· Cidade do Vaticano ·

Textos pontifícios

 Textos pontifícios  POR-004
08 abril 2025

Angelus do domingo viii do tempo comum

2 de março

Amados irmãos e irmãs!

No Evangelho deste domingo (Lc 6, 39-45), Jesus faz-nos refletir sobre dois dos cinco sentidos: a visão e o paladar.

Relativamente à visão, pede-nos que treinemos os nossos olhos para observar bem o mundo e julgar o nosso próximo com caridade. Diz: «Tira primeiro a trave do teu olho, e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão» (v. 42). Só com este olhar de cuidado, não de condenação, a correção fraterna pode ser uma virtude. Pois se não for fraterna, não é uma correção!

Relativamente ao paladar, Jesus recorda-nos que «cada árvore se conhece pelo seu fruto» (v. 44). E os frutos que provêm do homem são, por exemplo, as suas palavras, que amadurecem nos seus lábios, de modo que «a sua boca exprime o que transborda do seu coração» (v. 45). Os maus frutos são as palavras violentas, falsas, vulgares; os bons são as palavras justas e honestas que dão sabor aos nossos diálogos.

Então podemos perguntar-nos: como olho para os outros, que são meus irmãos e irmãs? E de que modo me sinto olhado por eles? As minhas palavras têm bom sabor ou estão impregnadas de amargura e de vaidade?

Irmãs e irmãos, volto a enviar-vos estas reflexões do hospital, onde, como sabeis, me encontro há vários dias, acompanhado pelos médicos e agentes de saúde, a quem agradeço a atenção com que cuidam de mim. Sinto no meu coração a «bênção» que se esconde na fragilidade, porque é precisamente nestes momentos que aprendemos ainda mais a confiar no Senhor; ao mesmo tempo, agradeço a Deus por me ter dado a oportunidade de partilhar em corpo e espírito a condição de tantas pessoas doentes e sofredoras.

Agradeço-vos pelas orações que se elevam ao Senhor do coração de tantos fiéis de muitas partes do mundo: sinto todo o vosso afeto e proximidade e, neste momento particular, sinto-me como que «levado» e apoiado por todo o Povo de Deus. Obrigado a todos vós!

Também eu rezo por vós. E rezo sobretudo pela paz. Daqui a guerra parece ainda mais absurda. Rezemos pela martirizada Ucrânia, pela Palestina, Israel, Líbano, Myanmar, Sudão, Kivu.

Recomendemo-nos com confiança a Maria, nossa Mãe. Bom domingo e adeus!

Mensagem aos participantes na Assembleia geral da pontifícia Academia para a vida

3 de março

Estimados Académicos!

É sempre um prazer para mim dirigir-me às mulheres e aos homens de ciência, assim como às pessoas que, na Igreja, cultivam o diálogo com o mundo científico. Juntos, podeis servir a causa da vida e o bem comum. Agradeço de coração a D. Paglia e aos colaboradores o serviço prestado à Pontifícia Academia para a Vida.

Na Assembleia geral deste ano, propusestes-vos abordar a questão hoje definida como «policrise». Ela diz respeito a alguns aspetos fundamentais da vossa atividade de investigação no campo da vida, da saúde e dos cuidados. O termo «policrise» evoca a dramaticidade da conjuntura histórica que vivemos, onde convergem guerras, mudanças climáticas, problemas energéticos, epidemias, fenómenos migratórios e inovação tecnológica. O cruzamento destas criticidades, que tocam contemporaneamente diferentes dimensões da vida, leva-nos a interrogar-nos sobre o destino do mundo e a nossa compreensão do mesmo.

Um primeiro passo a dar consiste em examinar com maior atenção qual é a nossa representação do mundo e do cosmos. Se não o fizermos, se não analisarmos seriamente as nossas profundas resistências à mudança, quer como pessoas quer como sociedade, continuaremos a fazer o que fizemos noutras crises, até muito recentemente. Pensemos na pandemia da Covid: por assim dizer, «desperdiçamo-la»; poderíamos ter trabalhado mais profundamente na transformação das consciências e das práticas sociais (cf. Exortação Apostólica Laudate Deum, 36).

E outro passo importante para não ficarmos parados, ancorados nas nossas certezas, hábitos e receios, é ouvir atentamente a contribuição do saber científico. O tema da escuta é decisivo. Constitui uma das palavras-chave de todo o processo sinodal ao qual demos início e que agora está na sua fase de atuação. Por isso, aprecio que o vosso modo de proceder retome o seu estilo. Vejo nele uma tentativa de praticar no vosso âmbito específico aquela «profecia social» a que até o Sínodo se dedicou (Documento final, 47). No encontro com as pessoas e as suas histórias, na escuta dos conhecimentos científicos, compreendemos como os nossos parâmetros relativos à antropologia e às culturas exigem uma profunda revisão. Daqui surgiu também a intuição dos grupos de estudo sobre alguns temas que sobressaíram durante o processo sinodal. Sei que alguns de vós fazem parte dele, valorizando inclusive o trabalho levado a cabo pela Academia para a Vida nos últimos anos, trabalho pelo qual vos estou deveras grato!

A escuta das ciências propõe-nos continuamente novos conhecimentos. Pensemos no que nos dizem a respeito da estrutura da matéria e da evolução dos seres vivos: deles sobressai uma visão da natureza muito mais dinâmica do que se pensava nos tempos de Newton. O nosso modo de entender a «criação contínua» deve ser reelaborado, conscientes de que não será a tecnocracia que nos salvará (cf. Carta Encíclica Laudato si’, 101): ceder à deregulation utilitarista e neoliberal planetária significa impor como única regra a lei do mais forte; e trata-se de uma lei que desumaniza!

