
Há como que um curto-circuito entre a representação e a realidade no que diz respeito às mulheres religiosas. No Vaticano, tornam-se Prefeitas e Governadoras, e há irmãs economistas, historiadoras, professoras universitárias, cientistas, muitas delas governam Congregações religiosas de dezenas de milhares de pessoas. Só para dar alguns exemplos, as salesianas são quase 15 mil, as Filhas da Caridade quase 20 mil e estão presentes nos cinco continentes onde têm escolas, universidades, redes educativas internacionais, hospitais, missões, centros de acolhimento, projetos de desenvolvimento. As suas madres gerais dirigem praticamente multinacionais: gerem fundos, têm enormes responsabilidades e um impacto social concreto e mensurável.
Mas tudo isto emerge muito pouco na televisão, onde as religiosas são aprisionadas numa narrativa estereotipada e redutora. Protagonistas de ficções leves, policiais ou sentimentais, figuras isoladas, estão distantes da complexidade do mundo eclesiástico feminino contemporâneo.
E mesmo a nível para-histórico, ou seja, da revisitação de personagens e épocas, o vazio de género é quase pneumático. Durante algum tempo, as televisões italianas disputavam papas e santos, João XXIII, Paulo VI e João Paulo I e II, dom Bosco, padre Pio. E as mulheres? Toda aquela vasta messe de personalidades colossais que animaram a vida da Igreja? Sim, santa Clara, um par de madres Teresa, várias Joana d’Arc, sem especiais aprofundamentos para a jovem, nascida em 1412, queimada na fogueira em 1431 e santificada em 1920, e isto quererá dizer algo. A chegada das plataformas de streaming despertou o interesse pelas mulheres pioneiras em alguma coisa, como a advogada valdense Lidia Poët, a primeira mulher a entrar na Ordem dos advogados em Itália, com a sua biografia adaptada para fins de audiência; mas mesmo aqui, pouco sobre religiosas, místicas, teólogas. E há gigantes.
As emissoras consideram que as mulheres de fé não atraem os espectadores e que é também difícil modificar as suas biografias. Ou explorá-las. O sentimento comum dos realizadores, argumentistas, produtores leva a pensar que o feminino seja aquele “eterno” feito de olhares assassinos e corpos sedutores. Há muito trabalho a fazer, muitas mentes e mentalidades a mudar. O desafio, em tempos «difíceis de atravessar e narrar», como disse o Papa Leão no seu primeiro encontro com a imprensa, é nunca ceder «à mediocridade», deixando para trás «estereótipos e clichés». Talvez tenha chegado o momento de atualizar também a narrativa televisiva. Pois uma Igreja em mudança merece uma narrativa à altura das suas protagonistas.
Alessandra Comazzi
Jornalista, crítica televisiva
#sistersproject