
Durante as palestras que apresentava em Cambridge na década de 1920, o romancista E.M. Forster afirmava que somente um punhado de escritores são proféticos. Ou seja, capazes de falar da íntima verdade humana de maneira universal e bíblica. Melville, Dostoievski, Emily Bronte.
Se tivesse proferido as suas conferências depois dos anos 50, dando assim tempo a fim de que fossem publicados Wise Blood e The Violent Bear It Away, Forster não teria tido dúvidas: também a americana Flannery O’Connor, uma fé incandescente em Deus e na literatura, teria entrado no círculo restrito dos escritores proféticos: «Escrevo como escrevo, porque sou (não ainda que seja) católica». Romana Petri inspira-se neste dom feito de dor, de sacrifício e de talento literário para escrever La ragazza di Savannah (Mondadori), romance que faz reviver a infância e, em seguida, a vida adulta de Flannery O’Connor, nascida na Geórgia (EUA) em 1925 e obrigada a ser cuidada pela mãe, uma vez que sofria de uma enfermidade autoimune, que a levou a falecer aos 39 anos. Mary Flan, este é o verdadeiro nome da escritora que hoje é considerada um imenso talento da literatura americana, durante toda a sua vida estudou as Sagradas Escrituras e observou os pássaros: adorava os pavões e as galinhas. E escrevia.
«O que é a fé, a não ser o drama do homem que confia em Deus depois de o ter rejeitado?», pergunta a jovem O’Connor à mãe, enquanto procura explicar o romance Wise Blood, que escreve deitada na cama. «Vão considerá-la louca», adverte uma parente que conhece o enredo: um homem que gostaria de ter uma Igreja sem Deus, um pregador cego, uma história de redenção com elementos de violência que se assemelham a episódios do Antigo Testamento. Mary Flan não era louca; pelo contrário, forjava a sua escrita inspirando-se na Bíblia. Petri segue O’Connor como se ela estivesse presente naquela vida extraordinariamente provinciana e, ao mesmo tempo, universal. Descreve os seus acontecimentos e a sua alma, o seu sucesso, as conferências que proferia nos ateneus, a certeza de que a doença é um percurso necessário: «Sou coxa. Pois bem, porque me deveria deprimir? Não se vive sem sofrer!», faz-lhe dizer Petri. Escreve também A Prayer Journal: «Quero ser a melhor artista que me for possível ser, ao serviço de Deus». La ragazza di Savannah é, em última análise, a imagem fiel do espírito de Mary Flan, criatura repleta de espírito vivo e sarcástico, extremamente jovial. Em síntese, uma profetisa que também sabia rir.
LAURA EDUATI