Podemos citar como exemplo deste tipo de investigação o padre Teilhard de Chardin e a sua tentativa — certamente parcial e incompleta, mas audaz e inspiradora — de entrar seriamente em diálogo com as ciências, praticando um exercício de transdisciplinaridade. Um percurso arriscado, que o levou a interrogar-se: «Pergunto-me se não é necessário que alguém atire a pedra ao lago — e até acabe por ser «morto» para abrir o caminho».1 Assim, ele lançou as suas intuições que puseram no centro a categoria de relação e interdependência entre todas as coisas, colocando o homo sapiens em estreita ligação com todo o sistema dos seres vivos.

Estas maneiras de interpretar o mundo e a sua evolução, com as inéditas formas de relacionamento que lhes correspondem, podem oferecer-nos sinais de esperança, que procuramos como peregrinos durante este ano jubilar (cf. Bula Spes non confundit, 7). A esperança é a atitude fundamental que nos sustenta no caminho. Não consiste em esperar com resignação, mas em progredir com ímpeto rumo à verdadeira vida, que leva muito além do limitado perímetro individual. Como nos recordou o Papa Bento xvi, a esperança «está em união existencial com um «povo», e só pode realizar-se para cada pessoa no âmbito deste «nós»» (Carta Encíclica Spe salvi, 14).

Também devido a esta dimensão comunitária da esperança, diante de uma crise complexa e planetária, somos exortados a valorizar os instrumentos que têm um alcance global. Infelizmente, é preciso constatar uma progressiva irrelevância dos organismos internacionais, minados até por atitudes míopes, preocupadas em tutelar interesses particulares e nacionais. Mas é necessário continuar a lutar com determinação por «organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para garantir o bem comum mundial, a erradicação da fome e da miséria, e a defesa segura dos direitos humanos fundamentais» (Carta Encíclica Fratelli tutti, 172). É deste modo que se promove um multilateralismo que não dependa da evolução das mutáveis circunstâncias políticas, nem dos interesses de poucos, e que tenha uma eficácia estável (cf. Exortação Apostólica Laudate Deum, 35). Trata-se de uma tarefa urgente que diz respeito a toda a humanidade.

Este vasto cenário de motivações e objetivos é também o horizonte da vossa Assembleia e do vosso trabalho, caros membros da Academia para a Vida. Confio-vos à intercessão de Maria, Sede da Sabedoria e Mãe da Esperança, «como povo peregrino, povo da vida e pela vida, enquanto caminhamos confiantes rumo a «um novo céu e uma nova terra» (Ap 21, 1)» (São João Paulo ii, Carta Encíclica Evangelium vitae, 105).

A todos vós e ao vosso trabalho, concedo de coração a minha bênção!

Roma, Policlínica «Gemelli», 26 de fevereiro de 2025.

Francisco

1Cit. por B. de Solanges, Teilhard de Chardin. Témoignage et étude sur le développement de sa pensée, Toulouse 1967, 54.

Audiência geral de quarta-feira

5 de março

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Nesta última catequese dedicada à infância de Jesus, inspiremo-nos no episódio em que, aos doze anos, Ele permaneceu no Templo sem avisar os pais, que o procuraram ansiosamente e o encontraram depois de três dias. Esta narração apresenta-nos um diálogo muito interessante entre Maria e Jesus, que nos ajuda a refletir sobre o caminho da mãe de Jesus, um percurso que certamente não foi fácil. Com efeito, Maria percorreu um itinerário espiritual ao longo do qual progrediu na compreensão do mistério do seu Filho.

Repensemos nas várias etapas deste percurso. No início da sua gravidez, Maria visita Isabel e permanece com ela durante três meses, até ao nascimento do pequeno João. Depois, quando já está no nono mês, por causa do recenseamento, vai com José a Belém, onde dá à luz Jesus. Após quarenta dias, vão a Jerusalém para a apresentação do menino; e depois, todos os anos, regressam em peregrinação ao Templo. Mas com Jesus ainda pequenino, refugiaram-se durante muito tempo no Egito para o proteger de Herodes e só após a morte do rei voltaram a estabelecer-se em Nazaré. Quando Jesus, já adulto, inicia o seu ministério, Maria está presente e é protagonista nas bodas de Caná; sucessivamente, segue-o «à distância», até à última viagem a Jerusalém, até à paixão e morte. Depois da Ressurreição, Maria permanece em Jerusalém como Mãe dos discípulos, sustentando a sua fé à espera da efusão do Espírito Santo.

Ao longo de todo este caminho, a Virgem é peregrina de esperança, no sentido forte que se torna «filha do seu Filho», sua primeira discípula. Maria trouxe ao mundo Jesus, Esperança da humanidade: alimentou-o, fê-lo crescer, seguiu-o, deixando-se plasmar primeiro pela Palavra de Deus. Nela — como disse Bento xvi — Maria «sente-se verdadeiramente em casa, dela sai e a ela volta com naturalidade. Fala e pensa com a Palavra de Deus [...] fica assim patente que os seus pensamentos estão em sintonia com os de Deus, que a sua vontade está unida à de Deus. Vivendo intimamente permeada pela Palavra de Deus, Ela pôde tornar-se mãe da Palavra encarnada» (Encíclica Deus caritas est, 41). No entanto, esta comunhão singular com a Palavra de Deus não a poupa ao esforço de uma «aprendizagem» exigente.

