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Textos pontifícios

 Textos pontifícios  POR-008
02 julho 2025

Homilia da missa no Jubileu das famílias
das crianças dos avós e dos idosos

1 de junho

O Evangelho que acaba de ser proclamado mostra-nos Jesus rezando por nós na Última Ceia (cf. Jo 17, 20): o Verbo de Deus, feito homem, já perto do fim da sua vida terrena, pensa em nós, seus irmãos, tornando-se bênção, súplica e louvor ao Pai, com a força do Espírito Santo. E também nós, ao entrarmos na oração de Jesus cheios de admiração e confiança, somos envolvidos pelo seu próprio amor num grande projeto, que diz respeito a toda a humanidade.

Cristo pede, com efeito, que todos sejamos «um só» (v. 21). Trata-se do maior bem que possa ser desejado, porque esta união universal realiza entre as criaturas a comunhão eterna de amor em que se identifica o próprio Deus, como Pai que dá a vida, Filho que a recebe e Espírito que a partilha.

O Senhor não quer que nos juntemos numa massa indistinta, como um bloco sem nome, apenas com o fim de estarmos unidos, mas deseja que sejamos um: «Como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti; para que assim eles estejam em Nós» (v. 21). A unidade pela qual Jesus reza é, portanto, uma comunhão fundada no mesmo amor com que Deus ama, do qual provêm a vida e a salvação. E, como tal é, primeiramente, um dom que Jesus vem trazer. É, pois, a partir do seu coração de homem que o Filho de Deus se dirige ao Pai dizendo: «Eu neles e Tu em mim, para que eles cheguem à perfeição da unidade e assim o mundo reconheça que Tu me enviaste e que os amaste a eles como a mim» (v. 23).

Ouçamos com admiração estas palavras: Jesus está a revelar-nos que Deus nos ama como ama a si mesmo. O Pai não nos ama menos do que ama o seu Filho Único, isto é, infinitamente. Deus não ama menos, porque ama antes, ama por primeiro! O próprio Cristo testemunha isso quando diz que o Pai o amou «antes da criação do mundo» (v. 24). E é exatamente assim: na sua misericórdia, Deus sempre quis atrair todos os homens para si, e é a sua vida, entregue por nós em Cristo, que nos faz um, que nos une uns aos outros.

Ouvir hoje esse Evangelho, durante o Jubileu das Famílias, das Crianças, dos Avós e dos Idosos, enche-nos de alegria.

Caríssimos, recebemos a vida antes de a termos desejado. Como ensinou o Papa Francisco, «todos os homens são filhos, mas nenhum de nós escolheu nascer» (Angelus, 1 de janeiro de 2025). E não só. Assim que nascemos, tivemos necessidade dos outros para viver, já que sozinhos não teríamos conseguido: foi outra pessoa que nos ajudou, cuidando de nós, do nosso corpo e do nosso espírito. Assim sendo, todos nós vivemos graças a uma relação, ou seja, a um vínculo livre e libertador de humanidade e de cuidado recíproco.

É verdade que às vezes essa humanidade é traída. Por exemplo, cada vez que se invoca a liberdade não para dar a vida, mas para tirá-la; não para socorrer, mas para ofender. No entanto, mesmo diante do mal, que cria discórdia e mata, Jesus continua a interceder por nós junto ao Pai, e a sua oração age como um bálsamo nas nossas feridas, tornando-se para todos um anúncio de perdão e reconciliação. Essa oração do Senhor dá sentido pleno aos momentos luminosos do nosso querer bem aos outros, como pais, avós, filhos e filhas. E é isso que queremos anunciar ao mundo: estamos aqui para sermos “um”, como o Senhor nos quer “um”, nas nossas famílias e onde quer que vivamos, trabalhemos e estudemos: diferentes, mas um; muitos, mas um; sempre, em todas as circunstâncias e em todas as etapas da vida.

Caríssimos, se nos amarmos assim, sobre o fundamento de Cristo, que é «o Alfa e o Ómega», «o Princípio e o Fim» (cf. Ap 22, 13), seremos sinal de paz para todos na sociedade e no mundo. E não esqueçamos: das famílias nasce o futuro dos povos.

Nas últimas décadas, recebemos um sinal que nos enche de alegria e, ao mesmo tempo, nos faz refletir: refiro-me à Beatificação e Canonização de casais, não separadamente, mas juntos, enquanto casais. Penso em Luís e Zélia Martin, pais de Santa Teresinha do Menino Jesus; como também os Beatos Luís e Maria Beltrame Quattrocchi, cuja vida familiar transcorreu em Roma no século passado. E não nos esqueçamos da família polaca Ulma: pais e filhos unidos no amor e no martírio. Eu dizia que se trata de um sinal que faz pensar, pois a Igreja, apresentando-os como testemunhos exemplares dos cônjuges, diz-nos realmente que o mundo de hoje precisa da aliança conjugal para conhecer e acolher o amor de Deus e superar, com a sua força que une e reconcilia, as forças que desagregam as relações e as sociedades.

Por isso, digo a vós, esposos, com o coração cheio de gratidão e esperança: o casamento não é um ideal, mas a regra do verdadeiro amor entre o homem e a mulher; amor total, fiel, fecundo (cf. São Paulo VI, Carta enc. Humanae vitae, 9). Esse mesmo amor, ao transformar-vos numa só carne, torna-vos capazes de, à imagem de Deus, doar a vida.

Portanto, encorajo-vos a ser exemplos de coerência para os vossos filhos, comportando-vos como quereis que eles se comportem, educando-os para a liberdade através da obediência, procurando sempre os meios para aumentar o bem que existe neles. E vós, filhos, sede gratos aos vossos pais: dizer “obrigado” pelo dom da vida e pelos dons que recebemos todos os dias é a primeira forma de honrar o pai e a mãe (cf. Ex 20, 12). Por fim, a vós, queridos avós e idosos, recomendo que cuideis daqueles que amais, com sabedoria e compaixão, com a humildade e a paciência que os anos ensinam.

Na família, a fé é transmitida, de geração em geração, juntamente com a vida: é partilhada como o alimento da mesa e os afetos do coração. Isso torna-a um lugar privilegiado para encontrar Jesus, que nos ama e quer sempre o nosso bem.

Gostaria de acrescentar uma última coisa. A oração do Filho de Deus, que nos infunde esperança ao longo do caminho, lembra-nos também que um dia seremos todos uno unum (cf. Santo Agostinho, Enarr. In. Ps., 127): uma só coisa no único Salvador, abraçados pelo amor eterno de Deus. Não somente nós, mas também os pais e as mães, as avós e os avôs, os irmãos, as irmãs e os filhos que já nos precederam na luz da Páscoa eterna e que sentimos presentes aqui, junto a nós, neste momento de festa.

Regina caeli

1 de junho

No final desta Eucaristia, dirijo uma saudação calorosa a todos vós, participantes do Jubileu das Famílias, das Crianças, dos Avós e dos Idosos! Viestes de todas as partes do mundo, com delegações de 131 países.

Estou feliz por receber tantas crianças, que reavivam a nossa esperança! Saúdo as famílias, pequenas igrejas domésticas, onde o Evangelho é acolhido e transmitido. A família — dizia São João Paulo II — tem origem no amor com que o Criador abraça o mundo criado (Carta Gratissimam sane, 2). Que a fé, a esperança e a caridade cresçam sempre nas nossas famílias. Uma saudação especial aos avós e aos idosos. Vós sois o modelo genuíno de fé e inspiração para as jovens gerações. Obrigado por terem vindo!

Celebra-se hoje, na Itália e em vários países, a Solenidade da Ascensão do Senhor. É uma festa muito bonita, que nos faz olhar para a meta da nossa viagem terrena. Nesse horizonte, recordo que ontem, em Braniewo, na Polónia, foram beatificadas a irmã Krzysztofora Klomfass e outras 14 consagradas da Congregação de Santa Catarina, Virgem e Mártir, mortas em 1945 pelos soldados do Exército vermelho, nos territórios da atual Polónia. Apesar do clima de ódio e terror contra a fé católica, elas continuaram a servir os doentes e os órfãos. Confiamos à intercessão das novas Beatas mártires todas as religiosas do mundo que se gastam generosamente pelo Reino de Deus.

Recordo também o Dia Mundial das Comunicações Sociais, que acontece hoje, e agradeço aos profissionais da comunicação social que, zelando pela qualidade ética das mensagens, ajudam as famílias na sua tarefa educativa.

Que a Virgem Maria abençoe as famílias e as sustente nas suas dificuldades: penso especialmente naquelas que sofrem por causa da guerra no Médio Oriente, na Ucrânia e em outras partes do mundo.

Que a Mãe de Deus nos ajude a prosseguir juntos no caminho da paz.

Mensagem aos participantes no Seminário organizado pelo Dicastério para os leigos
a família e a vida

2-3 de junho

Prezados irmãos e irmãs!

Estou feliz porque, na sequência da celebração do Jubileu das Famílias, das Crianças, dos Avós e dos Idosos, um grupo de especialistas se reuniu no Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida para refletir sobre o tema: Evangelizar com as famílias de hoje e de amanhã. Desafios eclesiológicos e pastorais.

Este tema exprime bem a preocupação materna da Igreja pelas famílias cristãs do mundo inteiro: membros vivos do Corpo místico de Cristo e primeiro núcleo eclesial ao qual o Senhor confia a transmissão da fé e do Evangelho, especialmente às novas gerações.

A profunda exigência de infinito, inscrita no coração de cada homem, confere aos pais e às mães a tarefa de tornar os seus filhos conscientes da Paternidade de Deus, segundo aquilo que escreveu Santo Agostinho: «Tal como em Vós temos a nascente da vida, assim na vossa luz veremos a luz» (Confissões, XIII, 16).

O nosso tempo distingue-se por uma crescente busca de espiritualidade, verificável sobretudo nos jovens, desejosos de relações autênticas e de mestres de vida. Precisamente por isso, é importante que a comunidade cristã saiba lançar o olhar para longe, fazendo-se guardiã, perante os desafios do mundo, do anseio de fé que habita no coração de cada um.

E neste esforço é particularmente urgente prestar atenção especial às famílias que, por vários motivos, se encontram espiritualmente mais distantes: aquelas que não se sentem envolvidas, que dizem não estar interessadas, ou que se sentem excluídas dos percursos comuns, mas que no entanto, de alguma forma gostariam de fazer parte de uma comunidade onde crescer e com a qual caminhar. Quantas pessoas ignoram hoje o convite ao encontro com Deus!

Infelizmente, perante esta necessidade, uma “privatização” cada vez mais generalizada da fé impede muitas vezes que estes irmãos e irmãs conheçam a riqueza e os dons da Igreja, lugar de graça, fraternidade e amor!

Assim, não obstante os desejos sadios e santos, enquanto procuram sinceramente pontos de apoio para percorrer as belas sendas da vida e da alegria plena, muitos acabam por confiar em bases falsas que, não suportando o peso das suas instâncias mais profundas, os deixam deslizar de novo para baixo, afastando-os de Deus e tornando-os náufragos num mar de pressões mundanas.

Entre eles há pais e mães, crianças, jovens e adolescentes, às vezes alienados por modelos de vida ilusórios, onde não existe espaço para a fé, para cuja propagação contribui em grande medida o uso deturpado de meios potencialmente bons em si mesmos — como as redes sociais — mas nocivos quando são transformados em veículo de mensagens falaciosas.

Pois bem, o que move a Igreja no seu esforço pastoral e missionário é precisamente o desejo de ir “pescar” esta humanidade, para a salvar das águas do mal e da morte através do encontro com Cristo.

Talvez muitos jovens, que nos nossos dias escolhem a convivência em vez do Casamento cristão, precisem realmente de alguém que lhes mostre de modo concreto e compreensível, sobretudo mediante o exemplo de vida, em que consistem o dom da graça sacramental e a força que dela emana; que os ajude a compreender «a beleza e a grandeza da vocação ao amor e ao serviço da vida» que Deus concede aos esposos (SÃO JOÃO PAULO II, Exortação apostólica Familiaris consortio, 1).

Do mesmo modo, na educação dos filhos na fé, muitos pais precisam de comunidades que os sustentem na criação das condições a fim de que eles possam encontrar Jesus, «lugares onde se realiza aquela comunhão de amor que encontra a sua fonte última no próprio Deus» (FRANCISCO, Audiência geral, 9 de setembro de 2015).

A fé é principalmente resposta a um olhar de amor, e o maior erro que podemos cometer como cristãos é, segundo as palavras de Santo Agostinho, «pretender que a graça de Cristo consista no seu exemplo, não no dom da sua pessoa» (Contra Iulianum opus imperfectum, II, 146). Quantas vezes, num passado talvez não muito longínquo, esquecemos esta verdade, apresentando a vida cristã sobretudo como um conjunto de preceitos a observar, substituindo a maravilhosa experiência do encontro com Jesus, Deus que se oferece a nós, por uma religião moralista, pesada, pouco atraente e, sob certos aspetos, irrealizável na realidade de todos os dias.

Neste contexto, compete em primeiro lugar aos Bispos, sucessores dos Apóstolos e Pastores do rebanho de Cristo, lançar a rede ao mar, tornando-se “pescadores de famílias”. Mas também os leigos são chamados a deixar-se envolver nesta missão, tornando-se, ao lado dos ministros ordenados, “pescadores” de casais, jovens, crianças, mulheres e homens de todas as idades e condições, a fim de que todos possam encontrar o Único que pode salvar. Com efeito, no Batismo cada um de nós é constituído Sacerdote, Rei e Profeta para os irmãos, feito “pedra viva” (cf. 1 Pd 2, 4-5) para a construção do edifício de Deus «na comunhão fraterna, na harmonia do Espírito, na convivência das diversidades» (Homilia, 18 de maio de 2025).

Portanto, peço-vos que vos unais aos esforços com que toda a Igreja vai em busca destas famílias que, sozinhas, já não se aproximam; para compreender como caminhar com elas e como ajudá-las a encontrar a fé, tornando-se por sua vez “pescadoras” de outras famílias.

Não vos deixeis desanimar pelas situações difíceis com que vos deparardes. É verdade que hoje os núcleos familiares são feridos de muitas maneiras, mas «o Evangelho da família nutre também as sementes que ainda estão à espera de se desenvolver e deve cuidar das árvores que perderam vitalidade e que não podem ser transcuradas» (FRANCISCO, Exortação apostólica Amoris laetitia, 76).

Por isso há tanta necessidade de promover o encontro com a ternura de Deus, que valoriza e ama a história de cada um. Não se trata de dar respostas apressadas a perguntas exigentes, mas de estar próximo das pessoas e escutá-las, procurando compreender com elas como enfrentar as dificuldades, prontos também a abrir-se, quando necessário, a novos critérios de avaliação e a diversificadas modalidades de ação, pois cada geração é diferente da outra e apresenta os próprios desafios, sonhos e interrogações. Contudo, no meio de tantas mudanças, Jesus Cristo permanece «o mesmo ontem, hoje e sempre» (Hb 13, 8). Por isso, se quisermos ajudar as famílias a viver caminhos de comunhão jubilosos e a ser sementes de fé umas para as outras, é necessário que em primeiro lugar cultivemos e renovemos a nossa identidade de crentes.

Caros irmãos e irmãs, obrigado pelo que fazeis! Que o Espírito Santo vos oriente no discernimento dos critérios e modalidades de compromisso eclesial que visam apoiar e promover a pastoral familiar. Ajudemos as famílias a escutar com coragem a proposta de Cristo e os convites da Igreja! Recordo-me de vós na oração e concedo de coração a todos vós a Bênção Apostólica!

Vaticano, 28 de maio de 2025.

LEÃO PP. XIV

Audiência geral de quarta-feira

4 de junho

Estimados irmãos e irmãs!

Desejo refletir novamente sobre uma parábola de Jesus. Também neste caso se trata de uma narração que alimenta a nossa esperança. Com efeito, às vezes temos a impressão de não conseguir encontrar um sentido para a nossa vida: sentimo-nos inúteis, inadequados, precisamente como os operários que aguardam na praça do mercado, à espera que alguém os leve para trabalhar. Mas por vezes o tempo passa, a vida corre, e não nos sentimos reconhecidos nem apreciados. Talvez não tenhamos chegado a tempo, talvez outros se tenham apresentado antes de nós, ou porventura as preocupações nos tenham detido noutro lugar.

A metáfora da praça do mercado é muito adequada até aos nossos tempos, pois o mercado é o lugar dos negócios, onde infelizmente as pessoas compram e vendem até o afeto e a dignidade, procurando obter algum lucro. E quando não se sentem valorizadas, reconhecidas, chegam a correr o risco de se vender ao primeiro licitante. Ao contrário, o Senhor recorda-nos que a nossa vida tem valor, e o seu desejo é ajudar-nos a descobri-lo.

Também na parábola que hoje comentamos, há operários que esperam que alguém os faça trabalhar por um dia. Estamos no capítulo 20 do Evangelho de Mateus e inclusive aqui encontramos uma figura que tem um comportamento insólito, que surpreende e questiona. É o dono de uma vinha que sai pessoalmente para ir em busca dos seus operários. Evidentemente, quer estabelecer uma relação pessoal com eles.

Como eu dizia, trata-se de uma parábola que infunde esperança, porque nos diz que este dono sai várias vezes à procura de quem espera dar um sentido à sua vida. O dono sai imediatamente de madrugada e depois, de três em três horas, volta a procurar trabalhadores para enviar à sua vinha. Seguindo este esquema, depois de sair às três horas da tarde, já não haveria razão para sair novamente, dado que o dia de trabalho terminava às seis horas.

Pelo contrário, este dono incansável, que quer valorizar a vida de cada um a todo o custo, sai também às cinco horas. Os trabalhadores que permaneceram na praça do mercado provavelmente tinham perdido toda a esperança. Aquele dia tinha sido em vão. E, no entanto, alguém ainda acreditou neles. Que sentido tem chamar operários só para a última hora do dia de trabalho? Que sentido tem ir trabalhar apenas uma hora? Contudo, até quando nos parece que podemos fazer pouco na vida, vale sempre a pena. Há sempre a possibilidade de encontrar um sentido, pois Deus ama a nossa vida!

Eis que a originalidade deste dono se vê também no fim do dia, na hora do pagamento. Com os primeiros trabalhadores, aqueles que vão para a vinha de madrugada, o dono tinha estabelecido um denário, que era o custo típico de um dia de trabalho. Para os outros, diz que lhes dará o que for justo. E é precisamente aqui que a parábola volta a provocar-nos: o que é justo? Para o dono da vinha, isto é, para Deus, é justo que cada um tenha o necessário para viver. Ele chamou pessoalmente os trabalhadores, conhece a sua dignidade e quer pagar-lhes com base nela. E dá a todos um denário.

A história diz que os trabalhadores da primeira hora ficam desiludidos: não conseguem ver a beleza do gesto do dono, que não foi injusto, mas simplesmente generoso, não considerou apenas o mérito, mas também a necessidade. Deus quer dar a todos o seu Reino, ou seja, a vida plena, eterna e feliz. E é o que Jesus faz em relação a nós: não faz classificações, dá tudo de Si mesmo a quantos lhe abrem o coração!

À luz desta parábola, o cristão de hoje poderia ser tentado a pensar: “Por que começar a trabalhar imediatamente? Se a remuneração é a mesma, por que trabalhar mais?”. Santo Agostinho respondia assim a estas dúvidas: «Por que razão, pois, demoras em seguir quem te chama, enquanto estás certo da remuneração, mas incerto quanto ao dia? Presta atenção a não tirares de ti, devido à tua hesitação, o que ele te oferecer em conformidade com a sua promessa» (Discurso 87, 6, 8).

Gostaria de dizer, especialmente aos jovens, que não esperem, mas que respondam com entusiasmo ao Senhor que nos chama a trabalhar na sua vinha. Não demoreis, arregaçai as mangas, pois o Senhor é generoso e não ficareis desiludidos! Trabalhando na sua vinha, encontrareis a resposta àquela pergunta profunda que trazeis dentro de vós: qual é o sentido da minha vida?

Caros irmãos e irmãs, não desanimemos! Até nos momentos obscuros da vida, quando o tempo passa sem nos dar as respostas que procuramos, peçamos ao Senhor que volte a sair e nos alcance onde estamos à sua espera. O Senhor é generoso e virá em breve!

Discurso a superiores e oficiais
da Secretaria de Estado

5 de junho

Eminência, Senhor Cardeal Parolin

Excelências, caros irmãos no episcopado

e no sacerdócio

Queridas irmãs e irmãos!

Antes de mais, agradeço ao Secretário de Estado as palavras introdutórias que dirigiu e a contínua colaboração que me oferece enquanto realizo os primeiros passos deste Pontificado.

Estou muito contente por me encontrar convosco, que prestais um serviço precioso à vida da Igreja, ajudando-me a realizar a missão que me foi confiada. De facto, como afirma a Praedicate Evangelium, a Secretaria de Estado, enquanto Secretaria papal regida pelo Secretário de Estado, coadjuva de perto o Romano Pontífice no exercício da sua suprema missão (cf. arts. 44-45).

Conforta-me saber que não estou sozinho e poder partilhar convosco a responsabilidade do meu ministério universal.

Não está no texto, mas digo com toda a sinceridade que nestas poucas semanas — ainda não completámos um mês do meu serviço neste ministério petrino — é evidente que o Papa sozinho não pode ir em frente e que é preciso, é muito necessário, poder contar com a colaboração de muitos na Santa Sé, mas de modo especial com todos vós da Secretaria de Estado. Agradeço-vos de coração!

A história desta Instituição remonta, como sabemos, ao final do século XV. Com o tempo, foi assumindo um rosto cada vez mais universal e ampliou-se significativamente, com progressão crescente, adquirindo tarefas adicionais, devido às novas exigências, tanto no âmbito eclesial como nas relações com os Estados e as Organizações internacionais. Atualmente, quase metade de vós são fiéis leigos. E as mulheres, leigas e religiosas, são mais de cinquenta.

Esta evolução fez com que a Secretaria de Estado reflita hoje em si mesma o rosto da Igreja. É uma grande comunidade que trabalha ao lado do Papa: juntos partilhamos as questões, as dificuldades, os desafios e as esperanças do Povo de Deus presente em todo o mundo. Fazemo-lo, exprimindo sempre duas dimensões essenciais: a encarnação e a catolicidade.

Estamos encarnados no tempo e na história, porque se Deus escolheu o caminho do humano e as línguas dos homens, também a Igreja é chamada a seguir essa estrada, para que a alegria do Evangelho possa chegar a todos e seja mediada nas culturas e linguagens atuais. E, ao mesmo tempo, procuramos manter sempre um olhar católico, universal, que nos permita valorizar as diferentes culturas e sensibilidades. Deste modo, podemos ser um centro propulsor que se empenha por tecer a comunhão entre a Igreja de Roma e as Igrejas locais, bem como as relações de amizade na comunidade internacional.

Nas últimas décadas, estas duas dimensões — estar encarnados no tempo e ter uma visão universal — tornaram-se cada vez mais constitutivas do trabalho curial. Guiou-nos neste caminho a reforma da Cúria Romana levada a cabo por São Paulo VI que, inspirado pela visão do Concílio Vaticano II, sentiu fortemente a urgência de que a Igreja esteja atenta aos desafios da história, considerando «a rapidez da vida de hoje» e «as mudadas condições dos nossos tempos» (Regimini Ecclesiae universae, 15 de agosto de 1967). Ao mesmo tempo, reafirmou a necessidade de um serviço que exprima a catolicidade da Igreja e, para isso, dispôs que «os que estão presentes na Sé Apostólica para a governar sejam chamados de todas as partes do mundo» (ibid.).

A encarnação, portanto, remete-nos para a concretude da realidade e para os temas específicos e particulares tratados pelos diversos órgãos da Cúria; enquanto a universalidade, recordando o mistério da unidade multiforme da Igreja, exige então um trabalho de síntese que possa ajudar a ação do Papa. E o elo de ligação entre conjunção e síntese é precisamente a Secretaria de Estado. De facto, Paulo VI — perito da Cúria Romana — quis dar uma nova estrutura a este Departamento, constituindo-o de facto como ponto de ligação e, portanto, estabelecendo-o no seu papel fundamental de coordenação dos outros Dicastérios e das Instituições da Sé Apostólica.

Esta função coordenadora da Secretaria de Estado é retomada na recente Constituição Apostólica Praedicate Evangelium, entre as muitas tarefas confiadas à Secção para os Assuntos Gerais, sob a direção do Substituto com a ajuda do Assessor (cf. arts. 45-46). Ao lado da Secção para os Assuntos Gerais, a mesma Constituição identifica a Secção para as Relações com os Estados e as Organizações Internacionais, guiada pelo Secretário com a ajuda dos dois Subsecretários, que têm a responsabilidade de cuidar das relações diplomáticas e políticas da Sé Apostólica com os Estados e com os outros sujeitos de direito internacional neste delicado momento da história. A Secção para o pessoal diplomático, com o seu Secretário e Subsecretário, por outro lado, ocupa-se do cuidado das Representações Pontifícias e dos Membros do Corpo Diplomático aqui em Roma e no o mundo.

Sei que estas tarefas são muito exigentes e que, por vezes, podem não ser bem compreendidas. Por isso desejo exprimir-vos a minha proximidade e, sobretudo, a minha sincera gratidão. Obrigado pelas competências que colocais à disposição da Igreja, pelo vosso trabalho quase sempre escondido e pelo espírito evangélico que o inspira. E permiti-me que, precisamente por causa deste meu reconhecimento, vos dirija uma exortação, fazendo referência mais uma vez a São Paulo VI: este lugar não seja poluído por ambições ou antagonismos; sede, pelo contrário, uma verdadeira comunidade de fé e de caridade, «de irmãos e de filhos do Papa», que se dedicam generosamente ao bem da Igreja (cf. Discurso à Cúria Romana, 21 de setembro de 1963).

Confio-vos todos à intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja e, enquanto vos agradeço porque sei que rezais por mim todos os dias — assim espero! — abençoo de coração cada um de vós, os vossos entes queridos e o vosso trabalho. Obrigado!

Discurso à Sociedade das Missões Africanas
à Ordem Terceira Regular de São Francisco
e aos formadores dos Servos do Paráclito

6 de junho

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!

Amado s irmãos e irmãs, bem-vindos!

Saúdo os Superiores-gerais presentes, especialmente quem acaba de ser eleito, os membros dos órgãos de governo e todos vós que pertenceis à Ordem Terceira Regular de São Francisco — quem é o novo Geral? Já foi reeleito? Ah, ainda não, bem, e também à Sociedade das Missões Africanas e ao Instituto dos Servos do Paráclito.

Muitos de vós vêm a este encontro no contexto do Capítulo geral, num momento importante da vossa vida e da vida de toda a Igreja. Por isso, rezemos em primeiro lugar ao Senhor pelos vossos Institutos e por todas as pessoas consagradas para que, «tendo Deus como único e principal objetivo, unam a contemplação — mediante a qual aderem a Deus com a mente e o coração — e o zelo apostólico, com que se esforçam por cooperar para a obra da redenção» (Conc. Vat. II, Decr. Perfectae caritatis, 5).

Representais aqui três realidades carismáticas nascidas em diferentes momentos da história da Igreja, em resposta a exigências contingentes de vários tipos, mas unidas e complementares na beleza harmoniosa do Corpo místico de Cristo (cf. Id., Constituição dogmática Lumen gentium, 7).

A fundação mais antiga, entre aquelas que estão aqui presentes, é a da Ordem Terceira Regular de São Francisco, cujos inícios remontam ao próprio Santo de Assis, exceto a sua elevação a Ordem, ocorrida mais tarde, por obra do Papa Nicolau V (cf. Bula Pastoralis officii, 20 de julho de 1447). Os temas que abordais no 113º Capítulo geral — vida comum, formação e vocações — dizem respeito a toda a grande Família de Deus. No entanto, é importante que, como diz o título que destes aos vossos trabalhos, os abordeis à luz do vosso carisma “penitencial”. Com efeito, ele recorda-nos que — segundo as palavras do próprio São Francisco — só através de um constante caminho de conversão podemos oferecer aos nossos irmãos «as palavras fragrantes de nosso Senhor Jesus Cristo» (Primeira carta aos fiéis, 19).

