
Publicamos a entrevista concedida a 14 de maio aos meios de comunicação do Vaticano pelo senhor cardeal Américo Aguiar, Bispo de Setúbal, que participou em Roma no conclave que elegeu o Papa Leão XIV.
Bernardo Suate
Senhor Cardeal, muito obrigado pelo seu tempo que dispõe para este momento de conversa. Do bem-sucedido evento da jornada mundial da juventude de Lisboa 2023, do qual ainda temos nas nossas mentes as palavras do Papa Francisco «Todos, todos, todos», o que fica ainda na vida da igreja na sua diocese e na vida da igreja em Portugal.
Uma saudação fraterna e obrigado por este convite. A jornada mundial de juventude vai acontecendo como ondas de rádio, já passaram quase dois anos, como passaram mais anos da jornada do Panamá, outros tantos de Cracóvia, outros tantos de Madrid, outros tantos de outras mas é sempre um contínuo. Como o nosso querido saudoso Papa Francisco dizia e nós estamos na fase de ir assimilando. Cada vez mais aquilo que foi ou que foram os três encontros especiais que a jornada sempre proporciona. Como o Papa Francisco dizia. Um, o encontro dos Jovens uns com os outros. A importância desta cultura do encontro. Alguém dizia há dias que esta palavra encontro, que era interessante porque encontro, “en” que é de entrada; “contro” que é de choque é ao mesmo tempo um acolher e um repelir. Um acolher e é um mostrar. Este encontro dos jovens do mundo inteiro uns com os outros está a fazer o seu caminho. Principalmente naquilo que significa o potencial da construção de pontes entre os jovens cristãos católicos, jovens sem religião e jovens que em espírito e verdade procuram Cristo, procuram Deus. E esse encontro está a fazer o seu caminho.
O outro encontro como sucessor de Pedro. E nós testemunhamos quer nas jornadas mundiais da juventude em que esteve o Papa Francisco, quer nas Jornadas mundiais da juventude onde esteve o Papa Bento XVI, testemunhei, nos não podemos deixar de valorizar o quanto é importante para os peregrinos da jornada mundial este encontro com Pedro.
E por último e em primeiro lugar o encontro com Cristo vivo. Porque o Papa dizia sempre que o convite das jornadas mundiais da juventude, é um convite para os jovens se encontrarem com Cristo vivo. E até hoje este encontro com Cristo vivo continuará a fazer o seu trabalho no coração dos jovens porque é óbvio que nós queremos que este encontro com Cristo vivo mude a vida desses jovens. Nós queremos que eles se convertam a cristãos, que procurem, que encontrem e que testemunhem a experiência com Cristo vivo. Isso nós não temos maneira de contar. Nas nossas dioceses, nas nossas paróquias há muito que estamos a colher os frutos que a jornada semeou, principalmente daquilo que significou despertar muitos jovens para a pastoral dos jovens em Portugal. A Jornada mundial da juventude provocou, estimulou, empurrou, obrigou, convocou os jovens à pastoral da juventude que estavam muito a dormir, muito afastados. E a jornada mundial da juventude colocou os jovens na primeira linha da frente da preparação da jornada, da vivência da jornada e agora nós não podemos perder este movimento. Não podemos esquecer que o lema das Jornadas era: Maria levantou-se e partiu apressadamente. Não podemos perder esta pressa e sentimos quando estamos com jovens que eles têm bichos carpinteiros e estão sempre a mexer-se porque há esta pressa que os impele para termos soldados do futuro.
Há um poeta português de Amarante, que falava nestas saudades do futuro, eu tenho saudades do futuro. E em Setúbal há um poeta que dizia, pelo sonho é que vamos.
Juntando estes dois, as saudades do futuro e pelo sonho é que vamos, a jornada mundial da juventude continua a fazer sonhar os jovens do mundo inteiro.
Que agora já se preparam para o encontro da juventude em Roma com o Papa Leão XIV, e também se preparam até financeiramente para poderem participar na Jornada da Coreia.
Senhor Cardeal, vivemos depois da Páscoa um grande Conclave. Todos sabemos que o Papa não é sucessor de outro Papa, é sucessor de Pedro. Das primeiras oportunidades que tivemos de ver o Papa Leão XIV na sua apresentação ao povo, no dia da sua eleição, na sua missa e homilia aos senhores Cardeais, no encontro com os jornalistas. Parece-lhe que há pontos de continuidade, pontos de descontinuidade, qual é a sua visão e as suas expectativas.
Primeiro, darmos graças a Deus por aquilo que o Espírito Santo fez. Não sei se li ou se vi o Papa Bento XVI falar do Conclave. Que era uma eleição feita por homens onde estava presente o Espírito Santo. E nós vivemos isso estes dias. Nós vivemos literalmente o trabalho e a presença do Espírito Santo no nosso coração, nas nossas vidas para entendermos para se tornar presente e claro no nosso coração e na nossa mão aquilo que era a escolha do Espírito Santo para a nossa Igreja e para o mundo. Nestes dias e nestas horas, nós vamos tendo cada vez mais a certeza da continuidade que acontece sempre. Às vezes pode parecer mais óbvia ou menos óbvia. Mas a continuidade é sempre a continuidade do sucessor de Pedro.
