
Felice Accrocca
Realizou-se um novo conclave, o terceiro em apenas um quarto de século, depois daqueles em que foram eleitos Bento XVI (2005) e Francisco (2013). Era inútil escrever sobre o que seria, porque está nos planos de Deus e «quem conhece o pensamento do Senhor?» (Rm 11, 34). É mais sábio, e até humorístico (para ser fiel à lição do Papa Francisco), rever os conclaves precedentes.
Vou concentrar-me nalguns do século passado, mas não no primeiro, marcado por acontecimentos dramáticos: na manhã de domingo, 2 de agosto de 1903, o cardeal Jan Knias Puzyna, bispo de Cracóvia, chamou a atenção do conclave para o veto pronunciado pelo imperador da Áustria e rei da Hungria, Francisco José, contra o cardeal Mariano Rampolla del Tindaro, ex-secretário de Estado de Leão XIII, que no escrutínio da noite anterior (o segundo) obtivera 29 votos contra os 42 que representavam o quórum necessário para a eleição.
Pelo contrário, citarei as Memórias do cardeal Pietro Gasparri, parcialmente publicadas por Giovanni Spadolini, para delas tirar duas agradáveis recordações reltivas aos conclaves em que foram eleitos Giacomo Della Chiesa (Bento XV, em 1914) e Achille Ratti (Pio XI, em 1922).
Quanto ao primeiro, Gasparri, sem dúvida uma testemunha de primeira ordem, relata: «Na manhã do terceiro dia, antes da reunião dos purpurados na Capela Sistina, o cardeal Della Chiesa veio à minha cela e fez-me mais ou menos o seguinte discurso: “Os Eminentíssimos cardeais estão divididos e dificilmente conseguirão chegar a um acordo tão cedo quanto as necessidades da Igreja o exigem; no início da sessão, eu tencionava ler esta minha exortação (na qual solicitava os Eminentíssimos a prescindir dele e a dar os seus votos a um dos outros candidatos) e vim pedir o conselho de Vossa Eminência, tendo diante dos olhos apenas o bem da Igreja nas atuais gravíssimas circunstâncias”. Respondi-lhe: “Se no início da próxima reunião a divergência persistir, mas considerando bem der sinais de acabar, darei a V. E. um sinal negativo dizendo a V. E. que não leia a exortação”. E assim aconteceu. Na reunião antemeridiana, observei imediatamente que a divergência dava sinais de acabar; portanto, fiz o sinal negativo; e com efeito, na reunião da tarde de 3 de setembro de 1914, o cardeal Della Chiesa foi eleito e assumiu o nome de Bento em homenagem ao seu grande predecessor na sé de Bolonha, Bento XIV».
Claramente Gasparri diz muito aqui, mas não tudo. Com efeito, parece lógico supor que para se dar conta do rumo que o conclave tomava, ele tivesse feito uma série de sondagens muito antes da reunião antemeridiana, de tal modo que, tendo chegado à Sistina, já devia ter uma ideia muito clara da situação. Então, poder-se-ia perguntar porque Della Chiesa se teria dirigido a ele e não ao cardeal Ferrata, por ele escolhido — imediatamente após a eleição — como seu secretário de Estado; pois bem, considerando que o poderia ter feito sem que Gasparri o soubesse, é também verdade que Ferrata estava muito doente e a sua nomeação como chefe da diplomacia do Vaticano foi essencialmente um ato de demonstração e de homenagem que Bento XV quis reservar à sua pessoa, consciente de que não duraria muito tempo (efetivamente, cerca de um mês depois Ferrata faleceu e o Papa chamou o próprio Gasparri para ocupar essa função).
Portanto, em síntese, creio que se possa dar crédito ao que Gasparri escreveu, já no fim da sua vida (faleceu em 1934). Creio também que não há dificuldade alguma em aceitar in toto o que ele narrou a propósito do outro conclave, no qual foi eleito Achille Ratti. Com efeito, como camerlengo, tinha a incumbência de gerir essa fase delicada.
«Que surpresa dolorosa, escreveu, constatar que a Santa Sé tinha apenas 75.000 liras na caixa, perante as elevadíssimas despesas necessárias na morte de um Pontífice, agravadas pelas circunstâncias do momento!». No entanto, algumas receitas inesperadas deram um pouco de oxigénio a Gasparri: «Assim, as ansiedades do pobre Camerlengo acalmaram um pouco, embora a quantia recebida não fosse suficiente para todas as despesas diárias necessárias».
Igualmente importantes eram as disposições dadas para poupar nas despesas: «Pelo que eu sabia dos Conclaves precedentes, gastava-se muito dinheiro inutilmente; portanto, pensei imediatamente em introduzir as economias necessárias. O meu programa era: o necessário, aliás, o conveniente, mas não o supérfluo. O Eminentíssimo cardeal De Lai sugeriu-me que confiasse às religiosas a preparação da cozinha para os cardeais e os seus conclavistas e empregados, e para os outros encerrados no Conclave, assegurando-me que isto significaria maior limpeza e maior economia. As bondosas irmãs aceitaram (...) Indicaram-lhes até o menu, de acordo com o programa acima resumido. Os Eminentíssimos tomavam as refeições em comum e o meu criado Giovanni, vestido de preto, de pé na extremidade da sala, ajudava, como costumam fazer as maîtres d’hôtel na sala de jantar dos grandes navios a vapor. Depois de terminada a refeição dos Eminentíssimos, o vinho que sobrava era recolhido e devia servir para outras refeições. (...) A alguns Colégios masculinos, geridos por religiosos, que tinham excesso de camas, foram pedidas emprestadas todas as que eram necessárias, e no final do Conclave foram devolvidas; a roupa de cama foi comprada e, no fim do Conclave, dada em esmola. O farmacêutico dispunha de uma única garrafa de conhaque e só o podia distribuir por prescrição do médico; na conclusão do Conclave a garrafa ainda estava cheia, enquanto noutros Conclaves... Muitos outros expedientes foram adotados a fim de diminuir na medida do possível as despesas, que em Conclaves realizados noutras circunstâncias foram omitidos».
Como é fácil esperar, as medidas não deixaram de levantar algumas queixas: «Lembro-me que, depois de ter recebido o menu das refeições — escreveu ainda Gasparri — o comendador Seganti e o marquês Sacchetti vieram ter comigo e, em síntese, disseram-me: o menu para os Eminentíssimos cardeais está bem assim, mas para os conclavistas, empregados e outros, especialmente jovens, talvez seja demasiado limitado. Eu não estava disposto a fazer transações e respondi-lhe: “Observai o que foi estabelecido e, se alguém se queixar, dizei que foi o ovelheiro cardeal Camerlengo que impôs os limites”. Os dois foram-se embora rindo: mais tarde eu soube que a resposta, que saiu do Vaticano, chegou até aos ouvidos do rei Vítor Emanuel, que riu com gosto».
O «ovelheiro de Ussita» — talento jurídico, diplomata e político de primeira ordem — mostra, nesta página, outro talento, o do humor, revelando neste sentido uma extraordinária consonância com o último Papa, Francisco. Acho que valia a pena chamar a atenção comum para ela.