De data mais recente é a Sociedade das Missões Africanas, fundada a 8 de dezembro de 1856 pelo Venerável Bispo Melchior de Marion Brésillac, sinal daquela missionariedade que está no próprio coração da vida da Igreja (cf. FRANCISCO, Exortação apostólica Evangelii gaudium, 273). Estimados irmãos, a história do vosso Instituto testemunha bem esta verdade: sim, a fidelidade à missão, levando-vos a superar ao longo do tempo mil dificuldades dentro e fora das vossas comunidades, permitiu-vos crescer, aliás, encontrando nas adversidades ocasião e inspiração para partir rumo a novos horizontes apostólicos, tanto na África como depois noutras partes do mundo. A este propósito, é belíssima a exortação que o Fundador vos deixou para permanecer fiéis no anúncio, à simplicidade da pregação apostólica e, ao mesmo tempo, sempre prontos a abraçar a “loucura da Cruz” (cf. 1 Cor 1, 17-25): simples e tranquilos, até perante as incompreensões e zombarias do mundo. Livres de qualquer condicionamento, porque “cheios” de Cristo, e capazes de levar os irmãos ao encontro com Ele, porque animados por uma única aspiração: anunciar o seu Evangelho a todo o mundo (cf. Fl 1, 12-14.21). Que grande sinal para toda a Igreja e para o mundo inteiro!

E vejamos o Instituto mais recentemente fundado: os Servos do Paráclito. Servos daquele Espírito que habita em nós (cf. Rm 8, 9) mediante o dom do Batismo e que cura “quod est saucium” — isto é, o que está ferido — como cantaremos daqui a poucos dias na Sequência de Pentecostes. Servos do Espírito que cura: tal era o desejo do padre Gerald Fitzgerald, que em 1942 iniciou a vossa obra de assistência aos sacerdotes em dificuldade, “Pro Christo sacerdote”, como reza o vosso lema (cf. Constituições, 4, 4). Desde então, em várias partes do mundo, desempenhais o vosso ministério de proximidade humilde, paciente, delicada e discreta a favor de pessoas profundamente feridas, propondo-lhes percursos terapêuticos que combinam uma vida espiritual simples e intensa, pessoal e comunitária, com uma assistência profissional altamente qualificada, diferenciada segundo as necessidades. Também a vossa presença nos recorda algo importante: ou seja, que todos nós, embora chamados a ser para os irmãos e as irmãs ministros de Cristo, Médico das almas (cf. Lc 5, 31-32), somos, por nossa vez, doentes necessitados de cura. Como diz Santo Agostinho, recorrendo à imagem de um barco, todos nós «temos nesta vida como que fendas próprias da nossa mortalidade e fragilidade, através das quais o pecado entra pelas torrentes deste século» (Discurso 278, 13, 13). E o Santo Bispo de Hipona propõe um remédio para o mal: «Para nos esvaziarmos e não afundarmos, diz, lancemos mão... desta exortação... Perdoemos!» (ibid.). Perdoemos, pois em toda a parte, «nas nossas paróquias, comunidades, associações e movimentos, em síntese, onde quer que haja cristãos, quem quer que seja [...] [possa] encontrar um oásis de misericórdia» (FRANCISCO, Bula Misericordiae Vultus, 11 de abril de 2015, 12).

Caríssimos, obrigado pela vossa visita que hoje, nesta sala, nos mostra a Igreja nas três dimensões luminosas da sua beleza: o compromisso da conversão, o entusiasmo da missão e o calor da misericórdia. Obrigado pelo grande trabalho que realizais, no mundo inteiro. Abençoo-vos e rezo por vós, nesta novena de Pentecostes, a fim de que possais ser instrumentos cada vez mais dóceis do Espírito Santo, em conformidade com os desígnios de Deus. Obrigado!

Discurso aos moderadores, responsáveis
e delegados das Agregações eclesiais

6 de junho

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!

Senhor Cardeal!

Queridos irmãos no episcopado

Amados irmãos e irmãs!

Tenho o prazer de vos dar as boas-vindas ao encontro anual organizado pelo Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida convosco, moderadores, responsáveis internacionais e delegados das agregações eclesiais reconhecidas ou erigidas pela Santa Sé.

Representais milhares de pessoas que vivem a sua experiência de fé e o seu apostolado no seio de associações, movimentos e comunidades. Por isso, gostaria, antes de mais, de vos agradecer pelo serviço de orientação e animação que prestais. Apoiar e encorajar os irmãos no caminho cristão implica responsabilidade, empenho, muitas vezes também dificuldades e incompreensões, mas é uma tarefa indispensável e preciosa. A Igreja está-vos grata por todo o bem que fazeis.

O dom da vida associativa e dos carismas

As realidades agregadoras a que pertenceis são muito diversas, por natureza e por história, e todas são importantes para a Igreja. Algumas nasceram para partilhar um objetivo apostólico, caritativo de culto, ou para apoiar o testemunho cristão em ambientes sociais específicos. Outras, porém, nasceram de uma inspiração carismática, de um carisma inicial que deu origem a um movimento, a uma nova forma de espiritualidade e de evangelização.

Na vontade de se associar, que deu origem ao primeiro tipo de agregação, encontramos uma caraterística essencial: ninguém é cristão sozinho! Fazemos parte de um povo, de um corpo que o Senhor constituiu. Santo Agostinho, falando dos primeiros discípulos de Jesus, diz: «Tinham-se tornado certamente o templo de Deus, e não o tinham sido apenas individualmente, mas no seu conjunto tinham-se tornado o templo de Deus» (En. in Ps. 131, 5). A vida cristã não é vivida isoladamente, como se fosse uma aventura intelectual ou sentimental, confinada na nossa mente e no nosso coração. Vive-se com outros, em grupo, em comunidade, porque Cristo ressuscitado se faz presente entre os discípulos reunidos em seu nome.

O apostolado associado dos fiéis foi fortemente encorajado pelo Concílio Vaticano II, particularmente com o Decreto sobre o Apostolado dos Leigos onde, entre outras coisas, se afirma que ele «é de grande importância também porque, tanto nas comunidades eclesiais como nos diversos ambientes, muitas vezes requer ser exercido por uma ação comum. De facto, as associações erigidas para a atividade apostólica em comum apoiam os seus membros e formam-nos para o apostolado, ordenam e orientam a sua ação apostólica, de modo que se podem esperar frutos muito mais abundantes do que se os indivíduos trabalhassem separadamente» (n. 18).

Depois, há as realidades nascidas de um carisma: o carisma de um fundador ou de um grupo de iniciadores, ou o carisma que se inspira no de um instituto religioso. Também esta é uma dimensão essencial na Igreja. Gostaria de vos convidar a considerar os carismas em referência à graça, ao dom do Espírito. Na Carta Iuvenescit Ecclesia, que conheceis bem, diz-se que a hierarquia eclesiástica e o sacramento da Ordem existem para que «a oferta objetiva da graça», que se dá através «dos Sacramentos, do anúncio normativo da Palavra e da pastoral» (n. 14), permaneça sempre viva entre os fiéis. Os carismas, por outro lado, «são distribuídos livremente pelo Espírito Santo, para que a graça sacramental frutifique na vida cristã de modo diversificado e a todos os níveis» (n. 15).

Assim, tudo na Igreja é entendido com referência à graça: a instituição existe para que a graça seja sempre oferecida, os carismas são suscitados para que essa graça seja recebida e dê frutos. Sem os carismas, corre-se o risco de que a graça de Cristo, oferecida em abundância, não encontre terreno propício para a receber! É por isso que Deus suscita os carismas, para que despertem nos corações o desejo de um encontro com Cristo, a sede da vida divina que Ele nos oferece, numa palavra, a graça!

Com isto quero reafirmar, na esteira dos meus Predecessores e do Magistério da Igreja, sobretudo a partir do Concílio Vaticano II, que os dons hierárquicos e os dons carismáticos «são coessenciais à constituição divina da Igreja fundada por Jesus» (São João Paulo II, Mensagem ao Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais, 27 de maio de 1998). Graças aos carismas que deram origem aos vossos movimentos e comunidades, muitas pessoas aproximaram-se de Cristo, encontraram esperança na vida, descobriram a maternidade da Igreja e desejam ser ajudadas a crescer na fé, na vida comunitária, nas obras de caridade e levar aos outros, através da evangelização, o dom recebido.

Unidade e missão, em união com o Papa

Unidade e missão são duas pedras angulares na vida da Igreja e duas prioridades no ministério petrino. Por isso, convido todas as associações e os movimentos eclesiais a colaborar fiel e generosamente com o Papa, especialmente nestes dois âmbitos.

Antes de mais, ser fermento de unidade. Todos vós experimentais continuamente a comunhão espiritual que vos une. É a comunhão que o Espírito Santo cria na Igreja. É uma unidade que tem o seu fundamento em Cristo: Ele atrai-nos, atrai-nos para Si, e por isso une-nos também entre nós. Assim falava São Paulino de Nola, escrevendo a Santo Agostinho: «Temos uma só cabeça, uma só é a graça que nos inunda, vivemos de um só pão, caminhamos por uma só estrada, vivemos na mesma casa. [...] Somos um só, tanto no espírito como no corpo, com o Senhor, para não sermos nada se nos separarmos dele» (Carta 30, 2).

Esta unidade, que viveis nos grupos e nas comunidades, expandi-a por toda a parte: na comunhão com os Pastores da Igreja, na proximidade com as outras realidades eclesiais, na proximidade com as pessoas que encontrais, para que os vossos carismas permaneçam sempre ao serviço da unidade da Igreja e sejam eles mesmos «fermento de unidade, de comunhão e de fraternidade» (cf. Homilia, 18 de maio de 2025) no mundo tão dilacerado pela discórdia e pela violência.

Em segundo lugar, a missão. A missão marcou a minha experiência pastoral e moldou a minha vida espiritual. Também vós experimentastes este caminho. Do encontro com o Senhor, da vida nova que inundou o vosso coração, nasceu o desejo de O dar a conhecer aos outros. E vós envolvestes muitas pessoas, dedicastes muito tempo, entusiasmo, energia para dar a conhecer o Evangelho nos lugares mais distantes, nos ambientes mais difíceis, suportando dificuldades e fracassos. Mantende sempre vivo entre vós este zelo missionário: os movimentos desempenham ainda hoje um papel fundamental na evangelização. Entre vós há pessoas generosas, bem formadas, com experiência “no terreno”. Trata-se de um património que é preciso fazer frutificar, permanecendo atentos à realidade de hoje com os seus novos desafios. Ponde os vossos talentos ao serviço da missão, quer nos lugares da primeira evangelização, quer nas paróquias e nas estruturas eclesiais locais, para chegar a tantos que estão longe e, por vezes sem o saber, esperam a Palavra de Vida.

Conclusão

Caríssimos, estou feliz por me encontrar convosco hoje esta primeira vez. Se Deus quiser, teremos outras oportunidades de nos conhecermos melhor, mas, entretanto, encorajo-vos a continuar o caminho. Mantende sempre o Senhor Jesus no centro! Isto é o essencial, e os próprios carismas servem para isto. O carisma serve para o encontro com Cristo, para o crescimento e amadurecimento humano e espiritual das pessoas e para a edificação da Igreja. Neste sentido, todos somos chamados a imitar Cristo, que se esvaziou a si mesmo para nos enriquecer (cf. Fl 2, 7). Assim, quem persegue um objetivo apostólico com os outros ou quem é portador de um carisma é chamado a enriquecer os outros despojando-se de si mesmo. E isso é fonte de liberdade e de grande alegria.

Obrigado pelo que sois e também pelo que fazeis! Confio-vos à proteção de Maria Mãe da Igreja e, de coração, abençoo-vos e a todos aqueles que representais. Obrigado!

Discurso aos participantes no Simpósio
sobre o Concílio de Niceia

7 de junho

A paz esteja convosco!

Eminências, Excelências

Egrégios Professores

Queridos irmãos e irmãs em Cristo!

Uma calorosa saudação de boas-vindas a todos vós, que participais no Simpósio Niceia e a Igreja do Terceiro Milénio: Rumo à unidade Católico-Ortodoxa, organizado conjuntamente pelo Oecumenicum — o Instituto de Estudos Ecuménicos do Angelicum — e pela Associação Teológica Ortodoxa Internacional. A minha saudação vai, de modo especial, para os representantes das Igrejas Ortodoxas e Ortodoxas Orientais, muitos dos quais me honraram com a sua presença na Missa que marcou o início solene do meu Pontificado.

Antes de continuar com as observações formais, gostaria apenas de pedir desculpa pelo meu atraso e também de pedir a vossa paciência. Ainda não passou um mês desde que assumi o novo cargo, por isso, há ainda muito para aprender. No entanto, estou muito feliz por estar aqui convosco esta manhã.

Apraz-me constatar que o Simpósio está resolutamente orientado para o futuro. O Concílio de Niceia não é apenas um acontecimento do passado, mas uma bússola que deve continuar a guiar-nos em direção à plena unidade visível dos cristãos. O Primeiro Concílio Ecuménico é basilar para o caminho comum que católicos e ortodoxos empreenderam juntos desde o Concílio Vaticano II. Para as Igrejas Orientais, que o comemoram no seu calendário litúrgico, o Concílio de Niceia não é apenas um Concílio entre outros ou o primeiro de uma série, mas o Concílio por excelência, que promulgou a norma da fé cristã, a confissão de fé dos “318 Padres”.

Os três temas do vosso Simpósio são especialmente relevantes para o nosso caminho ecuménico. Em primeiro lugar, a fé de Niceia. Como a Comissão Teológica Internacional observou no seu recente Documento para o 1700º aniversário de Niceia, o ano 2025 representa «uma oportunidade inestimável para sublinhar o que temos em comum, que é muito mais forte, quantitativa e qualitativamente, do que aquilo que nos divide: juntos, cremos no Deus Uno e Trino, em Cristo como verdadeiro homem e verdadeiro Deus, na salvação por Jesus Cristo, segundo as Escrituras lidas na Igreja e sob a direção do Espírito Santo. Juntos, cremos a Igreja, o batismo, a ressurreição dos mortos a vida eterna» (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador, n. 43). Estou convencido de que, voltando ao Concílio de Niceia e haurindo juntos desta fonte comum, poderemos ver sob uma luz diferente os pontos que ainda nos separam. Através do diálogo teológico e com a ajuda de Deus, compreenderemos melhor o mistério que nos une. Celebrando unidos esta fé nicena e proclamando-a em conjunto, avançaremos também para a restauração da plena comunhão entre nós.

O segundo tema do vosso Simpósio é a sinodalidade. O Concílio de Niceia inaugurou um caminho sinodal para a Igreja dar seguimento às questões teológicas e canónicas a nível universal. O contributo dos delegados fraternos das Igrejas e comunidades eclesiais do Oriente e do Ocidente para o recente Sínodo sobre a sinodalidade, realizado aqui no Vaticano, foi um estímulo valioso para uma reflexão ainda maior sobre a natureza e a prática da sinodalidade. O Documento Final do Sínodo observou que «o diálogo ecuménico é fundamental para desenvolver a compreensão da sinodalidade e da unidade da Igreja» e prosseguiu encorajando o desenvolvimento de «práticas sinodais ecuménicas, até mesmo formas de consulta e discernimento sobre assuntos de interesse comum e urgente» (Para uma Igreja Sinodal: Comunhão, Participação, Missão, n. 138). Espero que a preparação e a comemoração conjunta do 1700º aniversário do Concílio de Niceia sejam uma ocasião providencial «para aprofundar e confessar juntos a fé cristológica e para pôr em prática formas de sinodalidade entre os Cristãos de todas as tradições» (cf. ibid., n. 139).

O Simpósio possui um terceiro tema relacionado com a data da Páscoa. Como sabemos, um dos objetivos do Concílio de Niceia era estabelecer uma data comum para a Páscoa, a fim de exprimir a unidade da Igreja em toda a oikoumene. Infelizmente, as diferenças nos calendários já não permitem que os cristãos celebrem juntos a festa mais importante do ano litúrgico, causando problemas pastorais nas comunidades, dividindo as famílias e enfraquecendo a credibilidade do nosso testemunho do Evangelho. Foram propostas várias soluções concretas que, respeitando o princípio de Niceia, permitiriam aos cristãos celebrar juntos a “Festa das Festas”. Neste ano, em que todos os cristãos celebraram a Páscoa no mesmo dia, reafirmo a abertura da Igreja Católica para procurar uma solução ecuménica que favoreça a celebração comum da ressurreição do Senhor e dê assim maior força missionária ao nosso anúncio do «nome de Jesus e da salvação que nasce da fé na verdade do Evangelho» (Discurso às Pontifícias Obras Missionárias, 22 de maio de 2025).

Irmãos e irmãs, nesta vigília de Pentecostes, recordemos que a unidade pela qual os cristãos anseiam não será, em primeiro lugar, fruto dos nossos próprios esforços, nem se realizará através de qualquer projeto ou modelo preconcebido. Pelo contrário, a unidade será um dom recebido «como Cristo quiser e pelos meios que Ele quiser» (Oração pela Unidade, do Padre Paul Couturier), mediante a ação do Espírito Santo. Sendo assim, neste momento convido-vos a ficar em pé para que juntos possamos implorar o dom da unidade do Espírito. A oração que recitarei implora a unidade do Espírito através de um texto inspirado pela tradição oriental:

«Ó Rei celestial, consolador, Espírito da Verdade,

Que estais em toda a parte e preencheis todas as coisas;

Tesouro de Bênçãos e Doador da Vida,

Vinde habitar em nós, purificai-nos de toda a impureza

e salvai as nossas almas, ó Único Bem». Amém!

O Senhor esteja convosco! A bênção de Deus Todo-Poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo desça sobre vós e permaneça convosco para sempre. Amém! Obrigado de coração!

Homilia da missa com Movimentos eclesiais Associações e novas Comunidades

7 de junho

Queridos irmãs e irmãos!

O Espírito criador que invocamos no canto — Veni creator Spiritus — é o Espírito que desceu sobre Jesus, o protagonista silencioso da sua missão: «O Espírito do Senhor está sobre mim» (Lc 4, 18). Ao pedirmos que visite as nossas almas, multiplique as línguas, ilumine a nossa mente, infunda o amor, fortaleça os corpos, dê a paz, abrimo-nos ao Reino de Deus. Essa é a conversão segundo o Evangelho: voltarmo-nos para o Reino que já está próximo.

Em Jesus vemos e d’Ele ouvimos que tudo se transforma, porque Deus reina, porque Deus está perto. Nesta vigília de Pentecostes, estamos profundamente envolvidos na proximidade de Deus, pelo seu Espírito que une as nossas histórias com a de Jesus. Isto é, estamos envolvidos nas coisas novas que Deus faz, para que a sua vontade de vida se realize e prevaleça sobre os desejos de morte.

«Porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor» (Lc 4, 18-19). Sentimos aqui o perfume do Crisma, com o qual a nossa fronte também foi marcada. O Batismo e a Confirmação, queridos irmãos e irmãs, uniram-nos à missão transformadora de Jesus, ao Reino de Deus. Assim como o amor torna familiar o perfume de uma pessoa querida, reconhecemos, nesta noite, o perfume de Cristo uns nos outros. É um mistério que nos maravilha e nos faz pensar.

No Pentecostes, Maria, os Apóstolos, as discípulas e os discípulos que estavam com eles foram investidos de um Espírito de unidade, que enraizou para sempre as suas diversidades no único Senhor Jesus Cristo. Não muitas missões, mas uma única missão. Não introvertidos e conflituosos, mas extrovertidos e luminosos. Esta Praça de São Pedro, que é como um abraço aberto e acolhedor, expressa de modo magnífico a comunhão da Igreja, vivida por cada um de vós nas diversas experiências associativas e comunitárias, muitas das quais representam frutos do Concílio Vaticano II.

Na tarde da minha eleição, olhando com emoção para o povo de Deus aqui reunido, lembrei da palavra “sinodalidade”, que expressa muito bem o modo como o Espírito molda a Igreja. Nessa palavra, ressoa o syn — o “com” — que constitui o segredo da vida de Deus. Deus não é solidão. Deus é em si mesmo “com” — Pai, Filho e Espírito Santo — e é Deus conosco. Ao mesmo tempo, sinodalidade recorda-nos o caminho — odós — porque onde está o Espírito, há movimento, há caminho. Somos um povo em caminho. Essa consciência não nos afasta, mas faz-nos mergulhar na humanidade, como o fermento, que leveda toda a massa. O ano da graça do Senhor, do qual o Jubileu é expressão, traz em si este fermento. Num mundo dilacerado e sem paz, o Espírito Santo educa-nos verdadeiramente a caminhar juntos. Se não nos movermos mais como predadores, mas como peregrinos, a terra descansará, a justiça prevalecerá, os pobres se alegrarão e a paz voltará. Não mais cada um por si, mas harmonizando os nossos passos com os passos dos outros. Não consumindo o mundo com voracidade, mas cultivando e cuidando dele, como nos ensina a Encíclica Laudato si’.

Caríssimos, Deus criou o mundo para que pudéssemos estar juntos. “Sinodalidade” é o nome eclesial desta consciência. É o caminho que exige que cada um reconheça a sua dívida e o seu tesouro, sentindo-se parte de um todo, fora do qual tudo murcha, mesmo o mais original dos carismas. Reparai: toda a criação existe somente na modalidade do estar juntos, às vezes com perigos, mas sempre um estar juntos (cf. Laudato si’, 16; 117). E o que chamamos de “história” toma forma somente na modalidade do reunir-se, do viver juntos, muitas vezes cheio de dissídios, mas sempre um viver juntos. O contrário é mortal, mas, infelizmente, está diante dos nossos olhos, todos os dias. Então, que as vossas agregações e comunidades sejam ginásios de fraternidade e participação, não apenas como locais de encontro, mas como lugares de espiritualidade. O Espírito de Jesus muda o mundo porque muda os corações. Ele inspira, realmente, aquela dimensão contemplativa da vida que rejeita a autoafirmação, a murmuração, o espírito de contenda, o domínio das consciências e dos recursos. O Senhor é o Espírito e onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade (cf. 2 Cor 3, 17). Portanto, a autêntica espiritualidade implica o compromisso com o desenvolvimento humano integral, atualizando entre nós a palavra de Jesus. Onde isso acontece, há alegria. Alegria e esperança.

A evangelização, queridos irmãos e irmãs, não é uma conquista humana do mundo, mas a graça infinita que se difunde a partir de vidas transformadas pelo Reino de Deus. É o caminho das Bem-aventuranças, uma estrada que percorremos juntos, na tensão entre “já” e o “ainda não”, famintos e sedentos de justiça, pobres de espírito, misericordiosos, mansos, puros de coração, construtores da paz. Para seguir Jesus neste percurso escolhido por Ele, não são necessários apoiadores poderosos, compromissos mundanos, estratégias emocionais. A evangelização é obra de Deus e, se por vezes passa através de nós, é pelos laços que ela torna possíveis. Portanto, permanecei profundamente ligados a cada uma das Igrejas particulares e das comunidades paroquiais onde alimentais e exerceis os vossos carismas. Em torno dos vossos bispos e em sinergia com todos os outros membros do Corpo de Cristo, agiremos, então, em harmoniosa sintonia. Se juntos obedecermos ao Espírito Santo, os desafios que a humanidade enfrenta serão menos assustadores, o futuro menos sombrio e o discernimento menos difícil!

Que Maria, Rainha dos Apóstolos e Mãe da Igreja, interceda por nós!

Homilia da missa no Jubileu dos Movimentos, Associações e novas Comunidades

8 de junho

Irmãos e irmãs!

«Este é o dia solene em que, depois da sua Ressurreição e depois da glória de sua Ascensão, Jesus Cristo Nosso Senhor enviou o Espírito Santo» (Santo Agostinho, Sermão 271, 1). Também hoje renova-se o que aconteceu no Cenáculo: como um vento impetuoso que nos agita, como um estrondo que nos desperta, como um fogo que nos ilumina, desce sobre nós o dom do Espírito Santo (cf. At 2, 1-11).

Como ouvimos na primeira leitura, o Espírito realiza algo extraordinário na vida dos Apóstolos. Após a morte de Jesus, eles se enclausuraram no medo e na tristeza, mas agora recebem finalmente um olhar novo e uma inteligência do coração que os ajuda a interpretar o que havia acontecido e a fazer a experiência íntima da presença do Ressuscitado: o Espírito Santo vence o medo, quebra as correntes interiores, alivia as feridas, unge-os de força e lhes dá a coragem de sair ao encontro de todos para anunciar as obras de Deus.

O trecho dos Atos dos Apóstolos diz-nos que havia em Jerusalém, naquele momento, uma multidão proveniente de vários lugares, mas que «cada um os ouvia falar na sua própria língua» (v. 6). Eis que, então, na festa de Pentecostes, as portas do cenáculo se abrem porque o Espírito abre as fronteiras. Como afirmou Bento XVI: «O Espírito Santo concede o dom da compreensão. Ultrapassa a ruptura que teve início em Babel — a confusão dos corações, que nos faz ser uns contra os outros — e abre as fronteiras. […] A Igreja deve tornar-se sempre de novo aquilo que ela já é: deve abrir as fronteiras entre os povos e romper as barreiras entre as classes e as raças. Nela não podem haver esquecidos nem desprezados. Na Igreja existem unicamente irmãos e irmãs livres em Jesus Cristo» (Homilia de Pentecostes, 15 de maio de 2005).

Eis uma imagem eloquente de Pentecostes sobre a qual gostaria de meditar convosco.

O Espírito abre as fronteiras principalmente dentro de nós. É o Dom que desvela a nossa vida para o amor. E essa presença do Senhor desfaz a nossa dureza, o nosso fechamento, o egoísmo, os medos que nos bloqueiam e o narcisismo que faz-nos rodar apenas em torno de nós mesmos. O Espírito Santo vem para desafiar, em nós, o risco de uma vida que se atrofia, sugada pelo individualismo. É triste observar como num mundo onde se multiplicam as oportunidades de socialização, corremos o risco de ser paradoxalmente mais solitários, sempre conectados, mas incapazes de “fazer rede”, sempre imersos na multidão, mas permanecendo viajantes perdidos e solitários.

O Espírito de Deus, em vez disso, faz-nos descobrir uma nova maneira de ver e viver a vida: abre-nos ao encontro com nós mesmos, para além das máscaras que usamos; conduz-nos ao encontro com o Senhor, educando-nos a experimentar a sua alegria; convence-nos — segundo as próprias palavras de Jesus há pouco proclamadas — que só se permanecermos no amor, é que receberemos também a força para observar a sua Palavra e, assim, sermos transformados por ela. Ele abre as fronteiras dentro de nós, para que a nossa vida se torne um espaço de acolhimento.

O Espírito, além disso, abre as fronteiras também nas nossas relações. Com efeito, Jesus diz que este Dom é o amor entre Ele e o Pai que vem habitar em nós. E quando o amor de Deus habita em nós, tornamo-nos capazes de abrirmo-nos aos irmãos, de vencer a nossa rigidez, de superar o medo em relação ao que é diferente, de educar as paixões que se agitam dentro de nós. Mas o Espírito transforma também os perigos mais ocultos que envenenam as nossas relações, como os mal-entendidos, os preconceitos, as instrumentalizações. Penso também — com muita dor — em quando uma relação é infestada pela vontade de dominar o outro, uma atitude que frequentemente desemboca na violência, como infelizmente demonstram os numerosos e recentes casos de feminicídio.

O Espírito Santo, ao contrário, faz amadurecer em nós os frutos que nos ajudam a viver relações verdadeiras e boas: «amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio» (Gl 5, 22-23). Dessa forma, o Espírito alarga as fronteiras das nossas relações com os outros e nos abre à alegria da fraternidade. E esse é um critério decisivo também para a Igreja: só somos verdadeiramente a Igreja do Ressuscitado e discípulos de Pentecostes se entre nós não houver fronteiras nem divisões, se na Igreja soubermos dialogar e acolher-nos mutuamente, integrando as nossas diversidades, e se, como Igreja, nos tornarmos um espaço acolhedor e hospitaleiro para todos.

Por fim, o Espírito abre as fronteiras também entre os povos. Em Pentecostes, os Apóstolos falam as línguas daqueles que encontram e o caos de Babel é finalmente pacificado pela harmonia gerada pelo Espírito. As diferenças, quando o Sopro divino une os nossos corações e faz-nos ver no outro o rosto de um irmão, não se tornam ocasião de divisão e conflito, mas um tesouro comum, do qual todos podemos tirar proveito e que nos coloca em caminho, todos juntos, na fraternidade.

O Espírito rompe fronteiras e derruba os muros da indiferença e do ódio, porque “nos ensina tudo” e “nos recorda as palavras de Jesus” (cf. Jo 14, 26); e, por isso, primeiramente ensina, recorda e grava nos nossos corações o mandamento do amor, que o Senhor colocou no centro e no ápice de tudo. E onde há amor, não há espaço para preconceitos, para distâncias de segurança que nos afastam do próximo, para a lógica da exclusão que vemos emergir, infelizmente, também nos nacionalismos políticos.

Justamente ao celebrar a Solenidade de Pentecostes, o Papa Francisco observou que «hoje, no mundo, há tanta discórdia, tanta divisão! Estamos conectados e, contudo, vivemos desligados uns dos outros, anestesiados pela indiferença e oprimidos pela solidão» (Homilia, 28 de maio de 2023). As guerras que agitam o nosso planeta são um sinal trágico de tudo isso. Invoquemos o Espírito do amor e da paz, a fim de que abra as fronteiras, derrube os muros, dissolva o ódio e nos ajude a viver como filhos do único Pai que está nos céus.

