressurreição.
Assim, de certa forma, enquanto celebramos este Ano jubilar da esperança, lembram-nos de maneira muito forte como a nossa fé em Jesus Cristo deve fazer parte do que somos, do nosso modo de viver, do modo como nos estimamos e nos respeitamos uns aos outros e, acima de tudo, da nossa maneira de continuar a ir em frente, apesar de experiências tão dolorosas.
Santo Agostinho diz-nos que, quando alguém morre, é certamente muito humano e natural chorar e sofrer, sentir a perda de alguém que nos é querido, e diz-nos também para não chorar como fazem os pagãos, porque vimos Jesus Cristo morrer na cruz e ressuscitar da morte.
E é a nossa esperança na ressurreição que constitui a fonte última da nossa esperança; e falando de um Ano jubilar da esperança, a nossa esperança está em Jesus Cristo que ressuscitou. E chama todos nós a renovar a nossa fé, a ser amigos, irmãos e irmãs uns dos outros, a apoiar reciprocamente, e diz: também vós deveis ser testemunhas daquela mensagem evangélica. E hoje isto tocou todos vós de modo muito pessoal e direto. Assim, nesta dor que experimentais pela perda da vossa amiga, tendes a oportunidade de estar juntos, de rezar, de renovar a nossa fé e de pedir a Deus o descanso eterno para a nossa irmã, mas também a consolação e o fortalecimento da nossa fé, para que se renove na esperança; e foi por isso que, como Igreja, como irmãos e irmãs, nos reunimos.
Peçamos ao Senhor que permaneça connosco, que esteja com todos vós enquanto viveis estes dias de peregrinação no ano do Jubileu da esperança, e que todos sejais amparados com o amor e a graça de Deus!
O Senhor esteja convosco! A bênção de Deus Todo-Poderoso desça sobre vós! Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém! Que Deus possa permanecer convosco e conceder a paz aos vossos corações!
Diálogo com os jovens na vigília de oração em Tor Vergata
2 de agosto
Pergunta 1 — Amizade
Santo Padre, chamo-me Dulce María, tenho 23 anos e venho do México. Dirijo-me a vós como porta-voz de uma realidade que nós, jovens, vivemos em tantas partes do mundo. Somos filhos deste tempo: vivemos numa cultura que nos pertence e que, sem nos darmos conta, nos molda; ela está marcada pela tecnologia, especialmente no âmbito das redes sociais. Frequentemente, iludimo-nos com a ideia de ter muitos amigos e criar relações próximas, enquanto cada vez mais experimentamos diversas formas de solidão. Estamos próximos e conectados com tantas pessoas e, no entanto, não são relações verdadeiras e duradouras, mas passageiras e muitas vezes ilusórias. Santo Padre, a minha pergunta é: como podemos encontrar uma amizade sincera e um amor genuíno que nos levem à verdadeira esperança? Como pode a fé ajudar-nos a construir o nosso futuro?
Queridos jovens, as relações humanas, nossas relações com outras pessoas, são indispensáveis para cada um de nós, a começar pela razão de que todos os homens e mulheres do mundo nascem filhos de alguém. A nossa vida começa com um vínculo e é através de vínculos que crescemos. Neste processo, a cultura desempenha um papel fundamental: é o código com o qual nos compreendemos a nós mesmos e interpretamos o mundo. Como um dicionário, cada cultura contém tanto palavras nobres quanto palavras vulgares, valores e erros que devemos aprender a reconhecer. Buscando apaixonadamente a verdade, não apenas recebemos uma cultura, mas transformamo-la através das escolhas de vida. A verdade, com efeito, é um vínculo que une as palavras às coisas, os nomes aos rostos. A mentira, pelo contrário, separa estes aspetos, gerando confusão e mal-entendidos.
Atualmente, entre as muitas conexões culturais que caraterizam a nossa vida, a Internet e as redes sociais tornaram-se «uma oportunidade extraordinária de diálogo, encontro e intercâmbio entre as pessoas, bem como de acesso à informação e ao saber» (Francisco, Christus vivit, 87). No entanto, estes instrumentos tornam-se ambíguos quando dominados por lógicas comerciais e interesses que destroem as nossas relações em milhares de fragmentos. A este respeito, o Papa Francisco recordava que, por vezes, «os mecanismos da comunicação, da publicidade e das redes sociais podem ser utilizados para nos tornar sujeitos adormecidos, dependentes do consumo» (Christus vivit, 105). Então, as nossas relações tornam-se confusas, ansiosas ou instáveis. Além disso, hoje em dia, como sabeis, existem algoritmos que nos dizem o que temos de ver e pensar, e quem devem ser os nossos amigos. E então as nossas relações tornam-se confusas, por vezes ansiosas. É que quando o instrumento domina o homem, o homem torna-se um instrumento: sim, um instrumento do mercado e, por sua vez, uma mercadoria. Só relações sinceras e laços estáveis fazem crescer histórias de vida boa.
Queridos jovens, qualquer pessoa deseja naturalmente esta vida boa, como os pulmões buscam o ar, mas como é difícil encontrá-la! Como é difícil encontrar uma amizade autêntica. Há uns séculos, Santo Agostinho, mesmo sem conhecer o desenvolvimento tecnológico de hoje, compreendeu o desejo profundo do nosso coração, que é o desejo de todo coração humano. Também ele passou por uma juventude tempestuosa, porém não se conformou, não silenciou o clamor do seu coração. Agostinho procurava a verdade, a verdade que não dececiona, a beleza que não passa. E como a encontrou? Como encontrou uma amizade sincera, um amor capaz de dar esperança? Encontrando Aquele que já o procurava: Jesus Cristo. Como construiu o seu futuro? Seguindo a Ele, seu amigo desde sempre. Com palavras suas: «Nenhuma amizade é fiel senão em Cristo. E só n’Ele pode ser feliz e eterna» (cf. Contra duas cartas dos pelagianos, I, I, 1). Santo Agostinho diz-nos: “Não há autêntica amizade se não for em Cristo. E a verdadeira amizade encontra-se sempre em Jesus Cristo, com verdade, amor e respeito”. Ele diz-nos ainda: «Ama verdadeiramente o seu amigo aquele que no seu amigo ama a Deus» (cf. Sermão 336, 2). A amizade com Cristo, que está na base da fé, não é apenas uma ajuda entre muitas outras para construir o futuro, é a nossa estrela polar. Como escreveu o beato Pier Giorgio Frassati, «viver sem fé, sem um património a defender, sem lutar pela Verdade, não é viver, é apenas ir vivendo» (Cartas, 27 de fevereiro de 1925). Quando as nossas amizades refletem este intenso vínculo com Jesus, tornam-se certamente sinceras, generosas e verdadeiras.
Queridos jovens, amem-se uns aos outros! Amem-se em Cristo! Saibam ver Jesus nos outros. A amizade pode realmente mudar o mundo. A amizade é um caminho para a paz.
Pergunta 2 — Coragem para escolher
Santo Padre, chamo-me Gaia, tenho 19 anos e sou italiana. Esta noite, todos nós, jovens aqui presentes, gostaríamos de falar-lhe dos nossos sonhos, esperanças e dúvidas. O nosso tempo é marcado por decisões importantes que somos chamados a tomar para orientar a nossa vida futura. No entanto, devido ao clima de incerteza que nos rodeia, somos tentados a adiar, e o medo de um futuro desconhecido paralisa-nos. Sabemos que escolher significa renunciar a algo e isso bloqueia-nos, mas, apesar de tudo, percebemos que a esperança aponta para objetivos alcançáveis, mesmo que marcados pela precariedade do momento presente. Santo Padre, perguntamos-lhe: onde encontrar a coragem para escolher? Como podemos ser corajosos e viver a aventura de uma liberdade viva, fazendo escolhas radicais e cheias de sentido?
Obrigado pela pergunta. A questão é: como encontrar a coragem para escolher? Onde podemos encontrar a coragem para escolher e tomar decisões sábias? A escolha é um ato humano fundamental. Observando-o com atenção, compreendemos que não se trata apenas de escolher algo, mas de escolher alguém. Quando escolhemos, em sentido forte, decidimos quem queremos ser. Na verdade, a escolha por excelência é a decisão sobre a nossa vida: que homem queres ser? Que mulher queres ser? Queridos jovens, aprende-se a escolher através das provações da vida e, antes de tudo, lembrando que nós fomos escolhidos. Tal memória deve ser explorada e educada. Recebemos a vida gratuitamente, sem a escolher! Na origem de nós mesmos não houve uma decisão nossa, mas um amor que nos quis. Ao longo da existência, quem nos ajuda a reconhecer e renovar esta graça nas escolhas que somos chamados a fazer mostra-se verdadeiramente amigo.
Queridos jovens, vós dissestes bem: “escolher significa também renunciar a outras coisas, e isso às vezes bloqueia-nos”. Para sermos livres, é preciso partir de um fundamento estável, da rocha que sustenta os nossos passos. Essa rocha é um amor que nos precede, surpreende e supera infinitamente: é o amor de Deus. Por isso, diante d’Ele, a escolha torna-se um juízo que não tira nenhum bem, mas leva sempre ao melhor.
A coragem para escolher vem do amor que Deus nos manifesta em Cristo. Foi Ele que nos amou com todo o seu ser, salvando o mundo e mostrando-nos assim que o dom da vida é o caminho para realizar a nossa pessoa. Por isso, o encontro com Jesus corresponde às expetativas mais profundas do nosso coração, porque Jesus é o Amor de Deus feito homem.
A este respeito, há vinte e cinco anos, aqui mesmo onde estamos, São João Paulo II disse: «é Jesus quem buscais quando sonhais a felicidade; é Ele quem vos espera, quando nada do que encontrais vos satisfaz; Ele é a beleza que tanto vos atrai; é Ele quem vos provoca com aquela sede de radicalidade que não vos deixa ceder a compromissos; é Ele quem vos impele a depor as máscaras que tornam a vida falsa; é Ele quem vos lê no coração as decisões mais verdadeiras que outros quereriam sufocar» (Vigília de oração na XV Jornada Mundial da Juventude, 19 de agosto de 2000). O medo dá então lugar à esperança, porque temos a certeza de que Deus leva a cabo tudo o que começa.
Reconhecemos a sua fidelidade nas palavras de quem ama verdadeiramente, porque foi verdadeiramente amado. “Tu és a minha vida, Senhor”: é o que um sacerdote e uma consagrada pronunciam cheios de alegria e liberdade. Tu és a minha vida, Senhor. “Aceito-te como minha esposa e como meu esposo”: é a frase que transforma o amor do homem e da mulher em sinal eficaz do amor de Deus no matrimónio. Eis escolhas radicais e cheias de significado: o matrimónio, a ordem sagrada e a consagração religiosa expressam a doação de si mesmo, livre e libertadora, que nos torna verdadeiramente felizes. E é aí que encontramos a felicidade, quando aprendemos a doar-nos a nós mesmos. Doar a vida pelos outros!
Estas escolhas dão sentido à nossa vida, transformando-a à imagem do Amor perfeito, que a criou e redimiu de todo o mal, inclusive da morte. Digo isso esta noite, pensando em duas jovens, María, de 20 anos, espanhola, e a egípcia Pascale, de 18 anos. Ambas decidiram vir a Roma para o Jubileu dos Jovens e a morte as surpreendeu nestes dias. Rezemos juntos por elas. Rezemos também por seus familiares, seus amigos e suas comunidades. Que Jesus Ressuscitado as acolha na paz e na alegria do seu Reino. Gostaria ainda de pedir as vossas orações para outro amigo, um jovem espanhol, Ignacio Gonzalvez, que foi internado no hospital “Bambino Gesù”. Rezemos por ele e pela sua saúde!
Encontrar a coragem para fazer escolhas difíceis e dizer a Jesus: “Tu és a minha vida, Senhor”. “Senhor, és a minha vida!”. Obrigado!
