
No coração do Palácio de Vidro das Nações Unidas, em Nova Iorque, dois monumentais painéis murais falam com a força silenciosa da arte. Intitulados Guerra e Paz, são a última grande obra do pintor ítalo-brasileiro Candido Portinari (1903-1962), que nasceu entre as fazendas de café de Brodowski, no interior do Estado de São Paulo, tornando-se um dos principais representantes do Modernismo brasileiro e captando o espírito do país e dos seus povos. Filho de imigrantes venezianos e segundo de doze irmãos, Portinari cresceu imerso na dura realidade das plantações e a braços com as injustiças que marcavam os deserdados. A partir daquele pequeno mundo rural, pintado seguindo Tolstói ao pé da letra e fazendo suas as palavras «se quiseres ser universal, fala do teu povoado», com a sua arte ele conseguiu chegar até à ONU. Em 1952, o governo brasileiro encarregou-o de pintar dois afrescos para doar à Organização. O resultado de quatro anos de trabalho intenso, que o levaria à morte por envenenamento devido ao chumbo contido nas cores, é um grito pictórico contra a guerra e um hino pungente à paz, que ressoa com extrema atualidade. No painel Guerra não há soldados nem armas, mas os rostos de quem é vítima dos conflitos: mães ajoelhadas que choram os filhos, corpos dilacerados pela dor. São imagens poderosas que evocam tragédias intemporais sob forma de uma genuína piedade laica. No entanto, na Paz sobressaem a esperança, o cuidado e a possibilidade de uma humanidade reconciliada consigo mesma e com a natureza. Candido Portinari nunca separou a arte do compromisso civil. «A minha arma, dizia, é a pintura». Para escapar da perseguição do governo Dutra contra os comunistas, exilou-se no Uruguai. Embora tenha sido excluído até da inauguração por motivos políticos (era militante e membro do Partido comunista no auge da guerra fria), o Brasil reiterou que a sua obra, que ele nunca viu exposta na sede da ONU, era «o melhor que o país podia oferecer ao mundo». O percurso simbólico concebido pelo artista é claro: entra-se no hall da Sala da assembleia geral passando em frente à Guerra e sai-se olhando para a Paz, que não é mera ausência de conflito, mas desejo e compromisso de levar justiça, dignidade e liberdade aos lugares do poder. Os três excertos, que publicamos nas duas páginas precedentes, são tirados do discurso de Candido Portinari durante uma reunião do Partido comunista brasileiro (1946); da lectio sobre O significado social da arte, dirigida a um grupo de estudantes argentinos, em Buenos Aires (1947), e precedentemente proferida no Uruguai; e da palestra apresentada a convite do Centro de estudos de belas-artes, no Instituto francês de altos estudos, em Florida, Argentina. (alicia lopes araújo)