Irmãos e irmãs: Pentecostes renova a Igreja e o mundo! Que o vento vigoroso do Espírito desça sobre nós e em nós abra as fronteiras do coração, dê-nos a graça do encontro com Deus, amplie os horizontes do amor e sustente os nossos esforços pela construção de um mundo onde reine a paz.

Que Maria Santíssima, Mulher do Pentecostes, Virgem visitada pelo Espírito, Mãe cheia de graça, nos acompanhe e interceda por nós.

Regina Caeli

8 de junho

Antes de concluir esta celebração, dirijo a minha afetuosa saudação a todos vós que participastes dela e também àqueles que estiveram conectados através dos meios de comunicação social.

Agradeço aos Senhores Cardeais e Bispos presentes e a todos os representantes das associações e movimentos eclesiais e das novas comunidades. Queridas irmãs e queridos irmãos, com a força do Espírito Santo, voltais renovados deste vosso Jubileu. Ide e levai a todos a esperança do Senhor Jesus!

E agora, por intercessão da Virgem Maria, invocamos do Espírito Santo o dom da paz. Principalmente, a paz nos corações: só um coração pacífico pode difundir a paz, na família, na sociedade, nas relações internacionais. Que o Espírito de Cristo ressuscitado abra caminhos de reconciliação onde quer que haja guerra; que ilumine os governantes e lhes dê a coragem de fazer gestos de apaziguamento e de diálogo.

Homilia da missa no Jubileu da Santa Sé

9 de junho

Queridos irmãos e irmãs!

Hoje temos a alegria e a graça de celebrar o Jubileu da Santa Sé na memória litúrgica de Maria Mãe da Igreja. Esta feliz coincidência é fonte de luz e de inspiração interior no Espírito Santo, que se derramou em abundância sobre o povo de Deus ontem, Domingo de Pentecostes. E neste clima espiritual vivemos hoje um dia especial, primeiro com a meditação que escutámos e agora aqui na Mesa da Palavra e da Eucaristia.

A Palavra de Deus nesta celebração faz-nos compreender o mistério da Igreja, e nela o da Santa Sé, à luz dos dois ícones bíblicos escritos pelo Espírito na página dos Atos dos Apóstolos (1, 12-14) e na do Evangelho de João (19, 25-34).

Comecemos pelo fundamental, que é a narração da morte de Jesus. João, o único dos Doze que estava presente no Calvário, viu e testemunhou que, aos pés da cruz, estava a mãe de Jesus, junto às outras mulheres (v. 25). E ouviu com os seus próprios ouvidos as últimas palavras do Mestre, entre as quais estas: «Mulher, eis o teu filho!», e depois, dirigidas a ele: «Eis a tua mãe!» (v. 26-27).

A maternidade de Maria, através do mistério da Cruz, deu um salto impensável: a mãe de Jesus tornou-se a nova Eva, porque o Filho a associou à sua morte redentora, fonte de vida nova e eterna para cada homem que vem a este mundo. O tema da fecundidade está bem presente nesta liturgia. A Oração Coleta põe-no imediatamente em evidência, fazendo-nos pedir ao Pai que a Igreja, sustentada pelo amor de Cristo, seja «cada vez mais fecunda em seu amor materno».

A fecundidade da Igreja é a mesma fecundidade de Maria; e realiza-se na existência dos seus membros na medida em que eles revivem, em menor dimensão, o que a Mãe viveu, isto é, amam segundo o amor de Jesus. Toda a fecundidade da Igreja e da Santa Sé depende da Cruz de Cristo. Caso contrário, é só aparência, se não pior. Um grande teólogo contemporâneo escreveu: «Se a Igreja é a árvore que cresceu do pequeno grão de mostarda da cruz, esta árvore está destinada a produzir por sua vez grãos de mostarda, e portanto frutos que repetem a forma da cruz, porque é precisamente à cruz que estes grãos devem a sua existência» (H.U. von Balthasar, Cordula ovverosia il caso serio, Queriniana: Brescia, 1969, pp. 45-46).

Na Oração Coleta pedimos também que a Igreja «exulte com a santidade dos seus filhos e filhas». Com efeito, esta fecundidade de Maria e da Igreja está inseparavelmente ligada à sua santidade, ou seja, à sua conformação com Cristo. A Santa Sé é santa como o é a Igreja, no seu núcleo original, na fibra de que é tecida. Assim, a Sé Apostólica conserva a santidade das suas raízes enquanto é guardada por elas. Mas não é menos verdade que ela vive também na santidade de cada um dos seus membros. Por isso, a melhor maneira de servir a Santa Sé é esforçarmo-nos por ser santos, cada um de nós segundo o seu estado de vida e a tarefa que nos é confiada.

Por exemplo, um sacerdote que carrega pessoalmente uma pesada cruz por causa do seu ministério e, no entanto, todos os dias vai para o escritório e tenta fazer o seu trabalho o melhor que pode, com amor e fé, esse sacerdote participa e contribui para a fecundidade da Igreja. Assim também um pai ou uma mãe de família, que vive uma situação difícil em casa, um filho que gera certa preocupação, ou um pai ou uma mãe doente, e que realiza o seu trabalho com empenho, esse homem e essa mulher são fecundos na fecundidade de Maria e da Igreja.

Chegamos agora ao segundo ícone, aquele escrito por São Lucas no início dos Atos dos Apóstolos, que representa a mãe de Jesus juntamente com os Apóstolos e os discípulos no Cenáculo (1, 12-14). Mostra-nos a maternidade de Maria com a Igreja nascente, uma maternidade “arquetípica”, que permanece atual em todos os tempos e lugares. E que é sempre e principalmente fruto do mistério pascal, do dom do Senhor crucificado e ressuscitado.

O Espírito Santo, que desce com poder sobre a primeira comunidade, é o mesmo que Jesus entregou-nos com o seu último suspiro (cf. Jo 19, 30). Este ícone bíblico é inseparável do primeiro: a fecundidade da Igreja está sempre ligada à Graça que jorrou do Coração trespassado de Jesus juntamente com o sangue e a água, símbolo dos Sacramentos (cf. Jo 19, 34).

Maria, no Cenáculo, graças à missão materna que recebeu aos pés da cruz, está ao serviço da comunidade nascente: ela é a memória viva de Jesus e, como tal, é, por assim dizer, o polo de atração que harmoniza as diferenças e torna concordante a oração dos discípulos.

Os Apóstolos, também neste texto, são elencados pelo nome, e como sempre o primeiro é Pedro (cf. v. 13). Mas ele próprio, efetivamente o primeiro, é apoiado por Maria no seu ministério. Do mesmo modo, a Mãe Igreja apoia o ministério dos sucessores de Pedro com o carisma mariano. A Santa Sé experimenta de modo muito especial a copresença dos dois polos, o mariano e o petrino. E é o mariano que garante a fecundidade e a santidade do petrino, com a sua maternidade, dom de Cristo e do Espírito.

Caríssimos, louvamos a Deus pela sua Palavra, lâmpada que ilumina os nossos passos, também a nossa vida quotidiana ao serviço da Santa Sé. E, iluminados por esta Palavra, renovemos a nossa oração: «[Ó Deus] Concedei que a vossa Igreja, cada dia mais fecunda em seu amor materno, exulte com a santidade dos seus filhos e filhas e atraia todos os povos para o seu convívio numa só família» (Oração Coleta). Amém!

Saudação
aos representantes pontifícios

10 de junho

Eminências, Excelências, Monsenhores!

Uma saudação especial a todos vós, caríssimos Representantes Pontifícios!

Antes de compartilhar as palavras preparadas, simplesmente gostaria de dizer a Sua Eminência e a todos vós que aquilo que o Cardeal mencionou, eu disse-o não por sugestão de alguém, mas porque acredito nisto profundamente: o vosso papel, o vosso ministério, é insubstituível. Tantas coisas não poderiam acontecer na Igreja, se não fossem o sacrifício, o trabalho e tudo o que fazeis, para permitir que uma dimensão tão importante da grandiosa missão da Igreja vá em frente, e precisamente no caso ao qual me referia, ou seja, a seleção dos candidatos para o episcopado. Obrigado de coração pelo que fazeis! Agora, um pouco de paciência.

Depois da celebração de ontem de manhã, para o Jubileu da Santa Sé, estou feliz por poder passar algum tempo convosco, que sois os Representantes do Papa junto dos Estados e das Organizações internacionais do mundo inteiro.

Em primeiro lugar, obrigado por terdes vindo, enfrentando uma viagem que para muitos de vós foi longa. Obrigado! Já com as vossas pessoas, sois uma imagem da Igreja católica, em nenhum país no mundo existe um Corpo diplomático tão universal como o nosso! Mas, ao mesmo tempo, penso que também se pode dizer que nenhum país do mundo tem um Corpo diplomático tão unido como vós: pois a vossa, a nossa, comunhão não é unicamente funcional, nem apenas ideal, mas estamos unidos em Cristo e estamos unidos na Igreja. É interessante refletir sobre isto: que no próprio pessoal a diplomacia da Santa Sé constitui um modelo — certamente não perfeito, mas deveras significativo — da mensagem que propõe, ou seja, da fraternidade humana e da paz entre todos os povos.

Caríssimos, dou os primeiros passos neste ministério que o Senhor me confiou. E sinto também em relação a vós aquilo que há poucos dias confidenciei falando à Secretaria de Estado, isto é, a gratidão a quantos me ajudam a prestar o meu serviço no dia a dia. Esta gratidão é ainda maior quando penso — e toco com a mão, abordando as várias questões — que o vosso trabalho muitas vezes me precede! Sim, e isto é válido de modo particular precisamente para vós. Pois quando me é apresentada uma situação que diz respeito — por exemplo — à Igreja num determinado país, posso contar com a documentação, as reflexões, as sínteses preparadas por vós e pelos vossos colaboradores. A rede das Representações Pontifícias está sempre ativa e operacional. Para mim isto é motivo de grande apreço e gratidão! Digo-o pensando claramente na dedicação e organização, mas ainda mais nas motivações que vos orientam, no estilo pastoral que nos deveria distinguir, no espírito de fé que nos anima. Graças a estas qualidades, também eu conseguirei experimentar aquilo que São Paulo VI escrevia, isto é, que através dos seus Representantes, que residem nas várias Nações, o Papa se torna partícipe da própria vida dos seus filhos e, como que inserindo-se nela, chega a conhecer, de maneira mais rápida e segura, as suas necessidades e ao mesmo tempo as suas aspirações (cf. Carta apostólica sob forma de motu proprio Sollicitudo omnium Ecclesiarum, Introdução).

E agora gostaria de partilhar convosco uma imagem bíblica que me veio à mente, pensando na vossa missão em relação à minha. No início dos Atos dos Apóstolos (3, 1-10), a narração da cura do paralítico descreve bem o ministério de Pedro. Estamos no alvorecer da experiência cristã e a primeira comunidade, reunida ao redor dos Apóstolos, sabe que só pode contar com uma realidade: Jesus ressuscitado e vivo. Um homem coxo está sentado e pede esmola à porta do templo. Parece a imagem de uma humanidade que perdeu a esperança e está resignada. Ainda hoje, a Igreja encontra com frequência homens e mulheres que já não têm alegria, que a sociedade pôs à margem ou que a vida, de certa forma, obrigou a mendigar a existência. Assim narra esta página dos Atos: «Pedro, juntamente com João, olhando-o fixamente, disse-lhe: “Olha para nós”. O coxo tinha os olhos nos dois, esperando receber alguma coisa deles. Mas Pedro disse-lhe: “Não tenho ouro nem prata, mas vou dar-te o que tenho: em nome de Jesus Cristo, Nazareno, levanta-te e anda”! E, segurando-o pela mão direita, ergueu-o. No mesmo instante, os pés e artelhos se lhe tornaram firmes. De um salto, pôs-se de pé, começou a andar, e entrou com eles no Templo, caminhando, saltando e louvando a Deus» (3, 4-8).

O pedido que Pedro dirige a este homem leva a pensar: «Olha para nós!». Fitar alguém nos olhos significa construir uma relação. O ministério de Pedro consiste em criar relações, pontes; e um Representante do Papa está sobretudo ao serviço deste convite, deste fitar nos olhos. Sede sempre o olhar de Pedro! Sede homens capazes de construir relações onde é mais difícil. Contudo, ao fazê-lo, conservai a mesma humildade e o mesmo realismo de Pedro; ele sabe muito bem que não tem a solução para tudo: «Não tenho ouro nem prata», diz; mas sabe também que tem o que conta, isto é, Cristo, o sentido mais profundo de cada existência: «Em nome de Jesus Cristo, Nazareno, levanta-te e anda!».

Dar Cristo significa dar amor, dar testemunho da caridade que está pronta para tudo. Conto convosco a fim de que, nos países onde viveis, todos saibam que a Igreja está sempre pronta para tudo por amor, que está sempre ao lado dos últimos, dos pobres, e que defenderá sempre o direito sacrossanto de crer em Deus, de acreditar que esta vida não está à mercê dos poderes deste mundo, mas é permeada por um sentido misterioso. Somente o amor é digno de fé, perante a dor dos inocentes, dos crucificados de hoje, que muitos de vós conheceis pessoalmente, porque servis povos vítimas de guerras, de violências, de injustiças, ou até do falso bem-estar que ilude e desilude.

Caros irmãos, que vos console sempre a constatação de que o vosso serviço é sub umbra Petri, como encontrareis gravado no anel que recebereis como meu dom. Senti-vos sempre unidos a Pedro, tutelados por Pedro, enviados por Pedro. Só na obediência e na comunhão efetiva com o Papa o vosso ministério poderá ser eficaz para a edificação da Igreja, em comunhão com os Bispos locais.

Tende sempre um olhar de bênção, porque o ministério de Pedro consiste em abençoar, isto é, em saber ver sempre o bem, até o bem escondido, aquele que está em minoria. Senti-vos missionários, enviados pelo Papa para ser instrumentos de comunhão, de unidade, ao serviço da dignidade da pessoa humana, promovendo em toda a parte relações sinceras e construtivas com as autoridades com que fordes chamados a cooperar. A vossa competência seja sempre iluminada pela firme decisão de santidade. Servem-nos de exemplo os Santos que estiveram ao serviço diplomático da Santa Sé, como São João XXIII e São Paulo VI.

Caríssimos, a vossa presença aqui hoje revigora a consciência de que o papel de Pedro consiste em confirmar na fé. Vós sois os primeiros que tendes necessidade desta confirmação para vos tornardes seus mensageiros, seus sinais visíveis em todas as partes do mundo.

A Porta Santa, que todos juntos pudemos atravessar ontem de manhã, nos estimule a ser testemunhas corajosas de Cristo, que é sempre a nossa esperança. Obrigado!

Audiência geral de quarta-feira

11 de junho

Estimados irmãos e irmãs!

Com esta catequese, gostaria de orientar o nosso olhar para outro aspeto essencial da vida de Jesus: ou seja, as suas curas. Por isso, convido-vos a colocar diante do Coração de Cristo as vossas partes mais dolorosas ou frágeis, aqueles lugares da vossa vida onde vos sentis parados e bloqueados. Peçamos ao Senhor com confiança que ouça o nosso grito e nos cure!

O personagem que nos acompanha nesta reflexão ajuda-nos a compreender que nunca devemos abandonar a esperança, mesmo quando nos sentimos perdidos. Trata-se de Bartimeu, cego e mendigo, que Jesus encontrou em Jericó (cf. Mc 10, 40-52). O lugar é significativo: Jesus está a caminho de Jerusalém, mas inicia a sua viagem, por assim dizer, a partir do “submundo” de Jericó, uma cidade abaixo do nível do mar. Com efeito, com a sua morte, Jesus foi recuperar aquele Adão que caiu em baixo e que representa cada um de nós.

Bartimeu significa “filho de Timeu”: descreve aquele homem através de uma relação, mas está dramaticamente só. No entanto, este nome poderia significar também “filho da honra”, ou “da admiração”, exatamente o oposto da situação em que se encontra (é a interpretação dada também por Agostinho em O consenso dos evangelistas, 2, 65, 125: PL 34, 1138). E dado que o nome é tão importante na cultura judaica, significa que Bartimeu não consegue viver o que é chamado a ser.

Além disso, contrariamente ao grande movimento de pessoas que caminham atrás de Jesus, Bartimeu está parado. O evangelista diz que está sentado ao longo da estrada e, portanto, que precisa de alguém que o ponha de pé e o ajude a retomar o caminho.

O que podemos fazer quando nos encontramos numa situação que parece sem saída? Bartimeu ensina-nos a apelar aos recursos que temos em nós e que fazem parte de nós. Ele é um mendigo, sabe pedir, aliás consegue gritar! Se desejas realmente algo, fazes tudo para o poder alcançar, até quando os outros te censuram, te humilham e te dizem para desistir. Se o desejas realmente, continua a gritar!

O grito de Bartimeu, descrito no Evangelho de Marcos — «Filho de David, Jesus, tende piedade de mim!» (v. 47) — tornou-se uma oração bem conhecida na tradição oriental, que também nós podemos utilizar: «Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim, pecador!».

Bartimeu é cego, mas paradoxalmente vê melhor do que os outros e reconhece quem é Jesus! Perante o seu grito, Jesus detém-se e chama-o (cf. v. 49), pois não há grito que Deus não ouça, até quando não estamos conscientes de nos dirigirmos a Ele (cf. Ex 2, 23). Parece estranho que, diante de um cego, Jesus não vá imediatamente ter com ele; contudo, se pensarmos bem, é o modo de reativar a vida de Bartimeu: impele-o a levantar-se, confia na sua possibilidade de caminhar. Aquele homem pode voltar a pôr-se de pé, pode ressurgir das suas situações de morte. Mas para o fazer deve realizar um gesto muito significativo: deve abandonar o seu manto (cf. v. 50)!

Para um mendigo, o manto é tudo: é a segurança, é a casa, é a defesa que o protege. Até a lei tutelava o manto do mendigo e impunha que fosse devolvido à noite, se tivesse sido penhorado (cf. Ex 22, 25). No entanto, muitas vezes o que nos bloqueia são precisamente as nossas aparentes seguranças, aquilo que vestimos para nos defendermos e que, pelo contrário, nos impede de caminhar. Para ir ao encontro de Jesus e para se deixar curar, Bartimeu deve expor-se a Ele em toda a sua vulnerabilidade. Esta é a passagem fundamental para qualquer caminho de cura.

Até a pergunta que Jesus lhe dirige parece estranha: «Que queres que eu te faça?» (v. 51). Mas, na realidade, não é óbvio que queiramos ser curados das nossas doenças, às vezes preferimos ficar parados para não assumir responsabilidades. A resposta de Bartimeu é profunda: utiliza o verbo anablepein, que pode significar “ver de novo”, mas que poderíamos traduzir também como “elevar o olhar”. Com efeito, Bartimeu não só quer voltar a ver, mas também quer recuperar a sua dignidade! Para elevar o olhar, é preciso levantar a cabeça. Às vezes, as pessoas estão bloqueadas porque a vida as humilhou e só desejam reencontrar o seu valor.

O que salva Bartimeu, e cada um de nós, é a fé. Jesus cura-nos para podermos ser livres. Ele não convida Bartimeu a segui-lo, mas diz-lhe que ande, que se ponha novamente a caminho (cf. v. 52). Mas Marcos conclui a narração, referindo que Bartimeu começou a seguir Jesus: escolheu livremente seguir aquele que é o Caminho!

Caros irmãos e irmãs, levemos com confiança a Jesus as nossas enfermidades e também as dos nossos entes queridos; levemos a dor de quantos se sentem perdidos e sem saída. Clamemos também por eles, certos de que o Senhor nos ouvirá e se deterá.

Discurso ao clero
da diocese de Roma

12 de junho

Quero pedir um caloroso aplauso para todos vós, que estais aqui presentes, e para todos os sacerdotes e diáconos de Roma!

Caríssimos Presbíteros e Diáconos que desempenhais o vosso serviço na Diocese de Roma, estimados seminaristas, saúdo todos vós com afeto e amizade!

Agradeço a Sua Eminência o Cardeal Vigário pelas palavras de saudação e a apresentação que fez, descrevendo um pouco a vossa presença nesta cidade.

Desejei encontrar-me convosco para vos conhecer de perto e começar a caminhar convosco. Agradeço-vos pela vossa vida confiada ao serviço do Reino, pelo vosso trabalho diário, por tanta generosidade no exercício do ministério, por tudo o que viveis em silêncio e que, às vezes, é acompanhado por sofrimentos ou incompreensões. Desempenhais diferentes serviços, mas todos vós sois preciosos aos olhos de Deus e na realização do seu desígnio.

A Diocese de Roma preside na caridade e na comunhão, e pode cumprir esta missão por mérito cada um de vós, no vínculo de graça com o Bispo e na fecunda corresponsabilidade com todo o povo de Deus. A nossa Diocese é realmente especial, pois muitos sacerdotes vêm de várias partes do mundo, particularmente por motivos de estudo; e isto implica que também a vida pastoral — penso sobretudo nas paróquias — seja marcada por esta universalidade e pelo acolhimento recíproco que ela comporta.

Precisamente a partir desta ótica universal que Roma oferece, gostaria de partilhar cordialmente convosco algumas reflexões.

A primeira nota, que me é particularmente cara, é relativa à unidade e à comunhão. Na chamada oração “sacerdotal”, como sabemos, Jesus pediu ao Pai que os seus fossem um (cf. Jo 17, 20-23). O Senhor sabe bem que só unidos a Ele e entre nós podemos dar fruto e testemunho credível ao mundo. A comunhão presbiteral aqui em Roma é favorecida porque, por antiga tradição, se costuma viver juntos, tanto nas reitorias como nos colégios ou noutras residências. O presbítero é chamado a ser homem da comunhão, pois ele é o primeiro que a vive, alimentando-a continuamente. Sabemos que hoje esta comunhão é impedida por um clima cultural que favorece o isolamento ou a autorreferencialidade. Nenhum de nós está isento destas ciladas que ameaçam a solidez da nossa vida espiritual e a força do nosso ministério.

Mas devemos estar atentos porque, além do contexto cultural, a comunhão e a fraternidade entre nós encontram também alguns obstáculos, por assim dizer “internos”, que dizem respeito à vida eclesial da Diocese, às relações interpessoais e também àquilo que habita no coração, sobretudo aquele sentimento de cansaço que se manifesta quando passamos por dificuldades particulares, porque não nos sentimos compreendidos nem ouvidos, ou por outros motivos. Gostaria de vos ajudar, de caminhar convosco, para que cada um recupere a serenidade no seu ministério; mas, precisamente por isso, peço-vos um ímpeto na fraternidade presbiteral, que mergulha as suas raízes numa sólida vida espiritual, no encontro com o Senhor e na escuta da sua Palavra. Alimentados por esta linfa, conseguimos viver relações de amizade, competindo na estima recíproca (cf. Rm 12, 10); sentimos a necessidade do outro para crescer e alimentar a mesma tensão eclesial.

A comunhão deve traduzir-se em compromisso também nesta Diocese; com diferentes carismas, com vários percursos formativos e até com diversificados serviços, mas o esforço para a sustentar deve ser único. Peço a todos que prestem atenção ao caminho pastoral desta Igreja, que é local, mas devido a quem a preside é também universal. Caminhar juntos é sempre garantia de fidelidade ao Evangelho; juntos e em harmonia, procurando enriquecer a Igreja com o próprio carisma, mas tendo a peito o único corpo do qual Cristo é a Cabeça.

A segunda nota que vos desejo transmitir é relativa à exemplaridade. Por ocasião das ordenações sacerdotais do passado dia 31 de maio, na homilia recordei a importância da transparência de vida, baseando-me nas palavras de São Paulo que, aos anciãos de Éfeso, diz: «Vós sabeis como me comportei» (At 20, 18). Peço-vos com o coração de pai e pastor: esforcemo-nos todos por ser sacerdotes credíveis e exemplares! Estamos conscientes dos limites da nossa natureza e o Senhor conhece-nos profundamente; mas recebemos uma graça extraordinária, foi-nos confiado um tesouro precioso do qual somos ministros, servidores. E ao servo pede-se fidelidade. Nenhum de nós está isento das sugestões do mundo, e a cidade, com os seus milhares de propostas, poderia afastar-nos do desejo de uma vida santa, induzindo a um nivelamento por baixo, onde se perdem os profundos valores do ser presbítero. Deixai-vos atrair ainda pelo chamamento do Mestre, para sentir e viver o amor da primeira hora, aquele que vos impeliu a fazer escolhas fortes e renúncias corajosas. Se juntos procurarmos ser exemplares numa vida humilde, então conseguiremos exprimir a força renovadora do Evangelho para cada homem e mulher.

Uma última nota que vos quero confiar é a do olhar para os desafios do nosso tempo em chave profética. Preocupa-nos e amargura-nos quanto acontece todos os dias no mundo: ferem-nos as violências que geram morte, somos interpelados pelas desigualdades, pelas pobrezas, por tantas formas de marginalização social, pelo sofrimento generalizado que assume as feições de um mal-estar que já não poupa ninguém. E estas realidades não acontecem apenas noutros lugares, longe de nós, mas atingem também a nossa cidade de Roma, marcada por múltiplas formas de pobreza e por graves emergências como a da habitação. Uma cidade em que, como observava o Papa Francisco, à “grande beleza” e ao fascínio da arte devem corresponder também «o simples decoro e a normal funcionalidade nos lugares e nas situações da vida quotidiana e comum. Pois uma cidade mais vivível para os seus cidadãos é também mais hospitaleira para todos» (Homilia nas Vésperas com Te Deum, 31 de dezembro de 2023).

O Senhor quis-nos precisamente a nós neste tempo cheio de desafios que, às vezes, nos parecem maiores do que as nossas forças! Somos chamados a abraçar estes desafios, a interpretá-los evangelicamente, a vivê-los como ocasiões de testemunho. Não os evitemos! O compromisso pastoral e do estudo se torne para todos uma escola para aprender a construir o Reino de Deus no hoje de uma história complexa e estimulante. Ultimamente tivemos o exemplo de sacerdotes santos que souberam conjugar a paixão pela história com o anúncio do Evangelho, como os padres Primo Mazzolari e Lorenzo Milani, profetas de paz e justiça. E aqui em Roma tivemos o padre Luigi Di Liegro que, perante tanta pobreza, deu a vida para procurar caminhos de justiça e promoção humana. Recorramos à força destes exemplos para continuar a lançar sementes de santidade na nossa cidade.

Caríssimos, asseguro-vos a minha proximidade, o meu afeto e a minha disponibilidade para caminhar convosco. Confiemos ao Senhor a nossa vida sacerdotal, pedindo-lhe para crescer na unidade, exemplaridade e compromisso profético ao serviço do nosso tempo. Que nos acompanhe o veemente apelo de Santo Agostinho, que disse: «Amai esta Igreja, permanecei nesta Igreja, sede esta Igreja. Amai o bom Pastor, o belo Esposo, que não engana ninguém e não quer que ninguém pereça. Rezai também pelas ovelhas tresmalhadas: que também elas venham, também elas reconheçam, também elas amem, a fim de que haja um só rebanho e um só pastor» (Sermão 138, 10). Obrigado!

Mensagem para o IX
Dia mundial dos pobres

16 de novembro

1. «Tu és a minha esperança, ó Senhor Deus» (Sl 71, 5). Essas palavras emanam de um coração oprimido por graves dificuldades: «Fizeste-me sofrer grandes males e aflições mortais» (v. 20), diz o Salmista. Apesar disso, o seu espírito está aberto e confiante, porque firme na fé reconhece o amparo de Deus e o professa: «És o meu rochedo e a minha fortaleza» (v. 3). Daí deriva a confiança inabalável de que a esperança n’Ele não dececiona: «Em ti, Senhor, me refugio, jamais serei confundido» (v. 1).

No meio das provações da vida, a esperança é animada pela firme e encorajadora certeza do amor de Deus, derramado nos corações pelo Espírito Santo. Por isso, ela não dececiona (cf. Rm 5, 5) e São Paulo pode escrever a Timóteo: «Pois se nós trabalhamos e lutamos, é porque pomos a nossa esperança no Deus vivo» (1 Tm 4, 10). O Deus vivo é, verdadeiramente, o «Deus da esperança» (Rm 15, 13), que em Cristo, pela sua morte e ressurreição, se tornou a «nossa esperança» (1 Tm 1, 1). Não podemos esquecer que fomos salvos nesta esperança, na qual precisamos permanecer enraizados.

