
Alessandro Gisotti
Uma nova temporada para a diplomacia da Santa Sé. Foi lançada pelo Papa Francisco com a publicação de um Quirógrafo que sanciona oficialmente a renovação da Pontifícia Academia Eclesiástica, uma instituição com mais de três séculos de atividade e um papel significativo na diplomacia internacional. Fundada em 1701, a instituição — que a Praedicate Evangelium confirmou como parte integrante da Secretaria de Estado — sempre teve a função de preparar os diplomatas pontifícios, os enviados do Papa às várias nações e às principais organizações internacionais. Estes sacerdotes não se limitam a trabalhar nos países onde a Igreja está implantada e enraizada, mas estão também presentes em territórios onde a comunidade eclesial está a emergir, ou até ausente. A sua missão é, portanto, levar a voz do Papa e da Santa Sé aos vários contextos onde a Igreja está presente e ativa, bem como nos fóruns internacionais onde se discutem questões globais da humanidade. Esta reforma não deixa de se enquadrar no processo sinodal tão fortemente desejado por Francisco, como demonstra também a presença no Conselho de Administração da Academia de prefeitos de vários Dicastérios da Cúria romana. O cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, que é também o Protetor da Pontifícia Academia Eclesiástica, falou com os meios de comunicação do Vaticano sobre os pontos salientes desta reforma. E faz votos de que a diplomacia vaticana esteja com coragem e criatividade — como pede o Papa — cada vez mais ao serviço do diálogo entre os povos e as culturas.
A Pontifícia Academia Eclesiástica foi fundada há mais de trezentos anos. No entanto, os seus objetivos fundamentais permaneceram os mesmos...
Sim, mais de três séculos depois da sua fundação, a Pontifícia Academia Eclesiástica continua a formar diplomatas que são o olhar vigilante e lúcido do Sucessor de Pedro sobre a Igreja e o mundo, empenhados em representar o Papa com um espírito missionário que não conhece fronteiras. Eles não só participam nos debates internacionais, mas são chamados a interpretar e a propor, em sintonia com a visão cristã da Igreja, soluções que possam contribuir para a construção de um mundo mais justo e fraterno.
O Papa Francisco sempre prestou atenção às pessoas comprometidas no percurso de formação da diplomacia do Vaticano. Quais são as principais qualidades que o Santo Padre considera que um bom diplomata da Santa Sé deveria ter?
Durante os encontros com os Núncios apostólicos e os Observadores permanentes, o Papa Francisco descreveu muitas vezes os diplomatas pontifícios como “sacerdotes de mala na mão”, sublinhando assim o carácter pastoral, missionário e universal do seu serviço. Foi precisamente este espírito de serviço evangelizador que levou o Papa a reorganizar o percurso de formação destes sacerdotes, com o objetivo de reforçar a sua preparação e de a adaptar aos desafios contemporâneos. Uma decisão que marca um novo capítulo na história da diplomacia pontifícia.
Aqui, entramos no coração da reforma. Quais são as novidades mais significativas? Qual é o espírito que está por detrás desta decisão do Papa?
Com a reforma, a Academia estrutura-se como um Instituto de Ensino Superior e de Investigação em Ciências Diplomáticas, em linha com a visão inovadora proposta pela Constituição Apostólica Veritatis gaudium e com os padrões internacionais dos estudos universitários, em particular com o “Processo de Bolonha”, que conseguiu uma harmonização dos vários sistemas europeus de ensino superior. A partir de agora, a Pontifícia Academia Eclesiástica poderá conferir os graus académicos de licenciatura (equivalente ao mestrado) e doutoramento (PhD), oferecendo aos seus estudantes uma formação que integra disciplinas jurídicas, históricas, politológicas e económicas e, naturalmente, conhecimentos específicos em ciências diplomáticas. Com uma visão atualizada dos percursos universitários e de investigação, este é um regresso às raízes, à fundação desta instituição que viveu muitos acontecimentos da história, muitas vezes não fáceis para a Sé de Pedro. E apesar das adversidades dos acontecimentos, a Academia continuou a ser o lugar de formação ao serviço dos Papas.
No Quirógrafo, o Papa sublinha que a renovação não se limita a uma abordagem puramente técnica...