Pergunta 3 — Apelo ao bem e valor do silêncio
Santo Padre, o meu nome é Will. Tenho 20 anos e sou dos Estados Unidos. Gostaria de lhe fazer uma pergunta em nome de tantos jovens que, em seus corações, anseiam por algo mais profundo. Nós somos atraídos pela vida interior, mesmo se, à primeira vista, somos julgados como uma geração superficial e irrefletida. No íntimo de nós mesmos, sentimo-nos atraídos pelo belo e pelo bem como fontes de verdade. O valor do silêncio, como nesta Vigília, fascina-nos, ainda que às vezes gere medo por causa de uma sensação de vazio. Santo Padre, gostaria de lhe perguntar: como podemos encontrar verdadeiramente o Senhor Ressuscitado nas nossas vidas e ter a certeza da sua presença mesmo no meio de provações e incertezas?
Para convocar este Ano Jubilar, o Papa Francisco publicou o documento intitulado Spes non confundit, que significa “a esperança não engana”. Neste documento, ele escreveu: «No coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e expetativa do bem, apesar de não saber o que trará consigo o amanhã» (Spes non confundit, 1). Na Bíblia, a palavra “coração” geralmente refere-se ao mais íntimo de uma pessoa, o que inclui a nossa consciência. A nossa compreensão do que é bom reflete, então, como a nossa consciência foi moldada pelas pessoas que fazem parte da nossa vida, aquelas que foram bondosas conosco, aquelas que nos ouviram com amor, aquelas que nos ajudaram. Essas pessoas ajudaram-te a crescer na bondade e, portanto, a formar a tua consciência para buscar o bem nas tuas escolhas diárias.
Queridos jovens, Jesus é o amigo que sempre nos acompanha durante a formação da nossa consciência. Se quereis realmente encontrar o Senhor Ressuscitado, escutai a sua palavra, que é o Evangelho da salvação. Refleti sobre o vosso modo de viver e procurai a justiça para construir um mundo mais humano. Servi os pobres e dai assim testemunho do bem que sempre gostamos de receber do nosso próximo. Permanecei unidos a Jesus Cristo na Eucaristia. Adorai Cristo no Santíssimo Sacramento, fonte da vida eterna. Estudai, trabalhai e amai segundo o exemplo de Jesus, o bom Mestre que caminha sempre ao nosso lado.
A cada passo, enquanto buscamos o que é bom, peçamos-lhe: fica conosco, Senhor (cf. Lc 24, 29). Fica conosco, Senhor! Fica conosco, Senhor! Fica conosco, porque sem ti não podemos fazer o bem que desejamos. Tu queres o nosso bem; na verdade, Senhor, tu és o nosso bem. Quem te encontra também quer que os outros te encontrem, porque a tua palavra é uma luz mais brilhante do que qualquer estrela, que ilumina até a noite mais escura. O Papa Bento XVI gostava de dizer que quem acredita nunca está sozinho. Dito em outras palavras, encontramos Cristo na Igreja, isto é, na comunhão daqueles que O buscam sinceramente. O próprio Senhor nos reúne para formar comunidade, não uma comunidade qualquer, mas uma comunidade de fiéis que se apoiam mutuamente. Quanto precisa o mundo de missionários do Evangelho, que sejam testemunhas de justiça e paz! Quanto precisa o futuro de homens e mulheres que sejam testemunhas de esperança! Queridos jovens, esta é a tarefa que o Senhor Ressuscitado confia a cada um de nós!
Santo Agostinho escreveu: «Tu o incitas para que sinta prazer em louvar-te; fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti. […] Que eu te busque, Senhor, invocando-te; e que eu te invoque, crendo em ti» (Confissões, I, 1). Seguindo estas palavras de Agostinho, e em resposta às vossas perguntas, gostaria de convidar cada um de vós a dizer ao Senhor: “Obrigado, Jesus, por me terdes chamado. O meu desejo é permanecer como um dos vossos amigos, para que, abraçando-vos, eu possa também ser um companheiro de viagem para todos aqueles que encontro. Concedei, Senhor, que aqueles que me encontram possam encontrar-vos, mesmo através das minhas limitações e fraquezas”. Ao rezar estas palavras, o nosso diálogo continuará cada vez que olharmos para o Senhor crucificado, pois os nossos corações estarão unidos n’Ele. Cada vez que adoramos Cristo na Eucaristia, os nossos corações estarão unidos n’Ele. Por fim, a minha oração por vós é que possais perseverar na fé, com alegria e coragem! E podemos dizer: “Obrigado, Jesus, por nos amares”. Obrigado, Jesus, por nos ter amado. Obrigado, Jesus, por nos ter chamado. Fica conosco, Senhor!
Palavras improvisadas no final da vigília com os jovens.
Gostaria de agradecer ao coro pela música: obrigado por nos acompanharem! Obrigado a todos vocês! Gracias! Por favor, descansem um pouco. O encontro é aqui amanhã de manhã para a Santa Missa. Tudo de bom para todos.
Boa noite!
Homilia da missa no Jubileu dos jovens
em Tor Vergata
3 de agosto
Palavras proferidas antes da celebração da missa.
Bom dia a todos! Bom domingo!
Good morning! Buenos días! Bonjour! Guten Morgen!
Espero que todos tenham descansado um pouco. Em breve, começaremos a maior celebração que Cristo nos deixou, a Sua própria presença na Eucaristia. Deus abençoe todos vocês. E que esta seja uma ocasião verdadeiramente memorável para cada um de nós, quando juntos, como Igreja de Cristo, seguimos, caminhamos juntos, vivemos com Jesus Cristo.
Boa celebração a todos!
Queridos jovens!
Depois da Vigília que vivemos juntos ontem à noite, reunimo-nos hoje para celebrar a Eucaristia, Sacramento do dom total de Si mesmo que o Senhor fez por nós. Nesta experiência, podemos imaginar que estamos a percorrer o caminho feito pelos discípulos de Emaús na tarde do dia de Páscoa (cf. Lc 24, 13-35): antes, eles afastavam-se de Jerusalém assustados e desiludidos; partiam convencidos de que, após a morte de Jesus, não havia mais nada a aguardar, nada em que esperar. Em vez disso, encontraram precisamente a Ele, acolheram-no como companheiro de viagem, ouviram-no explicar-lhes as Escrituras e, finalmente, reconheceram-no ao partir o pão. Os seus olhos abriram-se e o anúncio alegre da Páscoa encontrou lugar nos seus corações.
A liturgia de hoje não nos fala diretamente sobre este episódio, mas ajuda-nos a refletir sobre o que nele se narra: o encontro com Cristo Ressuscitado que muda a nossa existência e que ilumina os nossos afetos, desejos e pensamentos.
A primeira leitura, tirada do Livro de Eclesiastes, convida-nos a entrar em contacto, como os dois discípulos de que falámos, com a experiência dos nossos limites, da finitude das coisas que passam (cf. Ecl 1, 2; 2, 21-23); e o Salmo responsorial, que ecoa a mesma mensagem, propõe-nos a imagem da «erva que de manhã brota vicejante, mas à tarde está murcha e seca» (Sl 90, 5-6). São duas advertências fortes, talvez um pouco chocantes, mas que não devem assustar-nos, como se fossem temas “tabu” a evitar. Na verdade, a fragilidade de que nos falam faz parte da maravilha que somos. Pensemos no símbolo da erva: não é lindo um campo florido? Claro, é delicado, feito de caules finos, vulneráveis, sujeitos a secar, dobrar-se, partir-se, mas, ao mesmo tempo, imediatamente substituídos por outros que brotam depois deles e dos quais os primeiros se tornam generosamente alimento e adubo, ao desfazerem-se no solo. É assim que vive o campo, renovando-se continuamente e, mesmo durante os meses gelados do inverno, quando tudo parece silencioso, a sua energia vibra sob a terra e prepara-se para, na primavera, explodir em milhares de cores.
Queridos amigos, nós também somos assim: fomos feitos para isto. Não para uma vida onde tudo é óbvio e parado, mas para uma existência que se renova constantemente no dom, no amor. E assim aspiramos continuamente a um “algo mais” que nenhuma realidade criada nos pode dar. Sentimos uma sede tão grande e ardente que nenhuma bebida deste mundo pode saciar. Diante dela, não enganemos o nosso coração, tentando extingui-la com subterfúgios ineficazes! Antes, ouçamo-la! Façamos dela um estrado para subir e espreitar na ponta dos pés, como crianças, pela janela do encontro com Deus. Encontrar-nos-emos diante d’Ele, que nos espera, ou melhor, que bate gentilmente ao vidro da nossa alma (cf. Ap 3, 20). E, mesmo aos vinte anos, é bom abrir-lhe o coração, deixá-lo entrar, para depois nos aventurarmos com Ele rumo aos espaços eternos do infinito.
Santo Agostinho, falando da sua intensa busca por Deus, perguntava-se: «Qual é, então, o objeto da nossa esperança [...]? É a terra? Não. Algo que deriva da terra, como o ouro, a prata, as árvores, a messe, a água [...]? Estas coisas agradam, são belas, são boas» (Sermo 313/F, 3). E concluía: «Procura quem as fez. Ele é a tua esperança» (ibid.). Em seguida, pensando no caminho que tinha percorrido, rezava dizendo: «Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora! [...] Tu me chamaste, e teu grito rompeu a minha surdez. Fulguraste e brilhaste e tua luz afugentou a minha cegueira. Espargiste tua fragrância e, respirando-a, suspirei por ti. Eu te saboreei (cf. Sl 33, 9; 1 Pd 2, 3), e agora tenho fome e sede de ti (cf. Mt 5, 6; 1 Cor 4, 11). Tu me tocaste, e agora estou ardendo no desejo de tua paz» (Confissões, 10, 27).
Irmãs e irmãos, essas são lindas palavras que lembram o que o Papa Francisco disse a outros jovens como vós em Lisboa, durante a Jornada Mundial da Juventude: «todos somos chamados a confrontar-nos com grandes interrogativos que [...] não têm uma resposta simplista ou imediata, mas convidam a realizar uma viagem, superando-se a si mesmo, indo mais além [...], uma decolagem sem a qual não há voo. Portanto, não nos alarmemos se nos encontramos intimamente sedentos, inquietos, incompletos, desejosos de sentido e de futuro [...] Não estamos doentes, estamos vivos!» (Discurso no Encontro com os Jovens universitários, 3 de agosto de 2023).
Há uma solicitação importante no nosso coração, uma necessidade de verdade que não podemos ignorar, que nos leva a perguntar: o que é realmente a felicidade? Qual é o verdadeiro sabor da vida? O que nos liberta dos pântanos do absurdo, do tédio, da mediocridade?
Nos últimos dias, vivestes muitas experiências bonitas. Encontrastes-vos com jovens da vossa idade, vindos de várias partes do mundo, pertencentes a diferentes culturas. Trocastes conhecimentos, partilhastes expetativas, dialogastes com a cidade através da arte, da música, da informática, do desporto. No Circo Máximo, aproximando-vos do Sacramento da Penitência, recebestes o perdão de Deus e pedistes a sua ajuda para uma vida boa.
Em tudo isto, podeis encontrar uma resposta importante: a plenitude da nossa existência não depende do que acumulamos nem do que possuímos, como ouvimos no Evangelho (cf. Lc 12, 13-21). Em vez disso, está ligada ao que sabemos acolher e partilhar com alegria (cf. Mt 10, 8-10; Jo 6, 1-13). Comprar, acumular, consumir não basta. Necessitamos levantar os olhos, olhar para cima, para as «coisas do alto» (Cl 3, 2), para perceber que, entre as realidades do mundo, tudo tem sentido apenas na medida em que serve para nos unir a Deus e aos irmãos na caridade, fazendo crescer em nós «sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência» (Cl 3, 12), de perdão (cf. ibid., v. 13), de paz (cf. Jo 14, 27), como os de Cristo (cf. Fl 2, 5). E neste horizonte compreenderemos cada vez melhor o que significa «a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (cf. Rm 5, 5).