2. O pobre pode tornar-se testemunha de uma esperança forte e confiável, precisamente porque professada numa condição de vida precária, feita de privações, fragilidade e marginalização. Ele não conta com as seguranças do poder e do ter; pelo contrário, sofre-as e, muitas vezes, é vítima delas. A sua esperança só pode repousar noutro lugar. Reconhecendo que Deus é a nossa primeira e única esperança, também nós fazemos a passagem entre as esperanças que passam e a esperança que permanece. As riquezas são relativizadas perante o desejo de ter Deus como companheiro de caminho porque se descobre o verdadeiro tesouro de que realmente precisamos. Ressoam claras e fortes as palavras com que o Senhor Jesus exortou os seus discípulos: «Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões arrombam os muros, a fim de os roubar. Acumulai tesouros no Céu, onde a traça e a ferrugem não corroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam» (Mt 6, 19-20).

3. A pobreza mais grave é não conhecer a Deus. Recordou-nos isso o Papa Francisco quando escreveu na Evangelii gaudium: «A pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual. A imensa maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé; tem necessidade de Deus e não podemos deixar de lhe oferecer a sua amizade, a sua bênção, a sua Palavra, a celebração dos Sacramentos e a proposta de um caminho de crescimento e amadurecimento na fé» (n. 200). Há aqui uma consciência fundamental e totalmente original sobre como encontrar em Deus o próprio tesouro. Realmente, insiste o apóstolo João: «Se alguém disser: “Eu amo a Deus”, mas tiver ódio ao seu irmão, esse é um mentiroso; pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê» (1 Jo 4, 20).

É uma regra da fé e um segredo da esperança: embora importantes, todos os bens desta terra, as realidades materiais, os prazeres do mundo ou o bem-estar económico não são suficientes para fazer o coração feliz. Frequentemente, as riquezas iludem e conduzem a situações dramáticas de pobreza, sendo a primeira dessas ilusões pensar que não precisamos de Deus e conduzir a nossa vida independentemente d’Ele. Vêm-me à mente as palavras de Santo Agostinho: «Seja Deus todo motivo de presumires. Sente necessidade d’Ele para que Ele te cumule. Tudo o que possuíres fora d’Ele é imensamente vazio» (Enarr. in Ps. 85, 3).

4. A esperança cristã, à qual a Palavra de Deus remete, é certeza no caminho da vida, porque não depende da força humana, mas da promessa de Deus, que é sempre fiel. Por isso, desde os primórdios, os cristãos quiseram identificar a esperança com o símbolo da âncora, que oferece estabilidade e segurança. A esperança cristã é como uma âncora, que fixa o nosso coração na promessa do Senhor Jesus, que nos salvou com a sua morte e ressurreição e que retornará novamente no meio de nós. Esta esperança continua a indicar como verdadeiro horizonte da vida os «novos céus» e a «nova terra» (2 Pd 3, 13), onde a existência de todas as criaturas encontrará o seu sentido autêntico, visto que a nossa verdadeira pátria está nos céus (cf. Fl 3, 20).

Consequentemente, a cidade de Deus compromete-nos com as cidades dos homens, que, desde agora, devem começar a assemelhar-se àquela. A esperança, sustentada pelo amor de Deus derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo (cf. Rm 5, 5), transforma o coração humano em terra fértil, onde pode germinar a caridade para a vida do mundo. A Tradição da Igreja reafirma constantemente esta circularidade entre as três virtudes teologais: fé, esperança e caridade. A esperança nasce da fé, que a alimenta e sustenta, sobre o fundamento da caridade, que é a mãe de todas as virtudes. E precisamos de caridade hoje, agora. Não é uma promessa, mas uma realidade para a qual olhamos com alegria e responsabilidade: envolve-nos, orientando as nossas decisões para o bem comum. Em vez disso, quem carece de caridade não só carece de fé e esperança, mas tira a esperança ao seu próximo.

5. O convite bíblico à esperança traz consigo o dever de assumir, sem demora, responsabilidades coerentes na história. Com efeito, a caridade é «o maior mandamento social» (Catecismo da Igreja Católica, 1889). A pobreza tem causas estruturais que devem ser enfrentadas e eliminadas. À medida que isso acontece, todos somos chamados a criar novos sinais de esperança que testemunhem a caridade cristã, como fizeram, em todas as épocas, muitos santos e santas. Os hospitais e as escolas, por exemplo, são instituições criadas para expressar o acolhimento aos mais fracos e marginalizados. Eles deveriam fazer parte das políticas públicas de todos os países, mas as guerras e as desigualdades frequentemente ainda o impedem. Hoje, cada vez mais, as casas-família, as comunidades para menores, os centros de acolhimento e escuta, as refeições para os pobres, os dormitórios e as escolas populares tornam-se sinais de esperança: são tantos sinais, muitas vezes ocultos, aos quais talvez não prestemos atenção, mas que são muito importantes para se desvencilhar da indiferença e provocar o empenho nas diversas formas de voluntariado!

Os pobres não são um passatempo para a Igreja, mas sim os irmãos e irmãs mais amados, porque cada um deles, com a sua existência e também com as palavras e a sabedoria que trazem consigo, levam-nos a tocar com as mãos a verdade do Evangelho. Por isso, o Dia Mundial dos Pobres pretende recordar às nossas comunidades que os pobres estão no centro de toda a ação pastoral. Não só na sua dimensão caritativa, mas igualmente naquilo que a Igreja celebra e anuncia. Através das suas vozes, das suas histórias, dos seus rostos, Deus assumiu a sua pobreza para nos tornar ricos. Todas as formas de pobreza, sem excluir nenhuma, são um apelo a viver concretamente o Evangelho e a oferecer sinais eficazes de esperança.

6. Este é o convite que emerge da celebração do Jubileu. Não é por acaso que o Dia Mundial dos Pobres seja celebrado no final deste ano de graça. Quando a Porta Santa for fechada, deveremos conservar e transmitir os dons divinos que foram derramados nas nossas mãos ao longo de um ano inteiro de oração, conversão e testemunho. Os pobres não são objetos da nossa pastoral, mas sujeitos criativos que nos estimulam a encontrar sempre novas formas de viver o Evangelho hoje. Diante da sucessão de novas ondas de empobrecimento, corre-se o risco de se habituar e resignar-se. Todos os dias, encontramos pessoas pobres ou empobrecidas e, às vezes, pode acontecer que sejamos nós mesmos a possuir menos, a perder o que antes nos parecia seguro: uma casa, comida suficiente para o dia, acesso a cuidados de saúde, um bom nível de educação e informação, liberdade religiosa e de expressão.

Promovendo o bem comum, a nossa responsabilidade social tem o seu fundamento no gesto criador de Deus, que dá a todos os bens da terra: assim como estes, também os frutos do trabalho do homem devem ser igualmente acessíveis. Com efeito, ajudar os pobres é uma questão de justiça, muito antes de ser uma questão de caridade. Como observa Santo Agostinho: «Damos pão a quem tem fome, mas seria muito melhor que ninguém passasse fome e não precisássemos ser generosos para com ninguém. Damos roupas a quem está nu, mas Deus queira que todos estejam vestidos e que ninguém passe necessidades sobre isto» (Comentário à 1 Jo, VIII, 5).

Desejo, portanto, que este Ano Jubilar possa incentivar o desenvolvimento de políticas de combate às antigas e novas formas de pobreza, além de novas iniciativas de apoio e ajuda aos mais pobres entre os pobres. Trabalho, educação, habitação e saúde são condições para uma segurança que jamais se alcançará com armas. Congratulo-me com as iniciativas já existentes e com o empenho que é manifestado diariamente a nível internacional por um grande número de homens e mulheres de boa vontade.

Confiemos em Maria Santíssima, Consoladora dos aflitos, e com Ela entoemos um canto de esperança, fazendo nossas as palavras do Te Deum: «In Te, Domine, speravi, non confundar in aeternum — Em Vós espero, meu Deus, não serei confundido eternamente».

Vaticano, 13 de junho de 2025, memória
de Santo António de Lisboa, Patrono dos pobres.

LEÃO PP. XIV

Primeira audiência jubilar
de Leão XIV

14 de junho

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!

Amados irmãos e irmãs!

Recomeçam esta manhã as audiências jubilares especiais que o Papa Francisco iniciou no mês de janeiro, propondo cada vez um aspeto particular da virtude teologal da esperança e uma figura espiritual que a testemunhou. Portanto, continuemos o caminho iniciado, como peregrinos de esperança!

Une-nos a esperança transmitida pelos Apóstolos desde o princípio. Os Apóstolos viram em Jesus a terra ligar-se ao céu: acolheram a Palavra da vida com os olhos, os ouvidos e as mãos. O Jubileu é uma porta aberta para este mistério. O ano jubilar liga mais radicalmente o mundo de Deus ao nosso. Convida-nos a levar a sério o que rezamos todos os dias: «Assim na terra como no céu». Nisto consiste a nossa esperança. Eis o aspeto que, hoje, gostaríamos de aprofundar: esperar significa ligar.

Um dos maiores teólogos cristãos, o bispo Ireneu de Lião, ajudar-nos-á a reconhecer a beleza e a atualidade desta esperança. Ireneu nasceu na Ásia Menor e formou-se entre aqueles que tinham conhecido diretamente os Apóstolos. Depois veio para a Europa, porque em Lião já se tinha formado uma comunidade de cristãos provenientes da sua terra. Como nos faz bem recordá-lo aqui, em Roma, na Europa! O Evangelho foi trazido para este continente a partir de fora. E, ainda hoje, as comunidades de migrantes constituem presenças que reavivam a fé nos países que as acolhem. O Evangelho vem de fora. Ireneu liga o Oriente e o Ocidente. Este é já um sinal de esperança, pois recorda-nos como os povos continuam a enriquecer-se mutuamente.

Mas Ireneu tem um tesouro ainda maior para nos oferecer. As divisões doutrinais que encontrou no seio da comunidade cristã, os conflitos internos e as perseguições externas não o desencorajaram. Pelo contrário, num mundo fragmentado, aprendeu a pensar melhor, prestando atenção cada vez mais profunda a Jesus. Tornou-se cantor da sua pessoa, aliás, da sua carne. Com efeito, reconheceu que n’Ele o que para nós parece oposto se recompõe na unidade. Jesus não é um muro que separa, mas uma porta que nos une. Devemos permanecer n’Ele e distinguir a realidade das ideologias.

Caros irmãos e irmãs, ainda hoje as ideias podem enlouquecer e as palavras podem matar. A carne, porém, é aquilo de que todos nós somos feitos; é o que nos liga à terra e às outras criaturas. A carne de Jesus deve ser acolhida e contemplada em cada irmão e irmã, em cada criatura. Ouçamos o clamor da carne, escutemos a dor do próximo que nos chama pelo nome. O mandamento que recebemos desde o princípio é o do amor recíproco. Ele está inscrito na nossa carne, antes de qualquer lei.

Ireneu, mestre de unidade, ensina-nos a não opor, mas a ligar. Não há inteligência onde se separa, mas onde se liga. Distinguir é útil, mas dividir nunca. Jesus é a vida eterna no meio de nós: Ele une os opostos, tornando possível a comunhão.

Somos peregrinos de esperança, porque entre as pessoas, os povos e as criaturas é necessário que alguém se decida a caminhar rumo à comunhão. Outros seguir-nos-ão. Como Ireneu em Lião, no século II, assim em cada uma das nossas cidades, voltemos a construir pontes onde hoje existem muros. Abramos portas, liguemos mundos, e haverá esperança!

Apelo

Efetivamente, também nestes dias chegam notícias que causam muita preocupação. Deteriorou-se gravemente a situação no Irão e em Israel e, num momento tão delicado, gostaria de renovar com veemência um apelo à responsabilidade e à razão. O compromisso de construir um mundo mais seguro e livre da ameaça nuclear deve ser procurado através de um encontro respeitoso e de um diálogo sincero, a fim de edificar uma paz duradoura alicerçada na justiça, na fraternidade e no bem comum. Ninguém jamais deveria ameaçar a existência do outro. É dever de todos os países apoiar a causa da paz, iniciando caminhos de reconciliação e favorecendo soluções que garantam segurança e dignidade para todos.

Homilia da missa por ocasião
do Jubileu do desporto

15 de junho

Queridos irmãos e irmãs!

Na primeira Leitura, ouvimos as seguintes palavras: «Eis o que diz a Sabedoria de Deus: “O Senhor me criou como primícias da sua atividade, antes das suas obras mais antigas. […] Quando Ele consolidava os céus, eu estava presente; […] eu estava a seu lado como arquiteto, cheia de júbilo, dia após dia, deleitando-me continuamente na sua presença. Deleitava-me sobre a face da terra e as minhas delícias eram estar com os filhos dos homens”» (Pr 8, 22.27.30-31). Para Santo Agostinho, a Trindade e a sabedoria estão intimamente ligadas. A sabedoria divina é revelada na Santíssima Trindade e a sabedoria leva-nos sempre à verdade.

Hoje, enquanto celebramos a Solenidade da Santíssima Trindade, vivemos os dias do Jubileu do Desporto. O binómio Trindade-desporto não é usado com muita frequência, mas a associação não é descabida. Na verdade, toda boa atividade humana traz em si um reflexo da beleza de Deus, e certamente o desporto está entre elas. Afinal, Deus não é estático, nem está fechado em si mesmo. É comunhão, relação viva entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que se abre à humanidade e ao mundo. A teologia denomina essa realidade de pericoresis, ou seja, “dança”: uma dança de amor recíproco.

A vida brota deste dinamismo divino. Fomos criados por um Deus que se compraz e se alegra em dar a existência às suas criaturas e que “brinca”, como nos recordou a primeira leitura (cf. Pr 8, 30-31). Alguns Padres da Igreja chegam mesmo a falar, com ousadia, de um Deus ludens, de um Deus que se diverte (cf. São Salônio de Genebra, In Parabolas Salomonis expositio mystica; São Gregório Nazianzeno, Carmina, I, 2, 589). Eis a razão pela qual o desporto pode ajudar-nos a encontrar o Deus Trino: porque exige um movimento do eu para o outro, que é certamente exterior, mas também e sobretudo interior. Sem isso, ele se reduz a uma estéril competição de egoísmos.

Pensemos na expressão “Dá-lhe!”, que é comumente usada pelos espetadores para encorajar os atletas durante as competições. Talvez não seja evidente, mas é um incentivo muito bonito: é o imperativo do verbo “dar”. E isso nos provoca uma reflexão: não se trata apenas de oferecer uma performance física, mesmo que extraordinária, mas de dar-se, de “jogar-se”. Trata-se de dar-se aos outros — para o próprio crescimento, para os torcedores, para os entes queridos, para os treinadores, para os colaboradores, para o público, até mesmo para os adversários — e, em sendo verdadeiramente um desportista, isso vale além do resultado. São João Paulo II — que era, como sabemos, um desportista — assim falou: «O desporto é alegria de viver, jogo, festa, e como tal deve ser valorizado […] mediante a recuperação da sua gratuitidade, da sua capacidade de estreitar vínculos de amizade, de favorecer o diálogo e a abertura de uns aos outros […] bem acima não só das duras leis da produção e do consumo, mas também de qualquer outra consideração puramente utilitarista e hedonista da vida» (Homilia para o Jubileu Internacional dos Desportistas, 4, 12 de abril de 1984).

Nesta perspetiva, gostaríamos de destacar três aspetos em particular que tornam o desporto, hoje, um meio precioso de formação humana e cristã.

Em primeiro lugar, numa sociedade marcada pela solidão, em que o individualismo exagerado deslocou o centro de gravidade do “nós” para o “eu”, fazendo com que o outro fosse ignorado, o desporto — especialmente quando é praticado em conjunto — ensina o valor da colaboração, do caminhar juntos, daquela partilha que, como já dissemos, está no coração mesmo da vida de Deus (cf. Jo 16, 14-15). Desse modo, pode tornar-se um instrumento importante de recomposição e de encontro: entre os povos, nas comunidades, nos ambientes escolares e profissionais, nas famílias!

Em segundo lugar, numa sociedade cada vez mais digital — em que as tecnologias, embora aproximando pessoas distantes, muitas vezes afastam aqueles que estão próximos — o desporto valoriza a concretude do estar juntos, o sentido do corpo, do espaço, do esforço, do tempo real. Assim, contra a tentação de fugir para mundos virtuais, o desporto ajuda a manter um contato saudável com a natureza e com a vida concreta, único lugar onde é possível exercer o amor (cf. 1 Jo 3, 18).

Em terceiro lugar, numa sociedade competitiva, onde parece que apenas os fortes e os vencedores merecem viver, o desporto também ensina a perder, colocando o homem frente a frente, na arte da derrota, com uma das verdades mais profundas da sua condição: a fragilidade, o limite, a imperfeição. Isto é importante, porque é a partir da experiência dessa fragilidade que nos abrimos à esperança. O atleta que nunca erra, que nunca perde, não existe. Os campeões não são máquinas infalíveis, mas homens e mulheres que, mesmo derrotados, encontram a coragem para se reerguer. A esse respeito, recordemos, mais uma vez, as palavras de São João Paulo II, que dizia que Jesus é “o verdadeiro atleta de Deus” porque venceu o mundo não com a força, mas com a fidelidade do amor (cf. Homilia na Missa pelo Jubileu dos Desportistas, 4, 29 de outubro de 2000).

Não é por acaso que o desporto teve um papel significativo na vida de muitos santos do nosso tempo, tanto como prática pessoal quanto como meio de evangelização. Pensemos no Beato Pier Giorgio Frassati, padroeiro dos desportistas, que será proclamado santo no próximo dia 7 de setembro. A sua vida, simples e luminosa, recorda-nos que assim como ninguém nasce campeão, ninguém nasce santo. É o treinamento diário do amor que nos aproxima da vitória definitiva (cf. Rm 5, 3-5) e nos torna capazes de trabalhar pela construção de um mundo novo. Afirmou-o também São Paulo VI, que vinte anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, recordava aos membros de uma associação desportiva católica o quanto o desporto tinha contribuído para trazer de volta a paz e a esperança a uma sociedade devastada pelas consequências da guerra (cf. Discurso aos membros do Centro desportivo italiano, 20 de março de 1965). Dizia ele: «Os vossos esforços visam a formação de uma nova sociedade: […] conscientes de que o desporto, nos sãos elementos formativos que valoriza, pode ser um instrumento muito útil para a elevação espiritual da pessoa humana, condição primeira e indispensável para uma sociedade ordenada, serena e construtiva» (Ibid.).

Caros desportistas, a Igreja confia-vos uma missão maravilhosa: ser reflexo do amor de Deus Trino nas vossas atividades, pelo vosso próprio bem e pelo bem dos vossos irmãos. Deixai-vos envolver com entusiasmo por esta missão: como atletas, como formadores, como sociedade, como grupos, como famílias. O Papa Francisco adorava sublinhar que, no Evangelho, Maria aparece ativa, em movimento, até mesmo “a correr” (cf. Lc 1, 39), pronta a partir para socorrer os seus filhos — como sabem fazer as mães — ao menor sinal de Deus (cf. Discurso aos voluntários da JMJ, 6 de agosto de 2023). Peçamos a Ela que acompanhe as nossas iniciativas e os nossos esforços, orientando-os sempre para o melhor, até à vitória definitiva: a da eternidade, o “campo infinito” onde o jogo não terá fim e a alegria será plena (cf. 1 Cor 9, 24-25; 2 Tm 4, 7-8).

Angelus da solenidade
da Santíssima Trindade

15 de junho

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Concluímos há pouco a celebração eucarística pelo Jubileu do Desporto, e agora dirijo com alegria a minha saudação a vós, desportistas de todas as idades e proveniências! Exorto-vos a viver a atividade desportiva, mesmo a nível competitivo, sempre com espírito de gratuidade, com espírito «lúdico», no sentido nobre do termo, porque no jogo e na diversão saudável o ser humano assemelha-se ao seu Criador.

Gostaria ainda de sublinhar que o desporto é um caminho para construir a paz, porque é uma escola de respeito e lealdade, que faz crescer a cultura do encontro e da fraternidade. Irmãs e irmãos, encorajo-vos a praticar este estilo de vida de forma consciente, opondo-vos a todas as formas de violência e opressão.

O mundo de hoje precisa muito disso! Infelizmente, existem muitos conflitos armados. Em Myanmar, apesar do cessar-fogo, os combates continuam causando danos também às infraestruturas civis. Faço um apelo a todas as partes para que empreendam o caminho do diálogo inclusivo, o único que pode conduzir a uma solução pacífica e estável.

Na noite entre os dias 13 e 14 de junho, na cidade de Yelwata, na área administrativa local de Gouma, no Estado de Benue, na Nigéria, ocorreu um terrível massacre, no qual cerca de duzentas pessoas foram mortas com extrema crueldade, a maioria das quais eram refugiados internos, acolhidos pela missão católica local. Rezo para que a segurança, a justiça e a paz prevaleçam na Nigéria, país amado e tão atingido por várias formas de violência. E rezo de modo especial pelas comunidades cristãs rurais do Estado de Benue, que incessantemente têm sido vítimas da violência.

Penso também na República do Sudão, devastada há mais de dois anos pela violência. Chegou-me a triste notícia da morte do Padre Luke Jumu, pároco de El Fasher, vítima de um bombardeamento. Ao assegurar as minhas orações por ele e por todas as vítimas, renovo o apelo aos combatentes a fim de que cessem os ataques, protejam os civis e iniciem um diálogo pela paz. Exorto a comunidade internacional a intensificar os esforços para fornecer, pelo menos, a assistência essencial à população, duramente atingida pela grave crise humanitária.

Continuemos a rezar pela paz no Médio Oriente, na Ucrânia e no mundo inteiro.

Esta tarde, na Basílica de São Paulo Fora dos Muros, o jovem mártir congolês Floribert Bwana Chui será proclamado Beato. Ele foi morto aos 26 anos porque, como cristão, se opôs à injustiça e defendia os pequenos e os pobres. Que o seu testemunho dê coragem e esperança aos jovens da República Democrática do Congo e de toda a África!

Bom domingo a todos! E a vós, jovens, digo: espero-vos daqui a um mês e meio no Jubileu dos Jovens! Que a Virgem Maria, Rainha da Paz, interceda por nós.

Audiência geral de quarta-feira

18 de junho

Estimados irmãos e irmãs!

Continuemos a contemplar Jesus que cura. Hoje gostaria de vos convidar a pensar de modo especial nas situações em que nos sentimos “bloqueados” e fechados num beco sem saída. Com efeito, às vezes parece-nos que é inútil continuar a esperar; resignamo-nos e já não queremos lutar. Esta situação é descrita nos Evangelhos com a imagem da paralisia. Por isso, hoje gostaria de meditar sobre a cura de um paralítico, narrada no quinto capítulo do Evangelho de São João (5, 1-9).

Jesus vai a Jerusalém para uma festa dos judeus. Não vai imediatamente ao Templo; detém-se perto de uma porta, onde provavelmente se lavavam as ovelhas que depois eram oferecidas nos sacrifícios. Perto daquela porta paravam também muitos doentes que, ao contrário das ovelhas, eram excluídos do Templo por serem considerados impuros! Assim, é o próprio Jesus que vai ao encontro deles na sua dor. Estas pessoas esperavam um milagre que pudesse mudar o seu destino; com efeito, ao lado da porta havia uma piscina, cujas águas eram consideradas taumatúrgicas, isto é, capazes de curar: em certos momentos, a água agitava-se e, segundo a crença daquela época, quem se imergisse primeiro ficava curado.

Assim, criava-se uma espécie de “guerra entre pobres”: podemos imaginar a triste cena destes doentes que se arrastavam cansativamente para entrar na piscina. Aquela piscina chamava-se Betesda, que significa “casa da misericórdia”: poderia ser uma imagem da Igreja, onde se reúnem os doentes e os pobres, onde o Senhor vem para curar e dar esperança.

Jesus dirige-se especificamente a um homem que está paralisado há trinta e oito anos. Já está resignado, porque nunca consegue imergir-se na piscina quando a água se agita (cf. v. 7). Com efeito, muitas vezes o que nos paralisa é precisamente a desilusão. Sentimo-nos desanimados e corremos o risco de cair na preguiça.

A este paralítico Jesus faz uma pergunta que pode parecer supérflua: «Queres ficar curado?» (v. 6). No entanto, é uma pergunta necessária, pois quando se está bloqueado há tantos anos, pode faltar até a vontade de se curar. Às vezes preferimos permanecer na condição de doentes, obrigando os outros a cuidar de nós. É por vezes até um pretexto para não decidir o que fazer da nossa vida. Jesus, pelo contrário, remete este homem para o seu desejo mais verdadeiro e profundo.

Efetivamente, este homem responde de maneira mais articulada à pergunta de Jesus, revelando a sua visão da vida. Em primeiro lugar, diz que não tem ninguém que o mergulhe na piscina: portanto, a culpa não é dele, mas dos outros que não cuidam dele. Esta atitude torna-se pretexto para evitar as próprias responsabilidades. Mas é realmente verdade que não havia ninguém que o ajudasse? Eis a resposta iluminadora de Santo Agostinho: «Sim, para ser curado, tinha absolutamente necessidade de um homem, mas de um homem que também fosse Deus. [...] Portanto, chegou o homem que era necessário; porquê continuar a adiar a cura?» (Homilia 17, 7).

Depois, o paralítico acrescenta que, quando procura entrar na piscina, há sempre alguém que chega antes dele. Este homem exprime uma visão fatalista da vida. Pensamos que as coisas nos acontecem porque não temos sorte, porque o destino nos é adverso. Este homem está desanimado! Sente-se derrotado na luta da vida.

No entanto, Jesus ajuda-o a descobrir que a sua vida está também nas suas mãos. Convida-o a levantar-se, a sair da sua situação crónica e a pegar na sua maca (cf. v. 8). Aquele catre não deve ser deixado nem abandonado: representa o seu passado de doença, é a sua história. O passado bloqueou-o até àquele momento; obrigou-o a ficar deitado como um morto. Agora é ele que pode pegar naquela maca e levá-la para onde quiser: pode decidir o que fazer com a sua história! Trata-se de caminhar, assumindo a responsabilidade de escolher que caminho seguir. E isto graças a Jesus!

Caríssimos irmãos e irmãs, peçamos ao Senhor o dom de compreender onde a nossa vida se bloqueou. Procuremos dar voz ao nosso desejo de cura. E oremos por todos aqueles que se sentem paralisados, que não veem uma saída. Peçamos para voltar a habitar no Coração de Cristo, que é a verdadeira casa da misericórdia!

Apelo

Queridos irmãos e irmãs!

O coração da Igreja está destroçado pelos gritos que se elevam das zonas de guerra, em particular da Ucrânia, do Irão, de Israel e de Gaza. Não devemos habituar-nos à guerra! Pelo contrário, é preciso rejeitar o fascínio das armas poderosas e sofisticadas como uma tentação. Efetivamente, na guerra contemporânea «o emprego de armas científicas de todo o género para fazer a guerra, ameaça, dada a selvajaria daquelas, levar os combatentes a uma barbárie muito pior que a de outros tempos» (Concílio Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes, 79). Portanto, em nome da dignidade humana e do direito internacional, repito aos responsáveis o que costumava dizer o Papa Francisco: a guerra é sempre uma derrota! E, com Pio XII, afirmo: «Nada se perde com a paz. Tudo pode ser perdido com a guerra».

Discurso aos membros dos Capítulos gerais
da Ordem dos Frades menores conventuais
e da Ordem da Santíssima Trindade
e dos escravos

20 de junho

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo! A paz esteja convosco!

Bem-vindos, amados irmãos e irmãs! Saúdo em particular os Superiores-gerais — ambos foram confirmados — os Conselheiros e os Capitulares da Ordem dos Frades Menores Conventuais e da Ordem da Santíssima Trindade e dos escravos, assim como os delegados das Ordens Terceiras e dos grupos laicais.

Poder receber juntos Franciscanos e Trinitários fez-me lembrar uma pintura que se encontra na abside da Basílica de São João de Latrão, que representa uma audiência da qual esta poderia ser uma bonita evocação. Com efeito, a imagem mostra o Papa Inocêncio III que recebe São Francisco e São João de Mata juntos, a fim de honrar a sua grande contribuição para a reforma da vida religiosa.

É interessante observar que São Francisco é representado de joelhos, com um enorme livro aberto, quase como se estivesse prestes a dizer ao Pontífice: «Santidade, peço-lhe apenas para viver a regra do Santo Evangelho sine glossa» (cf. Test 14-15). São João de Mata, pelo contrário, está de pé e segura nas mãos a Regra que redigiu com o Pontífice. Se São Francisco mostra a sua docilidade à Igreja, apresentando o seu projeto não como próprio, mas como dádiva divina, São João de Mata mostra o texto aprovado, após o estudo e o discernimento, como ápice de um trabalho absolutamente necessário para realizar o propósito que Deus inspirou. As duas atitudes, longe de estar em contraste entre elas, iluminar-se-iam mutuamente, constituindo uma linha-guia para o serviço que desde então a Santa Sé desempenhou a favor de todos os carismas.