A experiência da perda de Jesus aos doze anos, durante a peregrinação anual a Jerusalém, assusta Maria a tal ponto que se faz porta-voz até de José, repreendendo o filho: «Meu filho, por que nos fizeste isto? Eis que o teu pai e eu te procurávamos, cheios de aflição» (Lc 2, 48). Maria e José sentiram a dor dos pais que perdem um filho: ambos acreditavam que Jesus estava na caravana dos parentes, mas não o tendo visto durante um dia inteiro, começam a busca que os levará a fazer a viagem de regresso. Quando voltam ao Templo, descobrem que Aquele que aos seus olhos, até há pouco tempo, era um menino a proteger, cresceu como que repentinamente e já era capaz de participar em debates sobre as Escrituras e de enfrentar os mestres da Lei.

À repreensão da mãe, Jesus responde com uma simplicidade desarmante: «Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas do meu Pai?» (Lc 2, 49). Maria e José não compreendem: o mistério do Deus que se fez menino supera a sua inteligência. Os pais querem proteger aquele filho preciosíssimo sob as asas do seu amor; Jesus, pelo contrário, quer viver a sua vocação de Filho do Pai que está ao seu serviço e vive mergulhado na sua Palavra.

Assim, as Narrações da Infância de Lucas encerram-se com as últimas palavras de Maria, que recordam a paternidade de José em relação a Jesus, e com as primeiras palavras de Jesus, que reconhecem como esta paternidade tem origem na do seu Pai celeste, de quem reconhece o primado inquestionável.

Prezados irmãos e irmãs, como Maria e José, cheios de esperança, sigamos também nós os passos do Senhor, que não se deixa limitar pelos nossos esquemas, fazendo-se encontrar não tanto num lugar, mas na resposta de amor à terna paternidade divina, resposta de amor que é a vida filial.

Mensagem para a Campanha da Fraternidade no Brasil

5 de março

Queridos irmãos e irmãs do Brasil!

Com este dia de jejum, penitência e oração, iniciamos a Quaresma deste Ano Jubilar da Encarnação. Nesta ocasião, desejo manifestar a minha proximidade à Igreja peregrina nessa Nação e felicitar os meus irmãos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil pela iniciativa da Campanha da Fraternidade, que se repete há mais de 60 anos e que neste ano tem como tema «Fraternidade e Ecologia Integral» e como lema a passagem da Escritura na qual, contemplando a obra da criação, «Deus viu que tudo era muito bom» (cf. Gn 1, 31).

Com a Campanha da Fraternidade, os bispos do Brasil convidam todo o povo brasileiro a trilhar, durante a Quaresma, um caminho de conversão baseado na Carta Encíclica Laudato si’, que publiquei há quase 10 anos, em 24 de maio de 2015, e que senti necessidade de complementar com a Exortação Apostólica Laudate Deum, de 4 de outubro de 2023.

Nestes documentos, quis chamar a atenção de toda a humanidade para a urgência de uma necessária mudança de atitude em nossas relações com o meio ambiente, recordando que a atual «crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior» (Laudato si’, 217). Neste sentido, o meu predecessor de venerável memória, São João Paulo ii, já alertava que era «preciso estimular e apoiar a «conversão ecológica», que tornou a humanidade mais sensível» (Audiência, 17 de janeiro de 2001) ao tema do cuidado com a Casa Comum.

Por isso, louvo o esforço da Conferência Episcopal em propor mais uma vez como horizonte o tema da ecologia, junto à desejada conversão pessoal de cada fiel a Cristo. Que todos nós possamos, com o especial auxílio da graça de Deus neste tempo jubilar, mudar nossas convicções e práticas para deixar que a natureza descanse das nossas explorações gananciosas.

O tema da Campanha da Fraternidade deste ano expressa também a disponibilidade da Igreja no Brasil em dar a sua contribuição para que, durante a cop 30 do próximo mês de novembro, que se realizará em Belém do Pará, no coração da querida Amazônia, as nações e os organismos internacionais possam comprometer-se efetivamente com práticas que ajudem na superação da crise climática e na preservação da obra maravilhosa da Criação, que Deus nos confiou e que temos a responsabilidade de transmitir às futuras gerações.

Desejo que esse itinerário quaresmal dê muitos frutos e nos encha a todos de Esperança, da qual somos peregrinos neste Jubileu. Faço votos que a Campanha da Fraternidade seja novamente um poderoso auxílio para as pessoas e comunidades desse amado País no seu processo de conversão ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo e de compromisso concreto com a Ecologia Integral.

Confiando estes votos aos cuidados de Nossa Senhora Aparecida, concedo de bom grado a Bênção Apostólica a todos os filhos e filhas da querida nação brasileira, de modo especial àqueles que se empenham no cuidado com a Casa Comum, pedindo que continuem a rezar por mim.

Roma, São João de Latrão, 11 de fevereiro de 2024

memória litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes.

Franciscus

Homilia na missa de quarta-feira de Cinzas

5 de março

As cinzas sagradas que, nesta tarde, serão colocadas sobre a nossa cabeça reavivam em nós a memória do que somos e também a esperança do que seremos. Recordam-nos que somos pó, mas situam-nos no caminho da esperança a que estamos chamados, porque Jesus desceu ao pó da terra e, através da sua Ressurreição, leva-nos com Ele para o coração do Pai.

