· Cidade do Vaticano ·

Adeus a Sebastião Salgado

O olhar dos pobres e da Terra

 O olhar dos pobres e da Terra  POR-007
04 junho 2025

Gaetano Vallini

«Penso que a primeira coisa que devemos recuperar somos nós próprios. Estamos completamente desnorteados na Terra. Não encontramos saída alguma para os nossos problemas. Não sabemos para onde ir. Talvez seja melhor acordar e voltar um pouco atrás, dado que nos afastamos demasiado do nosso planeta. Saímos da natureza, agora devemos voltar a entrar». Estávamos em março de 2013 quando Sebastião Salgado, numa entrevista que nos concedeu à margem da apresentação em estreia mundial, em Roma, da exposição sobre a sua monumental obra fotográfica Gênesis — uma impressionante viagem através de glaciares, desertos e florestas em busca dos lugares onde ainda resiste uma natureza primordial — refletiu sobre os danos causados pelo homem ao meio ambiente, lançando um apelo para parar e salvar o planeta. O grande fotógrafo faleceu a 23 de maio, em Paris, com 81 anos. E não podemos deixar de pensar no seu compromisso em denunciar a crise climática sem frisar a coincidência da sua morte com o décimo aniversário da encíclica Laudato si’ do Papa Francisco, dedicada ao cuidado da Casa comum. «Não acredito em Deus. Mas acredito, disse-nos ainda nessa entrevista, que existe uma ordem geral e que todos nós certamente fazemos parte de um reino, que deve ser respeitado, analisado e compreendido. Devemos voltar a sentir-nos parte deste reino».

Portanto, uma carta de amor à Terra, o Gênesis de Salgado, dedicado às regiões mais remotas do planeta. Assim como era uma carta de amor à sua terra natal, o Brasil, o grande projeto seguinte intitulado Amazônia, para captar a incrível riqueza da floresta e a vida dos seus povos, e para sensibilizar sobre os efeitos devastadores das intervenções humanas neste ecossistema tão complexo quanto indispensável. Defender a natureza tornou-se para ele quase uma missão. E foi precisamente naquele território, no estado de Minas Gerais, que Salgado e a sua esposa Lélia Wanick criaram o Instituto Terra, um projeto graças ao qual uma vasta área de floresta ameaçada de extinção renasceu favorecida pela plantação de milhares de novas árvores.

Também o último capítulo da sua investigação foi dedicado à salvaguarda do meio ambiente: 54 fotografias, quase todas inéditas, escolhidas para a exposição Glaciares, montada no museu Mart de Rovereto (Itália) até 21 de setembro, e outras 10 expostas no Museu das Ciências de Trento (Itália). Um projeto preparado pela esposa do artista, criado por ocasião do ano para a conservação dos glaciares, proclamado pelas Nações Unidas para 2025.

Mas a defesa da natureza não foi o único tema do compromisso profissional de Sebastião Salgado, fotógrafo humanista e vencedor de prestigiados prémios, que na sua longa carreira documentou e denunciou incansavelmente as condições de vida dos últimos, dos oprimidos, dos escravos de hoje. As suas reportagens, no meio dos sofrimentos e das esperanças dos descartados da Terra, contribuíram para mudar o nosso modo de olhar para o mundo, levando-nos a refletir sobre várias questões cruciais, como o respeito que deveríamos ter quando nos aproximamos de culturas distantes, a denúncia da exploração do trabalho, as deturpações da economia subordinada às finanças que criam pobreza e desigualdade, e a crise ambiental. O seu olhar era empático. E cada uma das suas fotografias era um convite à partilha, um apelo a não desviar o olhar, a ser solidário.

No entanto, Sebastião Salgado, nascido em Aimorés (Minas Gerais) a 8 de fevereiro de 1944, tinha iniciado uma carreira diferente. Depois de ter estudado economia em São Paulo, mudou-se primeiro para Paris para fazer um mestrado e depois para Londres para trabalhar como economista. Foi para a África por conta do Banco mundial e começou a tirar as suas primeiras fotografias. Uma atividade que o prendeu a tal ponto que, em 1972, deixou o emprego e, regressando a Paris com a esposa para fugir à ditadura, deu início à carreira de fotógrafo. Depois de alguns anos como freelancer, em 1974 entrou na agência Sygma, documentando a “revolução dos cravos” em Portugal e a guerra anticolonial em Angola e Moçambique. Em 1975 entrou na agência Gamma, onde permaneceu até 1979, quando ingressou na prestigiada agência Magnum Photos, que deixou em 1994 para fundar a agência Amazonas Images.

A vida de Sebastião Salgado, feita de viagens de um extremo ao outro do mundo, foi narrada pelo seu filho Juliano e por Wim Wenders no filme O sal da Terra. Viagens através das quais o fotojornalista documentou a vida diária dos índios e dos camponeses da América Latina, a carestia no Sahel, assim como o fim da mão de obra industrial em grande escala — o livro A mão do homem teve um grande impacto — e a humanidade em movimento, não apenas de refugiados e deslocados, mas também de quantos migram dos campos para as imensas megalópoles do terceiro mundo, descritos noutros volumes de grande sucesso, A caminho e Retratos de crianças a caminho. É precisamente destas reportagens sobre o trabalho, em particular nas minas, e sobre as migrações, assim como dos sucessivos projetos, talvez ainda mais dramáticos — Workers, Exodus e Migrations — que sobressaem a grande sensibilidade e o olhar compassivo de Sebastião Salgado, documentando brutalidades e violências insuportáveis, a ponto de minar a sua própria fé no homem. Contudo sem a cancelar, como demonstram precisamente as suas últimas obras, que se apelam ao homem.

«A minha fotografia é um ato de testemunho. É uma maneira de dizer: eu estava presente! E foi isto que vi», dizia Sebastião Salgado a respeito do seu trabalho. Um testemunho forte, caraterizado por um estilo inconfundível, tão poderoso como o seu preto e branco incisivo que transformava as fotografias em esculturas. Com ele desaparece um dos maiores, se não o maior fotojornalista do nosso tempo. Um mestre que, com a sua arte, além de documentar e denunciar, conseguiu reavivar o assombro que sempre sentimos perante as maravilhas da criação e, ao mesmo tempo, despertar no observador a indignação face às injustiças deste mundo, transformando as suas imagens de simples testemunho em admoestação e convite a agir.