Deus inspirou nestes dois Santos não apenas um caminho espiritual de serviço, mas também o desejo de se confrontar com o Sucessor de Pedro sobre o dom recebido do Espírito para o pôr à disposição da Igreja. São Francisco expõe ao Papa a necessidade de seguir Jesus sem reservas, sem outras finalidades, sem ambiguidades nem artifícios. São João de Mata exprimiu esta verdade com palavras que depois se revelariam fundamentais e que São Francisco tornaria suas. Um bom exemplo consistirá em viver «sem nada de próprio», sem nada «escondido na cela, no bolso ou no coração», como realçou o Papa Francisco (cf. Discurso às Canonisas da Ordem do Espírito Santo, 5 de dezembro de 2024). Outro destes termos exprime a necessidade de que tal dedicação se transforme em serviço, de que o superior seja visto como ministro, isto é, aquele que se faz menor, para ser o servo de todos. É interessante constatar que o versículo de São Mateus (cf. 20, 27) influenciou o vocabulário de toda a vida religiosa, pois chamar de prior, mestre, magister ou ministro molda todo o conceito de autoridade como serviço.

Para atualizar este dom, vós, trinitários, quisestes centrar-vos no propósito do vosso Instituto: levar consolação a quantos não podem viver a fé em liberdade. Durante estes meses transformastes em oração este desejo, seguindo as palavras de São Paulo: «Perseguidos, mas não abandonados; derrubados, mas não aniquilados» (2 Cor 4, 9), que inspiram o lema do vosso capítulo. Uno-me a esta oração e peço também a Deus Trindade que este seja um dos frutos da vossa assembleia, que não deixeis de recordar na vossa oração e esforço diário quantos são perseguidos por causa da fé. Esta parte, a terceira — relativa aos perseguidos — segundo o magistério de Santo Agostinho, é a parte de Deus, que marca a vocação do libertador do seu Povo (cf. Questões sobre o Heptateuco, lib. II, 15). Além disso, esta tensão para os membros mais sofredores da Igreja chamará a atenção das vocações, dos fiéis e dos homens de boa vontade para esta realidade, mantendo-vos disponíveis para os serviços de fronteira que desempenhais na Península Arábica, no Médio Oriente, na África e no subcontinente indiano.

Outro elemento essencial do vosso propósito neste Capítulo, Frades Menores Conventuais, consistiu em realizar um discernimento sobre os regulamentos dos Capítulos gerais e provinciais, porque neles «se fala das realidades de Deus». Não é o nosso interesse pessoal que nos deve mover, mas sim o de Cristo; é o seu Espírito que devemos ouvir em primeiro lugar, para «escrever o futuro no presente» — como reza o lema do vosso Capítulo. Ouvi-lo na voz do irmão, no discernimento da comunidade, na atenção aos sinais dos tempos, nos apelos do Magistério. Amados filhos de São Francisco de Assis, no oitavo centenário da composição do Cântico das criaturas ou do irmão sol, exorto-vos a ser, cada um pessoalmente e em cada uma das vossas confrarias, uma recordação viva do primado do louvor de Deus na vida cristã. E não quero esquecer que vós, Conventuais, celebrais o aniversário da vossa renovada presença no Extremo Oriente.

Caríssimos, gostaria de concluir este encontro com os Louvores a Deus Altíssimo, o triságio escrito por São Francisco: «Tu és santo, Senhor, único Deus, que realizas maravilhas. Tu és forte, Tu és grande, Tu és altíssimo, Tu és rei todo-poderoso, Tu, Pai santo, rei do céu e da terra» (Fontes Franciscanas, 261).

Obrigado a todos vós e Deus vos abençoe!

Mensagem à 2ª Conferência anual de Roma sobre «AI, ethics and corporate governance»

20 de junho

Por ocasião desta segunda Conferência anual de Roma sobre a Inteligência artificial, transmito os meus bons votos orantes a todos os participantes. A vossa presença testemunha a urgência de uma reflexão profunda e de um debate constante sobre a dimensão inerentemente ética da inteligência artificial, mas também sobre a sua gestão responsável. A este propósito, regozijo-me que o segundo dia da Conferência tenha lugar no Palácio Apostólico, sinal claro do desejo da Igreja de participar nestes debates que dizem respeito diretamente ao presente e ao futuro da nossa família humana.

Além do seu extraordinário potencial em benefício da família humana, o rápido desenvolvimento da inteligência artificial apresenta também questões mais profundas sobre o uso adequado de tal tecnologia na geração de uma sociedade global mais autenticamente justa e humana. Neste sentido, embora seja sem dúvida um produto extraordinário do génio humano, a inteligência artificial é «em primeiro lugar um instrumento» (Papa Francisco, Discurso à sessão do G7 sobre a Inteligência artificial, 14 de junho de 2024). Por definição, os instrumentos remetem para a inteligência humana, que os produziu, e tiram grande parte da sua força ética das intenções das pessoas que as utilizam. Em certos casos, a inteligência artificial foi usada de modo positivo e até nobre, para promover maior igualdade, mas também existe a possibilidade de ser mal utilizada para lucros egoístas à custa dos outros ou, pior ainda, para fomentar conflitos e agressões.

Por sua vez, a Igreja deseja contribuir para um debate sereno e informado sobre estas questões urgentes, realçando sobretudo a necessidade de avaliar as ramificações da inteligência artificial à luz do «desenvolvimento integral da pessoa e da sociedade» (Nota Antiqua et nova, n. 6). Isto significa ter em conta o bem-estar da pessoa humana, não só do ponto de vista material, mas também intelectual e espiritual; significa salvaguardar a dignidade inviolável de cada pessoa humana e respeitar a riqueza e a diversidade cultural e espiritual dos povos do mundo. Em síntese, os benefícios e os riscos da inteligência artificial devem ser avaliados em conformidade com este critério ético superior.

Infelizmente, como frisou o saudoso Papa Francisco, as nossas sociedades de hoje vivem uma certa «perda ou, pelo menos, um eclipse do sentido do humano», o que por sua vez desafia todos nós a refletir mais profundamente acerca da verdadeira natureza e da unicidade da nossa dignidade humana comum (Discurso à sessão do G7 sobre a Inteligência artificial, 14 de junho de 2024). A inteligência artificial, especialmente a generativa, abriu novos horizontes a muitos níveis diferentes, entre os quais a melhoria da investigação no domínio da saúde e os progressos científicos, mas também apresenta questões preocupantes sobre as suas possíveis repercussões na abertura da humanidade à verdade e à beleza, sobre a nossa particular capacidade de compreender e elaborar a realidade. Reconhecer e respeitar o que distingue de modo único a pessoa humana é essencial para o debate sobre qualquer quadro ético adequado para a gestão da inteligência artificial.

Todos nós, estou certo disto, estamos preocupados com as crianças e os jovens e com as possíveis consequências da utilização da inteligência artificial no seu desenvolvimento intelectual e neurológico. Os nossos jovens devem ser ajudados, não impedidos no caminho para a maturidade e para a autêntica responsabilidade. São a nossa esperança para o futuro, e o bem-estar da sociedade depende da capacidade que lhes for dada de desenvolver os dons e os talentos que Deus lhes conferiu, e da sua resposta às exigências dos tempos e às necessidades dos outros com espírito livre e generoso. Nenhuma geração jamais teve acesso tão rápido à quantidade de informações atualmente disponível graças à inteligência artificial. Porém, mais uma vez, o acesso aos dados — por mais vastos que sejam — não deve ser confundido com a inteligência que, necessariamente, «implica a abertura da pessoa às interrogações últimas da vida e reflete uma orientação para a Verdade e o Bem» (Antiqua et nova, n. 29). Afinal, a verdadeira sabedoria tem mais a ver com o reconhecimento do sentido autêntico da vida, do que com a disponibilidade de dados.

Caros amigos, à luz disto faço votos a fim de que as vossas deliberações examinem também a inteligência artificial no contexto da necessária aprendizagem intergeracional, que permitirá que os jovens integrem a verdade na sua vida moral e espiritual, incidindo assim sobre as suas decisões maduras e abrindo o caminho para um mundo mais solidário e unido (cf. ibid., n. 28). A tarefa que tendes diante de vós não é simples, mas é de importância vital. Enquanto vos agradeço o compromisso, presente e futuro, invoco de coração sobre vós e sobre as vossas famílias as bênçãos divinas da sabedoria, da alegria e da paz.

Vaticano, 17 de junho de 2025.

LEÃO PP. XIV

Saudação aos alunos
da Pontifícia Academia Eclesiástica

20 de junho

É com prazer que hoje me encontro convosco e dirijo a cada um de vós as minhas cordiais saudações. Dou as boas-vindas ao vosso Presidente, Sua Excelência D. Salvatore Pennacchio, ao vosso Prefeito de Estudos, Mons. Gabriel Viola, e a vós, caríssimos Sacerdotes, que regressais da experiência do Ano Missionário, coroação da vossa formação na Pontifícia Academia Eclesiástica.

Na semana passada, encontrando-me com os vossos companheiros da Alma Mater dos Diplomatas pontifícios, tive a oportunidade de reiterar o valor desta intuição formativa, introduzida pelo meu venerável Predecessor. Exortei-os a ser e a permanecer «pastores com os pés no chão», a encarnar aquela figura do sacerdote ao serviço do Papa nas Representações pontifícias, bem delineada no Quirógrafo O ministério petrino, com o qual se quis dar um novo impulso à vossa plurissecular Instituição, já próxima da celebração do 325º aniversário de fundação.

Como afirmei por ocasião de alguns encontros no contexto do recente Jubileu da Santa Sé, a preservação daquela solicitude por todas as Igrejas — própria do ministério que me foi confiado — tem necessidade do serviço fiel e insubstituível da Secretaria de Estado e dos Representantes pontifícios, com os quais em breve começareis a colaborar.

Por isso, exorto-vos também a exercer o dom do vosso sacerdócio com humildade e mansidão, capacidade de escuta e proximidade, como discípulos fiéis e incansáveis de Cristo Bom Pastor. Quaisquer que sejam as tarefas que vos forem confiadas, seja qual for a parte do mundo em que vos encontrardes, o Papa deve poder contar com sacerdotes que, tanto na oração como no trabalho, não se poupem para levar a sua proximidade aos povos e às Igrejas com o seu testemunho.

Agradeço-vos mais uma vez a docilidade e a abnegação com que vos dedicastes ao longo do ano passado nos mais variados contextos, e abençoo de coração o início do vosso ministério no serviço diplomático da Santa Sé.

Discurso aos parlamentares
por ocasião do Jubileu dos governantes

21 de junho

Senhora Presidente do Conselho

Senhor Presidente da Câmara dos Deputados

da República italiana

Senhora Presidente e Senhor Secretário-geral

da União interparlamentar

Representantes de Instituições académicas

e Líderes religiosos!

Tenho o prazer de vos receber, por ocasião do encontro da União interparlamentar internacional, no Jubileu dos Governantes e Administradores. Saúdo os membros das Delegações de sessenta e oito países. Entre eles, uma menção especial aos Presidentes das respetivas Instituições parlamentares.

A ação política foi justamente definida por Pio XI como «a mais alta forma de caridade» (Discurso à Federação universitária católica italiana, 18 de dezembro de 1927). E, com efeito, se considerarmos o serviço que presta a favor da sociedade e do bem comum, ela revela-se verdadeiramente como uma obra daquele amor cristão que nunca é teoria, mas sempre sinal e testemunho concreto da ação de Deus em benefício dos homens (cf. FRANCISCO, Carta Encíclica Fratelli tutti, 176-192).

Por isso, esta manhã gostaria de partilhar convosco três aspetos que considero importantes no atual contexto cultural.

O primeiro diz respeito à tarefa que vos foi confiada de promover e tutelar, acima de qualquer interesse particular, o bem da comunidade, o bem comum, especialmente em defesa dos mais frágeis e marginalizados. Trata-se, por exemplo, de lutar para superar a inaceitável desproporção entre uma riqueza possuída por poucos e uma pobreza sem limites (cf. LEÃO XIII, Carta Encíclica Rerum novarum, 15 de maio de 1891, 1). Quem vive em condições extremas clama para que a sua voz seja ouvida e, muitas vezes, não encontra ouvidos dispostos a escutá-lo. Este desequilíbrio gera situações de injustiça permanente, que facilmente levam à violência e, mais cedo ou mais tarde, ao drama da guerra. Por outro lado, uma boa ação política, favorecendo a justa distribuição dos recursos, pode prestar um serviço eficaz à harmonia e à paz, tanto a nível social como no âmbito internacional.

A segunda reflexão diz respeito à liberdade religiosa e ao diálogo inter-religioso. Também neste campo, hoje cada vez mais atual, a ação política pode fazer muito, promovendo condições para uma efetiva liberdade religiosa e o desenvolvimento de um encontro respeitoso e construtivo entre as diferentes comunidades religiosas. A crença em Deus, com os valores positivos que dela derivam, é na vida dos indivíduos e das comunidades uma imensa fonte de bem e de verdade. A este propósito, Santo Agostinho falava de uma passagem do homem do amor sui — amor egoísta por si mesmo, fechado e destrutivo — ao amor Dei — amor gratuito, que tem a sua raiz em Deus e leva ao dom de si — como elemento fundamental na construção da civitas Dei, isto é, de uma sociedade em que a lei fundamental é a caridade (cf. De civitate Dei, XIV, 28).

Então, para ter um ponto de referência unitário na ação política, em vez de excluir a priori nos processos decisórios a consideração do transcendente, será útil procurar nele o que une todos. Para esta finalidade, uma referência imprescindível é a lei natural, não escrita pelas mãos do homem, mas reconhecida como válida universalmente e em todos os tempos, que encontra na própria natureza a sua forma mais plausível e convincente. Já na Antiguidade, Cícero era um seu intérprete autorizado, escrevendo no De re publica: «A lei natural é a reta razão, em conformidade com a natureza, universal, constante e eterna que, com os seus ordenamentos, convida ao dever, e com as suas proibições dissuade do mal [...]. Não é permitido fazer qualquer alteração a esta lei, nem subtrair qualquer parte dela, nem é possível aboli-la completamente; nem podemos, por meio do Senado ou do povo, libertar-nos dela, nem é necessário procurar o seu legislador ou intérprete. E não haverá uma lei em Roma, uma em Atenas, uma agora, outra depois; mas uma lei eterna e imutável governará todos os povos em todos os tempos» (Cícero, De re publica, III, 22).

A lei natural, universalmente válida, além e acima de outras convicções de cunho mais discutível, constitui a bússola pela qual se deve orientar a legislação e a ação, em particular no que diz respeito a questões éticas delicadas que hoje se apresentam de forma muito mais evidente do que no passado, tocando a esfera da intimidade pessoal.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada e proclamada pelas Nações Unidas a 10 de dezembro de 1948, já pertence à herança cultural da humanidade. Este texto, sempre atual, pode contribuir em grande medida para colocar a pessoa humana, na sua integridade inviolável, como fundamento da busca da verdade, para restituir a dignidade a quem não se sente respeitado no seu íntimo e nas exigências da sua consciência.

E chegamos à terceira consideração. O grau de civilização alcançado no nosso mundo, e os objetivos a que sois chamados a responder, encontram hoje um grande desafio na inteligência artificial. Trata-se de uma evolução que certamente será uma ajuda válida para a sociedade, na medida em que, no entanto, a sua utilização não leve a pôr em causa a identidade e a dignidade da pessoa humana e as suas liberdades fundamentais. Em particular, não se deve esquecer que a inteligência artificial tem a função de ser um instrumento para o bem do ser humano, não para o diminuir nem para definir a sua derrota. O que se perfila é, portanto, um notável desafio, que exige muita atenção e um olhar clarividente para o futuro, a fim de conceber, até no contexto de novos cenários, estilos de vida saudáveis, justos e seguros, especialmente em benefício das jovens gerações.

A vida pessoal vale muito mais do que um algoritmo, e as relações sociais requerem espaços humanos muito superiores aos esquemas limitados que qualquer máquina sem alma pode pré-embalar. Não esqueçamos que, embora seja capaz de armazenar milhões de dados e de oferecer respostas a tantas perguntas em poucos segundos, a inteligência artificial permanece dotada de uma “memória” estática, de modo algum comparável à do homem e da mulher que é, pelo contrário, criativa, dinâmica, generativa, capaz de unir passado, presente e futuro numa busca viva e fecunda de sentido, com todas as implicações éticas e existenciais que daí derivam (cf. FRANCISCO, Discurso à sessão do G7 sobre a Inteligência artificial, 14 de junho de 2024).

A política não pode ignorar uma provocação deste alcance. Pelo contrário, é chamada a responder a muitos cidadãos que, com razão, olham para os desafios desta nova cultura digital com confiança e, ao mesmo tempo, com preocupação.

Por ocasião do Jubileu do Ano 2000, São João Paulo II indicou aos políticos São Tomás More, como testemunha a ter em conta e intercessor sob cuja proteção se comprometer. Com efeito, Sir Thomas More foi um homem fiel às suas responsabilidades cívicas, um perfeito servidor do Estado precisamente em virtude da sua fé, que o levou a interpretar a política não como profissão, mas como missão para o crescimento da verdade e do bem. Ele «colocou a sua atividade pública ao serviço da pessoa, especialmente se frágil ou pobre; tratou as controvérsias sociais com um requintado sentido de justiça; salvaguardou a família, defendendo-a com um esforço árduo; promoveu a educação integral da juventude» (Carta apostólica sob forma de Motu proprio E Sancti Thomae Mori, 31 de outubro de 2000, 4). A coragem com que não hesitou em sacrificar a própria vida para não trair a verdade faz dele ainda hoje, para nós, um mártir da liberdade e do primado da consciência. Possa o seu exemplo ser também fonte de inspiração e organização para cada um de vós.

Ilustres Senhoras e Senhores, obrigado por esta visita. Formulo-vos os melhores votos para o vosso compromisso e invoco bênçãos celestiais sobre vós e os vossos entes queridos.

Obrigado a todos vós! Deus vos abençoe bem como o vosso trabalho. Obrigado!

Angelus da solenidade
de Corpus Christi

22 de junho

Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!

Celebra-se hoje, em muitos países, a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, o Corpus Christi, e o Evangelho narra o milagre dos pães e dos peixes (cf. Lc 9, 11-17).

Para alimentar milhares de pessoas vindas para o ouvir e pedir curas, Jesus convida os Apóstolos a apresentarem-lhe o pouco que têm, abençoa os pães e os peixes e ordena que os distribuam a todos. O resultado é surpreendente: não só cada um recebe comida em quantidade suficiente, como sobra em abundância (cf. Lc 9, 17).

O milagre, mais que um prodígio, é um “sinal” e recorda-nos que os dons de Deus, mesmo aqueles pequeninos, quanto mais partilhados são, mais crescem.

Porém, ao lermos tudo isto no dia do Corpus Christi, refletimos sobre uma realidade ainda mais profunda. Com efeito, sabemos que na raiz de toda a partilha humana há uma outra maior e anterior a ela: a de Deus para connosco. Ele, o Criador, que nos deu a vida, para nos salvar pediu a uma das suas criaturas para ser sua mãe e dar-lhe um corpo frágil, limitado e mortal, como o nosso, confiando-se a Ela como uma criança. Partilhou assim, até às últimas consequências, a nossa pobreza e, para nos resgatar, escolheu servir-se do muito pouco que lhe podíamos oferecer (cf. NICOLAU CABASILAS, A vida em Cristo, IV, 3).

Pensemos como é bom, quando oferecemos um presente — porventura pequeno, proporcional às nossas possibilidades — ver que ele é apreciado por quem o recebe; como ficamos felizes quando sentimos que, apesar da sua simplicidade, aquele presente nos une ainda mais àqueles que amamos. Pois bem, na Eucaristia, entre nós e Deus, acontece exatamente isto: o Senhor acolhe, santifica e abençoa o pão e o vinho que colocamos sobre o Altar, juntamente com a oferta da nossa vida, e transforma-os no Corpo e Sangue de Cristo, Sacrifício de amor para a salvação do mundo. Deus une-se a nós acolhendo com alegria o que levamos e convida a unirmo-nos a Ele, recebendo e partilhando com igual alegria o seu dom de amor. Desta forma — diz Santo Agostinho — como dos «grãos de trigo, unidos entre si, [...] se forma um só pão, assim, na concórdia da caridade, se forma um único corpo de Cristo» (Sermão 229/A, 2)

Caríssimos, nesta tarde faremos a Procissão Eucarística. Juntos celebraremos a Santa Missa e, depois, colocar-nos-emos a caminho, levando o Santíssimo Sacramento pelas ruas da nossa cidade. Cantaremos, rezaremos e, por fim, reunir-nos-emos diante da Basílica de Santa Maria Maior para implorar a Bênção do Senhor sobre as nossas casas, sobre as nossas famílias e sobre toda a humanidade. Que esta Celebração seja um sinal luminoso do nosso compromisso de sermos todos os dias, a partir do Altar e do Sacrário, portadores de comunhão e de paz uns para os outros, na partilha e na caridade.

Apelo

Queridos irmãos e irmãs!

São alarmantes as notícias que têm chegado do Médio Oriente, sobretudo do Irão. Diante de tal cenário dramático, que compreende Israel e a Palestina, corre-se o risco de deixar cair no esquecimento o sofrimento diário da população, especialmente em Gaza e noutros territórios, onde a urgência de um adequado apoio humanitário é cada vez mais premente.

Hoje, mais do que nunca, a humanidade grita e implora paz. É um grito que reclama responsabilidade e sensatez, e que não deve ser abafado pelo fragor das armas e pelas palavras retóricas que incitam ao conflito. Cada membro da comunidade internacional tem uma responsabilidade moral: travar a tragédia da guerra antes que ela se transforme num abismo irreparável. Quando está em causa a dignidade humana, não há conflitos “distantes”.

A guerra não resolve os problemas, antes amplifica-os e produz na história dos povos feridas profundas, que para sarar levam gerações. Nenhuma vitória armada poderá compensar a dor das mães nem o medo das crianças nem o futuro roubado.

Que a diplomacia faça silenciar as armas! E que as Nações desenhem o seu futuro não com violência e conflitos sangrentos, mas com obras de paz!

Saúdo todos vós, romanos e peregrinos! Tenho a alegria de saudar os Parlamentares e os Autarcas aqui presentes por ocasião do Jubileu dos Governantes e Administradores.

Desejo a todos um feliz domingo e abençoo os que hoje participam ativamente na festa do Corpus Christi, nomeadamente com os cânticos, a música, os tapetes de flores, o artesanato e, sobretudo, a oração e a procissão. A todos, obrigado e bom domingo!

Homilia da missa
do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo
antes da procissão e da bênção eucarística

22 de junho

Queridos irmãos e irmãs

é bom estar com Jesus!

Confirma-o o Evangelho que acabou de ser proclamado o confirma, contando que as multidões ficavam horas e horas com Ele, que falava do Reino de Deus e curava os doentes (cf. Lc 9, 11). A compaixão de Jesus pelos sofredores manifesta a amorosa proximidade de Deus, que vem ao mundo para nos salvar. Quando Deus reina, o homem é liberto de todo o mal. No entanto, a hora da prova chega também para aqueles que recebem de Jesus a boa nova. Naquele lugar deserto, onde as multidões ouviram o Mestre, cai a noite e não há nada para comer (cf. v. 12). A fome do povo e o pôr do sol são sinais de um limite que paira sobre o mundo e sobre cada criatura: o dia termina, assim como a vida dos homens. É nesta hora, no tempo da indigência e das sombras, que Jesus permanece entre nós.

Justamente quando o Sol se põe e a fome aumenta, enquanto os próprios apóstolos pedem para despedir a multidão, Cristo surpreende-nos com a sua misericórdia. Ele tem compaixão do povo faminto e convida os seus discípulos a cuidar dele: a fome não é uma necessidade alheia ao anúncio do Reino e ao testemunho da salvação. Pelo contrário, esta fome diz respeito à nossa relação com Deus. Cinco pães e dois peixes, no entanto, não parecem suficientes para alimentar o povo: aparentemente razoáveis, os cálculos dos discípulos evidenciam, em vez disso, a sua falta de fé. Porque, na realidade, com Jesus há tudo o que é necessário para dar força e sentido à nossa vida.

Perante o brado da fome, Ele responde com o sinal da partilha: levanta os olhos, pronuncia a bênção, parte o pão e de comer a todos os presentes (cf. v. 16). Os gestos do Senhor não inauguram um complexo ritual mágico, mas testemunham com simplicidade a gratidão para com o Pai, a oração filial de Cristo e a comunhão fraterna que o Espírito Santo sustenta. Para multiplicar os pães e os peixes, Jesus divide os poucos que há, e assim mesmo são suficientes para todos, e ainda sobram. Depois de terem comido — e terem comido até ficarem saciados — recolheram doze cestos (cf. v. 17).

Esta é a lógica que salva o povo faminto: Jesus age segundo o estilo de Deus, ensinando a fazer o mesmo. Hoje, no lugar das multidões recordadas no Evangelho estão povos inteiros, humilhados pela ganância alheia mais ainda do que pela própria fome. Diante da miséria de muitos, a acumulação de poucos é sinal de uma soberba indiferente, que produz dor e injustiça. Em vez de partilhar, a opulência desperdiça os frutos da terra e do trabalho do homem. Especialmente neste ano jubilar, o exemplo do Senhor continua a ser para nós um critério urgente de ação e serviço: partilhar o pão, para multiplicar a esperança, proclama o advento do Reino de Deus.

Ao salvar as multidões da fome, Jesus anuncia que salvará todos da morte. Este é o mistério da fé, que celebramos no sacramento da Eucaristia. Assim como a fome é sinal da nossa radical indigência de vida, assim também partir o pão é sinal do dom divino de salvação.

Caríssimos, Cristo é a resposta de Deus à fome do homem, porque o seu corpo é o pão da vida eterna: tomai todos e comei! O convite de Jesus abrange a nossa experiência quotidiana: para viver, precisamos nos alimentar da vida, tirando-a das plantas e dos animais. No entanto, comer algo morto lembra-nos que, por mais que comamos, também nós morreremos. Porém, quando nos alimentamos de Jesus, pão vivo e verdadeiro, vivemos por Ele. Oferecendo-se totalmente, o Crucificado Ressuscitado entrega-se a nós, que assim descobrimos que fomos feitos para nos alimentarmos de Deus. A nossa natureza faminta traz o sinal de uma indigência que é saciada pela graça da Eucaristia. Como escreve Santo Agostinho, Cristo é verdadeiramente «panis qui reficit, et non deficit; panis qui sumi potest, consumi non potest» (Sermo 130, 2): um pão que alimenta e não falta; um pão que se pode comer, mas não se esgota. Com efeito, a Eucaristia é a presença verdadeira, real e substancial do Salvador (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1413), que transforma o pão em si mesmo, para nos transformar n’Ele. O Corpus Domini, vivo e vivificante, torna-nos a nós, isto é, a própria Igreja, corpo do Senhor.

Portanto, segundo as palavras do apóstolo Paulo (cf. 1 Cor 10, 17), o Concílio Vaticano II ensina que «pelo sacramento do pão eucarístico, ao mesmo tempo é representada e se realiza a unidade dos fiéis, que constituem um só corpo em Cristo. Todos os homens são chamados a esta união com Cristo, luz do mundo, do qual vimos, por quem vivemos, e para o qual caminhamos» (Const. dogm. Lumen gentium, 3). A procissão, que em breve começaremos, é sinal deste caminho. Juntos, pastores e rebanho, alimentamo-nos do Santíssimo Sacramento, adoramo-lo e levamo-lo pelas ruas. Ao fazê-lo, apresentamo-lo ao olhar, à consciência e ao coração das pessoas: ao coração de quem acredita, para que acredite mais firmemente; ao coração de quem não acredita, para que se interrogue sobre a fome que temos na alma e sobre o pão que a pode saciar.

Restaurados pelo alimento que Deus nos dá, levemos Jesus ao coração de todos, porque Jesus a todos envolve na obra da salvação, convidando cada um a participar da sua mesa. Felizes os convidados, que se tornam testemunhas deste amor!

Meditação por ocasião
do Jubileu dos seminaristas

24 de junho

Obrigado, obrigado a todos!

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!

Eminências, Excelências, formadores

e especialmente todos vós seminaristas, bom dia a todos!

Estou muito feliz por me encontrar convosco e agradeço a todos, seminaristas e formadores, pela vossa calorosa presença. Obrigado, em primeiro lugar, pela vossa alegria e por este vosso entusiasmo. Obrigado, pois com a vossa energia alimentais a chama da esperança na vida da Igreja!

Hoje não sois apenas peregrinos, mas também testemunhas de esperança: dais testemunho dela a mim e a todos, porque vos deixastes envolver na fascinante aventura da vocação sacerdotal, num tempo que não é fácil. Aceitastes a chamada a tornar-vos anunciadores mansos e fortes da Palavra que salva, servidores de uma Igreja aberta, de uma Igreja em saída missionária.