É assim que se abre o caminho da Quaresma até à Páscoa, entre a memória da nossa fragilidade e a esperança de que, no fim do caminho, o Ressuscitado estará à nossa espera.

Em primeiro lugar, é preciso conservar a memória. Recebemos as cinzas inclinando a cabeça, como que para nos olharmos a nós próprios, para nos olharmos por dentro. Efetivamente, as cinzas ajudam-nos a fazer memória da fragilidade e da insignificância da nossa vida: somos pó, fomos criados do pó e voltaremos ao pó. E em tantos momentos, tendo em conta a nossa vida pessoal ou a realidade que nos rodeia, apercebemo-nos que «não é mais do que um sopro! [...] É em vão que se agita: amontoa riquezas e não sabe para quem ficam» (Sl 39, 6-7).

Isto no-lo ensina sobretudo a experiência da fragilidade, que sentimos nas nossas canseiras, da fraqueza com que temos de nos confrontar, dos medos que nos habitam, dos fracassos que nos queimam por dentro, da fugacidade dos nossos sonhos, da constatação de como são efémeras as coisas que possuímos. Feitos de cinzas e de terra, tocamos a fragilidade ao experimentarmos a doença, a pobreza, o sofrimento que, por vezes, se abate inesperadamente sobre nós e sobre as nossas famílias. E apercebemo-nos de que somos frágeis também quando, na vida social e política do nosso tempo, nos encontramos expostos às «poeiras finas» que poluem o mundo: a contraposição ideológica, a lógica da prevaricação, o regresso de velhas ideologias identitárias que teorizam a exclusão dos outros, a exploração dos recursos da terra, a violência nas suas diversas formas, a guerra entre os povos. Tudo isto são «poeiras tóxicas» que turvam o ar do nosso planeta e impedem a coexistência pacífica, enquanto a incerteza e o medo do futuro crescem dentro de nós todos os dias.

Por fim, esta condição de fragilidade lembra o drama da morte, que nas nossas sociedades da aparência tentamos exorcizar de muitas maneiras e até apartar da nossa linguagem, mas que se impõe como uma realidade que temos de tomar em consideração, como um sinal da precariedade e da transitoriedade da nossa vida.

Assim, apesar das máscaras que usamos e dos artifícios criados muitas vezes habilmente para nos distrair, as cinzas recordam-nos quem somos e isto faz-nos bem. Reconfigura-nos, atenua a dureza dos nossos narcisismos, traz-nos de volta à realidade, torna-nos mais humildes e disponíveis uns para com os outros: nenhum de nós é Deus, estamos todos a caminho.

A Quaresma, porém, é igualmente um convite a reavivar em nós a esperança. Se recebemos as cinzas com a cabeça inclinada para reavivar a memória do que somos, o tempo quaresmal não quer deixar-nos de cabeça baixa, antes pelo contrário, exorta-nos a levantar a cabeça para Aquele que se ergue das profundezas da morte, levando-nos também a nós das cinzas do pecado e da morte para a glória da vida eterna.

As cinzas recordam-nos então a esperança a que somos chamados, porque Jesus, o Filho de Deus, misturou-se com o pó da terra, elevando-o ao céu. Ele desceu às profundezas do pó, morrendo por nós e reconciliando-nos com o Pai, como ouvimos ao apóstolo Paulo: «Aquele que não havia conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós» (2 Cor 5, 21).

Esta, irmãos e irmãs, é a esperança que reaviva as cinzas que somos. Sem esta esperança, estamos condenados a suportar passivamente a fragilidade da nossa condição humana e, em especial diante da experiência da morte, afundamo-nos na tristeza e na desolação, acabando por raciocinar como insensatos: «Breve e triste é a nossa vida, não há remédio algum quando chega a morte [...] o nosso corpo voltará ao pó, e o nosso espírito se dissolverá como o ar subtil» (Sb 2, 1-3). Em contrapartida, a esperança da Páscoa, para a qual nos dirigimos, sustenta-nos nas fragilidades, assegura-nos o perdão de Deus e, mesmo quando estamos envoltos nas cinzas do pecado, abre-nos à confissão jubilosa da vida: «Eu sei que o meu redentor vive e prevalecerá, por fim, sobre o pó da terra!» (Jb 19, 25). Recordemos que «o homem é pó e pó se há de tornar, mas é pó precioso aos olhos de Deus, porque Deus criou o homem destinando-o à imortalidade» (bento xvi, Audiência geral, 17 de fevereiro de 2010).

Irmãos e irmãs, com as cinzas sobre a cabeça, caminhamos em direção à esperança da Páscoa. Convertamo-nos a Deus, voltemos a Ele com todo o coração (cf. Jl 2, 12), coloquemo-lo de novo no centro da nossa vida, para que a memória do que somos – frágeis e mortais como cinza lançada ao vento – seja finalmente iluminada pela esperança do Ressuscitado. E dirijamos a nossa vida para Ele, tornando-nos sinal de esperança para o mundo: aprendamos por meio da esmola a sair de nós mesmos para partilhar as necessidades uns dos outros e alimentar a esperança de um mundo mais justo; aprendamos por meio da oração a descobrir-nos necessitados de Deus ou, como dizia Jacques Maritain, «mendigos do céu», para alimentar a esperança de que, nas nossas fragilidades e no fim da nossa peregrinação terrena, nos espera um Pai de braços abertos; aprendamos por meio do jejum que não vivemos apenas para satisfazer necessidades, mas que temos fome de amor e de verdade, e só o amor de Deus e de uns pelos outros pode verdadeiramente saciar-nos e dar-nos esperança num futuro melhor.

