
Publicamos amplos excertos do editorial contido no número 174 de Rassegna di Architettura e Urbanistica, editada pela Universidade romana La Sapienza, dedicado ao décimo aniversário da carta encíclica do Papa Francisco, Laudato si’ e escrito antes do falecimento do Pontífice. O editorial é assinado pela diretora da revista e pelo cardeal prefeito do Dicastério para a cultura e a educação.
Maria Argenti e José Tolentino de Mendonça
Nos dias em que o tema da crise climática é objeto de uma repentina remoção da agenda pública, excluído em cada vez mais países até do debate cultural, este número de “Rassegna” — publicado no décimo aniversário da Encíclica Laudato si’— é fruto de uma reflexão compartilhada e de uma colaboração inesperada entre “La Sapienza”, uma das mais antigas universidades europeias, laica nos seus fundamentos e na sua fé, e um Dicastério da Santa Sé, o da Cultura e da Educação, religioso por natureza, comprometido na reflexão sobre o papel da arquitetura nas sociedades contemporâneas, com a organização da representação do Vaticano na Bienal de Arquitetura de Veneza. No centro está o papel que os intelectuais e as universidades, os professores e os investigadores podem desempenhar para dar início a um processo de renovada tomada de consciência acerca do que liga a arquitetura ao desenvolvimento sustentável, ao futuro das cidades e do planeta. Pois a urgência não diminuiu de modo algum. E diz respeito a todos nós, sem excluir ninguém. Já há um ano, face ao agravar-se da crise, a alarmante Exortação apostólica do Papa Francisco Laudate Deum, na véspera da Cop28 em Dubai em 2023, ressoou como um dramático último aviso ignorado. Hoje, perante o crescente cansaço da política e a tentação fatal e ilógica de voltar atrás, iludindo-nos de que a crise pode ser simplesmente negada, é tarefa das instituições culturais cultivar a ciência e o conhecimento, a lógica e a razão.
Passou pouco mais de um ano desde então, e a situação não mudou muito. Depois da Cop29 em Baku, dez anos depois da Laudato si’, parece cada vez mais evidente a relação inversamente proporcional entre o agravar-se das consequências das mudanças climáticas e a timidez das respostas que os governos, as instituições supranacionais e os colossos da economia conseguem dar. Como afirmou o presidente da República italiana, Sergio Mattarella, no seu discurso de fim de ano em 2024, «o crescimento das despesas com o armamento, desencadeado no mundo pela agressão da Rússia à Ucrânia [...] alcançou o valor recorde de 2.443 biliões de dólares no ano passado. Oito vezes mais do que foi estabelecido na Cop29 para combater as mudanças climáticas, uma exigência vital para a humanidade. Uma desproporção alarmante!». Se o simples uso do termo sustentabilidade se torna cada vez mais difícil; se continuamos a assistir a uma perda constante das diversidades; se continuamos ancorados ao modelo colonial e à sua capacidade camaleónica de se adaptar a diferentes contextos, mascarando a sua verdadeira essência e os pressupostos ideológicos, devemos perguntar-nos como podemos responder adequadamente à crise.
A arquitetura e o urbanismo não podem deixar de distinguir entre o que edifica o futuro e o que o consome; não podem ser sujeitos passivos no crescimento de uma nova consciência ecológica. Mas é necessária uma cultura do projeto diversificada, capaz de ativar dinamismos a partir do interior de cada história, de transformar a fragilidade em força, os limites em ocasiões. É necessária uma abordagem diferente da crise, que contemple a possibilidade de mais opções, até na vida social, como a da vida compartilhada, ativada por um grupo de famílias na periferia romana; ou ainda algumas experiências de co-housing intergeracional, capazes de iniciar dinamismos diferentes dos tradicionais, no que diz respeito a residências para estudantes e para idosos.
Somos chamados a encontrar juntos o caminho para salvar o nosso planeta da catástrofe ecológica; e a nós, homens, seus habitantes, da solidão árida do deserto que paradoxalmente construímos em busca da terra prometida. O que procuramos? Um sonho abstrato, ilimitado, fora da realidade? Ou um desejo de felicidade que se insere na materialidade da realidade, que assume também «outro tipo de beleza: a qualidade de vida das pessoas, a sua harmonia com o meio ambiente, o seu encontro e a entreajuda» (LS, 150). A nossa intenção é provocar uma reflexão, não maneirista, sobre a relação entre arquitetura e ecologia integral; e — de forma mais geral — sobre a interação entre os modelos de desenvolvimento e a indústria das construções. O desafio é passar de um paradigma único, baseado no consumo e no lucro, para uma abordagem interdisciplinar e investigar em conjunto uma forma holística de beleza no sentido mais total e completo do termo, englobando não só a arquitetura e o urbanismo, mas também a economia, as ciências políticas e jurídicas, e todas as áreas do saber. Por isso, partimos das reflexões do Papa Francisco sobre economia, ecologia, cidades, modelos sociais: para discutir de modo laico sobre a responsabilidade da cultura na construção e reconstrução do mundo. Como responderam e como responderão os arquitetos e urbanistas, universidades e empresas, investigadores e profissionais, historiadores e projetistas, ao crescente sentimento de alienação e alheação dos habitantes das grandes metrópoles? Como cuidamos ou devastamos o planeta? Ser ecologista, escreve falando de si próprio Yann Arthus-Bertrand, um dos maiores fotógrafos do nosso tempo, significa amar a natureza e amar as pessoas. E também compreender «as dinâmicas que levam milhões de pessoas a