E digo uma palavra também em espanhol: obrigado por terdes aceitado com coragem o convite do Senhor para o seguir, para serdes discípulos, para entrardes no seminário. Deveis ser corajosos, não tenhais medo.

A Cristo que vos chama dizeis “sim”, com humildade e coragem; e este vosso “eis-me”, que lhe dirigis, germina no seio da vida da Igreja, acompanhado pelo necessário caminho de discernimento e formação.

Como bem sabeis, Jesus chama-vos sobretudo a viver uma experiência de amizade com Ele e com os companheiros de caminho (cf. Mc 3, 13); uma experiência destinada a crescer de modo permanente também depois da Ordenação, envolvendo todos os aspetos da vida. Com efeito, não há nada em vós que deve ser descartado, mas tudo deverá ser assumido e transfigurado na lógica do grão de trigo, para vos tornardes pessoas e sacerdotes felizes, “pontes”, não obstáculos ao encontro com Cristo para todos aqueles que se aproximam de vós. Sim, Ele deve crescer e nós devemos diminuir, para podermos ser pastores segundo o seu Coração.1

A propósito do Coração de Jesus Cristo, como não deixar de recordar a Encíclica Dilexit nos, que nos foi confiada pelo amado Papa Francisco?2 Precisamente neste tempo que viveis, ou seja, o tempo da formação e do discernimento, é importante prestar atenção ao centro, ao “motor” de todo o vosso caminho: o coração! Seja qual for o modo de o conceber, o seminário deveria ser uma escola de afetos. Hoje, em particular, num contexto social e cultural marcado pelo conflito e pelo narcisismo, temos necessidade de aprender a amar, e a fazê-lo como Jesus.3

Assim como Cristo amou com coração de homem,4 também vós sois chamados a amar com o Coração de Cristo! Amar com o Coração de Jesus! Mas, para aprender esta arte, é preciso trabalhar a interioridade, onde Deus faz ouvir a sua voz e onde nascem as decisões mais profundas; mas que é também lugar de tensões e lutas (cf. Mc 7, 14-23), a converter a fim de que toda a vossa humanidade tenha o perfume de Evangelho. Portanto, o primeiro trabalho deve ser feito na interioridade. Lembrai-vos bem do convite de Santo Agostinho a voltar ao coração, pois é nele que se encontram os vestígios de Deus. Às vezes, descer ao coração pode assustar-nos, dado que nele existem também feridas. Não tenhais medo de cuidar dele, deixai que vos ajudem, pois é precisamente dessas feridas que nascerá a capacidade de estar próximo de quem sofre. Sem a vida interior, nem sequer a vida espiritual é possível, porque Deus nos fala precisamente ali, no coração. Deus fala-nos no coração, devemos saber ouvi-lo.

O exercício para aprender a reconhecer os movimentos do coração também faz parte desta labuta interior: não só as emoções rápidas e imediatas que caraterizam a alma dos jovens, mas sobretudo os vossos sentimentos, que vos ajudam a descobrir o rumo da vossa vida. Se aprenderdes a conhecer o vosso coração, sereis cada vez mais autênticos e não tereis necessidade de usar máscaras. E o caminho privilegiado que nos conduz à interioridade é a oração: numa época em que estamos hiperconectados, é cada vez mais difícil fazer a experiência do silêncio e da solidão. Sem o encontro com Ele, nem sequer conseguimos conhecer-nos verdadeiramente a nós próprios.

Convido-vos a invocar frequentemente o Espírito Santo, para que Ele plasme em vós um coração dócil, capaz de captar a presença de Deus, também ouvindo as vozes da natureza e da arte, da poesia, da literatura,5 da música e das ciências humanas.6 No compromisso rigoroso no estudo teológico, sabei ouvir também com mente e coração abertos as vozes da cultura, como os recentes desafios da inteligência artificial e das redes sociais.7 Acima de tudo, como Jesus, sabei escutar o grito muitas vezes silencioso dos pequeninos, dos pobres, dos oprimidos e de tantos, especialmente jovens, que procuram um sentido para a própria vida.

Se cuidardes do vosso coração, com momentos diários de silêncio, meditação e oração, conseguireis aprender a arte do discernimento. Também este é um trabalho importante: aprender a discernir. Quando somos jovens, trazemos dentro de nós muitos desejos, tantos sonhos e ambições. O coração está muitas vezes cheio e podemos sentir-nos confusos. No entanto, seguindo o modelo da Virgem Maria, a nossa interioridade deve tornar-se capaz de preservar e meditar. Capaz de synballein — como escreve o evangelista Lucas (2, 19.51): unir os fragmentos.8 Cuidado com a superficialidade, uni os fragmentos da vida na oração e na meditação, perguntando-vos: o que me ensina a vida? O que diz ao meu caminho? Para onde me conduz o Senhor?

Caríssimos, tende um coração manso e humilde, como o de Jesus (cf. Mt 11, 29). A exemplo do apóstolo Paulo (cf. Fl 2, 5ss.), assumi os sentimentos de Cristo, para progredir na maturidade humana, sobretudo afetiva e relacional. É importante, aliás necessário, desde o tempo do Seminário, apostar muito no amadurecimento humano, rejeitando qualquer máscara e hipocrisia. Mantendo o olhar fixo em Jesus, é preciso aprender a dar nome e voz inclusive à tristeza, ao medo, à angústia, à indignação, colocando tudo na relação com Deus. As crises, os limites e as fragilidades não devem ser ocultados; aliás, são ocasiões de graça e de experiência pascal.

Num mundo onde muitas vezes há ingratidão e sede de poder, onde às vezes parece prevalecer a lógica do descarte, sois chamados a dar testemunho da gratidão e da gratuidade de Cristo, da exultação e da alegria, da ternura e da misericórdia do seu Coração. A praticar o estilo do acolhimento e da proximidade, do serviço generoso e abnegado, deixando que o Espírito Santo “unja” a vossa humanidade ainda antes da ordenação.

O Coração de Cristo é animado por uma imensa compaixão: é o bom Samaritano da humanidade e diz-nos: «Vai e faz também tu o mesmo» (Lc 10, 37). Esta compaixão impele-o a partir para as multidões o pão da Palavra e da partilha (cf. Mc 6, 30-44), deixando vislumbrar o gesto do Cenáculo e da Cruz, quando se teria oferecido a si mesmo como alimento, dizendo-nos: «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Mc 6, 37), ou seja, fazei da vossa vida um dom de amor.

Caros Seminaristas, a sabedoria da Mãe Igreja, assistida pelo Espírito Santo, no decurso do tempo procura sempre os caminhos mais adequados para a formação dos ministros ordenados, segundo as exigências dos lugares. Qual é a vossa tarefa neste compromisso? É a de nunca vos rebaixardes, de não vos contentardes, de não serdes meros recetores passivos, mas de vos apaixonardes pela vida sacerdotal, vivendo o presente e olhando para o futuro com coração profético. Espero que este nosso encontro ajude cada um de vós a aprofundar o diálogo pessoal com o Senhor, pedindo-lhe que assimile cada vez mais os sentimentos de Cristo, os sentimentos do seu Coração. Aquele Coração que palpita de amor por vós e por toda a humanidade!

Bom caminho! Acompanho-vos com a minha bênção.

Amados seminaristas!

Sinto-me feliz por poder acompanhar-vos esta manhã, por ocasião do vosso Jubileu, com os sacerdotes que vos seguem no caminho de formação. Vindes de várias Igrejas do mundo e tendes experiências de vida muito diferentes, mas no Senhor todos formamos um único corpo. Com efeito, há uma só esperança, à qual fostes chamados, a da vossa vocação (cf. Ef 4, 4). Hoje, diante do túmulo do apóstolo Pedro e comigo, seu Sucessor, renovais solenemente a fé do vosso Batismo. Este Credo seja a raiz da qual germina o “eis-me”, que direis com alegria no dia da vossa ordenação sacerdotal. Deus, que começou a sua obra em vós, a leve a bom fim!

[recitação do Credo em latim]

Oremos. Pai, que neste Ano jubilar abris à vossa Igreja o caminho da salvação, acolhei as nossas boas intenções e realizai o nosso desejo de converter a nossa vida a vós, a fim de nos tornarmos autênticas testemunhas do Evangelho. Com a graça do Espírito Santo, guiai os nossos passos para a esperança bem-aventurada de encontrar o vosso rosto na Jerusalém celeste, onde o vosso Reino alcançará o cumprimento pleno e perfeito, e tudo se realizará em Cristo, vosso Filho. Ele vive e reina convosco e com o Espírito Santo para sempre!

[bênção]

Muitas felicitações a todos vós e feliz peregrinação de esperança!

1 Cf. São João Paulo II, Exort. apost Pastores dabo vobis (25 de março de 1992), 43.

2 Enc. Dilexit nos, sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus Cristo (24 de outubro de 2024).

3 Cf. ibid., 17.

4 Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 22.

5 Cf. Francisco, Carta sobre o papel da literatura na formação, 17 de julho de 2024.

6 Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 62.

7 Congr. para o Clero, Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis, O dom da vocação presbiteral (8 de dezembro de 2016), 97.

8 Cf. Francisco, Enc. Dilexit nos, sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus Cristo (24 de outubro de 2024), 19.

Audiência geral de quarta-feira

25 de junho

Prezados irmãos e irmãs!

Também hoje meditamos sobre as curas de Jesus como sinal de esperança. N’Ele há uma força que inclusive nós podemos experimentar quando entramos em relação com a sua Pessoa.

Uma doença muito difundida no nosso tempo é o cansaço de viver: a realidade parece-nos demasiado complexa, pesada, difícil de enfrentar. Então, abatemo-nos, adormecemos na ilusão de que quando acordarmos as coisas serão diferentes. Mas a realidade deve ser enfrentada e, com Jesus, podemos fazê-lo bem. Às vezes, sentimo-nos bloqueados pelo julgamento de quem pretende atribuir rótulos aos outros.

Parece-me que estas situações podem encontrar correspondência numa passagem do Evangelho de Marcos, onde se entrelaçam duas histórias: a de uma menina de doze anos, doente na cama e prestes a morrer; e a de uma mulher, que sangra há exatamente doze anos e procura Jesus para poder ser curada (cf. Mc 5, 21-43).

Entre estas duas figuras femininas, o Evangelista coloca a figura do pai da menina: ele não permanece em casa a queixar-se devido à doença da filha, mas sai e pede ajuda. Embora seja o chefe da sinagoga, não faz reivindicações em virtude da sua posição social. Quando é preciso esperar, não perde a paciência e aguarda. E quando lhe vêm dizer que a filha está morta, que é inútil incomodar o Mestre, ele continua a ter fé e a esperar.

A conversa deste pai com Jesus é interrompida pela mulher hemorroíssa, que consegue aproximar-se de Jesus e tocar no seu manto (v. 27). Com grande coragem, esta mulher tomou a decisão que muda a sua vida: todos continuavam a dizer-lhe que se mantivesse à distância, que não se mostrasse. Tinham-na condenado a permanecer escondida e isolada. Às vezes, também nós podemos ser vítimas do julgamento dos outros, que pretendem vestir-nos com uma roupa que não é nossa. E então sentimo-nos mal e não conseguimos superar a situação.

Aquela mulher toma o caminho da salvação quando nela germina a fé de que Jesus pode curá-la: então encontra a força para sair e ir à sua procura. Quer, pelo menos, tocar na sua veste.

Havia uma grande multidão ao redor de Jesus, e por isso muitas pessoas tocam n’Ele, mas nada lhes acontece. Pelo contrário, quando esta mulher toca em Jesus, fica curada. Onde está a diferença? Comentando este ponto do texto, Santo Agostinho diz, em nome de Jesus: «A multidão aglomera-se à minha volta, mas a fé toca-me» (Sermão 243, 2, 2). É assim: cada vez que praticamos um ato de fé destinado a Jesus, estabelece-se um contacto com Ele e imediatamente brota d’Ele a sua graça. Às vezes não nos damos conta, mas de modo secreto e real a graça chega até nós e, dentro, transforma lentamente a vida.

Talvez ainda hoje muitas pessoas se aproximem de Jesus de maneira superficial, sem acreditar verdadeiramente no seu poder. Pisamos a superfície das nossas igrejas, mas talvez o coração esteja noutro lugar! Esta mulher, silenciosa e anónima, derrota os seus receios, tocando o coração de Jesus com as suas mãos consideradas impuras por causa da doença. Eis que, imediatamente, se sente curada. Jesus diz-lhe: «Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz!» (Mc 5, 34).

Entretanto, levam ao pai a notícia de que a sua filha morreu. Jesus diz-lhe: «Não temas, tem fé» (v. 36). Depois vai a casa e, vendo que todos choram e gritam, diz: «A menina não morreu, mas dorme» (v. 39). Então, entra no quarto onde a menina estava deitada, pega na sua mão e diz: «Talita kum», “Menina, levanta-te!”. A menina levanta-se e põe-se a caminhar (cf. vv. 41-42). Este gesto de Jesus mostra-nos que Ele não só cura de todas as doenças, mas também desperta da morte. Para Deus, que é Vida eterna, a morte do corpo é como o sono. A verdadeira morte é a da alma: devemos ter medo dela!

Um último detalhe: depois de ter ressuscitado a menina, Jesus diz aos pais que lhe deem de comer (cf. v. 43). Eis outro sinal muito concreto da proximidade de Jesus à nossa humanidade. Mas podemos entendê-lo também em sentido mais profundo, perguntando-nos: quando os nossos filhos estão em crise e precisam de alimento espiritual, sabemos dá-lo? E como o podemos fazer, se nós próprios não nos nutrimos do Evangelho?

Estimados irmãos e irmãs, na vida há momentos de desilusão e desânimo, e há também a experiência da morte. Aprendamos com aquela mulher, com aquele pai: vamos ao encontro de Jesus: Ele pode curar-nos, pode fazer-nos renascer. Jesus é a nossa esperança!

Apelo

No domingo passado, um vil ataque terrorista foi perpetrado contra a comunidade greco-ortodoxa na igreja de Mar Elias, em Damasco. Confiemos as vítimas à misericórdia de Deus e elevemos as nossas orações pelos feridos e pelos seus familiares. Aos cristãos do Médio Oriente digo: estou próximo de vós! Toda a Igreja está próxima de vós!

Este trágico acontecimento recorda a profunda fragilidade que ainda marca a Síria após anos de conflito e instabilidade. Por isso, é fundamental que a comunidade internacional não desvie o olhar deste país, mas continue a oferecer-lhe apoio através de gestos de solidariedade e com um renovado compromisso a favor da paz e da reconciliação.

Continuamos a acompanhar com atenção e esperança a evolução da situação no Irão, em Israel e na Palestina. As palavras do profeta Isaías ressoam com mais urgência do que nunca: «Uma nação não levantará a espada contra outra nação, e não se adestrarão mais para a guerra» (2, 4). Que esta voz, que vem do Altíssimo, seja ouvida! Que sejam curadas as feridas causadas pelas ações sangrentas dos últimos dias. Rejeite-se toda a lógica da arrogância e da vingança e seja escolhida com determinação a via do diálogo, da diplomacia e da paz.

Discurso por ocasião
do Jubileu dos bispos

25 de junho

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!

Queridos Irmãos, bom dia e bem-vindos!

Aprecio e admiro o vosso empenho em vir como peregrinos a Roma, consciente do quão prementes são as exigências do ministério. Mas cada um de vós, como eu, antes de ser Pastor, é uma ovelha do rebanho do Senhor! Por isso, também nós, ou melhor, nós em primeiro lugar, somos convidados a atravessar a Porta Santa, símbolo de Cristo Salvador. Para guiar a Igreja confiada aos nossos cuidados, devemos deixar-nos renovar profundamente por Ele, o Bom Pastor, para nos conformarmos plenamente ao seu coração e ao seu mistério de amor.

Spes non confundit, «a esperança não engana» (Rm 5, 5). Quantas vezes o Papa Francisco repetiu estas palavras de São Paulo! Tornaram-se um lema seu, tanto que as escolheu como incipit da Bula de proclamação deste Ano jubilar.

Nós, bispos, somos os primeiros herdeiros desta entrega profética, e devemos guardá-la e transmiti-la ao Povo de Deus, pela palavra e pelo testemunho. Por vezes, proclamar que a esperança não engana significa ir contracorrente, mesmo contra a evidência de situações dolorosas que parecem não ter saída. Mas é precisamente nesses momentos que se pode manifestar melhor como a nossa fé e a nossa esperança não vêm de nós, mas de Deus. Então, se estivermos verdadeiramente próximos, solidários com aqueles que sofrem, o Espírito Santo pode reavivar nos corações a chama, mesmo quando esteja quase apagada (cf. Bula Spes non confundit, 3).

Caríssimos, o Pastor é testemunha de esperança com o exemplo de uma vida firmemente ancorada em Deus e totalmente entregue ao serviço da Igreja. E isto acontece na medida em que ele é identificado com Cristo na sua vida pessoal e no seu ministério apostólico: então o Espírito do Senhor modela o seu modo de pensar, os seus sentimentos, o seu comportamento. Detenhamo-nos juntos em alguns traços que caraterizam este testemunho.

Primeiramente, o Bispo é o princípio visível de unidade na Igreja particular que lhe foi confiada. É seu dever zelar pela sua construção na comunhão entre todos os seus membros e com a Igreja universal, valorizando o contributo dos vários dons e ministérios para o crescimento comum e a difusão do Evangelho. Neste serviço, como em toda a sua missão, o Bispo pode contar com a especial graça divina que lhe foi conferida na ordenação episcopal: ela sustenta-o como mestre da fé, como santificador e guia espiritual; anima a sua dedicação pelo Reino de Deus, pela salvação eterna das pessoas, pela transformação da história com a força do Evangelho.

Partindo de novo de Cristo como forma de vida do Pastor, eu definiria assim o segundo traço que gostaria de considerar: o Bispo como homem de vida teologal. O que equivale a dizer: um homem plenamente dócil à ação do Espírito Santo, que suscita nele a fé, a esperança e a caridade e as alimenta, como chama de fogo, nas diversas situações existenciais.

O Bispo é um homem de fé. E aqui vem-me à mente aquela página maravilhosa da Carta aos Hebreus (cf. cap. 11), onde o autor, a partir de Abel, faz uma longa lista de “testemunhas” da fé; e penso em particular em Moisés, que, chamado por Deus a conduzir o povo à terra prometida, «manteve-se firme — diz o texto — como se visse o Invisível» (Hb 11, 27). Como é lindo este retrato do homem de fé, isto é, aquele que, pela graça de Deus, vê mais além, vê a meta e se mantém firme na provação. Pensemos nos momentos em que Moisés intercede pelo povo diante de Deus. Portanto, o Bispo é o intercessor na sua Igreja, porque o Espírito mantém viva a chama da fé no seu coração.

Nesta mesma perspetiva, o Bispo é um homem de esperança, porque «a fé é garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se veem» (Hb 11, 1). Sobretudo quando o caminho do povo se torna mais penoso, o Pastor, pela virtude teologal, ajuda-o a não desesperar: não apenas com palavras, mas com a sua proximidade. Quando as famílias carregam fardos excessivos e as instituições públicas não as apoiam adequadamente; quando os jovens se sentem desiludidos e nauseados por mensagens ilusórias; quando os idosos e os deficientes graves se sentem abandonados, o Bispo está próximo e oferece não receitas, mas a experiência de comunidades que procuram viver o Evangelho na simplicidade e na partilha.

E assim a sua fé e a sua esperança fundem-se nele como homem de caridade pastoral. Toda a vida do bispo, todo o seu ministério, tão diversificado e multiforme, encontra a sua unidade nisto que Santo Agostinho chama amoris officium. É aqui que a sua existência teologal se exprime e se realiza no mais alto grau. Na pregação, na visita às comunidades, na escuta dos presbíteros e dos diáconos, nas escolhas administrativas, tudo é animado e motivado pela caridade de Jesus Cristo Pastor. Com a sua graça, que recebe todos os dias na Eucaristia e na oração, o Bispo dá um exemplo de amor fraterno ao seu coadjutor ou auxiliar, ao Bispo emérito e aos Bispos das dioceses vizinhas, aos seus colaboradores mais próximos e aos sacerdotes em dificuldade ou doentes. O seu coração é aberto e acolhedor, assim como a sua casa.

Queridos irmãos, este é o núcleo teológico da vida do Pastor. À volta dele, e sempre animado pelo mesmo Espírito, colocaria outras virtudes indispensáveis: a prudência pastoral, a pobreza, a continência perfeita no celibato e as virtudes humanas.

A prudência pastoral é a sabedoria prática que guia o Bispo nas suas escolhas, nas ações de governo, nas relações com os fiéis e as suas associações. Um sinal claro de prudência é o exercício do diálogo como estilo e método nas relações e também na presidência dos organismos de participação, ou seja, na gestão da sinodalidade na Igreja particular. Neste campo, o Papa Francisco fez-nos dar um grande passo em frente ao insistir, com sabedoria pedagógica, na sinodalidade como dimensão da vida da Igreja. A prudência pastoral permite também ao Bispo orientar a comunidade diocesana, quer valorizando as suas tradições, quer promovendo novos caminhos e iniciativas.

Para dar testemunho do Senhor Jesus, o Pastor vive a pobreza evangélica. Tem um estilo simples, sóbrio, generoso, digno e ao mesmo tempo adequado às condições da maioria do seu povo. Os pobres devem encontrar nele um pai e um irmão, não devem sentir-se desconfortáveis ao encontrá-lo ou ao entrar em sua casa. Ele é pessoalmente desapegado das riquezas e não cede a favoritismos com base nelas ou noutras formas de poder. O Bispo não deve esquecer que, como Jesus, foi ungido com o Espírito Santo e enviado «para anunciar a Boa Nova aos pobres» (Lc 4, 18).

Juntamente com a pobreza concreta, o bispo vive também aquela forma de pobreza que é o celibato e a virgindade por causa do Reino dos Céus (cf. Mt 19, 12). Não se trata apenas de ser celibatário, mas de praticar a castidade de coração e de conduta, vivendo assim o seguimento de Cristo e oferecendo a todos a verdadeira imagem da Igreja, santa e casta nos seus membros como na sua cabeça. Deve ser firme e decidido no tratamento das situações que possam dar origem a escândalos e de todo o tipo de abuso, especialmente contra menores, respeitando as disposições em vigor.

Por fim, o Pastor é chamado a cultivar aquelas virtudes humanas, que os padres conciliares quiseram mencionar também no Decreto Presbyterorum ordinis (n. 3) e que, com maior razão, são uma grande ajuda ao Bispo no seu ministério e nas suas relações. Podemos mencionar a lealdade, a sinceridade, a magnanimidade, a abertura da mente e do coração, a capacidade de se alegrar com os que se alegram e de sofrer com os que sofrem; e também o domínio de si, a delicadeza, a paciência, a discrição, a grande inclinação para a escuta e o diálogo e a disponibilidade para o serviço. Também estas virtudes, das quais cada um de nós é mais ou menos dotado por natureza, podemos e devemos cultivá-las em conformidade com Jesus Cristo, com a graça do Espírito Santo.

Caríssimos, a intercessão da Virgem Maria e dos Santos Pedro e Paulo obtenha para vós e para as vossas comunidades as graças de que mais necessitais. Em particular, vos ajude a ser homens de comunhão, a promover sempre a unidade no presbitério diocesano, e que cada presbítero, sem excluir ninguém, experimente a paternidade, a fraternidade e a amizade do Bispo. Este espírito de comunhão encoraja os presbíteros no seu empenho pastoral e faz crescer a Igreja particular na unidade.

Agradeço-vos a lembrança na oração! Também eu rezo por vós e abençoo-vos de todo o coração!

Discurso a bispos
redentoristas e scalabrinianos

26 de junho

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!

Eminências, Excelências

Reverendos Superiores

Estimados Irmãos, bem-vindos!

Sinto-me feliz por este encontro, e acho bonita a ocasião que o gera: a escolha de duas Congregações religiosas para se encontrar e confrontar com aqueles Irmãos cujo Ministério episcopal representou uma dádiva para a Igreja. Trata-se de um intercâmbio que certamente enriquece os Bispos presentes, as vossas Comunidades e todo o Povo de Deus, como ensina o Concílio Vaticano II (cf. Constituição dogmática Lumen gentium, 7; Congregação para os religiosos e os Institutos seculares — Congregação para os bispos, Critérios orientadores sobre as relações entre os Bispos e os Religiosos na Igreja, 2).

A Igreja está grata aos vossos Institutos aos quais pediu, através da nomeação de Bispos entre os seus membros, um sacrifício não indiferente em tempos de escassez de religiosos, pois privar-se de irmãos de hábito comprometidos no serviço das várias obras acarreta não poucos problemas. Talvez o Superior-geral me diga algo... Ao mesmo tempo, porém, ofereceu às vossas Congregações um dom deveras grande, porque o serviço à Igreja universal é para qualquer Família religiosa a mais bela graça e alegria, como certamente confirmariam os vossos Fundadores!

Em particular vós, religiosos scalabrinianos e redentoristas, escolhidos e consagrados para o serviço do Episcopado e também do Cardinalato, trazeis no vosso ministério a herança de dois carismas importantes, especialmente nos nossos dias: o serviço aos migrantes e a evangelização dos pobres e dos distantes.

Entrando em contacto com a miséria dos bairros mais abandonados da Nápoles do século XVIII, Santo Afonso Maria de Ligório renunciou a uma vida abastada e a uma carreira bem remunerada, abraçando a missão de levar o Evangelho aos últimos.

Um século mais tarde, São João Batista Scalabrini soube sentir e fazer suas as esperanças e os sofrimentos de tantas pessoas que partiam, deixando tudo para trás, a fim de procurar em países distantes um futuro melhor para si e para as suas famílias.

Ambos foram Fundadores, tornaram-se Bispos e souberam enfrentar os desafios de sistemas sociais e económicos que, se por um lado abriam novas fronteiras a vários níveis, por outro deixavam atrás de si muita miséria ignorada e tantos problemas, criando bolsas de degradação que ninguém parecia querer debelar.

Nós, num momento histórico que apresenta também grandes oportunidades e, ao mesmo tempo, não deixa de ter dificuldades e contradições, celebrando o Jubileu da esperança, queremos recordar que, tanto hoje como ontem, a voz a ouvir para compreender o que fazer é a do «amor de Deus [...] derramado no nosso coração através do Espírito Santo que nos foi concedido» (Rm 5, 5).

Também no nosso mundo, a obra do Senhor precede-nos sempre: somos chamados a conformar com ela a nossa mente e o nosso coração, mediante um discernimento sábio; e estou convencido de que o diálogo que promovestes será muito útil para esta finalidade. Portanto, encorajo-vos a manter e cultivar inclusive no futuro estas relações de ajuda fraterna, com generosidade e abnegação, para o bem de todo o Rebanho de Cristo. Agradeço-vos o grande trabalho que levais a cabo e abençoo-vos de coração, com todas as vossas comunidades. Obrigado!

[Oração: Pater Noster]

[Bênção]

Discurso aos participantes na Assembleia plenária da ROACO

26 de junho

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!

Reverendíssimas Eminência e Excelências

Amados sacerdotes, irmãos e irmãs!

A paz esteja convosco! Dou-vos as boas-vindas, feliz por me encontrar convosco no final da vossa Assembleia plenária. Saúdo Sua Eminência o Cardeal Gugerotti, os demais Superiores do Dicastério, os Oficiais e todos vós, membros das Agências da ROACO.

«Deus ama quem dá com alegria» (2 Cor 9, 7). Sei que, para vós, sustentar as Igrejas Orientais não é em primeiro lugar um trabalho, mas uma missão exercida em nome do Evangelho que, como a própria palavra indica, é anúncio de alegria, que rejubila sobretudo o coração de Deus, que nunca se deixa vencer em generosidade. Obrigado porque, com os vossos benfeitores, semeais a esperança nas terras do Oriente cristão, nunca como agora devastadas pelas guerras, esvaziadas de interesses, envoltas num manto de ódio que torna o ar irrespirável e tóxico. Vós sois a bomba de oxigénio das Igrejas orientais, extenuadas pelos conflitos. Para muitas populações, pobres de meios mas ricas de fé, sois uma luz que resplandece nas trevas do ódio. Peço-vos, com o coração na mão, que façais sempre tudo o que for possível para ajudar estas Igrejas, tão preciosas e provadas.

A história das Igrejas católicas orientais foi muitas vezes marcada pela violência sofrida; infelizmente, não faltaram abusos e incompreensões, até no seio da própria comunidade católica, incapaz de reconhecer e apreciar o valor de tradições diferentes da ocidental. Mas hoje a violência bélica parece abater-se nos territórios do Oriente cristão com uma veemência diabólica jamais vista. A vossa sessão anual também foi penalizada, com a ausência física de quantos deveriam ter vindo da Terra Santa mas não puderam empreender a viagem. O meu coração sangra, pensando na Ucrânia, na situação trágica e desumana de Gaza, no Médio Oriente, devastado pelo alastramento da guerra. Todos nós, humanidade, somos chamados a avaliar as causas destes conflitos, a averiguar as verdadeiras e a procurar superá-las, e a rejeitar as espúrias, fruto de simulações emocionais e retóricas, desmascarando-as com determinação. As pessoas não podem morrer por causa de fake news.

