· Cidade do Vaticano ·

A paz constrói-se com a paz — Antologia

Para que se saia diferente
de como se entrou

 Para que se saia diferente  de como se entrou  POR-007
04 junho 2025

Candido Portinari

A luta pela paz é uma tarefa decisiva e urgente. É uma campanha de clareza e alerta que exige determinação e coragem. Devemos organizar a luta pela paz, dilatar cada vez mais a frente contra a guerra, abrangendo todos os homens de boa vontade, sem distinção de credo ou de raça, a fim de que, assim unidos, os povos do mundo inteiro possam, não só com palavras, mas com gestos, levar à vitória final a grande causa da paz, da cultura, do progresso e da fraternidade entre os povos.

***

O artista é um homem como os outros; assim é, e assim foi sempre, apesar do que se disse e do que se diz dele. (...) Sofre e alegra-se como os outros homens. Não é alheio aos acontecimentos do universo; pelo contrário, participa neles e reage através da sua obra. (...) O artista é um homem emocional, porque esta é uma das principais condições para ser artista. Comove-se com as coisas mais simples e mais bizarras, diante de uma árvore, de um pássaro ou de uma rosa. Portanto, é justo que se comova ao máximo grau face à injustiça humana, com um mundo de homens, mulheres e crianças que lutam pelo direito de não morrer de fome. (...) O artista, como homem e como pertencente a uma classe, deve lutar por um mundo de paz onde o trabalhador, despertando à luz do sol, sinta a alegria de viver, onde o camponês possa respirar o ar pungente da manhã, olhar com satisfação para as mãos calejadas e pensar que os seus filhos terão direitos iguais aos de todos os homens da Terra.

***

Os pintores que querem realizar arte social e são amantes da beleza da própria pintura são aqueles que não esquecem que estão neste mundo cheio de injustiças para permanecer ao lado das pessoas, ouvindo os desejos com que estas últimas se debatem. O pintor social considera-se intérprete do povo, mensageiro dos seus sentimentos. É aquele que deseja paz, justiça e liberdade. É aquele que acredita que os homens podem partilhar os prazeres do universo. Ouvir o canto dos pássaros. Ver as águas dos rios que correm, fecundando a Terra. Ver o céu estrelado e respirar o ar da manhã sem chuva. Sem outro pensamento, a não ser o da fraternidade e da paz. Homens que vivem num clima de justiça. Onde não há crianças famintas. Onde não existem homens sem direitos. Onde não há mães que choram, nem idosos lentamente moribundos.

***

É muito difícil para um artista falar de pintura, sobretudo em público, porque o seu meio de expressão é a pintura, não as palavras. Escrevendo a um amigo, Poussin queixava-se porque não conseguia exprimir-se bem e, para se justificar, dizia que há mais de quarenta anos que professava a sua arte em silêncio. Repito, é realmente difícil para um pintor falar de pintura, quando compreende que o uso de outra linguagem não conseguirá transmitir os seus pensamentos. A isto acrescenta-se a constatação de ele saber no que consiste a pintura. Portanto, é um grande sacrifício para alguém que, durante mais de trinta anos, só se exprimiu através dos seus quadros, apresentar-se em público e ter que utilizar outro meio de expressão. Mas quando os camaradas querem saber a nossa opinião sobre estas e outras questões, e quando acreditamos que estes debates podem suscitar o interesse das pessoas, todas estas considerações se dissipam.

Estou aqui para dizer que uma pintura desligada do povo não é arte — é apenas um passatempo, um jogo de cores, cuja mensagem passa de pele em pele — e tem um alcance limitado. Ainda que seja feita com inteligência e bom gosto, nunca chegará a dizer nada ao nosso coração — e uma pintura que não fala ao coração não é arte, porque só o coração a entende. Apenas o coração nos pode tornar melhores, e esta é a grande função da arte!

Não conheço nenhuma grande arte que não esteja intimamente ligada ao povo. As coisas comoventes ferem mortalmente o artista e a sua única salvação é retransmitir a mensagem que recebe. Pergunto-me: quais são as coisas comoventes do mundo de hoje? Não são porventura as tragédias causadas pelas guerras, as tragédias provocadas pelas injustiças, pela desigualdade e pela fome? Haverá algo na natureza que grite mais alto ao coração do que isto?