Queridos jovens, a nossa esperança é Jesus. É Ele, como dizia São João Paulo II, «quem suscita em vós o desejo de fazer da vossa vida algo de grande [...], no aperfeiçoamento de vós próprios e da sociedade, tornando-a mais humana e fraterna» (XV Jornada Mundial da Juventude, Vigília de Oração, 19 de agosto de 2000). Mantenhamo-nos unidos a Ele, permaneçamos sempre na sua amizade, cultivando-a com a oração, a adoração, a Comunhão eucarística, a Confissão frequente, a caridade generosa, como nos ensinaram os beatos Piergiorgio Frassati e Carlo Acutis, que em breve serão proclamados Santos. Onde quer que estejais, aspirai a coisas grandes, à santidade. Não vos contenteis com menos. Então, vereis crescer todos os dias, em vós e à vossa volta, a luz do Evangelho.
Confio-vos a Maria, Virgem da Esperança. Com a sua ajuda, ao regressarem nos próximos dias aos vossos países, em todas as partes do mundo, continuai a caminhar com alegria seguindo as pegadas do Salvador e contagiai com o vosso entusiasmo e o testemunho da vossa fé todos aqueles que encontrardes!
Bom caminho!
Angelus no Jubileu dos jovens
em Tor Vergata
3 de agosto
Caríssimos!
O Senhor Jesus está no meio de nós e em nós: tudo em todos na Eucaristia. Unidos a Ele, queremos elevar um imenso “obrigado” ao Pai pelo dom destes dias do vosso Jubileu. Foi uma chuva de graças para a Igreja e para o mundo inteiro! E foi assim através da participação de cada um de vós. Por isso, quero agradecer-vos, um a um, de todo o coração. Em particular, recordo e confio ao Senhor duas jovens peregrinas, María e Pascale, uma espanhola e outra egípcia, que nos deixaram nestes dias. Agradeço aos Bispos, aos sacerdotes, às religiosas e aos religiosos, aos educadores que vos acompanharam e também a todos aqueles que, participando espiritualmente, rezaram por este evento.
Em comunhão com Cristo, nossa paz e esperança para o mundo, estamos mais próximos do que nunca dos jovens que sofrem o pior tipo de mal: aquele que é causado por outros seres humanos. Estamos com os jovens de Gaza, com os jovens da Ucrânia, com os de todas as terras ensanguentadas pela guerra. Meus jovens irmãos e irmãs, vós sois o sinal de que um mundo diferente é possível: um mundo de fraternidade e amizade, onde os conflitos não são resolvidos com armas, mas com o diálogo.
Sim, com Cristo é possível! Com o seu amor, com o seu perdão, com a força do seu Espírito. Meus queridos amigos, unidos a Jesus, como os ramos à videira, vós dareis muito fruto; sereis sal da terra e luz do mundo; sereis sementes de esperança onde quer que vivais: na família, com os amigos, na escola, no trabalho, no desporto. Sementes de esperança com Cristo, nossa esperança.
Após este Jubileu, a “peregrinação de esperança” dos jovens continua e levar-nos-á à Ásia! Renovo o convite feito pelo Papa Francisco em Lisboa, há dois anos: os jovens de todo o mundo reunir-se-ão com o Sucessor de Pedro para celebrar a Jornada Mundial da Juventude em Seul, na Coreia, de 3 a 8 de agosto de 2027. O tema da Jornada será «Tende coragem: eu venci o mundo!» (Jo 16, 33). É precisamente a esperança que habita em nossos corações a dar-nos a força para anunciar a vitória de Cristo Ressuscitado sobre o mal e a morte. E disso, vós, jovens peregrinos de esperança, sereis testemunhas até aos confins da terra. Encontramo-nos, então, em Seul: continuemos juntos a sonhar e a alimentar a esperança!
Confiemos na proteção maternal da Virgem Maria.
[Angelus Domini...].
Palavras conclusivas.
Bem, queridos jovens, uma última saudação!
Mais uma vez, obrigado a todos! Obrigado pela música e obrigado a todos aqueles que trabalharam para preparar tantas coisas ao longo desta semana, deste Jubileu.
Já dissemos que o próximo encontro será na Coreia. Um aplauso aos muitos coreanos presentes!
Peço-vos que levem também uma saudação aos muitos jovens que não puderam vir e estar aqui conosco, em tantos países de onde era impossível sair. Há lugares de onde os jovens não puderam vir, pelas razões que conhecemos.
Levai esta alegria, este entusiasmo para todo o mundo. Vós sois o sal da terra e a luz do mundo: levai essa saudação a todos os vossos amigos, a todos os jovens que precisam de uma mensagem de esperança. Mais uma vez, obrigado a todos!
E boa viagem!
Audiência geral de quarta-feira
6 de agosto
Estimados irmãos e irmãs!
Continuemos o nosso caminho jubilar à descoberta da face de Cristo, no qual a nossa esperança adquire forma e consistência. Hoje começamos a refletir sobre o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Comecemos meditando sobre uma palavra que parece simples, mas que conserva um segredo precioso da vida cristã: preparar.
No Evangelho de Marcos, narra-se que «no primeiro dia dos Ázimos, quando se sacrificava a Páscoa, os discípulos perguntaram a Jesus: “Onde queres que façamos os preparativos para a Páscoa?”» (14, 12). Trata-se de uma pergunta prática, mas também cheia de expetativa. Os discípulos intuem que está prestes a acontecer algo importante, mas não conhecem os detalhes. A resposta de Jesus parece quase um enigma: «Ide à cidade e lá encontrareis um homem com uma bilha de água» (v. 13). Os detalhes tornam-se simbólicos: um homem que carrega uma bilha — gesto normalmente feminino naquela época — uma sala no andar de cima já pronta, um dono de casa desconhecido. É como se tudo tivesse sido predisposto com antecedência. Com efeito, é exatamente assim. Neste episódio, o Evangelho revela-nos que o amor não é fruto do acaso, mas de uma escolha consciente. Não se trata de uma simples reação, mas de uma decisão que exige preparação. Jesus não enfrenta a sua paixão por fatalidade, mas por fidelidade a um caminho acolhido e percorrido com liberdade e esmero. É isto que nos consola: saber que o dom da sua vida brota de uma intenção profunda, não de um impulso repentino.
Aquela “sala no andar de cima já pronta” diz-nos que Deus nos precede sempre. Ainda antes de nos darmos conta de que precisamos de acolhimento, o Senhor já preparou para nós um espaço onde nos reconhecermos e nos sentirmos seus amigos. No fundo, este lugar é o nosso coração: uma “sala” que pode parecer vazia, mas que só espera ser reconhecida, enchida e preservada. Na realidade a Páscoa, que os discípulos devem preparar, já está pronta no coração de Jesus. Foi Ele quem pensou em tudo, dispôs tudo, decidiu tudo. No entanto, pede aos seus amigos que cumpram a sua parte. Isto ensina-nos algo essencial para a nossa vida espiritual: a graça não elimina a nossa liberdade, mas desperta-a. O dom de Deus não anula a nossa responsabilidade, mas torna-a fecunda.
Também hoje, como então, há uma ceia a preparar. Não se trata unicamente da liturgia, mas da nossa disponibilidade a entrar num gesto que nos supera. A Eucaristia não se celebra apenas no altar, mas inclusive no dia a dia, onde é possível viver tudo como oferta e ação de graças. Preparar-se para celebrar esta ação de graças não significa fazer mais, mas deixar espaço. Significa eliminar o que atrapalha, diminuir as pretensões, deixar de cultivar expetativas irreais. Com efeito, muitas vezes confundimos os preparativos com as ilusões. As ilusões distraem-nos, os preparativos orientam-nos. As ilusões buscam um resultado, os preparativos tornam possível um encontro. O amor verdadeiro — recorda-nos o Evangelho — é oferecido ainda antes de ser correspondido. Trata-se de uma dádiva antecipada. Não se fundamenta no que recebe, mas naquilo que deseja oferecer. Foi o que Jesus viveu com os seus: enquanto eles ainda não compreendiam, enquanto um deles estava prestes a traí-lo e outro a renegá-lo, Ele preparava para todos uma ceia de comunhão.
Caros irmãos e irmãs, também nós somos convidados a “preparar a Páscoa” do Senhor. Não só a litúrgica: também a da nossa vida. Cada gesto de disponibilidade, cada ato gratuito, cada perdão oferecido antecipadamente, cada dificuldade acolhida com paciência constitui um modo de preparar um lugar onde Deus pode habitar. Então, podemos perguntar-nos: que espaços, na minha vida, devo reordenar a fim de que estejam prontos para acolher o Senhor? O que significa para mim, hoje, “preparar”? Talvez renunciar a uma pretensão, deixar de esperar que o outro mude, dar o primeiro passo. Talvez ouvir mais, agir menos ou aprender a confiar naquilo que já foi predisposto.
Se aceitarmos o convite a preparar o lugar da comunhão com Deus e entre nós, descobriremos que estamos circundados de sinais, encontros e palavras que nos orientam para aquela sala, espaçosa e já pronta, onde se celebra incessantemente o mistério de um amor infinito, que nos sustém e sempre nos precede. Que o Senhor nos conceda ser humildes preparadores da sua presença. E, nesta disponibilidade diária, cresça também em nós aquela confiança serena que nos permite enfrentar tudo com o coração livre. Pois onde foi preparado o amor, a vida pode realmente florescer!
Apelo
Hoje comemora-se o 80º aniversário do bombardeamento atómico da cidade japonesa de Hiroshima e, daqui a três dias, recordaremos o de Nagasaki. Desejo assegurar a minha oração por todos aqueles que sofreram os seus efeitos físicos, psicológicos e sociais. Apesar da passagem dos anos, aqueles trágicos acontecimentos constituem uma admoestação universal contra a devastação causada pelas guerras e, em particular, pelas armas nucleares. Espero que no mundo contemporâneo, marcado por fortes tensões e conflitos sangrentos, a segurança ilusória baseada na ameaça da destruição recíproca ceda o lugar aos instrumentos da justiça, à prática do diálogo, à confiança na fraternidade.
Angelus do xix domingo do tempo comum
10 de agosto
Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!
No Evangelho de hoje, Jesus nos convida a refletir sobre como investir o tesouro da nossa vida (cf. Lc 12, 32-48). Ele diz: «Vendei os vossos bens e dai-os de esmola» (v. 33).
Exorta-nos, portanto, a não guardar para nós os dons que Deus nos deu, mas a empregá-los com generosidade para o bem dos outros, especialmente daqueles que mais precisam da nossa ajuda. Não se trata apenas de partilhar as coisas materiais de que dispomos, mas de colocar à disposição as nossas capacidades, o nosso tempo, o nosso afeto, a nossa presença, a nossa empatia. Enfim, tudo aquilo que faz de cada um de nós, nos desígnios de Deus, um bem único, sem preço, um capital vivo, pulsante, que precisa ser cultivado e apoiado para poder crescer, caso contrário, torna-se árido e se desvaloriza. Ou acaba-se perdendo, à mercê de quem, como um ladrão, se apropria dele para simplesmente transformá-lo num objeto de consumo.
O dom de Deus que somos não foi feito para se esgotar assim. Precisa de espaço, de liberdade, de relacionamento, para se realizar e se expressar: precisa do amor que transforma e enobrece todos os aspetos da nossa existência, tornando-nos cada vez mais semelhantes a Deus. Não é por acaso que Jesus pronuncia estas palavras enquanto caminha para Jerusalém, onde na cruz se oferecerá por nossa salvação.
As obras de misericórdia são o banco mais seguro e rentável onde podemos depositar o tesouro da nossa existência, pois nelas, como nos ensina o Evangelho, com «duas moedas» até uma pobre viúva se torna a pessoa mais rica do mundo (cf. Mc 12, 41-44).
Santo Agostinho, a este respeito, diz: «Se desses uma libra de bronze e recebesses uma de prata, ou se desses uma de prata e recebesses uma de ouro, te considerarias feliz. O que dás se transforma realmente; se converterá para ti não em ouro nem em prata, mas em vida eterna» (Sermo 390, 2). E explica porquê: «O que destes será transformado, porque tu serás transformado» (ibid).
