· Cidade do Vaticano ·

Em conversa com a irmã comboniana Elena Balatti missionária no Alto Nilo

O equilíbrio precário do Sudão do Sul

 O equilíbrio precário  do Sudão do Sul  POR-005
30 abril 2025

Valerio Palombaro

Aprovíncia sul sudanesa do Alto Nilo é uma prova de fogo das tensões que atravessam o Corno de África. Do campo de refugiados de Renk – no extremo norte do Sudão do Sul, inserido no território do Sudão devastado pela guerra — à capital Malakal, cerca de 300 km mais a sul, a região do Alto Nilo acolhe centenas de milhares de deslocados pelo conflito sudanês. Entre eles estão também muitos sul-sudaneses, que fugiram na época da guerra civil que ensanguentou o país com 400.000 vítimas há cerca de dez anos, obrigados a regressar à pátria com a eclosão do conflito brutal no Sudão, em abril de 2023.

Mas a paz está novamente em jogo também no Sudão do Sul, como atestam os confrontos e as tensões políticas das últimas semanas, culminadas com a detenção do vice-presidente Riek Machar. «Houve uma emigração em massa da população Nuer para a Etiópia, por medo de ataques e represálias», conta a irmã Elena Balatti aos meios de comunicação do Vaticano, referindo-se aos confrontos que tiveram lugar no final de março no nordeste do Sudão do Sul. A religiosa comboniana, originária de Valtellina, conhece há muitos anos a realidade do Alto Nilo, onde dirige as atividades da Caritas na diocese de Malakal. «A Etiópia ocidental», acrescenta, «registou um fluxo significativo de sul sudaneses, que fugiram como medida preventiva para evitar de se encontrarem numa zona de confronto entre grupos e milícias».

Além das tensões políticas na capital Juba — ligadas à difícil implementação dos acordos de paz de 2018 e à luta pelo poder entre o presidente Salva Kiir e o vice-presidente Makar —, nas últimas semanas registaram-se confrontos armados entre as diferentes fações ligadas, de alguma forma, a um ou outro dos “antigos rivais” agora nos vértices do “jovem” país africano. «Isto traduziu-se no território em episódios de grande violência» confirma a irmã Balatti». «E isso aconteceu em várias zonas do Sudão do Sul, incluindo o território do Alto Nilo e da diocese de Malakal, com episódios muito graves e desconcertantes que causaram perdas de vidas humanas. Mesmo em Malakal, capital do Alto Nilo, assistimos à deslocação de pessoas para áreas limítrofes, criando enormes pressões sobre aldeias que já não conseguem satisfazer as necessidades dos seus habitantes. Não podemos esquecer que no Alto Nilo houve grandes inundações nos últimos anos ligadas às alterações climáticas, com graves danos para as colheitas, pelo que é difícil que uma aldeia consiga acolher uma chegada em massa de centenas de pessoas que fogem da cidade de Malakal».

A crise sul-sudanesa ainda não está resolvida, mas a União africana ativou-se para favorecer uma mediação em Juba. «Tudo isto está a agravar a crise económica e humanitária no Sudão do Sul», retoma a irmã Balatti, recordando que a data crucial com as eleições foi adiada do final de 2024 para o final de 2026. «A Igreja local procura intervir com uma única linha, ou seja a do respeito pelo acordo de paz de 2018», sublinha a religiosa. «Esta foi também a linha defendida durante a visita que o Papa Francisco fez em 2023 ao Sudão do Sul, convidando os políticos à colaboração, à reconciliação e à inclusão».

A alternativa à paz e ao diálogo não é senão um regresso ao pesadelo da guerra fratricida já vivida no rescaldo da independência.

Um cenário que seria insustentável tendo em conta a guerra que já está a decorrer no vizinho Sudão. Depois da reconquista da capital sudanesa, Cartum, pelo exército, os fluxos de refugiados para o Sudão do Sul diminuíram. «No entanto, o governo sul-sudanês deu ordens para que as pessoas deslocadas, que já se encontravam em território sul-sudanês, fossem transferidas da localidade de Renk para Malakal. Isto porque não existem estruturas adequadas para acolher dezenas de milhares de deslocados que se encontram em Renk. Este processo de recolocação está a decorrer muito lentamente: a Organização internacional para os migrantes e o acnur estão a monitorar a situação. Malakal, neste contexto, não é uma cidade totalmente segura».

As dificuldades hoje são também agravadas pelos cortes dos apoios internacionais ao desenvolvimento. «Tínhamos um grande projeto para ajudar na reintegração de milhares de refugiados que chegaram do Sudão como deslocados de guerra», explica a coordenadora da Caritas de Malakal. «Ele tinha boas hipóteses de sucesso, mas com o corte das ajudas internacionais deixou de ter seguimento. Também outro projeto relacionado com a sensibilização para a paz, que já tinha sido financiado, foi interrompido, pelo que o impacto dos cortes se fez sentir com mais força». Mas os apoiantes da Caritas sul-sudanesa são diversificados e o trabalho no terreno não cessa. «O território do Alto Nilo tem imensos recursos naturais, por isso a nossa prioridade é oferecer, sobretudo aos que regressaram do Sudão, ferramentas agrícolas, sementes ou equipamento para a pesca, canoas, para que as pessoas possam reconstruir uma vida e tornar-se autossuficientes».

A irmã Balatti menciona depois outro problema que a população sul-sudanesa se encontra obrigada a enfrentar. «Neste período, os casos de cólera aumentaram muito, pelo que outro objetivo é escavar poços e procurar realizar instalações para purificar a água do Nilo nas aldeias», relata a religiosa comboniana.

A religiosa deixa finalmente aberta a porta da esperança. «Quando ouvi que o Papa tinha anunciado a esperança como tema do Jubileu, pensei realmente como os Papas são inspirados pelo Espírito Santo. Há necessidade de esperança para que o nosso mundo, não apenas o Sudão do Sul, evite entrar numa conflagração de povo contra povo». Isto é válido sobretudo para os jovens «tentados a cair no desespero», que precisam da paz para poderem esperar num futuro melhor.