Sejamos acompanhados sempre pela certeza de que, desde o momento em que o Senhor veio nas cinzas do mundo, «a história da terra é a história do céu. Deus e o homem estão unidos num único destino» (c. carretto, Il deserto nella città, Roma 1986, 55), e Ele fará desaparecer para sempre as cinzas da morte para nos fazer resplandecer de vida nova.

Com esta esperança no coração, ponhamo-nos a caminho e reconciliemo-nos com Deus!

Palavras de agradecimento na recitação vespertina do santo Rosário

6 de março

[Tocado pelas inúmeras mensagens de carinho que lhe são enviadas diariamente e grato pelas orações do povo de Deus, o Papa gravou esta breve mensagem de agradecimento em áudio, transmitida no início da oração do Santo Rosário na praça de São Pedro].

Agradeço de todo o coração as orações feitas pela minha saúde na Praça. Vos acompanho a partir daqui. Que Deus vos abençoe e que Nossa Senhora cuide de vós. Obrigado!

Mensagem ao Movimento pela vida
no cinquentenário de fundação

8 de março

Queridas irmãs e irmãos do Movimento pela Vida!

Agradeço-vos a vossa recordação na oração. Obrigado de coração! Saúdo todos vós, especialmente a Presidente, Senhora Marina Casini, e os membros da Diretoria.

Conheço o valor do serviço que prestais à Igreja e à sociedade. Com a solidariedade concreta, vivida segundo o estilo da vizinhança e da proximidade às mães em dificuldade por causa de uma gravidez difícil ou inesperada, promoveis a cultura da vida em sentido amplo. E procurais fazê-lo com franqueza, amor e tenacidade, mantendo a verdade intimamente unida à caridade para com todos. Nisto sois guiados pelos exemplos e ensinamentos de Carlo Casini, que fez do serviço à vida o centro do seu apostolado laical e do seu compromisso político.

A ocasião que vos reuniu em Roma é importante: o cinquentenário do Movimento pela Vida, cujo primeiro fruto foi o Centro de Ajuda à Vida, nascido em Florença em 1975. Desde então, em toda a Itália, os Centros de Ajuda à Vida multiplicaram-se. A eles acrescentaram-se as Casas de Acolhimento, os serviços sos Vida, o Projeto Gemma e Berços para a vida. Foram realizadas inúmeras iniciativas para promover a cultura do acolhimento e dos direitos humanos, a todos os níveis da sociedade. Por isso, encorajo-vos a dar continuidade à salvaguarda social da maternidade e ao acolhimento da vida humana em cada uma das suas fases.

Ao longo deste meio século, embora alguns preconceitos ideológicos tenham diminuído e a sensibilidade para o cuidado da criação tenha crescido entre os jovens, infelizmente propagou-se a cultura do descarte. Portanto, continua a ser necessário, e mais do que nunca, que pessoas de todas as idades se dediquem concretamente ao serviço da vida humana, sobretudo quando é mais frágil e vulnerável, porque é sagrada, criada por Deus para um destino grande e belo, e porque uma sociedade justa não se constrói eliminando os nascituros indesejados, os idosos que já não têm autonomia ou os doentes incuráveis.

Amadas irmãs e irmãos, viestes de muitas partes da Itália para renovar mais uma vez o vosso «sim» à civilização do amor, conscientes de que libertar as mulheres dos condicionamentos que as levam a não dar à luz o próprio filho constitui um princípio para a renovação da sociedade civil. Com efeito, salta à vista de todos que hoje a sociedade se estrutura sobre as categorias do possuir, do fazer, do produzir e do aparecer. O vosso compromisso, em sintonia com o de toda a Igreja, indica um projeto diferente, que coloca no centro a dignidade da pessoa, privilegiando os mais frágeis. O concebido representa, por excelência, cada homem e cada mulher que não conta, que não tem voz. Pôr-se ao seu lado significa ser solidário para com todos os descartados do mundo. E o olhar do coração que o reconhece como um ou uma de nós é a alavanca que move este projeto.

Continuai a apostar nas mulheres, na sua capacidade de acolhimento, generosidade e coragem. As mulheres devem poder contar com o apoio de toda a comunidade civil e eclesial, e os Centros de Ajuda à Vida podem tornar-se um ponto de referência para todos. Obrigado pelas páginas de esperança e ternura que ajudais a escrever no livro da história e que permanecem indeléveis: dão e darão muitos frutos!

Que o Senhor vos abençoe e que a Virgem Santíssima vos ampare! Confio cada um de vós, os vossos grupos e o vosso compromisso à intercessão de Santa Teresa de Calcutá, padroeira espiritual dos Movimentos pela Vida no mundo. E não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!

Roma, Policlínica Gemelli, 5 de março de 2025.

Francisco

Homilia no Jubileu
do mundo do voluntariado

9 de março

Jesus é conduzido pelo Espírito ao deserto (cf. Lc 4, 1). Todos os anos, o nosso caminho quaresmal começa por seguir o Senhor neste local, que Ele atravessa e transforma para nós. Na verdade, quando Jesus entra no deserto, ocorre uma mudança decisiva: o lugar do silêncio torna-se um ambiente de escuta. Uma escuta que é posta à prova, porque é necessário escolher entre duas vozes completamente opostas. Ao propor-nos este exercício, o Evangelho testemunha que o caminho de Jesus começa com um ato de obediência: é o Espírito Santo, a própria força de Deus, que o conduz aonde nada de bom cresce da terra nem cai do céu. No deserto, o homem experimenta a própria miséria material e espiritual, a necessidade de pão e de palavra.