E para entender o que isso significa, podemos pensar numa mãe que abraça os seus filhos: não é a pessoa mais bonita e mais rica do mundo? Ou em dois namorados, quando estão juntos: não se sentem um rei e uma rainha? E poderíamos dar muitos outros exemplos.
Por isso, na família, na paróquia, na escola e nos locais de trabalho, onde quer que estejamos, procuremos não perder nenhuma ocasião para amar. Esta é a vigilância que Jesus nos pede: habituarmo-nos a estar atentos, prontos, sensíveis uns para com os outros, do modo como Ele está conosco em cada momento.
Irmãs e irmãos, confiemos a Maria este desejo e este compromisso: que Ela, a Estrela da Manhã, nos ajude a ser, num mundo marcado por tantas divisões, «sentinelas» da misericórdia e da paz, como nos ensinou São João Paulo II (cf. Vigília de Oração para a XV Jornada Mundial da Juventude, 19 de agosto de 2000) e como nos mostraram de forma tão bela os jovens que vieram a Roma para o Jubileu.
Apelo
Continuemos a rezar para que cessem as guerras. O 80.º aniversário dos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki reavivou em todo o mundo a necessária rejeição da guerra como meio de resolução dos conflitos. Que aqueles que tomam decisões tenham sempre presente a sua responsabilidade pelas consequências das suas escolhas sobre as populações. Não ignorem as necessidades dos mais fracos e o desejo universal de paz.
Neste sentido, felicito a Arménia e o Azerbaijão, que assinaram a Declaração conjunta de paz. Espero que este evento possa contribuir para uma paz estável e duradoura na zona meridional do Cáucaso.
A situação da população do Haiti, ao contrário, é cada vez mais desesperada. Sucessivas notícias dão conta de homicídios, violência de todo tipo, tráfico de seres humanos, exílios forçados e sequestros. Dirijo um forte apelo a todos os responsáveis a fim de que os reféns sejam libertados imediatamente e peço o apoio concreto da comunidade internacional para criar as condições sociais e institucionais que permitam aos haitianos viver em paz.
Audiência geral de quarta-feira
13 de agosto
Estimados irmãos e irmãs!
Continuemos o nosso caminho na escola do Evangelho, seguindo os passos de Jesus nos últimos dias da sua vida. Hoje, meditamos sobre uma cena íntima, dramática, mas também profundamente verdadeira: o momento em que, durante a ceia pascal, Jesus revela que um dos Doze está prestes a traí-lo: «Em verdade vos digo, um de vós que come comigo me há de trair» (Mc 14, 18).
Palavras fortes! Jesus não as pronuncia para condenar, mas sim para demonstrar que o amor, quando é verdadeiro, não pode prescindir da verdade. A sala no andar superior, onde pouco antes tudo tinha sido preparado com esmero, enche-se repentinamente de uma dor silenciosa, feita de perguntas, suspeitas, vulnerabilidades. Trata-se de uma dor que até nós conhecemos bem, quando nas relações mais queridas se insinua a sombra da traição.
No entanto, é surpreendente a maneira como Jesus fala sobre o que está prestes a acontecer. Não levanta a voz, não aponta o dedo, não pronuncia o nome de Judas. Fala de tal modo que cada um possa interrogar-se. E é exatamente o que acontece. São Marcos diz-nos: «Começaram a entristecer-se e a perguntar-lhe, um após outro: “Porventura sou eu?”» (Mc 14,19).
Prezados amigos, esta pergunta — “Porventura sou eu?” — é, talvez, uma das mais sinceras que podemos dirigir a nós mesmos. Não é a pergunta do inocente, mas do discípulo que se descobre frágil. Não é o clamor do culpado, mas o sussurro de quem, embora deseje amar, sabe que pode ferir. É a partir desta consciência que começa o caminho da salvação.
Jesus não denuncia para humilhar. Diz a verdade, porque quer salvar. E para ser salvo é preciso sentir: sentir que se está envolvido, sentir que se é amado não obstante tudo, sentir que o mal é real mas não tem a última palavra. Só quem conheceu a verdade de um amor profundo pode aceitar inclusive a ferida da traição.
A reação dos discípulos não é raiva, mas tristeza. Não se indignam, entristecem-se. Trata-se de uma dor que nasce da possibilidade real de estar envolvido. E é precisamente esta tristeza, se acolhida com sinceridade, que se torna lugar de conversão. O Evangelho não nos ensina a negar o mal, mas a reconhecê-lo como dolorosa ocasião para renascer.
Além disso, Jesus acrescenta uma frase que nos inquieta e nos faz pensar: «Ai daquele por quem o Filho do Homem for traído! Melhor fora que nunca tivesse nascido!» (Mc 14, 21). São certamente palavras duras, mas devem ser bem compreendidas: não se trata de uma maldição, mas sim de um grito de dor. Em grego, aquele “ai” soa como uma lamentação, um “ai de mim”, uma exclamação de compaixão sincera e profunda.
Estamos habituados a julgar. Deus, ao contrário, aceita sofrer. Quando vê o mal, não se vinga, entristece-se. E aquele “melhor fora que nunca tivesse nascido” não é uma condenação infligida a priori, mas uma verdade que cada um de nós pode reconhecer: se renegarmos o amor que nos gerou, se traindo nos tornarmos infiéis a nós próprios, então realmente perderemos o sentido da nossa vinda ao mundo, excluindo-nos da salvação.
Contudo, precisamente ali, no ponto mais obscuro, a luz não se apaga. Aliás, começa a brilhar. Pois se reconhecermos o nosso limite, se nos deixarmos tocar pela dor de Cristo, então finalmente poderemos renascer. A fé não nos exime da possibilidade do pecado, mas oferece-nos sempre uma saída: a da misericórdia!
Jesus não se escandaliza perante a nossa fragilidade. Sabe bem que nenhuma amizade está imune ao risco da traição. Mas Jesus continua a ter confiança. Continua a sentar-se à mesa com os seus. Não renuncia a partir o pão até para quem o trairá. Eis a força silenciosa de Deus: nunca abandona a mesa do amor, nem sequer quando sabe que será deixado sozinho.
Caros irmãos e irmãs, hoje também nós podemos perguntar-nos, com sinceridade: “Porventura sou eu?”. Não para nos sentirmos acusados, mas para abrir um espaço à verdade no nosso coração. A salvação começa aqui: na consciência de que poderíamos ser nós a quebrar a confiança em Deus, mas que também podemos ser nós a aceitá-la, a preservá-la, a renová-la.
No fundo, é nisto que consiste a esperança: saber que, embora possamos fracassar, Deus nunca falha. Ainda que possamos trair, Ele não se cansa de nos amar. E se nos deixarmos alcançar por este amor — humilde, ferido, mas sempre fiel — então realmente poderemos renascer. E começar a viver não já como traidores, mas como filhos sempre amados.
Homilia da missa na solenidade
da Bem-Aventurada Virgem Maria
na paróquia de S. Tomás de Villanova
em Castel Gandolfo
15 de agosto
Irmãs e irmãos caríssimos, hoje não é domingo, mas estamos a celebrar de maneira diversa a Páscoa de Jesus, que muda a história. Em Maria de Nazaré está a nossa história, está a história da Igreja imersa na humanidade comum. Tendo encarnado nela, o Deus da vida, o Deus da liberdade venceu a morte. Sim, hoje contemplamos como Deus vence a morte, sem nunca prescindir de nós. É d’Ele o reino, mas o “sim” ao seu amor, que tudo pode mudar, é nosso. Na cruz, Jesus pronunciou livremente o “sim” que deveria esvaziar o poder da morte, aquela morte que continua a alastrar quando as nossas mãos crucificam e os nossos corações estão prisioneiros do medo e da desconfiança. Na cruz, venceu a confiança, venceu o amor que vê o que ainda não existe, venceu o perdão.
E Maria estava presente: estava lá, unida ao Filho. Hoje podemos intuir que Maria somos nós quando não fugimos, somos nós quando respondemos com o nosso “sim” ao seu “sim”. Nos mártires do nosso tempo, nas testemunhas da fé e da justiça, da mansidão e da paz, aquele “sim” continua vivo e ainda contraria a morte. Assim, este dia de alegria é um dia que nos compromete a escolher como e para quem viver.
A liturgia desta solenidade da Assunção propôs-nos o trecho evangélico da Visitação. Nesta página, São Lucas transmite a memória de um momento crucial na vocação de Maria. É bonito voltar a esse momento no dia em que celebramos a meta da sua existência. Na terra, todas as histórias, mesmo a da Mãe de Deus, são breves e têm um fim. No entanto, nada se perde. Assim, quando uma vida se encerra, a sua unicidade brilha com mais clareza. O Magnificat, que o Evangelho coloca nos lábios da jovem Maria, agora irradia a luz de todos os seus dias. Um único dia, o do encontro com a sua prima Isabel, contém o segredo de todos os outros dias, de todas as outras estações. E as palavras não bastam: é preciso um cântico, que na Igreja continua a ser cantado, «de geração em geração» (Lc 1, 50), ao pôr do sol de cada dia. A surpreendente fecundidade da estéril Isabel confirmou Maria na sua confiança: antecipou a fecundidade do seu “sim”, que se prolonga na fecundidade da Igreja e de toda a humanidade, quando a Palavra renovadora de Deus é acolhida. Naquele dia, duas mulheres encontraram-se na fé e, depois, permaneceram juntas três meses a apoiar-se mutuamente, não só nas coisas práticas, mas numa nova maneira de ler a história.
Assim, irmãs e irmãos, a Ressurreição entra também hoje no nosso mundo. As palavras e as escolhas de morte parecem prevalecer, mas a vida de Deus interrompe o desespero através de experiências concretas de fraternidade e de novos gestos de solidariedade. Com efeito, antes de ser o nosso destino último, a Ressurreição modifica — alma e corpo — o nosso modo de habitar a terra. O cântico de Maria, o seu Magnificat, fortalece na esperança os humildes, os famintos, os dedicados servos de Deus. São as mulheres e os homens das Bem-aventuranças, que ainda no meio da tribulação veem já o invisível: os poderosos derrubados dos tronos, os ricos de mãos vazias, as promessas de Deus realizadas. São experiências que, em cada comunidade cristã, todos devemos poder dizer que já vivemos. Parecem impossíveis, mas a Palavra de Deus ainda vem à luz: quando nascem os vínculos com os quais opomos o bem ao mal, a vida à morte, então vemos que com Deus nada é impossível (cf. Lc 1, 37).
Às vezes, infelizmente, onde prevalecem as seguranças humanas, com um certo bem-estar material e a acomodação que adormece as consciências, a fé pode envelhecer. É então que surge a morte, sob a forma de resignação e lamentação, nostalgia e insegurança. Em vez de ver acabar o mundo antigo, continua a procurar-se o seu amparo: o amparo dos ricos e dos poderosos, que geralmente acompanha o desprezo pelos pobres e humildes. A Igreja, porém, vive nos seus membros frágeis e rejuvenesce graças ao Magnificat deles. Também hoje as comunidades cristãs pobres e perseguidas, os testemunhos de ternura e perdão nos locais de conflito, os construtores da paz e os edificadores de pontes num mundo despedaçado são a alegria da Igreja, a sua fecundidade permanente, os primeiros frutos do Reino que vem. Muitos deles são mulheres, como a idosa Isabel e a jovem Maria: mulheres pascais, apóstolas da Ressurreição. Deixemo-nos converter pelo seu testemunho!
Irmãos e irmãs, quando nesta vida «escolhemos a vida» (cf. Dt 30, 19), temos então motivos para ver, em Maria, assunta ao Céu, o nosso destino. Ela é-nos dada como sinal de que a Ressurreição de Jesus não foi um evento isolado, uma exceção. Todos nós, em Cristo, podemos tragar a morte (cf. 1 Cor 15, 54). Certamente, é obra de Deus, não nossa. No entanto, Maria é aquele entrelaçamento de graça e liberdade que impele cada um de nós à confiança, à coragem, ao envolvimento na vida de um povo. «O Todo-poderoso fez em mim maravilhas» (Lc 1, 49): possa cada um de nós experimentar esta alegria e testemunhá-la com um cântico novo. Não tenhamos medo de escolher a vida! Pode parecer perigoso, imprudente. Quantas vozes estão sempre lá a sussurrar-nos: «Quem te obriga a fazer isso? Deixa estar! Pensa aos teus próprios interesses». Estas são vozes de morte. Em contrapartida, nós somos discípulos de Cristo. É o seu amor que nos impele, corpo e alma, no nosso tempo. Como indivíduos e como Igreja, já não vivemos para nós mesmos. É precisamente isto — e só isto — que difunde a vida e a faz prevalecer. A nossa vitória sobre a morte começa precisamente agora.