É verdadeiramente triste ver hoje, em muitos contextos, a imposição da lei do mais forte, com base na qual se legitimam os próprios interesses. É desanimador ver que a força do direito internacional e do direito humanitário já não parece obrigar, substituída pelo presumível direito de obrigar os outros com a força. Isto é indigno do homem, é vergonhoso para a humanidade e para os responsáveis das nações. Como se pode acreditar, após séculos de história, que as ações bélicas trazem a paz, sem se voltar contra aqueles que as travaram? Como se pode pensar em lançar as bases do amanhã sem coesão, sem uma visão de conjunto animada pelo bem comum? Como se pode continuar a trair os desejos de paz dos povos com as falsas propagandas do rearmamento, na vã ilusão de que a supremacia resolve os problemas em vez de alimentar o ódio e a vingança? As pessoas estão cada vez menos inconscientes da quantia de dinheiro que vai para os bolsos dos mercadores de morte e com a qual se poderiam construir hospitais e escolas; e, pelo contrário, destroem-se os já construídos!

E pergunto-me: como cristãos, além de nos indignarmos, levantarmos a voz e arregaçarmos as mangas para ser construtores de paz e promover o diálogo, o que podemos fazer? Penso que, em primeiro lugar, é realmente necessário rezar. Compete a nós fazer de cada notícia e imagem trágica que nos atinge um clamor de intercessão a Deus. E depois ajudar, como vós e muitos fazem, e podem fazer, através de vós. E ainda, digo-o pensando sobretudo no Oriente cristão: há o testemunho. É o apelo a permanecer fiel a Jesus, sem se deixar enredar nos tentáculos do poder. É imitar Cristo, que venceu o mal amando a partir da cruz, mostrando um modo de reinar diferente de Herodes e Pilatos: um, com medo de ser deposto, tinha assassinado crianças, que hoje continuam a ser despedaçadas com bombas; o outro lavou as mãos, como também nós corremos o risco de fazer todos os dias no limiar do irreparável. Olhemos para Jesus, que nos chama a curar as feridas da história só com a mansidão da sua cruz gloriosa, da qual emanam o poder do perdão, a esperança de recomeçar, o dever de permanecer honesto e transparente no mar da corrupção. Sigamos Cristo, que libertou o coração do ódio, e demos o exemplo para sair das lógicas da divisão e da retaliação. Gostaria de agradecer e abraçar idealmente todos os cristãos do Oriente que respondem ao mal com o bem: obrigado, irmãos e irmãs, pelo testemunho que dais, sobretudo quando permaneceis nas vossas terras como discípulos e testemunhas de Cristo.

Caros amigos da ROACO, no vosso trabalho, além das muitas misérias causadas pela guerra e pelo terrorismo — penso no recente e terrível atentado contra a igreja de Santo Elias em Damasco — vedes também germinar rebentos do Evangelho no deserto. Descobris o povo de Deus que persevera, dirigindo o olhar para o Céu, rezando a Deus e amando o próximo. Tocais com a mão a graça e a beleza das tradições orientais, de liturgias que permitem que Deus habite o tempo e o espaço, de hinos seculares imbuídos de louvor, glória e mistério, que elevam um incessante pedido de perdão para a humanidade. Encontrais figuras que, muitas vezes na clandestinidade, se unem às grandes plêiades de mártires e santos do Oriente cristão. Na noite dos conflitos, sois testemunhas da luz do Oriente.

Gostaria que esta luz de sabedoria e salvação fosse mais conhecida na Igreja católica, onde ainda subsiste muita ignorância a tal respeito e onde, em certos lugares, a fé corre o risco de ser asfixiada, também porque não se realizou o feliz desejo expresso tantas vezes por São João Paulo II, que há 40 anos disse: «A Igreja deve aprender de novo a respirar com os seus dois pulmões, o oriental e o ocidental» (Discurso ao sagrado Colégio dos cardeais, 28 de junho de 1985). No entanto, o Oriente cristão só pode ser preservado se for amado; e só é amado se for conhecido. Neste sentido, é necessário pôr em prática os claros convites do Magistério a conhecer os seus tesouros, por exemplo começando a organizar cursos de base sobre as Igrejas Orientais nos Seminários, nas Faculdades de Teologia e nos centros universitários católicos (cf. São João Paulo II, Orientale lumen, 24; Congregação para a educação católica, Carta circ. En égard au développement, 9-14). E há também necessidade de encontro e partilha da ação pastoral, dado que hoje os católicos orientais já não são primos distantes que celebram ritos desconhecidos, mas irmãos e irmãs que, devido a migrações forçadas, vivem ao nosso lado. O seu sentido do sagrado, a sua fé cristalina que se tornou granítica pelas provações e a sua espiritualidade que tem o perfume do mistério divino podem beneficiar a sede de Deus latente, mas presente no Ocidente.

Confiemos este crescimento comum na fé à intercessão da Santíssima Mãe de Deus e dos Apóstolos Pedro e Paulo, que uniram Oriente e Ocidente. Abençoo-vos e encorajo-vos a perseverar na caridade, animados pela esperança de Cristo. Obrigado!

Discurso no Dia internacional
da luta contra a droga

26 de junho

Comecemos com o Sinal da Cruz: em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo. A paz esteja convosco!

Sede todos bem-vindos e espero que o sol não esteja muito forte... Mas Deus é grande e acompanhar-nos-á. Obrigado pela vossa presença!

Queridos irmãos e irmãs

bom dia e bem-vindos!

Agradeço àqueles que tornaram possível este encontro, que de muitas formas nos conduz ao coração do Jubileu, um ano de graça em que a todos é reconhecida a dignidade, demasiadas vezes diminuída ou negada. Esperança é para vós uma palavra rica de história: não é um slogan, mas a luz reencontrada através de um grande trabalho. Desejo repetir-vos, então, aquela saudação que muda o coração: a paz esteja com todos vós! Na noite de Páscoa, Jesus saudou assim os discípulos fechados no cenáculo. Tinham-no abandonado, pensavam que o tinham perdido para sempre, estavam amedrontados e desiludidos, alguns já se tinham ido embora. Porém é Jesus quem os reencontra, quem vem novamente procurá-los. Entra com as portas fechadas no lugar onde estão, como se estivessem sepultados vivos. Traz a paz, recria-os com o perdão, sopra sobre eles: isto é, infunde o Espírito Santo, que é o respiro de Deus em nós. Quando falta o ar, quando falta o horizonte, a nossa dignidade murcha. Não esqueçamos que Jesus ressuscitado ainda vem e traz o seu respiro! Fá-lo muitas vezes através das pessoas que vão para além das nossas portas fechadas e que, apesar de tudo o que pode ter acontecido, veem a dignidade que esquecemos ou que nos foi negada.

Caríssimos, a vossa presença aqui é um testemunho de liberdade. Lembro que quando o Papa Francisco entrava numa prisão, incluindo na última Quinta-feira Santa, fazia-se sempre aquela pergunta: «Porquê eles e não eu?». A droga e as dependências são uma prisão invisível que vós, de formas diferentes, conhecestes e combatestes, mas todos somos chamados à liberdade. Ao encontrar-vos, penso no abismo do meu coração e de cada coração humano. É um salmo, ou seja a Bíblia, que chama de “abismo” o mistério que nos habita (cf. Sl 63, 7). Santo Agostinho confessou que somente em Cristo a inquietação do seu coração encontrou paz. Nós buscamos a paz e a alegria, delas estamos sedentos. E muitos enganos podem dececionar-nos e até aprisionar-nos nessa procura.

Porém, olhemos ao nosso redor. E leiamos nos rostos uns dos outros uma palavra que nunca trai: juntos. O mal vence-se juntos. A alegria encontra-se juntos. A injustiça combate-se juntos. O Deus que criou e conhece cada um — e é mais íntimo a mim do que eu mesmo — fez-nos para estar juntos. Claro, também existem laços que magoam e grupos humanos onde falta a liberdade. Mas também estes só podem ser vencidos juntos, confiando em quem não lucra com a nossa pele, em quem podemos encontrar e que nos encontra com atenção desinteressada.

O dia de hoje, irmãos e irmãs, compromete-nos numa luta que não pode ser abandonada enquanto, ao nosso redor, alguém ainda estiver aprisionado nas diferentes formas de dependência. O nosso combate é contra quem faz das drogas e de qualquer outra dependência — pensemos no álcool e no jogo de azar — um seu imenso business. Existem enormes concentrações de interesse e organizações criminosas ramificadas que os Estados têm o dever de desmantelar. É mais fácil combater as suas vítimas. Com muita frequência, em nome da segurança, faz-se e continua-se a fazer a guerra aos pobres, enchendo as prisões com aqueles que são apenas o último elo de uma cadeia de morte. Quem segura essa cadeia nas mãos, pelo contrário, consegue ter influência e impunidade. As nossas cidades não devem ser libertadas dos marginalizados, mas da marginalização; não devem ser limpas dos desesperados, mas do desespero. «Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os que são diferentes, fazendo desta integração um novo fator de progresso! Como são encantadoras as cidades que, já no seu projeto arquitetónico, estão cheias de espaços que unem, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro!» (Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 210).

O Jubileu indica-nos a cultura do encontro como caminho para a segurança, pede-nos a restituição e a redistribuição das riquezas injustamente acumuladas como caminho para a reconciliação pessoal e civil. «Assim na terra como no céu»: a cidade de Deus exige profecia na cidade dos homens. E isto — sabemos — pode levar também hoje ao martírio. A luta contra o narcotráfico, o empenho educativo entre os pobres, a defesa das comunidades indígenas e dos migrantes, a fidelidade à doutrina social da Igreja são, em muitos lugares, considerados atos subversivos.

Queridos jovens, vós não sois espetadores da renovação de que a nossa Terra tanto precisa: sois protagonistas. Deus faz grandes coisas com aqueles que liberta do mal. Outro salmo, muito querido pelos primeiros cristãos, diz: «A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular» (Sl 117, 22). Jesus foi rejeitado e crucificado fora das portas da sua cidade. Sobre ele, pedra angular sobre a qual Deus reconstrói o mundo, também vós sois pedras de grande valor no edifício de uma nova humanidade. Jesus que foi rejeitado convida todos vós e se vos sentistes descartados e acabados, agora já não o sois. Os erros, os sofrimentos, mas sobretudo o desejo de vida que carregais, fazem de vós testemunhas de que mudar é possível.

A Igreja precisa de vós. A humanidade precisa de vós. A educação e a política precisam de vós. Juntos, sobre cada dependência que degrada, faremos prevalecer a dignidade infinita impressa em cada um. Essa dignidade, infelizmente, às vezes só brilha quando está quase totalmente perdida. Então ocorre um sobressalto, e torna-se claro que levantar-se é questão de vida ou de morte. Ora, hoje, toda a sociedade precisa desse sobressalto, precisa do vosso testemunho e do grande trabalho que fazeis. Todos temos, de facto, a vocação de sermos mais livres e de sermos mais humanos, a vocação para a paz. Esta é a vocação mais divina. Caminhemos em frente juntos, então, multiplicando os lugares de cura, de encontro e de educação: percursos pastorais e políticas sociais que comecem nas ruas e que nunca considerem ninguém como perdido. E rezai também vós, para que o meu ministério seja ao serviço da esperança das pessoas e dos povos, a serviço de todos.

Confio-vos à guia materna de Maria Santíssima. E de coração, abençoo-vos. Obrigado!

[Benção]

Muito obrigado a todos vós! Coragem sempre e em frente!

Discurso aos participantes no Encontro internacional “Sacerdotes felizes”

26 de junho

Comecemos com o Sinal da Cruz, pois estamos todos aqui porque Cristo, morto e ressuscitado, nos deu a vida e nos chamou a servir. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!

Queridos irmãos no sacerdócio

queridos hermanos, dear brother priests

Queridos formadores, seminaristas

promotores vocacionais, amigos no Senhor!

É uma grande alegria para mim estar hoje aqui convosco. No coração do Ano Santo, queremos testemunhar juntos que é possível ser sacerdotes felizes, porque Cristo nos chamou. Cristo fez de nós seus amigos (cf. Jo 15, 15): é uma graça que queremos acolher com gratidão e responsabilidade.

Agradeço ao Cardeal Lázaro e a todos os colaboradores do Dicastério para o Clero pelo seu serviço generoso e competente: um trabalho imenso e precioso, muitas vezes realizado no silêncio e na discrição, que produz frutos de comunhão, formação e renovação.

Com este momento de intercâmbio fraterno — intercâmbio internacional — podemos valorizar o património de experiências já amadurecidas, favorecendo a criatividade, a corresponsabilidade e a comunhão na Igreja, para que aquilo que é semeado com dedicação e generosidade em tantas comunidades se torne luz e estímulo para todos.

As palavras de Jesus «Chamei-vos amigos» (Jo 15, 15) não são apenas uma declaração afetuosa aos discípulos, mas uma verdadeira e própria chave de leitura do ministério sacerdotal. Com efeito, o sacerdote é um amigo do Senhor, chamado a viver uma relação pessoal e confidencial com Ele, alimentada pela Palavra, pela celebração dos Sacramentos e pela oração quotidiana. Esta amizade com Cristo é o fundamento espiritual do ministério ordenado, o sentido do nosso celibato e a energia do serviço eclesial ao qual dedicamos a vida. Ela sustenta-nos nos momentos de provação e permite-nos renovar a cada dia o “sim” pronunciado no início da nossa vocação.

Em particular, caríssimos amigos, desta palavra-chave gostaria de tirar três implicações para a formação ao ministério sacerdotal.

Primeiramente, a formação é um caminho de relação. Tornar-se amigos de Cristo significa formar-se na relação, não apenas nas competências. A formação sacerdotal, portanto, não pode reduzir-se à aquisição de noções, mas é um caminho de familiaridade com o Senhor que envolve toda a pessoa, coração, inteligência, liberdade, e a configura à imagem do Bom Pastor. Só quem vive em amizade com Cristo e está impregnado do seu Espírito pode anunciar com autenticidade, consolar com compaixão e guiar com sabedoria. Isto exige uma escuta profunda, uma meditação e uma vida interior rica e ordenada.

Em segundo lugar, a fraternidade é um estilo essencial da vida presbiteral. Tornarmo-nos amigos de Cristo implica viver como irmãos entre sacerdotes e entre bispos, e não como concorrentes ou individualistas. A formação deve, portanto, ajudar a construir laços sólidos no presbitério, como expressão de uma Igreja sinodal, na qual crescemos juntos partilhando as fadigas e as alegrias do ministério. Com efeito, como poderíamos nós, ministros, ser construtores de comunidades vivas, se entre nós não houvesse antes de tudo uma fraternidade efetiva e sincera?

Além disso, formar sacerdotes amigos de Cristo significa formar homens capazes de amar, escutar, rezar e servir juntos. É por isso que se deve ter todo o cuidado na preparação dos formadores, porque a eficácia da ação deles depende, principalmente, do seu exemplo de vida e da comunhão recíproca. A própria instituição dos seminários recorda-nos que a formação dos futuros ministros ordenados não pode ser feita de forma isolada, mas requer o envolvimento de todos os amigos e amigas do Senhor que vivem como discípulos missionários ao serviço do Povo de Deus.

A este respeito, gostaria também de dizer uma palavra sobre as vocações. Apesar dos sinais de crise na vida e na missão dos presbíteros, Deus continua a chamar e permanece fiel às suas promessas. É preciso que haja espaços adequados para escutar a sua voz. Por isso são importantes os ambientes e as formas de pastoral juvenil impregnadas de Evangelho, onde as vocações ao dom total de si possam manifestar-se e amadurecer. Tende a coragem de propostas fortes e libertadoras! Olhando para os jovens que, neste nosso tempo, dizem o seu generoso “Eis-me aqui” ao Senhor, todos nós sentimos a necessidade de renovar o nosso “sim”, de redescobrir a beleza de ser discípulos missionários no seguimento de Cristo, o Bom Pastor.

Caríssimos, celebramos este encontro na véspera da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus: é desta “sarça ardente” que se origina a nossa vocação; é por meio desta fonte de graça que queremos deixar-nos transformar.

A Encíclica Dilexit nos do Papa Francisco, se é um dom precioso para toda a Igreja, é-o especialmente para nós, sacerdotes. Ela desafia-nos fortemente: pede-nos que conservemos simultaneamente a mística e o compromisso social, a contemplação e a ação, o silêncio e o anúncio. O nosso tempo interpela-nos: muitos parecem ter-se afastado da fé, mas no íntimo de muitas pessoas, especialmente dos jovens, há uma sede de infinito e salvação. Muitos experimentam como que uma ausência de Deus, mas cada ser humano é feito para Ele e o projeto do Pai é fazer de Cristo o coração do mundo.

É por isso que queremos redescobrir juntos o impulso missionário. Uma missão que propõe com coragem e amor o Evangelho de Jesus. Através da nossa ação pastoral, é o próprio Senhor que cuida do seu rebanho, reúne quem está disperso, inclina-se sobre quem está ferido, apoia quem está desanimado. Imitando o exemplo do Mestre, cresçamos na fé e tornemo-nos assim testemunhas críveis da vocação que recebemos. Quando alguém crê, isso vê-se: a felicidade do ministro reflete o seu encontro com Cristo, sustentando-o na missão e no serviço.

Queridos irmãos no sacerdócio, obrigado a todos os que viestes de longe! Obrigado a cada um de vós pela dedicação quotidiana, sobretudo nos lugares de formação, nas periferias existenciais e nos lugares difíceis, por vezes perigosos. Ao recordar os sacerdotes que deram a vida, mesmo até ao derramamento de sangue, renovemos hoje a nossa disponibilidade para viver sem reservas um apostolado de compaixão e alegria.

Obrigado pelo que sois! Pois recordais a todos que é belo ser sacerdote e que cada chamamento do Senhor é, principalmente, um chamamento à sua alegria. Não somos perfeitos, mas somos amigos de Cristo, irmãos uns dos outros e filhos da sua terna Mãe Maria, e isto basta-nos.

Voltemo-nos para o Senhor Jesus, para o seu Coração misericordioso que arde de amor por cada pessoa. Peçamos-lhe a graça de ser discípulos missionários e pastores segundo a sua vontade: procurando os que se perderam, servindo os pobres, guiando humildemente aqueles que nos estão confiados. Que o seu Coração inspire os nossos projetos, transforme os nossos corações e nos renove na missão. Abençoo-vos com afeto e rezo por todos vós.

[Um sacerdote pergunta ao Santo Padre se o pode abraçar]

Se é um por todos! Porque depois os outros também querem! Estais de acordo? [os padres respondem: Sim!] Um por todos! Então, um por todos!

[em espanhol] Levante a mão quem veio da América Latina!

[em inglês] Quantos vêm da África?... E da Ásia?... E da Europa?... E dos Estados Unidos?

[Chega até o Santo Padre o sacerdote que havia feito o pedido, apresenta-se e abraça o Santo Padre].

Em representação de todos os presentes neste momento.

[em espanhol] Para concluir, propomos um momento de oração.

[em italiano] Um momento muito breve, mas tal como disse antes no discurso: como é importante! Quero sublinhar a importância da vida espiritual do sacerdote. Muitas vezes, quando precisamos de ajuda, procurai um bom “acompanhante”, um diretor espiritual, um bom confessor. Ninguém aqui está sozinho. E mesmo se estás a trabalhar na missão mais longínqua, nunca estás sozinho! Procurai viver aquilo a que o Papa Francisco tantas vezes chamou “proximidade”: proximidade com o Senhor, proximidade com o vosso Bispo, ou Superior religioso, e proximidade também entre vós, porque deveis ser verdadeiramente amigos, irmãos; viver esta bela experiência de caminhar juntos, sabendo que somos chamados a ser discípulos do Senhor. Temos uma grande missão e podemos fazê-la todos juntos. Contemos sempre com a graça de Deus, a proximidade também da minha parte, e juntos poderemos ser verdadeiramente esta voz no mundo. Obrigado!

Rezemos então juntos: Pai nosso...

E a Maria, nossa Mãe, digamos: Ave Maria...

[Bênção]

Felicidades a todos vós! Deus vos abençoe sempre!

Homilia da missa para a ordenação de 32 presbíteros no Jubileu dos sacerdotes

27 de junho

Hoje, Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, Dia mundial de oração pela santificação sacerdotal, celebramos com alegria esta Eucaristia no Jubileu dos Sacerdotes.

Dirijo-me, portanto, em primeiro lugar a todos vós, queridos irmãos sacerdotes, que viestes ao túmulo do apóstolo Pedro para atravessar a Porta Santa e para mergulhar de novo as vossas vestes batismais e sacerdotais no Coração do Salvador. Para alguns dos presentes, este gesto realiza-se num dia único da sua vida: o da Ordenação.

Falar do Coração de Cristo neste contexto é falar de todo o mistério da encarnação, morte e ressurreição do Senhor, confiado a nós de modo especial para que o tornemos presente no mundo. Por isso, à luz das leituras que escutámos, meditemos juntos sobre o modo como podemos contribuir para esta obra de salvação.

Na primeira, o profeta Ezequiel fala-nos de Deus como um pastor que passa pelo meio do seu rebanho, contando as suas ovelhas uma a uma: vai à procura das perdidas, cura as feridas, ampara as fracas e doentes (cf. Ez 34, 11-16). Assim nos recorda, num tempo de grandes e terríveis conflitos, que o amor do Senhor, pelo qual somos chamados a deixar-nos abraçar e plasmar, é universal e que, aos seus olhos — e consequentemente também aos nossos — não há lugar para divisões e ódios de qualquer género.

Depois, na segunda leitura (cf. Rm 5, 5-11), recordando-nos que Deus nos reconciliou «quando ainda éramos fracos» (v. 6) e «pecadores» (v. 8), São Paulo convida a abandonar-nos à ação transformadora do Espírito que habita em nós, num caminho quotidiano de conversão. A nossa esperança baseia-se na certeza de que o Senhor não nos abandona, mas acompanha-nos sempre. Somos chamados, porém, a colaborar com Ele, primeiramente colocando a Eucaristia no centro da nossa existência, «fonte e centro de toda a vida cristã» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 11); depois, «pela frutuosa recepção dos sacramentos, especialmente pela frequente recepção do sacramento da penitência» (Id, Decr. Presbiterorum ordinis, 18); e, finalmente, através da oração, da meditação da Palavra e do exercício da caridade, conformando cada vez mais o nosso coração com o do «Pai das misericórdias» (ibid.).

E isto leva-nos ao Evangelho que ouvimos (cf. Lc 15, 3-7), que fala da alegria de Deus — e de todo o pastor que ama segundo o seu Coração — pelo regresso ao redil de uma só das suas ovelhas. É um convite a viver a caridade pastoral com a mesma magnanimidade do Pai, cultivando em nós o Seu desejo: que ninguém se perca (cf. Jo 6, 39), mas que todos, também através de nós, cheguem ao conhecimento de Cristo e n’Ele tenham a vida eterna (cf. Jo 6, 40). É um convite a tornar-nos intimamente unidos a Jesus (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. Presbiterorum Ordinis, 14), semente de concórdia no meio dos irmãos, carregando sobre os nossos ombros quem se perdeu, perdoando quem errou, indo à procura de quem se afastou ou ficou excluído, cuidando de quem sofre no corpo e no espírito, numa grande troca de amor que, brotando do lado trespassado do Crucificado, envolve todos os homens e preenche o mundo. O Papa Francisco escreveu a este propósito: «Da ferida do lado de Cristo continua a correr aquele rio que nunca se esgota, que não passa, que se oferece sempre de novo a quem quer amar. Só o seu amor tornará possível uma nova humanidade» (Carta Enc. Dilexit nos, 219).

O ministério sacerdotal é um ministério de santificação e de reconciliação para a unidade do Corpo de Cristo (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 7). Por isso, o Concílio Vaticano II pede aos presbíteros que se esforcem por «levar todos à unidade [...] com caridade» (Id, Decr. Presbiterorum Ordinis, 9), harmonizando as diferenças para «que ninguém se sinta estranho» (ibid.). E recomenda-lhes a união com o bispo e no presbitério (cf. ibid., 7-8). Com efeito, quanto mais houver unidade entre nós, tanto mais saberemos também conduzir os outros ao redil do Bom Pastor, para viver como irmãos na única casa do Pai.

Santo Agostinho, a este respeito, num sermão proferido por ocasião do aniversário da sua ordenação, falou de um feliz fruto de comunhão que une os fiéis, os presbíteros e os bispos, e que tem a sua raiz no sentirmo-nos todos redimidos e salvos pela mesma graça e misericórdia. Foi precisamente neste contexto que pronunciou a célebre frase: «Para vós sou bispo, convosco sou cristão» (Sermão 340, 1).

Na Missa solene do início do meu pontificado, expressei diante do Povo de Deus um grande desejo: «Uma Igreja unida, sinal de unidade e comunhão, que se torne fermento para um mundo reconciliado» (Homilia, 18 de maio de 2025). Volto, hoje, a partilhá-lo com todos vós: reconciliados, unidos e transformados pelo amor que jorra copiosamente do Coração de Cristo, caminhemos juntos nas suas pegadas, humildes e decididos, firmes na fé e abertos a todos na caridade, levemos ao mundo a paz do Ressuscitado, com aquela liberdade que nasce da consciência de nos sabermos amados, escolhidos e enviados pelo Pai.

E agora, antes de terminar, dirijo-me a vós, queridos Ordinandos, que em breve, pela imposição das mãos do Bispo e com uma renovada efusão do Espírito Santo, vos tornareis sacerdotes. Digo-vos algumas coisas simples, mas que considero importantes para o vosso futuro e o das almas que vos serão confiadas. Amai a Deus e aos vossos irmãos, sede generosos, fervorosos na celebração dos Sacramentos, na oração, especialmente na Adoração, e no ministério; sede próximos do vosso rebanho, doai o vosso tempo e as vossas energias por todos, sem vos poupardes, sem fazer distinções, como nos ensinam o lado trespassado do Crucificado e o exemplo dos santos. E, a este propósito, lembrai-vos que a Igreja, na sua história milenar, teve — e as tem ainda hoje — figuras maravilhosas de santidade sacerdotal: a partir das comunidades das origens, ela gerou e conheceu, entre os seus sacerdotes, mártires, apóstolos incansáveis, missionários e campeões da caridade. Fazei desta riqueza um tesouro: interessai-vos pelas suas histórias, estudai as suas vidas e as suas obras, imitai as suas virtudes, deixai-vos inflamar pelo seu zelo, invocai a sua intercessão muitas vezes, com insistência! O nosso mundo frequentemente propõe modelos de sucesso e de prestígio duvidosos e inconsistentes. Não vos deixeis fascinar por eles! Em vez disso, olhai para o exemplo sólido e os frutos do apostolado, muitas vezes escondido e humilde, daqueles que na sua vida serviram ao Senhor e aos irmãos com fé e dedicação, e continuai a sua memória com a vossa fidelidade.

Por fim, confiemo-nos todos à proteção materna da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe dos sacerdotes e Mãe da esperança: que Ela acompanhe e sustente os nossos passos, para que cada dia configuremos mais o nosso coração com o de Cristo, supremo e eterno Pastor.

Mensagem por ocasião do Dia mundial da santificação sacerdotal

27 de junho

Queridos irmãos no sacerdócio!

Neste Dia mundial de oração pela santificação dos sacerdotes, que se celebra na Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, dirijo-me a cada um de vós com sentimentos de gratidão e de grande confiança.

O Coração de Cristo, trespassado por amor, é a carne viva e vivificante que acolhe cada um de nós, transformando-nos à imagem do Bom Pastor. É ali que se compreende a verdadeira identidade do nosso ministério: ardentes da misericórdia de Deus, somos testemunhas alegres do seu amor que cura, acompanha e redime.

Por isso, a festa de hoje renova nos nossos corações o chamamento ao dom total de nós mesmos no serviço do povo santo de Deus. Esta missão começa com a oração e continua na união com o Senhor, que continuamente reaviva em nós o seu dom: a santa vocação ao sacerdócio.

Fazer memória desta graça, como afirma Santo Agostinho, significa entrar num «santuário amplo e sem limites» (Confissões, X, 8.15), que não se limita a conservar algo do passado, mas torna sempre novo e atual o que aí está guardado. Só fazendo memória é que vivemos e fazemos reviver o que o Senhor nos entregou, pedindo-nos que, por nossa vez, o transmitíssemos em seu nome. A memória unifica o nosso coração no Coração de Cristo e a nossa vida na vida de Cristo, para que nos tornemos capazes de levar a Palavra e os Sacramentos da salvação ao povo santo de Deus, a fim de termos um mundo reconciliado no amor. Só no Coração de Jesus encontramos a nossa verdadeira humanidade de filhos de Deus e de irmãos entre nós. Por estas razões, gostaria de vos dirigir hoje um convite urgente: sede construtores de unidade e de paz!