emigrar, a tornar-se invisíveis, talvez a trabalhar na construção de arranha-céus e de edifícios onde nunca poderão viver». Trata-se de compreender o que liga «a crise do planeta à crise da humanidade que o habita, e a exploração da terra à exploração do homem». Pois «a ecologia está intimamente ligada ao humanismo. Assim como o humanismo está vinculado à construção de casas e de cidades para os seres humanos». De que modo imaginamos a relação entre a história e o futuro na era digital da inteligência artificial e da memória seletiva? Como podemos não musealizar, mas dar vida concreta ao acervo artístico e ao conhecimento das múltiplas e diferentes culturas, que corre o risco de ser esmagado por um modelo em que o único critério de seleção será o lucro? Procuramos ter tudo e corremos o risco de perder tudo. Eis o problema! Compreender isto é já metade da solução. O resto resolver-se-ia quase por si só, redescobrindo o sentido do “nós”. Deveríamos voltar a acreditar na beleza dos «espaços que ligam, relacionam e favorecem o reconhecimento do outro» (LS, 152). O pensamento do Papa não é nostálgico, não lamenta o passado, desafia-nos a tomar consciência de que o futuro está nas nossas mãos: pede-nos que promovamos o diálogo entre a linguagem técnico-científica e a linguagem popular. E a arquitetura não é apenas o espelho de uma época, é também e talvez sobretudo a arte de projetar uma época, um tempo, um espaço. É cultura de projeto «no seu sentido vivo, dinâmico e participativo». Algo «que não se pode excluir quando se repensa a relação do ser humano com o meio ambiente» (LS, 143). «Se a arquitetura reflete o espírito de uma época — escreveu Francisco na Laudato si’ — as megaestruturas e as casas fabricadas em série exprimem o espírito da tecnologia globalizada, em que a permanente novidade dos produtos se conjuga com um tédio pesado. Não nos resignemos a isto e não renunciemos a interrogar-nos sobre os fins e o sentido de tudo. Caso contrário, só legitimaremos o presente e precisaremos de mais substitutos para suportar o vazio» (LS, 113).
Também e talvez principalmente para o mundo da cultura, das universidades, da investigação, seja o momento de agir, de transformar o pensamento em ação. Não podemos deixar de ver as guerras, as centenas de milhares de mortos, a destruição, os escombros, o olhar desorientado das crianças; a nossa humanidade feita refém de uma economia que mata, o sulco que divide as cidades dos ricos e as cidades dos pobres.
Na realidade, o futuro parece ter saído do nosso alcance. Mas ainda é possível repensar o modelo de desenvolvimento, colocando o homem no centro. De muitas maneiras diferentes. Com a consciência de que não existe uma única solução. Mas apenas um método: declinar a ecologia integral no projeto. Assim, a forma urbana seria um tema ecológico ao nível dos outros; enraizado na importância de «as diferentes partes de uma cidade estarem bem integradas e os habitantes poderem ter uma visão geral em vez de se fecharem num bairro, renunciando a viver toda a cidade como seu espaço partilhado com outros». Neste sentido, a forma torna-se concretamente substância, não apenas ao nível da especulação concetual. Andreja Kutnar, Anna Sandak, Jakub Sandak sugerem uma maior utilização de biomateriais. Form follows love, o lema de Anna Heringer, funde nesta mesma abordagem o conceito de felicidade, quer com os espaços físicos da arquitetura construída quer com os espaços mentais que desencadeiam o nascimento de ideias de design. Os projetos felizes nascem de uma ideia feliz e geram espaços felizes. Quanto ao papel das universidades no cultivo destes pensamentos, o mundo da investigação é muitas vezes visto — e corre o risco de se ver — como um universo à parte, como se o caminho que liga a investigação à vida tivesse sido interrompido. Isto acontece em parte também porque o mundo das instituições governamentais, por sua vez, ergueu as suas pontes levadiças sobre o mundo da ciência e do conhecimento. Mas assim, a sua e a nossa capacidade de ligar ou separar reverteu para um conceito burocrático da vida. Entre os numerosos desafios que a atualidade apresenta a quem trabalha na investigação, um que é fundamental diz respeito à capacidade de voltar a unir os conhecimentos e as competências às instituições — não só a nível nacional, mas também global. É necessária uma perspetiva concreta de ação iluminada por uma ideia e orientada por uma política. Precisamos de hipóteses de investigação que tenham a ambição de se transformar em projetos concretos, funcionais para as nossas sociedades. É tempo de restabelecer um diálogo interrompido.
Afinal de contas, resta uma grande verdade. Em síntese, há uma compreensão da realidade. E há uma compreensão do homem. Se a tecnologia está ao serviço do homem, e se o homem não pode nem deve, de modo algum, comprometer irreversivelmente o ecossistema em que vive, é necessário, diz Luca Fiorani, «desviar a nossa atenção para as relações que permitem alcançar a sustentabilidade — nas suas dimensões ambiental, social e económica — sem considerar se este objetivo implica ou não o crescimento do Pib». Existem outros indicadores para medir «a busca da sustentabilidade relacional». E, sobretudo, é necessária «a contribuição das atividades mais nobres da pessoa, como por exemplo a arquitetura, a arte, a comunicação, o direito, a ecologia, a economia, a medicina, a pedagogia, a politologia, a psicologia, a sociologia, o desporto».
Eis o desafio! O primeiro passo para o enfrentar é falar sobre ele. Dar início a um debate. Estimular projetos. Ensinar a ver e a agir. A arquitetura precisa de uma perspetiva integral.