Angelus na praça da Liberdade
em Castel Gandolfo
15 de agosto
Queridos irmãos e irmãs, feliz festa! Os Padres do Concílio Vaticano II deixaram-nos um texto maravilhoso sobre a Virgem Maria, que me apraz reler convosco hoje, enquanto celebramos a festa da sua Assunção à glória do céu. No final do documento sobre a Igreja, o Concílio diz o seguinte: «a Mãe de Jesus, assim como, glorificada já em corpo e alma, é imagem e início da Igreja que se há de consumar no século futuro, assim também, na terra, brilha como sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor (cf. 2 Pd 3, 10)» (Lumen gentium, 68).
Maria, que Cristo ressuscitado levou consigo, em corpo e alma, para a glória, brilha como ícone de esperança para os seus filhos peregrinos na história.
Como não pensar nos versos de Dante, no último canto do Paraíso? Na oração colocada na boca de São Bernardo, que começa com «Virgem mãe, filha do teu filho» (XXXIII, 1), o poeta louva Maria porque aqui em baixo, entre nós mortais, ela é «fonte vivaz de esperança» (ibid., 12), ou seja, fonte viva, transbordante de esperança.
Irmãs e irmãos, esta verdade da nossa fé está em perfeita sintonia com o tema do Jubileu que estamos a viver: «Peregrinos de esperança». O peregrino precisa de uma meta que oriente a sua viagem: uma meta bonita, atraente, que guie os seus passos e o revigore quando está cansado, que reavive sempre no seu coração o desejo e a esperança. No caminho da existência, esta meta é Deus, Amor infinito e eterno, plenitude de vida, de paz, de alegria e de todo o bem. O coração humano sente-se atraído por tal beleza e enquanto não a encontra não é feliz; e, efetivamente, corre o risco de não a encontrar se se perder no meio da “floresta escura” do mal e do pecado.
Mas eis a graça: Deus veio ao nosso encontro, assumiu a nossa carne, feita de terra e, simbolicamente, digamos que a levou consigo «para o céu», isto é, para Deus. É o mistério de Jesus Cristo, encarnado, morto e ressuscitado pela nossa salvação; e, inseparável d’Ele, está também o mistério de Maria, a mulher de quem o Filho de Deus recebeu a carne, e o mistério da Igreja, corpo místico de Cristo. Trata-se de um único mistério de amor e, portanto, de liberdade. Assim como Jesus disse “sim”, Maria também disse “sim”, acreditou na palavra do Senhor. E toda a sua vida foi uma peregrinação de esperança com o Filho de Deus e seu, uma peregrinação que, através da Cruz e da Ressurreição, a conduziu à pátria, ao abraço de Deus.
Por isso, enquanto estivermos a caminho, como indivíduos, como família, em comunidade, especialmente quando as nuvens chegarem e o caminho se tornar incerto e difícil, levantemos o olhar, olhemos para ela, nossa Mãe, e reencontraremos a esperança que não engana (cf. Rm 5, 5).
Apelo
Hoje queremos confiar à intercessão da Virgem Maria, Assunta ao Céu, a nossa oração pela paz. Ela, como Mãe, sofre pelos males que afligem os seus filhos, especialmente os pequenos e os frágeis. Ao longo dos séculos, muitas vezes ela o confirmou com mensagens e aparições.
Ao proclamar o dogma da Assunção, enquanto ainda permanecia viva a trágica experiência da Segunda Guerra Mundial, Pio XII escreveu: «É lícito esperar que, ao meditarem nos exemplos gloriosos de Maria, mais e mais se persuadam todos do valor da vida humana», e desejou que nunca mais se destruíssem «vidas humanas, suscitando guerras» (Const. ap. Munificentissimus Deus).
Como estas palavras são atuais! Infelizmente, ainda hoje nos sentimos impotentes diante da propagação no mundo de uma violência cada vez mais surda e insensível a qualquer movimento de humanidade. No entanto, não devemos desistir de ter esperança: Deus é maior do que o pecado dos homens. Não devemos resignar-nos à prevalência da lógica do conflito e das armas. Com Maria, acreditamos que o Senhor continua a socorrer os seus filhos, lembrando-se da sua misericórdia. Só nela é possível reencontrar o caminho da paz.
Homilia da missa
no xx domingo do tempo comum
no Santuário de Santa Maria
“della Rotonda” em Albano
17 de agosto
Queridos irmãos e irmãs!
É uma alegria estarmos juntos a celebrar a Eucaristia dominical, que nos dá uma alegria ainda mais profunda. Se hoje, com efeito, já é um dom estar próximos e vencer a distância olhando-nos nos olhos como verdadeiros irmãos e irmãs, um dom ainda maior é, no Senhor, vencer a morte. Jesus venceu a morte — o domingo é o seu dia, o dia da Ressurreição — e nós já começamos a vencê-la com Ele. É precisamente assim: cada um de nós vem à igreja com alguns cansaços e medos — às vezes pequenos, outras vezes grandes — e imediatamente sentimo-nos menos sozinhos, estamos juntos e encontramos a Palavra e o Corpo de Cristo. Deste modo, o nosso coração recebe uma vida que vai para além da morte. É o Espírito Santo, o Espírito do Ressuscitado, que faz isto entre nós e em nós, silenciosamente, domingo após domingo, dia após dia.
Estamos num antigo santuário cujas paredes nos abraçam. Chama-se «Rotonda» e a sua forma circular, tal como a Praça de São Pedro e outras igrejas antigas e novas, faz-nos sentir acolhidos no colo de Deus. Do lado de fora, a Igreja, como qualquer realidade humana, pode parecer-nos cheia de arestas. Porém, a sua realidade divina manifesta-se quando atravessamos a soleira e encontramos acolhimento. Então, a nossa pobreza, a nossa vulnerabilidade e, sobretudo, os fracassos pelos quais podemos ser desprezados e julgados — e, por vezes, nós mesmos nos desprezamos e julgamos — são finalmente acolhidos na doce força de Deus, um amor sem arestas, incondicional. Maria, a mãe de Jesus, é para nós sinal e antecipação da maternidade de Deus. Nela tornamo-nos uma Igreja mãe, que gera e regenera não em virtude de um poder mundano, mas com a virtude da caridade.
Talvez tenhamos ficado surpreendidos com as palavras que Jesus nos dirigiu no Evangelho que acabou de ser lido. Nós buscamos a paz, porém ouvimos: «Julgais que Eu vim estabelecer a paz na Terra? Não, Eu vo-lo digo, mas antes a divisão» (Lc 12, 51). Quase lhe responderíamos: «Mas como, Senhor? Também Vós? Já temos demasiadas divisões. Não fostes Vós que dissestes na última ceia: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz”?». «Sim — poderia responder-nos o Senhor — fui Eu. Mas lembrai-vos que naquela noite, na minha última noite, acrescentei imediatamente a propósito da paz: «Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde» (Jo 14, 27).
Queridos amigos, o mundo habitua-nos a confundir a paz com a comodidade e o bem com a tranquilidade. Por isso, para que a sua paz, o shalom de Deus, venha até nós, Jesus precisa de nos dizer: «Eu vim lançar fogo sobre a terra; e como gostaria que ele já se tivesse ateado!» (Lc 12, 49). Talvez os nossos próprios familiares, como anuncia o Evangelho, e até mesmo os amigos se dividirão sobre isto. Alguém recomendar-nos-á não arriscar, pouparmo-nos, porque o importante é ficar tranquilos e os outros não merecem ser amados. Jesus, pelo contrário, mergulhou corajosamente na nossa humanidade. Eis o «batismo» de que fala (v. 50): é o batismo da cruz, uma imersão total nos riscos que o amor comporta. E nós, quando comungamos, nutrimo-nos deste seu dom audaz. A Missa alimenta esta decisão. É a decisão de não viver já para nós mesmos, de levar o fogo ao mundo. Não o fogo das armas, nem o das palavras que queimam os outros. Este não. Mas o fogo do amor, que se inclina e serve, que opõe à indiferença o cuidado e à prepotência a mansidão; o fogo da bondade, que não tem custos como as armas, mas que gratuitamente renova o mundo. Pode custar incompreensão, escárnio e até perseguição, mas não há paz maior do que ter dentro de si a sua chama
Por isso, hoje gostaria de agradecer, em conjunto com o vosso bispo D. Vincenzo, a todos os que, na Diocese de Albano, vos empenhais em levar o fogo da caridade. E encorajo-vos a não fazer distinção entre quem assiste e quem é assistido, entre quem parece dar e quem parece receber, entre quem aparece pobre e quem sente que oferece tempo, competências, ajuda. Somos a Igreja do Senhor, uma Igreja de pobres, todos preciosos, todos sujeitos, cada um portador de uma Palavra singular de Deus. Cada um é um dom para os outros. Derrubemos os muros. Agradeço a quem trabalha em todas as comunidades cristãs para facilitar o encontro entre pessoas diferentes devido à sua origem, situação económica, psíquica, afetiva: só juntos, só transformando-nos num único Corpo, no qual também o mais frágil participa com plena dignidade, somos o Corpo de Cristo, a Igreja de Deus. Isto acontece quando o fogo que Jesus veio trazer queima os preconceitos, as prudências e os medos que ainda marginalizam aqueles que levam escrita a pobreza de Cristo na sua história. Não deixemos o Senhor fora das nossas igrejas, das nossas casas e da nossa vida. Em vez disso, deixemo-Lo entrar nos pobres e, então, faremos as pazes também com a nossa pobreza, aquela que tememos e negamos quando buscamos a todo custo tranquilidade e segurança.
Interceda por nós a Virgem Maria, que ouviu do santo velho Simeão que o seu filho Jesus era «sinal de contradição» (Lc 2, 34). Sejam revelados os pensamentos dos nossos corações e que o fogo do Espírito Santo possa transformá-los de corações de pedra em corações de carne.
Santa Maria “della Rotonda”, rogai por nós!
Angelus na praça da Liberdade
em Castel Gandolfo
17 de agosto
Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!
Hoje, o Evangelho apresenta-nos um texto exigente (cf. Lc 12, 49-53), no qual, com imagens fortes e grande franqueza, Jesus diz aos discípulos que a sua missão, e também a dos que o seguem, não é só um “mar de rosas”, mas é «sinal de contradição» (cf. Lc 2, 34).
Dizendo assim, o Senhor antecipa o que terá de enfrentar quando, em Jerusalém, for contestado, preso, insultado, maltratado, crucificado; quando a sua mensagem, apesar de falar de amor e justiça, for rejeitada; quando os chefes do povo reagirem cruelmente à sua pregação. Aliás, muitas das comunidades às quais o evangelista Lucas se dirigia com os seus escritos passavam pela mesma experiência. Eram, como nos dizem os Atos dos Apóstolos, comunidades pacíficas que, apesar das suas limitações, procuravam viver da melhor forma a mensagem de caridade do Mestre (cf. At 4, 32-33). E, no entanto, eram perseguidas.
Tudo isto nos lembra que nem sempre o bem encontra, à sua volta, uma resposta positiva. Pelo contrário, por vezes, precisamente porque a sua beleza incomoda aqueles que não o acolhem, quem o pratica acaba por encontrar uma forte oposição, chegando mesmo a ter de suportar prepotência e injustiças. Agir segundo a verdade tem um custo, porque no mundo há quem opte pela mentira e porque o diabo, aproveitando-se disso, muitas vezes procura impedir a ação dos bons.
