· Cidade do Vaticano ·

MULHER IGREJA MUNDO

Numa época de cinismo, a coragem de desafiar o presente

A esperança,
impulso de liberdade

 La speranza,   DCM-006
07 junho 2025

Nas mensagens de todo o mundo a Leão XIV, imediatamente após a sua eleição, uma das palavras que mais ressoou foi “esperança”. A paz que o novo pontífice evocou várias vezes na sua primeira mensagem, ao presidente da República italiana Sergio Mattarella foi “a esperança da humanidade inteira”.  A Porta Santa aberta no final de 2024 pelo Papa Francisco, inaugurando o Jubileu, encoraja-nos a fazermo-nos “peregrinos da esperança”.

Mas o que significa realmente a esperança hoje, num mundo que oscila entre cinismo, resignação ou, em alguns casos, otimismos fáceis?

A esperança não é uma fuga do presente nem do mundo real: é antes um “intenso anseio pelo futuro”, como escreve Jürgen Moltmann na sua “Teologia da esperança”.

Também não coincide com as expectativas, que são, na verdade, meras projeções das nossas ambições e aspirações, na sua maioria destinadas a transformarem-se em desilusões.

A etimologia vem em nosso socorro: a raiz sânscrita spa significa “tender para um objetivo”, inclinar-se, desequilibrar-se, projetar-se para além de si mesmo e da contingência do momento. É ir mais além.

A esperança é um movimento que se realiza sem certezas, sustentado pela confiança e pela ressonância que o bem produz em nós. Podemos esperar porque já experimentámos algo de bom, porque sentimos que o bem, em nós, ressoa mais alto do que o mal.

A esperança não é racional, não depende de cálculos de custos e benefícios ou de apoios externos. É um impulso que nasce do interior, da confiança na possibilidade do bem. O Papa Francisco, na encíclica “Fratelli tutti”, descreve-a como enraizada nas profundezas de cada ser humano: um «anseio de plenitude, de vida bem-sucedida, de querer agarrar o que é grande, o que enche o coração e eleva o espírito… A esperança é ousada, sabe olhar para além das comodidades pessoais… para se abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna».

Sem esperança não há liberdade. A sua ausência estreita os horizontes, remete-nos para os preconceitos, fecha o futuro, extingue a solidariedade. Não é por acaso que semear a desconfiança é uma estratégia de domínio praticada com demasiada frequência. A obsessão contemporânea pela “segurança” sufoca a esperança, reduzindo a vida à mera sobrevivência biológica e encolhendo os nossos horizontes até fazê-los coincidir com as nossas bolhas protetoras. Mas é assim que se sufoca!

Não cedamos à corte de desconfiança, desilusão e desencanto, mesmo quando tudo parece impossível. Como escreve a poetisa Margherita Guidacci: «Não obedeças a quem te diz para renunciares ao impossível! Só o impossível torna possível a vida do homem».

Não esperemos apenas para nós. «Temos a obrigação moral de não deixar morrer a esperança em nós, para a fazer renascer naqueles que a perderam», recorda-nos o psiquiatra italiano Eugenio Borgna. Dar voz aos caminhos de esperança abre-nos para além de nós próprios, para o reconhecimento da solidariedade com os outros e com as gerações futuras. Sem esperança, de facto, porquê semear? Porquê empenhar-se? Como dizia o Papa João XXIII: «Não te aconselhes com os teus medos, mas com as tuas esperanças e os teus sonhos. Não penseis nas vossas frustrações, mas no vosso potencial por realizar. Não vos preocupeis com aquilo que tentastes e falhastes, mas com aquilo que ainda vos é possível fazer».

A esperança é “paixão pelo possível”, escrevia o filósofo Søren Kierkegaard. Uma paixão que opõe o primado da necessidade à força da imaginação. Se não aprendermos a arte de olhar para além do que já está presente, ou do que pode ser previsto com base no que é dado, nunca seremos livres. A poetisa americana Emily Dickinson exprime-o delicadamente: «Sem saber quando chegará a aurora, mantenho todas as portas abertas».

Então pode-se respirar, com a confiança de uma plenitude que nos espera. Chama-se “salvação” e diz respeito à nossa integridade: não apenas a sobrevivência biológica, mas a dignidade, a liberdade, o espírito que nos anima, o sentido do nosso existir.