Também Jesus, verdadeiro homem, sente fome (cf. v. 2) e, durante quarenta dias, é tentado por uma palavra que não vem do Espírito Santo, mas do espírito maligno, do diabo. Acabando de entrar nos quarenta dias de Quaresma, reflitamos sobre a certeza de que também nós somos tentados, mas não estamos sós: connosco está Jesus, que nos abre o caminho através do deserto. O Filho de Deus feito homem não se limita a oferecer-nos um modelo na luta contra o mal. É muito mais do que isso: dá-nos a força para resistir às suas investidas e perseverar no caminho.

Consideremos então três caraterísticas da tentação de Jesus e também da nossa: o início, o modo e o resultado. Comparando estas duas experiências, encontraremos ajuda para o nosso próprio caminho de conversão.

Antes de mais, no seu início, a tentação de Jesus é voluntária: o Senhor vai para o deserto não por fanfarronice, para mostrar como é forte, mas pela sua disponibilidade filial ao Espírito do Pai, a cuja orientação responde prontamente. Nós, pelo contrário, sofremos a tentação: o mal precede a nossa liberdade, corrompe-a a partir de dentro como uma sombra interior e uma ameaça constante. Enquanto pedimos a Deus que não nos abandone na tentação (cf. Mt 6, 13), recordemos que Ele já atendeu esta prece através de Jesus, o Verbo que se fez carne para permanecer sempre connosco. O Senhor está perto e cuida de nós, especialmente no local da provação e da dúvida, ou seja, quando o tentador levanta a sua voz. Ele é o pai da mentira (cf. Jo 8, 44), corrupto e corruptor, porque conhece a palavra de Deus, mas não a compreende. Aliás, distorce-a: como fez no tempo de Adão, no Jardim do Éden (cf. Gn 3, 1-5), assim faz agora contra Jesus, o novo Adão, no deserto.

Entendemos aqui o modo singular com o qual Cristo é tentado, ou seja, na sua relação com Deus, seu Pai. O diabo é aquele que separa, o divisor; enquanto Jesus é aquele que une Deus e o homem, o mediador. Na sua perversão, o demónio quer destruir esta união, fazendo de Jesus um privilegiado: «Se és Filho de Deus, diz a esta pedra que se transforme em pão» (v. 3). E ainda, desde o pináculo do Templo: «Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo» (v. 9). Perante estas tentações, Jesus, o Filho de Deus, decide como ser filho. No Espírito que o guia, a sua escolha revela como quer viver a sua relação filial com o Pai. Eis o que o Senhor decide: esta relação única e exclusiva com Deus, de quem é Filho Unigénito, torna-se uma relação que envolve todos, sem excluir ninguém. A relação com o Pai é o dom que Jesus comunica ao mundo para a nossa salvação, e não uma usurpação (cf. Fl 2, 6) da qual se pode valer para obter sucesso e atrair seguidores.

Também nós somos tentados na nossa relação com Deus, mas de forma oposta. Com efeito, o diabo sussurra-nos ao ouvido que Deus não é verdadeiramente o nosso Pai, e que, na realidade, nos abandonou. Satanás pretende convencer-nos de que para os famintos não há pão, muito menos proveniente das pedras, nem na desgraça os anjos vêm em nosso auxílio. Quando muito, o mundo es tá nas mãos de forças malignas, que esmagam os povos com a arrogância dos seus planos e a violência da guerra. Enquanto o diabo nos quer fazer crer que o Senhor está longe de nós, levando-nos ao desespero, Deus aproxima-se ainda mais, dando a sua vida pela redenção do mundo.

E chegamos ao terceiro ponto: o resultado das tentações. Jesus, o Cristo de Deus, vence o mal, afasta o diabo, que, no entanto, voltará a tentá-lo «no tempo oportuno» (cf. v. 13). É o que diz o Evangelho, e recordá-lo-emos quando, no Gólgota, voltarmos a ouvir dizer a Jesus: «Se és Filho de Deus, desce da cruz» (Mt 27, 40; cf. Lc 23, 35). No deserto, o tentador é derrotado, mas a vitória de Cristo ainda não é definitiva: sê-lo-á na sua Páscoa de morte e ressurreição.

Enquanto nos preparamos para celebrar o Mistério central da fé, reconhecemos que o resultado da nossa provação é diferente. Perante a tentação, por vezes caímos: somos todos pecadores. Todavia, a derrota não é definitiva, pois Deus levanta-nos de cada queda com o seu perdão, que é infinitamente grande em amor. A nossa provação não termina, pois, com um fracasso, porque em Cristo somos redimidos do mal. Atravessando com Ele o deserto, percorremos um caminho onde não havia nenhuma indicação: o próprio Jesus abre-nos este novo caminho de libertação e redenção. Seguindo o Senhor com fé, de errantes passamos a peregrinos.

Queridas irmãs e queridos irmãos, convido-vos a iniciar assim o nosso percurso quaresmal. E porque, ao longo do caminho, temos necessidade daquela boa vontade que o Espírito Santo sempre fomenta, é com alegria que saúdo todos os voluntários que hoje se encontram em Roma para a sua peregrinação jubilar. Muito obrigado, caríssimos, porque, a exemplo de Jesus, servis o próximo sem vos servirdes dele. Nas ruas e nas casas, ao lado dos doentes, dos que sofrem, dos encarcerados, com os jovens e os idosos, a vossa dedicação infunde esperança em toda a sociedade. Nos desertos da pobreza e da solidão, tantos pequenos gestos de serviço gratuito fazem florescer rebentos de uma nova humanidade: aquele jardim que Deus sonhou e continua a sonhar para todos nós.