Jesus, porém, convida-nos, com a sua ajuda, a não desistir e a não nos conformarmos com esta mentalidade, mas a continuar a agir em prol do nosso bem e do bem de todos, mesmo de quem nos faz sofrer. Ele convida-nos a não responder à prepotência com a vingança, mas a permanecer fiéis à verdade na caridade. Os mártires dão testemunho disso derramando o seu sangue pela fé; também nós, em circunstâncias diferentes e de outro modo, os podemos imitar.
Pensemos, por exemplo, no preço que deve pagar um bom pai, se quer educar bem os seus filhos segundo princípios sãos: mais cedo ou mais tarde terá de saber dizer “não”, fazer algumas correções, e isso custar-lhe-á sofrimento. O mesmo vale para um professor que queira formar corretamente os seus alunos, para um profissional, um religioso, um político que se proponham levar a cabo honestamente a sua missão, e para qualquer outra pessoa que se esforce por exercer com coerência, seguindo os ensinamentos do Evangelho, as suas responsabilidades.
A este respeito, Santo Inácio de Antioquia, enquanto viajava para Roma, onde sofreria o martírio, escreveu aos cristãos dessa cidade: «Não quero que sejais estimados pelos homens, mas por Deus» (Carta aos Romanos, 2,1), e acrescentou: «Prefiro morrer em Cristo Jesus a reinar sobre todos os confins da terra» (ibid., 6,1).
Irmãos e irmãs, peçamos a Maria, Rainha dos Mártires, que nos ajude a ser, em todas as circunstâncias, testemunhas fiéis e corajosas do seu Filho, e sustenha os nossos irmãos e irmãs que hoje sofrem pela fé.
Apelo
Estou próximo das populações do Paquistão, da Índia e do Nepal, afetadas por violentas inundações. Peço pelas vítimas e pelos seus familiares, bem como por todos os que sofrem por causa desta calamidade.
Rezemos pelos bons resultados dos esforços para acabar com as guerras e para se promover a paz; a fim de que, nas negociações, sempre se coloque em primeiro lugar o bem comum dos povos.
Neste tempo de verão, recebo notícias de muitas e variadas iniciativas de animação cultural e de evangelização, organizadas frequentemente em locais de férias. É bonito ver como a paixão pelo Evangelho estimula a criatividade e o empenho de grupos e associações de todas as idades.
Saudação antes do almoço com os pobres no «Borgo Laudato si’»
nas Vilas pontifícias de Castel Gandolfo
17 de agosto
Talvez apenas algumas palavras.
Muitos de vós já me ouvistes esta manhã na Santa Missa, mas vem-me à mente que gostaria de compartilhar primeiro aquele gesto tão significativo para todos nós que é partir o pão, partir o pão juntos, o gesto com que se reconhece Jesus Cristo no meio dos seus; é a Santa Missa, mas é também estar todos juntos ao redor da mesa, compartilhar os dons que o Senhor nos concedeu.
Agradeço a todos os que trabalham na Cáritas diocesana, a Sua Excelência, por este acolhimento, por esta possibilidade de partilha também num lugar tão bonito que nos faz lembrar a beleza da natureza, da criação, mas também nos leva a pensar que a criatura mais excelsa é aquela criada à semelhança, à imagem de Deus, que somos todos nós! E neste sentido cada um de nós representa aquela imagem de Deus e como é importante recordar sempre que encontramos precisamente esta presença de Deus em cada um. E, portanto, também o nosso estar aqui reunidos esta tarde, para este almoço, é viver unidos a Deus, nesta comunhão, nesta fraternidade!
Muito obrigado a todos vós que estais aqui presentes. E agora peçamos a bênção do Senhor sobre as dádivas que receberemos, sobre todos aqueles que trabalharam para nos oferecer este almoço, os dons que compartilhamos — o «Borgo Laudato si’» e muitos outros — que tornaram possível esta bonita festa!
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém!
Senhor, abençoai todos nós e estes dons que recebemos da vossa Providência. Ajudai-nos a viver sempre unidos no vosso amor, Vós que viveis e reinais pelos séculos dos séculos, amém!
Bom apetite a todos!
Telegrama à Ceama
assinado pelo secretário de Estado
Pietro Parolin
Sua Eminência Reverendíssima
Card. Pedro Ricardo Barreto Jimeno, S.J.
Presidente da Conferência eclesial da Amazónia (Ceama)
O Papa Leão XIV saúda cordialmente Vossa Eminência, assim como todos os participantes no encontro dos Bispos da Amazónia, que se realiza de 17 a 20 de agosto em Bogotá.
Sua Santidade está grato pelo vosso esforço em promover o bem maior da Igreja para os fiéis do amado território amazónico e, tendo em consideração o que aprendemos no Sínodo sobre a escuta e a participação de todas as vocações na Igreja, exorta-vos a procurar, com base na unidade e na colegialidade próprias de um “organismo episcopal” (cf. Documento final do Sínodo especial para a Amazónia, 115), a maneira de ajudar concreta e eficazmente os Bispos diocesanos e os Vigários apostólicos a cumprir a sua missão. A este respeito, convida-vos a ter em conta três dimensões interligadas na ação pastoral desta Região: a missão da Igreja, de anunciar o Evangelho a todos os homens (cf. Decreto Ad gentes, 1), o tratamento equitativo dos povos que ali habitam e o cuidado da casa comum.
É essencial que Jesus Cristo, em quem tudo se recapitula (cf. Ef 1, 10), seja anunciado com clareza e imensa caridade entre os habitantes da Amazónia, de tal modo que nos comprometamos a proporcionar-lhes o pão fresco e puro da boa nova e o alimento celestial da Eucaristia, única maneira de ser verdadeiramente povo de Deus e corpo de Cristo.
Nesta missão, somos impelidos pela certeza, corroborada pela história da Igreja, de que onde se prega o nome de Cristo, a injustiça retrocede proporcionalmente, pois como afirma o apóstolo Paulo, toda a exploração do homem por parte do homem desaparece se formos capazes de nos aceitar uns aos outros como irmãos (cf. Fm 1, 16).
No âmbito desta doutrina perene, não menos evidentes são o direito e o dever de cuidar da “casa” que Deus Pai nos confiou como administradores zelosos, a fim de que ninguém destrua irresponsavelmente os bens naturais que falam da bondade e da beleza do Criador e, muito menos, se submeta a eles como escravo ou adorador da natureza, dado que tais coisas nos foram concedidas para alcançar a nossa finalidade de louvar a Deus e assim obter a salvação da nossa alma (cf. Santo Inácio de Loyola, Exercícios espirituais, 23).
Com estes votos, o Santo Padre concede-vos de coração a implorada bênção apostólica, que estende de bom grado a todos aqueles que foram confiados aos vossos cuidados pastorais.
Cardeal Pietro Parolin
Secretário de Estado
Audiência geral de quarta-feira
20 de agosto
Estimados irmãos e irmãs!
Hoje refletimos sobre um dos gestos mais comoventes e luminosos do Evangelho: o momento em que Jesus, durante a última ceia, oferece um pedaço de pão àquele que está prestes a traí-lo. Não se trata apenas de um gesto de partilha, é muito mais: é a última tentativa do amor de não se render.
Com a sua profunda sensibilidade espiritual, São João narra-nos assim aquele instante: «Durante a ceia, quando o diabo já tinha posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, a intenção de o entregar [...] sabendo Jesus que chegara a sua hora [...] levou até ao extremo o seu amor por eles» (Jo 13, 1-2). Amar até ao fim: eis a chave para compreender o coração de Cristo. Um amor que não se detém diante da rejeição, da desilusão, nem sequer da ingratidão.
Jesus conhece a hora, mas não a padece: escolhe-a. É Ele quem reconhece o momento em que o seu amor deverá passar através da ferida mais dolorosa, a da traição. E, em vez de recuar, de acusar, de se defender... continua a amar: lava os pés, molha o pão e oferece-o.
«É aquele a quem Eu der o bocado de pão que vou molhar» (Jo 13, 26). Com este gesto simples e humilde, Jesus leva em frente e a fundo o seu amor. Não porque ignora o que acontece, mas precisamente porque vê com clareza. Ele compreendeu que a liberdade do outro, até quando se perde no mal, ainda pode ser alcançada pela luz de um gesto manso. Porque sabe que o verdadeiro perdão não espera pelo arrependimento, mas oferece-se primeiro, como dom gratuito, ainda antes de ser acolhido.
Infelizmente, Judas não compreende. Depois do pedaço de pão — diz o Evangelho — «entrou nele Satanás» (v. 27). Esta passagem impressiona-nos: como se o mal, até àquele momento oculto, se manifestasse depois de o amor ter mostrado o seu rosto mais desarmado. E precisamente por isso, irmãos e irmãs, aquele pedaço de pão é a nossa salvação: porque nos diz que Deus faz tudo — absolutamente tudo — para nos alcançar, até na hora em que o rejeitamos.
É aqui que o perdão se revela em toda a sua potência, manifestando o rosto concreto da esperança. Não é esquecimento, nem debilidade. É a capacidade de deixar o outro livre, contudo amando-o até ao fim. O amor de Jesus não nega a verdade da dor, mas não permite que o mal tenha a última palavra. Este é o mistério que Jesus realiza por nós, no qual também nós às vezes somos chamados a participar.
Quantas relações se interrompem, quantas histórias se complicam, quantas palavras não ditas permanecem suspensas. No entanto, o Evangelho mostra-nos que há sempre uma maneira de continuar a amar, até quando tudo parece irremediavelmente comprometido. Perdoar não significa negar o mal, mas impedir que ele gere outro mal. Não significa dizer que nada aconteceu, mas fazer tudo o que for possível a fim de que não seja o rancor a decidir o futuro.
Quando Judas saiu da sala, «era noite» (v. 30). Mas imediatamente depois, Jesus diz: «Agora foi glorificado o Filho do homem» (v. 31). A noite ainda estava presente, mas uma luz já começou a brilhar. E resplandece porque Cristo permanece fiel até ao fim, e assim o seu amor é mais forte do que o ódio.
Prezados irmãos e irmãs, também nós vivemos noites dolorosas e cansativas. Noites da alma, noites da desilusão, noites em que alguém nos feriu ou traiu. Nesses momentos, a tentação é fechar-nos, proteger-nos, retribuir o golpe. Mas o Senhor mostra-nos a esperança de que existe sempre outro caminho. Ensina-nos que podemos oferecer um pedaço de pão até a quem nos vira as costas. Que podemos responder com o silêncio da confiança. E que podemos ir em frente com dignidade, sem renunciar ao amor.
Hoje peçamos a graça de saber perdoar, mesmo quando não nos sentimos compreendidos, até quando nos sentimos abandonados. Pois é precisamente naquelas horas que o amor pode alcançar o seu auge. Como Jesus nos ensina, amar significa deixar o outro livre — até de trair — sem nunca cessar de acreditar que até essa liberdade, ferida e perdida, pode ser erradicada do engano das trevas e restituída à luz do bem.
Quando a luz do perdão consegue filtrar-se pelas fendas mais profundas do coração, compreendemos que nunca é inútil. Mesmo que o outro não o aceite, ainda que pareça vão, o perdão liberta quem o concede: dissolve o ressentimento, devolve a paz, restitui-nos a nós próprios.
Com o simples gesto da oferenda do pão, Jesus mostra que cada traição pode tornar-se ocasião de salvação, se for escolhido como espaço para um amor maior. Não cede ao mal, mas vence-o com o bem, impedindo-o de extinguir o que há de mais verdadeiro em nós: a capacidade de amar.
Apelo
Na próxima sexta-feira, 22 de agosto, celebraremos a memória da Bem-Aventurada Virgem Maria Rainha. Maria é Mãe dos crentes aqui na terra e é também invocada como Rainha da paz. Enquanto o nosso mundo continua a ser ferido por guerras na Terra Santa, na Ucrânia e em muitas outras regiões do planeta, convido todos os fiéis a viverem o dia 22 de agosto em jejum e oração, suplicando ao Senhor que nos conceda paz e justiça e que enxugue as lágrimas de quantos sofrem devido aos conflitos armados em curso.