Num mundo marcado por crescentes tensões, mesmo no seio das famílias e das comunidades eclesiais, o sacerdote é chamado a promover a reconciliação e a gerar comunhão. Ser construtores de unidade e de paz significa ser pastores capazes de discernimento, hábeis na arte de compor os fragmentos de vida que nos são confiados, para ajudar as pessoas a encontrar a luz do Evangelho no meio das tribulações da existência; significa ser leitores sábios da realidade, indo para além das emoções do momento, dos medos e das modas; significa oferecer propostas pastorais que geram e regeneram a fé, construindo boas relações, laços de solidariedade, comunidades onde brilha o estilo da fraternidade. Ser construtores de unidade e de paz não significa impor-se, mas servir. Em particular, a fraternidade sacerdotal torna-se um sinal crível da presença do Senhor Ressuscitado entre nós quando caracteriza o caminho comum dos nossos presbitérios.

Convido-vos, por isso, a renovar hoje, diante do Coração de Cristo, o vosso “sim” a Deus e ao seu povo santo. Deixai-vos plasmar pela graça, acalentai o fogo do Espírito recebido na Ordenação, para que, unidos a Ele, sejais sacramento do amor de Jesus no mundo. Não tenhais medo da vossa fragilidade: o Senhor não procura sacerdotes perfeitos, mas corações humildes, abertos à conversão e prontos a amar como Ele mesmo nos amou.

Queridos irmãos sacerdotes, o Papa Francisco propôs-nos de novo a devoção ao Sagrado Coração como espaço de encontro pessoal com o Senhor (cf. Enc. Dilexit nos, 103), ou seja, como lugar onde podemos levar e resolver os nossos conflitos interiores e os que dilaceram o mundo contemporâneo, pois «n’Ele tornamo-nos capazes de nos relacionarmos uns com os outros de forma saudável e feliz, e de construir neste mundo o Reino de amor e de justiça. O nosso coração unido ao de Cristo é capaz deste milagre social» (ibid., 28).

Ao longo deste Ano Santo, que nos convida a ser peregrinos de esperança, o nosso ministério será tanto mais fecundo quanto mais enraizado estiver na oração, no perdão, na proximidade aos pobres, às famílias e aos jovens em busca da verdade. Não esqueçais: um sacerdote santo faz florescer, à sua volta, a santidade.

Confio-vos a Maria, Rainha dos Apóstolos e Mãe dos Sacerdotes, e a todos abençoo de coração.

Vaticano, 27 de junho de 2025.

LEÃO PP. XIV

Discurso à delegação
do Patriarcado ecuménico

28 de junho

Eminência

Estimados Irmãos em Cristo!

É com particular alegria que vos dou as boas-vindas, pela primeira vez desde a minha eleição como Bispo de Roma e Sucessor do Apóstolo Pedro, à vossa Delegação que representa a Igreja irmã de Constantinopla, enquanto celebramos a festa dos Santos Pedro e Paulo, Padroeiros da Igreja de Roma. Este tradicional intercâmbio de delegações entre as duas Igrejas, por ocasião das respetivas festas dos Santos Padroeiros, é sinal da profunda comunhão já existente entre nós e reflexo do vínculo de fraternidade que une os Apóstolos Pedro e André.

Após séculos de divergências e incompreensões, o reinício de um autêntico diálogo entre as Igrejas irmãs de Roma e Constantinopla foi possível graças aos passos corajosos e clarividentes dados pelo Papa Paulo VI e pelo Patriarca Ecuménico Atenágoras. Os seus veneráveis sucessores nas Sés de Roma e Constantinopla prosseguiram com convicção ao longo do mesmo caminho de reconciliação, reforçando ainda mais as nossas relações. A este propósito, gostaria de mencionar o testemunho de sincera proximidade à Igreja católica oferecido pelo Patriarca Ecuménico, Sua Santidade Bartolomeu, com a sua participação pessoal nas exéquias do Papa Francisco e depois na Missa inaugural do meu Pontificado.

Enquanto recordo com profunda gratidão o caminho percorrido até agora, asseguro-vos a minha intenção de perseverar no esforço para restabelecer a plena comunhão visível entre as nossas Igrejas. Este objetivo só pode ser alcançado com a ajuda de Deus, através de um compromisso incessante de escuta respeitosa e de diálogo fraterno. Portanto, estou aberto a qualquer sugestão a este respeito, sempre em consulta com os meus irmãos Bispos da Igreja católica, que partilham comigo, cada um à sua maneira, a responsabilidade pela unidade plena e visível da Igreja (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. Dogm. Lumen gentium, 23).

Eminência, amados Irmãos em Cristo, estou-vos muito grato pela vossa presença em Roma nesta solene circunstância. Peço-vos amavelmente que transmitais as minhas cordiais saudações ao Patriarca Bartolomeu e aos membros do Santo Sínodo, com a minha gratidão por ter enviado novamente a Delegação este ano. Que a intercessão dos Santos Pedro e Paulo, de Santo André e da Santíssima Mãe de Deus, que vivem eternamente na perfeita comunhão dos Santos, nos acompanhe e ampare no nosso compromisso ao serviço do Evangelho. Obrigado!

Discurso aos peregrinos
da Igreja greco-católica ucraniana

28 de junho

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A paz esteja convosco!

Amados irmãos no Episcopado

Prezados sacerdotes, religiosas e religiosos

Queridas irmãs e irmãos!

Saúdo cordialmente todos vós, estimados fiéis da Igreja Greco-Católica Ucraniana, que viestes ao túmulo do Apóstolo Pedro por ocasião do Ano jubilar. Saúdo Sua Beatitude Shevchuk, Arcebispo-Mor de Kyiv-Halyč, os Bispos, os sacerdotes, as consagradas, os consagrados e todos os fiéis leigos.

A vossa peregrinação constitui um sinal do desejo de renovar a fé, de fortalecer o vínculo e a comunhão com o Bispo de Roma e de dar testemunho da esperança que não desilude, porque brota do amor de Cristo que foi derramado no nosso coração pelo Espírito Santo (cf. Rm 5, 5). O Jubileu chama-nos a ser peregrinos desta esperança durante toda a nossa vida, não obstante as adversidades do momento presente. A viagem a Roma, com a passagem pelas Portas Santas e a visita aos túmulos dos Apóstolos e dos Mártires, é o símbolo deste caminho quotidiano, que se prolonga rumo à eternidade, onde o Senhor enxugará todas as lágrimas e não haverá mais morte, nem luto, nem lamentação, nem dor (cf. Ap 21, 4).

Para chegar aqui, muitos de vós partistes da vossa bela terra, rica de fé cristã, fecundada pelo testemunho evangélico de tantos santos e santas, e irrigada com o sangue de numerosos mártires que, ao longo dos séculos e com a oferta da própria vida, selaram a fidelidade ao Apóstolo Pedro e aos seus Sucessores.

Caríssimos, a fé é um tesouro a partilhar. Cada época traz consigo dificuldades, provações e desafios, mas também oportunidades para crescer na confiança e no abandono a Deus.

Hoje a fé do vosso Povo é duramente provada. Muitos de vós, desde o início da guerra, certamente se interrogaram: Senhor, porquê tudo isto? Onde estás? O que devemos fazer para salvar as nossas famílias, as nossas casas e a nossa Pátria? Acreditar não significa ter já todas as respostas, mas confiar que Deus está ao nosso lado e nos concede a sua graça, que Ele pronunciará a última palavra e que a vida vencerá a morte!

A Virgem Maria, tão amada pelo Povo ucraniano, que com o seu humilde e corajoso “sim” abriu a porta à redenção do mundo, garante-nos que também o nosso simples e sincero “sim” pode tornar-se um instrumento nas mãos de Deus para realizar algo de grande. Confirmados na fé pelo Sucessor de Pedro, exorto-vos a partilhá-la com os vossos entes queridos, com os vossos compatriotas e com todos aqueles que o Senhor vos levar a encontrar. Dizer “sim” hoje pode permitir abrir novos horizontes de fé, esperança e paz, sobretudo a quantos sofrem.

Irmãs e irmãos, recebendo-vos aqui, desejo manifestar a minha proximidade à martirizada Ucrânia, às crianças, aos jovens, aos idosos e, de maneira especial, às famílias que choram os seus entes queridos. Compartilho a vossa dor pelos prisioneiros e pelas vítimas desta guerra insensata. Confio ao Senhor as vossas intenções, as vossas dificuldades e tragédias quotidianas e, acima de tudo, os vossos desejos de paz e serenidade.

Encorajo-vos a caminhar juntos, pastores e fiéis, mantendo o olhar fixo em Jesus, nossa salvação! A Virgem Maria, que precisamente em virtude da sua união à paixão do Filho é Mãe da Esperança, vos guie e ampare! Abençoo de coração todos vós, as vossas famílias, a vossa Igreja e o vosso Povo. Obrigado!

Homilia da missa na solenidade
dos Santos Pedro e Paulo

29 de junho

Queridos irmãos e irmãs!

Hoje celebramos dois irmãos na fé, Pedro e Paulo, que reconhecemos como colunas da Igreja e veneramos como patronos da diocese e da cidade de Roma.

A história destes dois Apóstolos interpela-nos de perto também a nós, Comunidade peregrina dos discípulos do Senhor no nosso tempo. Em particular, olhando para o seu testemunho, gostaria de sublinhar dois aspetos: a comunhão eclesial e a vitalidade da fé.

Em primeiro lugar, a comunhão eclesial. A liturgia desta solenidade mostra-nos como Pedro e Paulo foram chamados a viver um único destino, o do martírio, que os associou definitivamente a Cristo. Na primeira leitura, encontramos Pedro que, na prisão, aguarda a execução da sentença (cf. At 12, 1-11); na segunda leitura, o apóstolo Paulo afirma, numa espécie de testamento e estando também ele preso, que o seu sangue está prestes a ser derramado e oferecido a Deus (cf. 2 Tm 4, 6-8.17-18). Assim, tanto Pedro como Paulo dão a vida pela causa do Evangelho.

No entanto, esta comunhão na única confissão de fé não é uma conquista pacífica. Os dois Apóstolos alcançam-na como uma meta a que chegam depois de um longo caminho, no qual cada um abraçou a fé e viveu o apostolado de forma diferente. A sua fraternidade no Espírito não apaga as diferenças de onde partiram: Simão era um pescador da Galileia, Saulo um intelectual rigoroso pertencente ao grupo dos fariseus; o primeiro deixa imediatamente tudo para seguir o Senhor; o segundo persegue os cristãos até ser transformado por Cristo Ressuscitado; Pedro prega sobretudo aos judeus; Paulo é impelido a levar a Boa Nova aos gentios.

Como sabemos, não faltaram conflitos entre os dois no que diz respeito à relação com os pagãos, a ponto de Paulo afirmar: «quando Cefas veio para Antioquia, opus-me frontalmente a ele, porque estava a comportar-se de modo condenável» (Gl 2, 11). E esta questão, conhecemo-lo bem, será tratada no Concílio de Jerusalém, no qual os dois Apóstolos voltarão a confrontar-se.

Caríssimos, a história de Pedro e Paulo ensina-nos que a comunhão a que o Senhor nos chama é uma harmonia de vozes e rostos, e não apaga a liberdade de cada um. Os nossos Padroeiros percorreram caminhos diferentes, tiveram ideias diferentes, por vezes confrontaram-se e discordaram com franqueza evangélica. Mas isso não os impediu de viver a concordia apostolorum, ou seja, uma viva comunhão no Espírito, uma sintonia fecunda na diversidade. Como afirma Santo Agostinho, «temos um só dia para as Paixões dos dois Apóstolos. Eles eram dois e formavam um só ser. Embora tivessem sofrido em dias diferentes, eles formavam um só ser» (Sermão 295, 7.7).

Tudo isto nos interroga sobre o caminho da comunhão eclesial. Ela nasce do impulso do Espírito, une a diversidade e constrói pontes de unidade na variedade de carismas, dons e ministérios. É importante aprender desta forma a viver a comunhão, como unidade na diversidade, para que a variedade dos dons, ligados na confissão da única fé, contribua para o anúncio do Evangelho. Por este caminho somos chamados a caminhar, olhando precisamente para Pedro e Paulo, porque todos temos necessidade desta fraternidade. A Igreja precisa dela, as relações entre os leigos e os presbíteros, entre os presbíteros e os Bispos, entre os Bispos e o Papa precisam dela; assim como precisam dela a vida pastoral, o diálogo ecuménico e a relação de amizade que a Igreja quer manter com o mundo. Empenhemo-nos em fazer da nossa diversidade um laboratório de unidade e comunhão, de fraternidade e reconciliação, para que cada pessoa na Igreja, com a sua história pessoal, aprenda a caminhar junto dos outros.

Os santos Pedro e Paulo interpelam-nos também sobre a vitalidade da nossa fé. Com efeito, na experiência do discipulado há sempre o risco de cair no hábito, no ritualismo, em padrões pastorais que se repetem sem renovação e sem captar os desafios do presente. Na história dos dois Apóstolos, pelo contrário, inspiramo-nos na sua disponibilidade para se abrirem à mudança, para se deixarem interpelar pelos acontecimentos, pelos encontros e pelas situações concretas das comunidades, para procurarem novos caminhos de evangelização a partir dos problemas e das questões colocadas pelos seus irmãos e irmãs na fé.

E, no centro do Evangelho que escutámos, está a pergunta que Jesus faz aos seus discípulos, e que hoje dirige também a nós, para que possamos discernir se o caminho da nossa fé conserva ainda o dinamismo e a vitalidade, se a chama da nossa relação com o Senhor continua acesa: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» (Mt 16, 15)

Todos os dias, em cada hora da história, devemos estar sempre atentos a esta pergunta. Se não quisermos que o nosso ser cristão se reduza a uma herança do passado, como tantas vezes nos alertou o Papa Francisco, é importante sair do risco de uma fé cansada e estática, para nos perguntarmos: quem é Jesus Cristo para nós hoje? Que lugar ocupa ele na nossa vida e na ação da Igreja? Como podemos testemunhar esta esperança na vida quotidiana e anunciá-la àqueles que encontramos?

Irmãos e irmãs, o exercício do discernimento, que nasce destas perguntas, permite que a nossa fé e a Igreja continuamente se renovem e experimentem novos caminhos e novas práticas no anúncio do Evangelho. Isto, juntamente com a comunhão, deve ser o nosso primeiro desejo. Hoje, de modo particular, gostaria de me dirigir à Igreja que está em Roma, porque, mais do que qualquer outra, é chamada a tornar-se sinal de unidade e comunhão, uma Igreja que arde com uma fé viva, uma Comunidade de discípulos que testemunham a alegria e a consolação do Evangelho em todas as situações humanas.

Na alegria desta comunhão, que o caminho dos Santos Pedro e Paulo nos convida a cultivar, saúdo os meus irmãos Arcebispos que hoje recebem o Pálio. Caríssimos, este sinal, ao mesmo tempo que recorda a tarefa pastoral que vos está confiada, exprime a vossa comunhão com o Bispo de Roma, para que, na unidade da fé católica, cada um de vós a alimente nas Igrejas locais que vos foram confiadas.

Em seguida, gostaria de saudar os membros do Sínodo da Igreja Greco-Católica Ucraniana: obrigado pela vossa presença aqui e pelo vosso zelo pastoral. Que o Senhor conceda a paz ao vosso povo!

E com sincera gratidão saúdo a Delegação do Patriarcado Ecuménico, aqui enviada pelo nosso querido irmão Sua Santidade Bartolomeu.

Queridos irmãos e irmãs, edificados pelo testemunho dos santos Apóstolos Pedro e Paulo, caminhemos juntos na fé e na comunhão e invoquemos a sua intercessão para todos nós, para a cidade de Roma, para a Igreja e para o mundo inteiro.

Angelus na solenidade dos santos padroeiros de Roma

29 de junho

Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!

Hoje é a grande festa da Igreja de Roma, gerada pelo testemunho dos Apóstolos Pedro e Paulo e fecundada pelo seu sangue e pelo de muitos outros mártires. Também nos nossos dias, em todo o mundo, há cristãos que o Evangelho torna generosos e audazes, também à risco da própria vida. Existe, portanto, um ecumenismo de sangue, uma unidade invisível e profunda entre as Igrejas cristãs, mesmo que não vivam ainda uma comunhão plena e visível entre si. Por isso, nesta solene festa, quero confirmar que o meu serviço episcopal é um serviço à unidade e que a Igreja de Roma está empenhada, pelo sangue dos Santos Pedro e Paulo, em servir com amor a comunhão entre todas as Igrejas.

A pedra, da qual Pedro recebe até mesmo o próprio nome, é Cristo. Uma pedra rejeitada pelos homens e que Deus transformou em pedra angular. Esta praça e as basílicas papais de São Pedro e São Paulo dizem-nos como este paradoxo continua sempre. Encontram-se no limite da antiga cidade, “fora dos muros”, como dizemos ainda hoje. O que hoje nos parece grande e glorioso foi primeiro descartado e expulso porque estava em contradição com a mentalidade mundana. Quem segue Jesus encontra-se a percorrer o caminho das bem-aventuranças, onde a pobreza de espírito, a mansidão, a misericórdia, a fome e sede de justiça, e o trabalho pela paz encontram oposição e até perseguição. No entanto, a glória de Deus brilha nos seus amigos e os vai moldando, ao longo do caminho, de conversão em conversão.

Queridos irmãos e irmãs, nos túmulos dos Apóstolos, destino de peregrinação desde há milhares de anos, descobrimos que também nós podemos viver de conversão em conversão. O Novo Testamento não esconde os erros, as contradições, os pecados daqueles que veneramos como os maiores entre os Apóstolos. Na verdade, a sua grandeza foi moldada pelo perdão. O Ressuscitado foi buscá-los, mais do que uma vez, para os colocar de novo no seu caminho. Jesus nunca chama apenas uma vez. É por isso que todos nós podemos sempre ter esperança, como também nos recorda o Jubileu.

Irmãs e irmãos, a unidade na Igreja e entre as Igrejas alimenta-se do perdão e da confiança mútua. A começar pelas nossas famílias e comunidades. Porque se Jesus confia em nós, também nós podemos confiar uns nos outros, em seu Nome. Que os Apóstolos Pedro e Paulo, junto à Virgem Maria, intercedam por nós, para que neste mundo dilacerado a Igreja seja casa e escola de comunhão.

Pós-Angelus

Queridos irmãos e irmãs

Asseguro as minhas orações pela comunidade da Escola "Barthélémy Boganda" de Bangui, na República Centro-Africana, em luto pelo trágico acidente que causou numerosos mortos e feridos entre os estudantes. Que o Senhor conforte as famílias e toda a comunidade!

Dirijo a minha saudação a todos vós, e hoje, de modo especial, aos fiéis de Roma, na festa dos Santos Padroeiros! Quero dirigir um pensamento cheio de afeto aos párocos e a todos os sacerdotes que trabalham nas paróquias de Roma, com gratidão e encorajamento pelo seu serviço.

Nesta festa, celebramos também o dia do Óbolo de São Pedro, sinal de comunhão com o Papa e de participação no seu ministério apostólico. Agradeço vivamente a todos aqueles que, com a sua oferta, apoiam os meus primeiros passos como Sucessor de Pedro.

Abençoo todos aqueles que, a partir dos locais romanos das memórias dos Santos Pedro e Paulo, participam no evento Quo Vadis? Agradeço a quantos organizaram com empenho esta iniciativa que ajuda a conhecer e a honrar os Santos Padroeiros de Roma.

Saúdo os fiéis de vários países que vieram acompanhar os seus Arcebispos Metropolitanos que hoje receberam o Pálio. Saúdo os peregrinos da Ucrânia – rezo sempre pelo vosso povo –, do México, da Croácia, da Polónia, dos Estados Unidos da América, da Venezuela, do Brasil, o Coro Santos Pedro e Paulo da Indonésia, assim como muitos fiéis da Eritreia que vivem na Europa; os grupos de Martina Franca, Pontedera, San Vendemiano e Corbetta; os acólitos de Santa Giustina in Colle e os jovens de Sommariva del Bosco.

Agradeço à Pro Loco di Roma Capitale e aos artistas que realizaram os tapetes florais na Via della Conciliazione e na Piazza Pio XII. Obrigado!

Saúdo os Cooperadores Guanellianos do Centro-Sul da Itália, a Associação de voluntariado de Chiari, os ciclistas de Fermo e de Varese, o grupo desportivo Aniene 80 e os peregrinos do "Spiritual Connection".

Irmãs e irmãos, continuemos a rezar para que, em toda a parte, sejam silenciadas as armas e se trabalhe pela paz através do diálogo.

Bom domingo para todos!

Mensagem aos participantes
na XLIV sessão da conferência da FAO

Senhor Presidente

Senhor Diretor-Geral da FAO

Excelências

Ilustres senhoras e senhores!

Agradeço de coração a oportunidade que me foi dada de me dirigir pela primeira vez à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que este ano celebra o octogésimo aniversário da sua fundação. Saúdo cordialmente todos os participantes nesta quadragésima quarta sessão da Conferência, seu órgão supremo, e, em particular, o Diretor-Geral, Sr. Qu Dongyu, agradecendo o trabalho que a Organização realiza diariamente na busca de respostas adequadas ao problema da insegurança alimentar e da desnutrição, que continua a ser um dos maiores desafios do nosso tempo.

A Igreja encoraja todas as iniciativas para pôr fim ao escândalo da fome no mundo, fazendo seus os sentimentos do seu Senhor, Jesus, que, como narram os Evangelhos, ao ver uma grande multidão aproximar-se para ouvir a sua palavra, preocupou-se antes de mais em alimentá-la e, para isso, pediu aos discípulos que se encarregassem do problema, abençoando abundantemente os esforços realizados (cf. Jo 6, 1-13). No entanto, quando lemos o relato do que comumente se denomina a «multiplicação dos pães» (cf. Mt 14, 13-21; Mc 6, 30-44; Lc 9, 12-17; Jo 6, 1-13), percebemos que o verdadeiro milagre realizado por Cristo consistiu em revelar que a chave para derrotar a fome está mais em partilhar do que em acumular avidamente. Algo que talvez hoje tenhamos esquecido porque, embora tenham sido dados alguns passos importantes, a segurança alimentar mundial continua a deteriorar-se, tornando cada vez mais improvável a consecução do objetivo da «Fome Zero» da Agenda 2030. Isto significa que estamos longe de cumprir o mandato que deu origem, em 1945, a esta instituição intergovernamental.

Há pessoas que sofrem cruelmente e anseiam por ver resolvidas as suas muitas necessidades. Sabemos bem que, por si mesmas, não podem resolvê-las. A tragédia constante da fome e da desnutrição generalizadas, que hoje em dia persiste em muitos países, é ainda mais triste e vergonhosa quando percebemos que, embora a terra seja capaz de produzir alimentos suficientes para todos os seres humanos, e apesar dos compromissos internacionais em matéria de segurança alimentar, é lamentável que tantos pobres no mundo continuem a carecer do pão nosso de cada dia.

Por outro lado, assistimos atualmente, com desolação, ao uso iníquo da fome como arma de guerra. Matar a população com a fome é uma forma muito barata de fazer guerra. É por isso que hoje, quando a maioria dos conflitos não é travada por exércitos regulares, mas por grupos de civis armados com poucos recursos, queimar terras, roubar gado e bloquear a ajuda são táticas cada vez mais utilizadas por aqueles que pretendem controlar populações inteiras indefesas. Assim, neste tipo de conflitos, os primeiros alvos militares passam a ser as redes de abastecimento de água e as vias de comunicação. Os agricultores não podem vender os seus produtos em ambientes ameaçados pela violência e a inflação dispara. Isto leva a que um grande número de pessoas sucumba ao flagelo da fome e morra, com o agravante de que, enquanto os civis definham na miséria, os líderes políticos engordam com a corrupção e a impunidade.

Por isso, é hora de o mundo adotar limites claros, reconhecíveis e consensuais para punir esses abusos e perseguir os seus causadores e executores. Adiar uma solução para este panorama doloroso não ajudará; pelo contrário, as angústias e privações dos necessitados continuarão a acumular-se, tornando o caminho ainda mais difícil e intrincado.

Portanto, é urgente passar das palavras às ações, colocando no centro medidas eficazes que permitam a essas pessoas olhar para o seu presente e futuro com confiança e serenidade, e não apenas com resignação, encerrando assim a era dos slogans e das promessas enganosas. A este respeito, não devemos esquecer que, mais cedo ou mais tarde, teremos de dar explicações às gerações futuras, que receberão uma herança de injustiças e desigualdades se não agirmos agora com sensatez.

As crises políticas, os conflitos armados e as perturbações económicas desempenham um papel central no agravamento da crise alimentar, dificultando a ajuda humanitária e comprometendo a produção agrícola local, negando assim não só o acesso aos alimentos, mas também o direito a uma vida digna e cheia de oportunidades. Seria um erro fatal não curar as feridas e as fraturas causadas por anos de egoísmo e superficialidade. Além disso, sem paz e estabilidade, não será possível garantir sistemas agroalimentares resilientes, nem assegurar uma alimentação saudável, acessível e sustentável para todos. Daí surge a necessidade de um diálogo, onde as partes envolvidas tenham não só a vontade de falar, mas também de se ouvir, de se compreender mutuamente e de agir em conjunto. Não faltarão obstáculos, mas com sentido de humanidade e fraternidade, os resultados só poderão ser positivos.

Os sistemas alimentares têm uma grande influência nas alterações climáticas e vice-versa. A injustiça social provocada pelas catástrofes naturais e pela perda de biodiversidade deve ser revertida para alcançar uma transição ecológica justa, que coloque o meio ambiente e as pessoas no centro. Para proteger os ecossistemas e as comunidades mais desfavorecidas, entre as quais se encontram os povos indígenas, é necessária uma mobilização de recursos por parte dos governos, das entidades públicas e privadas, dos organismos nacionais e locais, de modo a adotar estratégias que priorizem a regeneração da biodiversidade e a riqueza do solo. Sem uma ação climática decidida e coordenada, será impossível garantir sistemas agroalimentares capazes de nutrir uma população mundial em crescimento. Produzir alimentos não é suficiente, também é importante garantir que os sistemas alimentares sejam sustentáveis e proporcionem dietas saudáveis e acessíveis para todos. Trata-se, portanto, de repensar e renovar os nossos sistemas alimentares, numa perspetiva solidária, superando a lógica da exploração selvagem da criação e orientando melhor o nosso compromisso de cultivar e cuidar do meio ambiente e dos seus recursos, para garantir a segurança alimentar e avançar para uma nutrição suficiente e saudável para todos.

Senhor Presidente, neste momento, assistimos a uma enorme polarização das relações internacionais devido às crises e aos conflitos existentes. Recursos financeiros e tecnologias inovadoras destinadas à erradicação da pobreza e da fome no mundo são desviados para a fabricação e o comércio de armas. Desta forma, promovem-se ideologias questionáveis, ao mesmo tempo que se assiste a um arrefecimento das relações humanas, o que empobrece a comunhão e afasta a fraternidade e a amizade social.

Nunca antes foi tão urgente como agora que nos tornemos artífices da paz, trabalhando para o bem comum, que beneficia a todos e não apenas a alguns, que são sempre os mesmos. Para garantir a paz e o desenvolvimento, entendido como a melhoria das condições de vida das populações que sofrem com a fome, a guerra e a pobreza, são necessárias ações concretas, enraizadas em abordagens sérias e com visão de futuro. Portanto, é preciso deixar de lado a retórica estéril para, com firme vontade política, como disse o Papa Francisco, aplainar «as divergências para favorecer um clima de colaboração e confiança recíprocas para a satisfação das necessidades comuns».1

Senhoras e senhores, para alcançar esta nobre causa, desejo assegurar que a Santa Sé estará sempre ao serviço da concórdia entre os povos e não se cansará de cooperar para o bem comum da família das nações, tendo especialmente em conta os seres humanos mais provados, que passam fome e sede, e também as regiões remotas, que não conseguem levantar-se da sua prostração devido à indiferença daqueles que deveriam ter como emblema na sua vida o exercício de uma solidariedade sem fissuras. Com esta esperança, e fazendo-me porta-voz de todos aqueles que no mundo se sentem dilacerados pela indigência, peço a Deus Todo-Poderoso que os vossos trabalhos sejam repletos de frutos e redundem em benefício dos desfavorecidos e de toda a humanidade.

Vaticano, 30 de junho de 2025

LEÃO PP. XIV

1 Discurso aos membros do Corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé (9 de janeiro de 2023).