Quem dá a sua vida pelos outros não está “seguro”, mas é “salvo”.

A esperança é um desejo de salvação, não de segurança. Procurar a segurança significa perseguir o mito do “risco zero”. Mas sem arriscar não se vive e sem esperança não se arrisca. Só quem tem esperança pode olhar a morte de frente por amor à vida. Como escreveu Georges Bernanos: «A esperança é um risco a correr. É até mesmo o risco dos riscos».

A esperança é uma força revolucionária que nasce do desejo profundo do ser humano de não ser passivo e manipulado: um desejo continuamente sufocado por medos induzidos. É uma virtude, não um afluxo emocional genérico. Exige a coragem de enfrentar os desafios, em vez de se limitar a defender-se. Mudar o status quo, lutar contra as injustiças, abater os muros são movimentos complexos que só florescem e se sustentam através desta virtude.

Não é uma coleção de bons sentimentos, nem a apanágio das almas bonitas. Não escapa ao teste da realidade, mas exige o cultivo de um saber fazer, um saber viver, um saber pensar.

A esperança é profundamente diferente do otimismo. Como escreve Thomas Merton, escritor e monge cristão, «a esperança perfeita adquire-se à beira do desespero». Não é a convicção de que tudo vai correr bem, mas a certeza de que o que fazemos tem um sentido, independentemente do resultado final, como afirmava Vaclav Havel. O otimismo remove toda a negatividade, não conhece a dúvida e a angústia; a esperança não as remove, mas não se deixa esmagar por elas.

É um movimento de procura, uma abertura para o que ainda não veio ao mundo, para além da prisão de um tempo fechado.

Quem perde a esperança odeia a vida: e isso é tragicamente evidente nas formas destrutivas que afligem a vida social contemporânea. «Ter esperança é uma condição essencial do ser humano; se renuncia a toda a esperança, deixou para trás a sua própria humanidade», escreve o filósofo coreano Byung-chul Han.

Um mundo sem esperança torna-se cínico e desumano. «O homem combateu pela liberdade e a felicidade, mas começa uma era em que o homem deixa de ser humano e se transforma numa máquina que não pensa e não sente», adverte Erich Fromm.

O antídoto a tornarmo-nos como as máquinas e os aparelhos que construímos é a esperança, que alimenta a ativação, a iniciativa e não a passividade.

Quem se move com o impulso da esperança sabe que a recompensa fundamental não está na realização da obra, mas no processo que se inicia, no caminho que, caminhando, se abre. O futuro não está já escrito: para Moltmann, a esperança não tende a «iluminar a realidade existente, mas a realidade que está por vir», e «não conduz o homem a conformar-se com a realidade dada, mas envolve-o no conflito entre a experiência e a esperança», quem cultiva a esperança não se adapta, não se resigna «ao facto de que o mal gera sempre outro mal».

A esperança é paradoxal. Exige humildade e escuta, mas também capacidade de envolvimento e iniciativa. A esperança não é nem passiva nem ativa: é “deponente”. «Não é uma expetativa passiva nem um forçar irrealista de circunstâncias que não se podem realizar. Ter esperança significa estar pronto a cada momento para aquilo que ainda não nasceu», escreve Fromm.

Num mundo fragmentado, onde triunfam o individualismo exacerbado que se torna “egocracia”, a falta de esperança alimenta o egoísmo, quando não chega a justificar o ódio. Vice-versa, a esperança religa, reconcilia: «O sujeito da esperança é um nós», diz Byung-chul Han.

Sem esperança, o viver torna-se sobreviver, adaptar-se ao que já existe, procurando, na melhor das hipóteses, pequenas ilhas de conforto que reproduzem o idêntico, e no fim apagam-nos.

A esperança retira-nos do devir e dá-nos o futuro: torna-nos capazes de nos desvincularmos da tirania de um tempo fechado, para transformar o devir previsível num futuro inaudito. «Quem espera torna-se recetivo ao novo», porque «a esperança é a parteira do novo», escreve Byung-chul Han.

No fundo, viver é esperar.

Caminhemos, portanto, na esperança, na senda que o Papa Francisco nos deixou em herança: «Continuai a cultivar sonhos de fraternidade e a ser sinais de esperança!».

Chiara Giacciardi