Certamente. Os programas de ensino estarão, de facto, estreitamente ligados às disciplinas eclesiásticas, de modo a que a preparação dos sacerdotes-alunos conjugue a esfera diplomática com a dimensão de comunhão da Igreja e se desenvolva em harmonia com o método de trabalho da Cúria romana, a evangelização e a ação missionária da Igreja. E depois a relação entre a Igreja e a sociedade, bem como o diálogo com a cultura contemporânea, que são considerados elementos fundamentais para a diplomacia vaticana, que se faz porta-voz da mensagem cristã nas instâncias internacionais. Também por este motivo — embora a Academia esteja organicamente inserida na estrutura da Secretaria de Estado — vários Dicastérios da Cúria romana estarão envolvidos na formação e nos órgãos colegiais da Academia.
Esta reforma teve uma longa gestação. Pode dizer-se que o Papa alarga agora o horizonte da ação diplomática da Santa Sé?
O Papa Francisco, com aquele “realismo saudável” que caracteriza a sua ação pastoral, não se limita a propor uma reforma da formação diplomática baseada apenas na aquisição de conhecimentos teóricos, mas apela a uma preparação que responda às necessidades de um mundo em constante evolução. No Quirógrafo, o Papa observa que «não basta limitar-se à aquisição de conhecimentos teóricos, mas é necessário desenvolver um método de trabalho e um estilo de vida que permitam uma compreensão profunda da dinâmica das relações internacionais». Portanto, a formação deve ser orientada para a compreensão dos desafios concretos que uma Igreja cada vez mais sinodal enfrenta. Nesta perspetiva, o Papa sublinha as qualidades indispensáveis para aqueles que são chamados a representar a Sé Apostólica nas instâncias internacionais: a proximidade, a escuta atenta, o testemunho, a abordagem fraterna e o diálogo. E ainda, coragem e criatividade. Estas caraterísticas devem ser acompanhadas de humildade e mansidão, que constituem a essência da missão sacerdotal. Estas virtudes são a alma da ação diplomática que visa o bem comum, a paz e a promoção da liberdade religiosa.
A guerra na Ucrânia, a guerra em Gaza e depois as muitas, demasiadas guerras esquecidas. Infelizmente, parece que a diplomacia, o multilateralismo, já não tem o valor nem a força que teve outrora. Como se insere uma reforma como esta no contexto internacional no qual nos encontramos?
O Santo Padre recorda-nos que só através de um discernimento cuidadoso e de uma observação atenta da realidade em constante mudança é possível dar sentido aos acontecimentos mundiais e propor medidas concretas. O diplomata pontifício não é, portanto, apenas um perito em técnicas de negociação, mas uma testemunha de fé, empenhada em superar barreiras culturais, políticas e ideológicas, e em construir pontes de paz e justiça. Esta abordagem permite que a Igreja desenvolva caminhos concretos para a paz, para a liberdade de religião de cada crente e para a ordem entre as nações, tendo sempre presente a missão de Cristo e o bem de toda a humanidade. Neste horizonte renovado, a Pontifícia Academia Eclesiástica torna-se não só um centro de excelência em ciências diplomáticas, mas também uma forja de formadores chamados a exercer a diplomacia da Santa Sé, com um estilo que reflete o coração do Evangelho: o diálogo, a reconciliação e a paz.
Quais são os seus votos para esta reforma, para aquela que pode ser definida como uma verdadeira nova época da diplomacia da Santa Sé?
Com a reforma, o Papa Francisco deseja atualizar a abordagem da diplomacia da Santa Sé face aos desafios do mundo contemporâneo, respondendo às necessidades de um ambiente diplomático cada vez mais globalizado e interligado. A reforma visa reforçar a ligação entre a investigação e a formação académica dos futuros diplomatas pontifícios e os desafios concretos que deverão enfrentar nas suas missões no estrangeiro. O meu desejo é, portanto, que não sejam formados apenas diplomatas especializados, mas também sacerdotes que, conscientes da missão universal da Igreja, sejam capazes de responder com competência, sensibilidade e espírito evangélico aos desafios globais, levando por diante a visão que o Papa tem da diplomacia como instrumento de paz, justiça e solidariedade entre os povos.