Angelus do i domingo da Quaresma

9 de março

Amados irmãos e irmãs!

Na passada quarta-feira, com o rito das cinzas, iniciámos a Quaresma, o itinerário penitencial de quarenta dias que nos chama à conversão do coração e nos conduz à alegria da Páscoa. Esforcemo-nos por fazer dela um tempo de purificação e de renovação espiritual, um caminho de crescimento na fé, na esperança e na caridade.

Esta manhã, na Praça de São Pedro, foi celebrada a Santa Missa para o mundo do voluntariado, que está a viver o seu Jubileu. Nas nossas sociedades demasiado escravizadas pela lógica do mercado, onde tudo corre o risco de ser submetido ao critério do interesse próprio e da procura do lucro, o voluntariado é profecia e sinal de esperança, pois testemunha o primado da gratuidade, da solidariedade e do serviço aos mais necessitados. Aos que se dedicam a este campo, expresso a minha gratidão: obrigado por oferecerdes o vosso tempo e as vossas competências; obrigado pela proximidade e ternura com que cuidais dos outros, despertando neles a esperança!

Irmãos e irmãs, na minha prolongada permanência aqui no Hospital, também eu experimento a atenção do serviço e a ternura do cuidado, particularmente dos médicos e dos profissionais de saúde, a quem agradeço do fundo do coração. E, enquanto estou aqui, penso em tantas pessoas que, de diferentes maneiras, estão próximas dos doentes e são para eles um sinal da presença do Senhor. Temos necessidade disto, do «milagre da ternura», que acompanha quantos estão na provação, trazendo um pouco de luz na noite da dor.

Gostaria de agradecer a todos aqueles que me estão a demonstrar a sua proximidade na oração: obrigado a todos! Também eu rezo por vós. E uno-me espiritualmente a quantos, nos próximos dias, participarão nos Exercícios espirituais da Cúria Romana.

Juntos continuamos a invocar o dom da paz, especialmente na martirizada Ucrânia, na Palestina, em Israel, no Líbano e em Myanmar, no Sudão e na República Democrática do Congo. Em particular, tomei conhecimento com preocupação do recomeço de violências nalgumas zonas da Síria: espero que cessem definitivamente, no pleno respeito de todas as componentes étnicas e religiosas da sociedade, especialmente dos civis.

Confio-vos a todos à intercessão materna da Virgem Maria. Bom domingo e até à próxima!

Angelus do ii domingo da Quaresma

16 de março

Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!

Hoje, segundo domingo de Quaresma, o Evangelho fala-nos da Transfiguração de Jesus (Lc 9, 28-36). Depois de ter subido ao cimo de um monte com Pedro, Tiago e João, Jesus imerge-se na oração e torna-se radiante de luz. Mostra assim aos discípulos o que se esconde por detrás dos gestos que Ele realiza no meio deles: a luz do seu amor infinito.

Partilho convosco estes pensamentos, enquanto enfrento um período de provação, e uno-me a tantos irmãos e irmãs doentes: frágeis, neste momento, como eu. O nosso físico é débil mas, mesmo assim, nada nos pode impedir de amar, de rezar, de nos doarmos, de sermos uns pelos outros, na fé, sinais luminosos de esperança. Quanta luz resplandece, neste sentido, nos hospitais e nos centros de saúde! Quanta atenção amorosa ilumina os quartos, os corredores, os consultórios, os lugares onde se realizam os serviços mais humildes! Por isso, gostaria de vos convidar, hoje, a louvar comigo ao Senhor, que nunca nos abandona e que nos momentos de dor coloca ao nosso lado pessoas que refletem um raio do seu amor.

Agradeço a todos as vossas orações, e agradeço àqueles que me assistem com tanta dedicação. Sei que muitas crianças rezam por mim; algumas delas vieram hoje aqui ao «Gemelli» em sinal de proximidade. Obrigado, queridas crianças! O Papa gosta muito de vocês e está sempre à espera de se encontrar convosco.

Continuemos a rezar pela paz, especialmente nos países feridos pela guerra: na martirizada Ucrânia, na Palestina, Israel, Líbano, Myanmar, Sudão, República Democrática do Congo.

E rezemos pela Igreja, chamada a traduzir em escolhas concretas o discernimento feito na recente Assembleia sinodal. Agradeço à Secretaria Geral do Sínodo, que nos próximos três anos acompanhará as Igrejas locais neste compromisso.

A Virgem Maria nos proteja e nos ajude a ser, como Ela, portadores da luz e da paz de Cristo.

Audiência geral de quarta-feira

19 de março

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Com esta catequese, começamos a contemplar alguns encontros narrados nos Evangelhos, para compreender o modo como Jesus dá esperança. De facto, há encontros que iluminam a vida e trazem esperança. Pode acontecer, por exemplo, que alguém nos ajude a ver de uma perspetiva diferente uma dificuldade ou um problema que estamos a viver; ou pode acontecer que alguém simplesmente nos dê uma palavra que não nos faça sentir sozinhos na dor que estamos a atravessar. Por vezes, também pode haver encontros silenciosos, em que nada é dito, mas esses momentos ajudam-nos a retomar o caminho.