Maria, Rainha da paz, interceda a fim de que os povos encontrem o caminho da paz!
Aos membros da International Catholic Legislators Network
23 de agosto
Comecemos com o mesmo sinal com que o Senhor nos infundiu a vida no batismo: em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!
Bom dia a todos!
Bem-vindos a Roma e ao Vaticano, e obrigado pela vossa paciência.
Eminências, Excelência
Ilustres Senhoras e Senhores
Estimados Irmãos e Irmãs em Cristo!
É com grande alegria que vos dirijo a minha saudação, membros da International Catholic Legislators Network. E agradeço-vos a vossa visita aqui, no Vaticano e em Roma, durante este Ano jubilar, o Jubileu da Esperança.
Reunistes-vos para o vosso décimo sexto encontro anual, este ano dedicado a um tema que faz refletir, «A nova ordem mundial: a política das grandes potências, os domínios das multinacionais e o futuro da prosperidade humana». Nestas palavras, vejo tanto uma preocupação como um desejo. Estamos todos preocupados com o rumo que o nosso mundo está a tomar e, no entanto, desejamos uma prosperidade humana autêntica. Aspiramos por um mundo em que cada pessoa possa viver em paz, liberdade e plenitude, segundo o desígnio de Deus.
Para encontrar o nosso equilíbrio nas circunstâncias atuais — especialmente vós, legisladores e líderes políticos católicos — sugiro que olheis para o passado, para a eminente figura de Santo Agostinho de Hipona. Voz importante da Igreja na era romana tardia, foi testemunha de imensos tumultos e desagregações sociais. Em resposta, escreveu A Cidade de Deus, obra que propõe uma visão de esperança, uma visão de significado que nos fala ainda hoje.
Este Padre da Igreja ensinou que na história humana se entrelaçam duas “cidades”: a cidade do homem e a cidade de Deus. Elas simbolizam realidades espirituais — duas orientações do coração humano e, portanto, da civilização humana. A cidade do homem, construída sobre o orgulho e o amor próprio, distingue-se pela busca do poder, do prestígio e do prazer; a cidade de Deus, edificada sobre o amor a Deus até ao altruísmo, caracteriza-se pela justiça, caridade e humildade. Nestes termos, Agostinho encorajou os cristãos a impregnar a sociedade terrena com os valores do Reino de Deus, orientando assim a história para o seu cumprimento último em Deus, mas permitindo também a autêntica prosperidade humana nesta vida. Esta visão teológica pode oferecer-nos um ponto de referência diante das correntes mutáveis da atualidade: o surgimento de novos centros de gravidade, a instabilidade de antigas alianças e a influência sem precedentes de multinacionais e tecnologias, sem mencionar os numerosos conflitos violentos. Assim, a questão crucial para nós, crentes, é a seguinte: como podemos cumprir esta tarefa?
Para responder a esta pergunta, devemos esclarecer o significado de prosperidade humana. Hoje, a vida próspera é frequentemente confundida com uma vida rica do ponto de vista material, ou com uma vida de autonomia individual sem restrições e de prazer. O chamado futuro ideal que nos é apresentado distingue-se frequentemente pelo conforto tecnológico e pela satisfação do consumidor. Mas sabemos que isto não é suficiente. Vemo-lo nas sociedades abastadas, onde muitas pessoas lutam contra a solidão, o desespero e uma sensação de falta de significado.
A autêntica prosperidade humana deriva daquilo que a Igreja define como desenvolvimento humano integral, ou seja, o pleno crescimento da pessoa em todas as dimensões: física, social, cultural, moral e espiritual. Esta visão da pessoa humana está enraizada na lei natural, a ordem moral que Deus inscreveu no coração humano, cujas verdades mais profundas são iluminadas pelo Evangelho de Cristo. A tal respeito, a autêntica prosperidade humana manifesta-se quando as pessoas vivem virtuosamente, quando vivem em comunidades saudáveis, beneficiando não só do que têm, do que possuem, mas também do que são como filhos de Deus. Assegura a liberdade de procurar a verdade, de adorar a Deus e de criar uma família em paz. Inclui também uma harmonia com a criação e um sentido de solidariedade através das classes sociais e das nações. Com efeito, o Senhor veio para que “tenhamos vida e a tenhamos em abundância” (cf. Jo 10, 10).
O futuro da prosperidade humana depende do tipo de “amor” que escolhemos para organizar a nossa sociedade: um amor egoísta, o amor próprio, ou o amor a Deus e ao próximo. Nós, naturalmente, já sabemos a resposta. Na vossa vocação de legisladores e funcionários públicos católicos, sois chamados a ser construtores de pontes entre a cidade de Deus e a cidade do homem. Esta manhã, gostaria de vos exortar a continuar a trabalhar por um mundo em que o poder seja controlado pela consciência e em que a lei esteja a serviço da dignidade humana. Encorajo-vos também a rejeitar a mentalidade perigosa e contraproducente segundo a qual nada jamais mudará.
Sei que os desafios são imensos, mas a graça de Deus que age no coração humano é ainda mais poderosa. O meu venerável predecessor destacou a necessidade daquilo a que chamou “diplomacia da esperança” (Discurso aos membros do Corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, 9 de janeiro de 2025). Acrescentaria que precisamos também de uma “política da esperança” e de uma “economia da esperança”, ancoradas na convicção de que, também hoje, através da graça de Cristo, podemos refletir a sua luz na cidade terrena.
Obrigado! Agradeço a todos vós pelo compromisso de levar a mensagem do Evangelho à arena pública. Asseguro-vos as minhas orações por vós, pelos vossos entes queridos, pelas vossas famílias, pelos vossos amigos e, especialmente hoje, por aqueles a quem servis. Que o Senhor Jesus, Príncipe da Paz, abençoe e guie os vossos esforços em prol da autêntica prosperidade da família humana!
Às participantes nos Capítulos gerais
das Missionárias Filhas da Sagrada Família
de Nazaré, Instituto das Filhas de Nazaré Instituto das Apóstolas da Sagrada Família e Irmãs da Caridade de Santa Maria (chamadas do Bom Conselho)
23 de agosto
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!
Bom dia a todas! Obrigado pela paciência.
Amadas irmãs, e também alguns irmãos que vos acompanham!
Estou feliz por me encontrar convosco esta manhã, por ocasião dos vossos Capítulos gerais: são momentos de graça, um dom para a Igreja e para as vossas Congregações. Saúdo as Superioras-gerais presentes, as novas e aquelas que já terminaram e contam os dias para descansar um pouco... Muito bem!
As vossas assembleias decorrem durante este ano: o Jubileu da esperança. Como diz São Paulo, ela não desilude, é fruto de virtude provada e é animada pelo amor de Deus derramado no nosso coração pelo Espírito Santo (cf. Rm 5, 5). São palavras que bem se adaptam à descrição da riqueza que vós trazeis hoje aqui, a esta sala: trazeis o dom carismático que um dia o Paráclito concedeu às vossas Fundadoras e Fundadores, e que ainda continua a renovar-se; trazeis a presença fiel e providencial do Senhor nas histórias dos vossos Institutos; trazeis a virtude com que quantos vos precederam, muitas vezes passando por duras provações, responderam aos dons de Deus. Tudo isto faz de vós testemunhas por excelência, testemunhas de esperança: sobretudo daquela esperança que nos quer constantemente voltados para os bens futuros e da qual, como religiosas, sois chamadas a ser sinal e profecia (cf. Fl 3, 13-14; Const. ap. Lumen gentium, 44).
As vossas fundações têm diferentes origens, ligadas à vida de homens e mulheres de Deus que, com coragem, responderam “sim” ao chamamento: Josep Manyanet, María Encarnación Colomina, Maria Luigia Angelica Clarac, Giuseppe Guarino, Carmela Auteri, Teresa Ferrara, Agostino di Montefeltro. A todos eles, o Espírito Santo concedeu dons especiais para o bem comum, também através da inspiração de grandes escolas de espiritualidade, como a franciscana e a salesiana. Há, porém, uma caraterística que muitas de vós têm em comum: o desejo de viver e transmitir aos irmãos os valores da Sagrada Família de Nazaré, lar de oração, laboratório de amor e modelo de santidade, e gostaria de meditar um momento sobre isto.
Durante a sua viagem à Terra Santa, falando aos fiéis na Basílica da Anunciação, São Paulo VI manifestou o desejo de que, olhando para Jesus, Maria e José, se pudesse compreender cada vez mais a importância da família, a sua comunhão de amor, a sua beleza simples e austera, o seu caráter sagrado e inviolável, a sua pedagogia dócil e a sua função natural e insubstituível na sociedade (cf. Discurso na Basílica da Anunciação em Nazaré, 5 de janeiro de 1964).
Ainda hoje há muita necessidade de tudo isto. Nos nossos dias, mais do que nunca, a família deve ser apoiada, promovida, encorajada: com a oração, com o exemplo e com uma ação social solícita, pronta a socorrê-la nas suas necessidades. Neste sentido, o vosso testemunho carismático e a vossa obra de consagradas podem fazer muito. Portanto, convido-vos a refletir sobre o que os vossos Institutos realizaram, ao longo do tempo, a favor de tantas famílias — de meninos, meninas, mães, pais, idosos e jovens — e também a renovar o vosso compromisso para que, como diz a liturgia, nas nossas casas floresçam «as mesmas virtudes e o mesmo amor da Sagrada Família» (cf. Missal Romano, Missa para a família). Continuai as obras que vos foram confiadas “formando família” e permanecendo próximas das pessoas que assistis, com a oração, a escuta, o conselho, a ajuda, para cultivar e difundir, nas várias realidades em que trabalhais, o espírito da casa de Nazaré.
Estimadas irmãs, agradeço-vos o trabalho que desempenhais em tantas partes do mundo. Recomendo-vos ao Senhor na oração, confio-vos à intercessão da Mãe de Deus e de São José, e abençoo-vos de coração. Obrigado!
Depois da bênção.
Obrigado a todas vós, bom Capítulo e boa continuação!
Angelus do xxi domingo do tempo comum
24 de agosto
Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!
No centro do Evangelho de hoje (Lc 13, 22-30), encontramos a imagem da “porta estreita”, usada por Jesus para responder a alguém que lhe pergunta se são poucos os que se salvam. Jesus diz: «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir» (v. 24).
À primeira vista, esta imagem suscita em nós algumas questões: se Deus é o Pai do amor e da misericórdia, que permanece sempre de braços abertos para nos acolher, por que razão Jesus diz que a porta da salvação é estreita?
O Senhor não quer, certamente, desanimar-nos. As suas palavras servem, antes de mais nada, para abalar a presunção daqueles que pensam que já estão salvos, daqueles que praticam a religião e, por isso, se sentem tranquilos. Na realidade, eles não compreenderam que não basta realizar atos religiosos se estes não transformam o coração: o Senhor não quer um culto separado da vida e não lhe são agradáveis sacrifícios e orações que não nos levam a viver o amor aos irmãos e a praticar a justiça. Por isso, quando se apresentarem diante do Senhor vangloriando-se de terem comido e bebido com Ele e de terem escutado os seus ensinamentos, ouvirão a seguinte resposta: «Repito-vos que não sei de onde sois. Apartai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade» (v. 27).
Irmãos e irmãs, é bonita a provocação que nos chega do Evangelho de hoje: ao mesmo tempo que nós, às vezes, julgamos quem está longe da fé, Jesus põe em crise “a segurança dos crentes”. Com efeito, diz-nos que não basta professar a fé com palavras, comer e beber com Ele celebrando a Eucaristia ou conhecer bem os ensinamentos cristãos. A nossa fé é autêntica quando envolve toda a nossa vida, quando se torna um critério para as nossas escolhas, quando nos torna mulheres e homens que se comprometem com o bem e apostam no amor, tal como fez Jesus; Ele não escolheu o caminho fácil do sucesso ou do poder, mas, para nos salvar, amou-nos até atravessar a “porta estreita” da Cruz. Ele é a medida da nossa fé, Ele é a porta que devemos atravessar para sermos salvos (cf. Jo 10, 9), vivendo o seu amor e tornando-nos, com a própria vida, agentes de justiça e paz.