Nós queremos que cada um seja aquilo que é. E o nosso querido Papa Leão XIV será e é aquilo que ele mesmo é. Há dias, numa leitura em que era referida uma passagem de Santo Agostinho, ele dizia, a esperança tem duas filhas, a indignação e a coragem.
E é muito interessante que estando a viver o Ano Santo jubilar, cujo lema é peregrinos de esperanças, e para nós a esperança é uma pessoa, é Cristo vivo, é muito interessante termos um Papa que leva esta provocação de Santo Agostinho no seu coração.
Não tenho absolutamente nenhuma dúvida de que o nosso Papa Leão XIV vai no seu dia a dia testemunhar a indignação em relação àquilo que está mal, ao que põe em causa a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a solidariedade. Estamos a falar daquilo que são as colunas principais da doutrina social da igreja que lhe são tão queridas em razão da referência que ele faz em relação a Leão XIII, a urgência e a emergência da doutrina social da igreja e por isso eu tenho a certeza absoluta que nós fomos ao encontro daquilo que o Espírito Santo nos dizia e Leão XIV é a materialização, é a concretização do Papa que Deus quis e quer para a Igreja e para o mundo nos dias que estamos a viver.
A reação da igreja em Portugal a esta eleição foi excelente certamente. Sei que houve uma larga participação de Portugal aqui em Roma. Qual foi a sua impressão?
Uma brincadeira em primeiro lugar, em Portugal estamos a viver os últimos dias do campeonato de futebol, é quase certo que vai ganhar um clube cujo símbolo é um Leão, o Sporting. E portanto vejam lá como uma boa parte dos aficionados do Sporting ficaram felizes, até o Papa é Leão!
Agora, as reações que eu tenho tido da parte de Portugal é uma reação muito positiva. Mas há uma coisa muito bonita, que eu gostava de sublinhar, da experiência na varanda da Basílica de São Pedro que é a seguinte. As pessoas quando viram a fumaça branca, quando ouviram os sinos começaram a explodir de alegria pelo Papa. Sem saberem quem era. Que bonito.
Imediatamente após o anúncio do nome Leão XIV, os jovens e a praça começaram a cantar cânticos com o nome Leão. Sem ensaio prévio. Em milésimos de segundos dezenas de milhares de pessoas começam a cantar com o coração Uno pelo Papa Leão. Isto não tem explicação. É a presença de Deus no coração das pessoas, que não se conhecem e que em milésimos de segundos, após a divulgação do nome, acolhem com cânticos o novo Papa.
Queremos mais provas daquilo que significa a presença de Deus e do Espírito Santo na escola do sucessor de Pedro? Eu fiquei muito emocionado.
Porque naqueles segundos eu vi a transformação das pessoas que choraram Francisco fazerem a festa do acolhimento a Leão XIV. No centro de tudo está a certeza que Cristo vive. Só a certeza de Cristo vivo e da ressurreição é que permite milhares de corações que choram, imediatamente explodir de alegria ao acolher Leão XIV. Isto enche os nossos corações de que estamos no caminho. De que Deus está a apontar aos homens e mulheres do nosso tempo.
Na perspetiva desse mesmo caminho e para dar esperança, uma mensagem sua aos nossos leitores, principalmente aos jovens, nesse caminho de esperança, nesse caminho de ir para a frente. Neste pontificado que nos desafia e que nos dá uma nova esperança.
A todos os jovens dos mais diversos países de língua portuguesa gostaria de lhes dizer o seguinte. Uma coisa que o Papa Francisco dizia muito, abrirmo-nos às surpresas de Deus. Eu, Jovem de Leça do Balio, Matosinhos, Norte de Portugal. Nunca na vida pensei ser nem Padre, nem Bispo, nem Cardeal. Nunca na vida pensei estar num Conclave. E por isso nos devemos permitir que Deus aconteça no nosso coração, abrirmo-nos às surpresas de Deus. Todos os jovens, mesmo aqueles que vivem dificuldade, que vivem a guerra, a pobreza, trevas nos seus corações. Permiti que Deus aconteça no vosso coração. Abri os vossos corações às surpresas de Deus.
Não tenhais medo, repetiu Leão XIV, repetiu Bento XVI, e disse João Paulo II de uma maneira única em 1978. Não tenhais medo, abri as portas do coração. Escancarai as portas do coração a Cristo vivo. E por isso, abrirmo-nos às surpresas e depois, esta esperança que para nós é Cristo vivo, esta esperança que para nós tem duas filhas, a indignação e a coragem. Eu provoco, convido os jovens a serem corajosos perante as adversidades que possam encarar na sua vida, da família, do trabalho, da escola, da saúde e de tantas circunstâncias adversas, nunca nos deixarmos cair e ficar no chão.
Como dizia o Papa Francisco, o problema não é cair, o problema é levantar. O único momento em que é permitido alguém olhar para o outro de cima para baixo é quando estende a mão para ajudar a levantar. E nós agora temos no nosso caminho, atrás ao lado e à frente, temos um Leão, temos Leão XIV. E por isso acreditar no Senhor, permitir que ele habite no nosso coração. Aberto às surpresas, com indignação, com coragem porque a nossa esperança é Cristo vivo, e se ele habitar nos nossos corações, nada nem ninguém nos separará do amor de Deus e deste caminho que fazemos todos em conjunto.