· Cidade do Vaticano ·

Um canteiro de obras habitado pela música

 Um canteiro de obras  habitado pela música   POR-005
30 abril 2025

SILVIA GUIDI

No lema do projeto, os “Os” contidos nas palavras “pavilhão” e “obra” são elípticos, não circulares; uma figura geométrica com dois focos, a elipse, que exprime visualmente a experiência de um movimento centrípeto, mas, ao mesmo tempo, também descentralizado, um diálogo dinâmico entre diferentes sujeitos (como, neste caso, arquitetura e coletividade). Dois focos contidos numa linha contínua; um abraço ideal que precisa (também) de música para se tornar real; em seguida veremos porquê. «Será um pavilhão-parábola inspirado na Laudato si’», disse o cardeal José Tolentino de Mendonça, prefeito do Dicastério para a cultura e a educação, apresentando o espaço da Santa Sé — um espaço de «restauração habitada» que será montado no âmbito da 19ª Exposição internacional de arquitetura — Bienal de Veneza 2025, de 10 de maio a 23 de novembro.

O título, Opera Aperta, já é uma declaração de intenções, reiterou o cardeal durante a conferência de imprensa de apresentação do projeto, realizada na Sala de imprensa da Santa Sé no dia 9 de abril, na qual participaram, entre outros, dois dos organizadores do Pavilhão — Marina Otero Verzier, em ligação à distância, e Giovanna Zabotti; Anna Puigjaner, de Maio Architects, especialista em construção urbana, em ligação de Barcelona; Michele Coppola, executive director de Arte, Cultura e Bens históricos — Intesa Sanpaolo e diretor-geral de Gallerie d’Italia; e o engenheiro José Teixeira, presidente do Grupo Dst, que deu um testemunho de fé no investimento-cultura como motor de criatividade, em ligação do seu estúdio em Braga (Portugal). A próxima etapa da peregrinação — em sentido material e espiritual — que a Santa Sé faz a Veneza em cada edição da Bienal em que participa é o “Complesso di Santa Maria Ausiliatrice”, 550 m2 de grande valor histórico.

Três edifícios interligados, com profundas raízes na história religiosa e cultural da cidade; um lugar ideal para explorar a interação entre arquitetura, espiritualidade e «remendo» de um tecido social muitas vezes rasgado ou, em todo o caso, não suficientemente coeso. Através da exposição, a Santa Sé convida os visitantes a refletir sobre a arquitetura não só como arte de edificar, mas como meio para construir uma comunidade. «Precisamos de tecelões de relações que acreditem no valor da reparação e do cuidado. Devemos encontrar novas racionalidades que ousem práticas sociais colaborativas e arrisquem paradigmas mais eficazes de restituição», reiterou o cardeal José Tolentino de Mendonça.

A experiência de que tudo está interligado, de que todos somos habitantes de uma casa comum é cada vez mais partilhada, acrescentou o prefeito do Dicastério para a cultura e a educação, citando a Laudato si’ do Papa Francisco, publicada há dez anos. Por isso, o Pavilhão da Santa Sé será «um canteiro de obras, um processo contínuo para o qual todos são convidados a colaborar: arquitetos, pensadores, habitantes do sestiere, associações e até os visitantes da Bienal». No espaço do antigo oratório de Santa Maria Auxiliadora, que necessita de obras de restauro estrutural, será contada uma parábola, porque enquanto se reparam as paredes e os pormenores arquitetónicos do edifício, também se cuidam das relações de vizinhança e da hospitalidade intergeracional, reconstruindo assim simultaneamente os espaços físico e social».

Os responsáveis pela organização — um grupo com elevada percentagem de mulheres — trabalharam com o objetivo de criar uma encruzilhada de inteligências (naturais, artificiais, coletivas) e uma expressão concreta, no campo da arquitetura, das intuições proféticas contidas na Laudato si’ e, acrescentou o purpurado, com o objetivo de «criar um laboratório ativo de inteligência humana comunitária, que conjugue razão e afeto, profissionalismo e convívio, investigação e vida quotidiana».

A palavra de ordem, afirmou Marina Otero Verzier, em ligação de Nova Iorque, é reparar e adaptar, revitalizar em vez de realizar projetos de grande impacto, aprender a alimentar comunidades e ecossistemas, conciliando passado e futuro, respeitando a vida de quem nos precedeu e de quem vier depois de nós, valorizando as competências e as técnicas dos artistas e artesãos locais, muitas vezes infelizmente em risco de desaparecer, como frisou Tatiana Bilbao no seu discurso, do estúdio de arquitetura com o mesmo nome.

Seguindo o conselho do Papa Francisco, disse Giovanna Zabotti, é preciso imaginar processos mais do que ocupar espaços, para criar um lugar onde seja realmente possível fazer experiências. Participar neste projeto, acrescentou Zabotti, foi também uma oportunidade para analisar uma realidade habitual com outros olhos, uma ocasião para «ver a minha cidade de outro ponto de vista, em busca de relações. Só no centro histórico, há 280 associações ativas: trata-se de uma Veneza que muitos ainda não viram. A música vai aquecer este lugar que agora está vazio». Haverá espaços para tocar música e instrumentos — entre os quais um piano — acessíveis aos visitantes. Será um pavilhão para viver mais do que para ver».