Às vezes, isso significa fazer escolhas difíceis e impopulares, lutar contra o próprio egoísmo e gastar-se pelos outros, perseverar no bem onde parece prevalecer a lógica do mal, e assim por diante. Mas, ao ultrapassar este limiar, descobriremos que a vida se abre diante de nós de uma maneira nova e, desde já, entraremos no espaçoso coração de Deus e na alegria da festa eterna que Ele preparou para nós.
Invoquemos a Virgem Maria, para que nos ajude a atravessar com coragem a “porta estreita” do Evangelho, de modo que possamos abrir-nos com alegria à largura do amor de Deus Pai.
Apelo
Exprimo a minha proximidade à população de Cabo Delgado, em Moçambique, vítima de uma situação de insegurança e violência que continua a causar mortes e provocar deslocados. Ao apelar para que estes nossos irmãos e irmãs não sejam esquecidos, convido-vos a rezar por eles e manifesto a esperança de que os esforços dos responsáveis do país consigam restabelecer a segurança e a paz naquele território.
Na sexta-feira passada, dia 22 de agosto, acompanhámos com o nosso jejum e oração os irmãos e irmãs que sofrem por causa das guerras. Hoje, unimo-nos aos nossos irmãos ucranianos que, com a iniciativa espiritual “Oração Mundial pela Ucrânia”, suplicam ao Senhor que conceda a paz ao seu martirizado país.
Audiência geral de quarta-feira
27 de agosto
Prezados irmãos e irmãs!
Hoje meditamos sobre uma cena que marca o início da paixão de Jesus: o momento da sua detenção no horto das Oliveiras. O evangelista João, com a sua habitual profundidade, não nos apresenta um Jesus apavorado, que foge ou se esconde. Pelo contrário, mostra-nos um homem livre, que se aproxima e toma a palavra, enfrentando abertamente a hora em que se pode manifestar a luz do amor maior.
«Sabendo Jesus tudo o que lhe ia acontecer, aproximou-se e disse-lhes: “A quem buscais?”» (Jo 18, 4). Jesus sabe. No entanto, decide não recuar. Entrega-se. Não por debilidade, mas por amor. Um amor tão pleno, tão maduro, que não teme a rejeição. Jesus não é preso: deixa-se prender. Não é vítima de uma detenção, mas autor de um dom. Neste gesto encarna-se uma esperança de salvação para a nossa humanidade: saber que, até na hora mais obscura, podemos permanecer livres para amar até ao fim.
Quando Jesus responde «sou eu», os soldados caem por terra. Trata-se de uma passagem misteriosa, dado que na revelação bíblica esta expressão evoca o próprio nome de Deus: «Eu sou». Jesus revela que a presença de Deus se manifesta precisamente onde a humanidade experimenta a injustiça, o medo, a solidão. É exatamente ali que a verdadeira luz está disposta a brilhar, sem medo de ser dominada pelo avançar das trevas.
No coração da noite, quando tudo parece desabar, Jesus mostra que a esperança cristã não é evasão, mas decisão. Esta atitude é fruto de uma profunda oração na qual não pedimos a Deus que nos poupe do sofrimento, mas que nos dê força para perseverar no amor, conscientes de que a vida livremente oferecida por amor não nos pode ser tirada por ninguém.
«Se é, pois, a mim que procurais, deixai que estes partam» (Jo 18, 8). No momento da sua prisão, Jesus não se preocupa em salvar-se a si mesmo: deseja apenas que os seus amigos possam ser livres. Isto demonstra que o seu sacrifício é um verdadeiro ato de amor. Jesus deixa-se apanhar e aprisionar pelos guardas só para poder deixar que os seus discípulos sejam livres.
Jesus viveu cada dia da sua vida como preparação para esta hora dramática e sublime. Por isso, quando ela chega, tem a força de não procurar uma saída. O seu coração sabe bem que perder a vida por amor não é um fracasso, mas possui uma misteriosa fecundidade. Como o grão de trigo que, precisamente ao cair na terra, não fica só, mas morre, tornando-se fecundo.
Até Jesus se sente inquieto diante de um caminho que parece levar unicamente à morte e ao fim. Mas está igualmente convencido de que, no final, só uma vida perdida por amor se reencontra. É nisto que consiste a verdadeira esperança: não em procurar evitar a dor, mas em acreditar que, até no coração dos sofrimentos mais injustos, se esconde a semente de uma vida nova.
E nós? Quantas vezes defendemos a nossa vida, os nossos projetos, as nossas seguranças, sem nos darmos conta de que, agindo assim, ficamos sós. A lógica do Evangelho é diferente: só o que se dá floresce, só o amor que se torna gratuito pode restituir confiança até onde tudo parece perdido.
O Evangelho de Marcos narra-nos também de um jovem que, quando Jesus é preso, foge nu (cf. Mc 14, 51). É uma imagem enigmática, mas profundamente evocativa. Também nós, na tentativa de seguir Jesus, vivemos momentos em que somos surpreendidos e ficamos despojados das nossas certezas. São os momentos mais difíceis, nos quais somos tentados a abandonar o caminho do Evangelho porque o amor nos parece um percurso impossível. No entanto, será precisamente um jovem, no final do Evangelho, que anunciará a ressurreição às mulheres, não já nu, mas vestido com uma túnica branca.
Esta é a esperança da nossa fé: os nossos pecados e hesitações não impedem que Deus nos perdoe e nos restitua o desejo de retomar o nosso seguimento, para nos tornar capazes de oferecer a vida pelos outros.
Caros irmãos e irmãs, aprendamos também nós a entregar-nos à boa vontade do Pai, deixando que a nossa vida seja uma resposta ao bem recebido. Na vida não é necessário controlar tudo. É suficiente escolher, todos os dias, amar com liberdade. É nisto que consiste a verdadeira esperança: em saber que, até na obscuridade da provação, é o amor de Deus que nos sustenta, fazendo amadurecer em nós o fruto da vida eterna.
Apelo
Na sexta-feira passada, pudemos acompanhar com a oração e o jejum os nossos irmãos e irmãs que sofrem por causa das guerras. Hoje, volto a dirigir um forte apelo tanto às partes envolvidas como à comunidade internacional para que se ponha fim ao conflito na Terra Santa, que causou tanto terror, destruição e morte.
Suplico que todos os reféns sejam libertados, que se chegue a um cessar-fogo permanente, que se facilite a entrada segura da ajuda humanitária e que se respeite integralmente o direito humanitário, em particular a obrigação de proteger os civis e as proibições de punição coletiva, do uso indiscriminado da força e da deslocação forçada da população. Associo-me à Declaração conjunta dos Patriarcas greco-ortodoxo e latino de Jerusalém, que ontem pediram para «pôr fim a esta espiral de violência, para acabar com a guerra e dar prioridade ao bem comum das pessoas».
Imploremos Maria, Rainha da paz, fonte de consolação e esperança: que a sua intercessão obtenha reconciliação e paz naquela terra tão querida a todos!
Angelus do xxii domingo do tempo comum
31 de agosto
Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!
Estar à mesa juntos, especialmente nos dias de descanso e de festa, é um sinal de paz e comunhão, em todas as culturas. No Evangelho deste domingo (Lc 14, 1.7-14), Jesus é convidado por um dos chefes dos fariseus para um almoço. Receber convidados amplia o espaço do coração e ser convidado requer a humildade de entrar no mundo do outro. Uma cultura do encontro se alimenta desses gestos que aproximam.
Encontrar-se nem sempre é fácil. O evangelista observa que os convidados “ficavam a observar” Jesus, que geralmente era visto com certa desconfiança pelos intérpretes mais rigorosos da tradição. Apesar disso, o encontro acontece, porque Jesus se aproxima realmente, não permanece alheio à situação. Ele torna-se verdadeiramente hóspede, com respeito e autenticidade. Renuncia àquelas “boas maneiras” que são meras formalidades para evitar o envolvimento mútuo. Assim, no seu estilo próprio, com uma parábola, descreve o que vê e convida aqueles que o observavam a pensar. Com efeito, Jesus percebeu que há uma corrida para ocupar os primeiros lugares. Isto também acontece hoje, não na família, mas nas ocasiões em que é importante “ser notado”; então, o estar juntos transforma-se numa competição.
Irmãs e irmãos, sentar-nos juntos à mesa eucarística, no dia do Senhor, significa também para nós deixar a palavra a Jesus. Ele torna-se de bom grado nosso hóspede e pode descrever-nos como nos vê. É muito importante ver-nos com o seu olhar: repensar como muitas vezes reduzimos a vida a uma competição; como mudamos quem somos para obter algum reconhecimento; como nos comparamos inutilmente uns aos outros. Parar para refletir, deixar-nos abalar por uma Palavra que questiona as prioridades que ocupam o nosso coração, é uma experiência libertadora. E Jesus nos chama à liberdade.
No Evangelho, Ele usa a palavra “humildade” para descrever a forma plena da liberdade (cf. Lc 14, 11). A humildade é, em verdade, a liberdade de si mesmo. Ela nasce quando o Reino de Deus e a sua justiça realmente despertam o nosso interesse e podemos permitir-nos olhar para longe: não para a ponta dos nossos pés, mas para longe! Quem se exalta, em geral, parece não ter encontrado nada mais interessante do que si mesmo e, no fundo, é muito inseguro. Mas quem compreendeu ser tão precioso aos olhos de Deus, quem sente profundamente ser filho ou filha de Deus, tem coisas maiores pelas quais se exaltar e tem uma dignidade que brilha por si mesma. Ela vem em primeiro plano, está em primeiro lugar, sem esforço e sem estratégias, cada vez que aprendemos a servir, em vez de nos servirmos das situações.
Queridos irmãos, peçamos hoje que a Igreja seja para todos uma academia de humildade, ou seja, aquela casa onde todos são sempre bem-vindos, onde os lugares não precisam ser conquistados, onde Jesus ainda pode tomar a Palavra e educar-nos na sua humildade, na sua liberdade. Maria, a quem agora rezamos, é verdadeiramente a Mãe desta casa.
Apelo
Queridos irmãos e irmãs,
Infelizmente, a guerra na Ucrânia continua a semear morte e destruição. Nestes últimos dias, novamente os bombardeamentos atingiram várias cidades, incluindo a capital Kiev, causando numerosas vítimas. Renovo a minha proximidade ao povo ucraniano e a todas as famílias feridas. Convido todos a não cederem à indiferença, mas a aproximarem-se com a oração e com gestos concretos de caridade. Reitero com veemência o meu apelo urgente por um cessar-fogo imediato e por um compromisso sério com o diálogo. É tempo de os responsáveis renunciarem à lógica das armas e enveredarem pelo caminho da negociação e da paz, com o apoio da comunidade internacional. A voz das armas deve calar-se, enquanto a voz da fraternidade e da justiça deve elevar-se.
As nossas orações pelas vítimas do trágico tiroteio durante a missa numa escola no estado de Minnesota, nos Estados Unidos, incluem as inúmeras crianças mortas e feridas todos os dias em todo o mundo. Imploremos a Deus que ponha fim à epidemia de armas, grandes e pequenas, que infecta o nosso mundo. Que a nossa Mãe Maria, Rainha da Paz, nos ajude a cumprir a profecia de Isaías: «transformarão as suas espadas em relhas de arados, e as suas lanças, em foices» (Is 2, 4).
Os nossos corações também estão feridos pelas mais de cinquenta pessoas mortas — e cerca de cem ainda desaparecidas — no naufrágio de um barco carregado de migrantes que tentavam a viagem de 1100 quilómetros até às Ilhas Canárias, ocorrido na costa atlântica da Mauritânia. Esta tragédia mortal repete-se todos os dias em todo o mundo. Rezemos para que o Senhor nos ensine, como indivíduos e como sociedade, a pôr plenamente em prática a sua palavra: “Fui estrangeiro e acolhestes-me” (Mt 25, 35).
Confiamos todos os nossos feridos, desaparecidos e mortos, de todas as partes, ao abraço amoroso do nosso Salvador.