O primeiro encontro sobre o qual gostaria de me deter é o de Jesus com Nicodemos, narrado no capítulo 3 do Evangelho de João. Começo por este episódio porque Nicodemos é um homem cuja história mostra que é possível sair das trevas e encontrar a coragem de seguir Cristo.

Nicodemos vai ter com Jesus à noite: uma hora invulgar para um encontro. Na linguagem de João, as referências temporais têm muitas vezes um valor simbólico: aqui, a noite é provavelmente o que está no coração de Nicodemos. É um homem na escuridão da dúvida, naquela escuridão que experimentamos quando já não compreendemos o que está a acontecer na nossa vida e não vemos claramente o caminho a seguir.

Se estamos nas trevas, é claro que procuramos a luz. E João, no início do seu Evangelho, escreve assim: «Veio ao mundo a luz verdadeira, que a todo o homem ilumina» (1, 9). Nicodemos procura, pois, Jesus porque pressente que Ele pode iluminar as trevas do seu coração.

No entanto, o Evangelho diz-nos que Nicodemos não consegue compreender imediatamente o que Jesus lhe diz. Assim, vemos que há muitos desentendimentos neste diálogo, e também muita ironia, que é uma caraterística do evangelista João. Nicodemos não compreende o que Jesus lhe diz, porque continua a pensar com a sua lógica e as suas categorias. É um homem com uma personalidade bem definida, desempenha um papel público, é um dos chefes dos judeus. Mas, provavelmente, as contas já não batem certo para ele. Nicodemos sente que algo já não está a funcionar na sua vida. Sente a necessidade de mudar, mas não sabe por onde começar.

Isto acontece-nos a todos em algum momento da nossa vida. Se não aceitarmos a mudança, se nos fecharmos na nossa rigidez, nos nossos hábitos ou formas de pensar, corremos o risco de morrer. A vida está na capacidade de mudar para encontrar uma nova forma de amar. De facto, Jesus fala a Nicodemos de um novo nascimento, que não só é possível, mas é até necessário em certos momentos do nosso caminho. Na verdade, a expressão usada no texto já é ambivalente em si mesma, porque anōthen pode ser traduzida tanto por «do alto» como por «de novo». Lentamente, Nicodemos compreenderá que estes dois significados estão interligados: se permitirmos que o Espírito Santo gere uma nova vida em nós, nasceremos de novo. Reencontraremos essa vida, que talvez estivesse a desaparecer em nós.

Escolhi começar por Nicodemos também porque ele é um homem que, com a sua própria vida, mostra que esta mudança é possível. Nicodemos triunfará: no final, estará entre aqueles que vão a Pilatos pedir o corpo de Jesus (cf. Jo 19, 39)! Nicodemos finalmente veio para a luz, renasceu e já não precisa de estar na noite.

Por vezes, as mudanças assustam-nos. Por um lado, atraem-nos, certas vezes desejamo-las, mas, por outro lado, preferimos permanecer na nossa zona de conforto. É por isso que o Espírito nos encoraja a enfrentar esses medos. Jesus recorda a Nicodemos — que é mestre em Israel — que os israelitas também tinham medo quando caminhavam no deserto. E fixaram-se tanto nas suas preocupações que, a certa altura, esses medos tomaram a forma de serpentes venenosas (cf. Nm 21, 4-9). Para serem libertados, tinham de olhar para a serpente de cobre que Moisés tinha colocado num poste, ou seja, tinham de olhar para cima e ficar diante do objeto que representava os seus medos. Só olhando para o rosto daquilo que nos assusta é que podemos começar a ser libertados.

Nicodemos, como todos nós, pode olhar para o Crucificado, Aquele que venceu a morte, a raiz de todos os nossos medos. Levantemos também nós o nosso olhar para Aquele que eles trespassaram, deixemo-nos também nós descobrir por Jesus. Nele encontramos a esperança de enfrentar as mudanças da nossa vida e nascer de novo.

Mensagem para o lxii Dia mundial
de oração pelas vocações

11 de maio

Peregrinos de esperança:
o dom da vida

Queridos irmãos e irmãs!

Neste lxii Dia Mundial de Oração pelas Vocações, desejo dirigir-vos um alegre e encorajador convite a serdes peregrinos de esperança, doando generosamente a vida.

A vocação é um dom precioso que Deus semeia nos corações, uma chamada a sair de si mesmo para trilhar um caminho de amor e serviço. E cada vocação na Igreja — seja laical, seja ao ministério ordenado, seja à vida consagrada — é sinal da esperança que Deus nutre pelo mundo e por cada um dos seus filhos.

Neste nosso tempo, muitos jovens sentem-se perdidos face ao futuro. Frequentemente vivem na incerteza quanto às perspetivas de emprego e, lá no fundo, experimentam uma crise de identidade que é uma crise de sentido e de valores, que a confusão digital torna ainda mais difícil de atravessar. A injustiça para com os fracos e os pobres, a indiferença do bem-estar egoísta e a violência da guerra ameaçam os projetos de vida boa que cultivam no seu íntimo. Contudo, o Senhor, que conhece o coração do homem, não nos abandona na insegurança; pelo contrário, quer suscitar em cada um a consciência de ser amado, chamado e enviado como peregrino de esperança.

Por isso, nós, membros adultos da Igreja, especialmente os pastores, somos convidados a acolher, discernir e acompanhar o caminho vocacional das novas gerações. E vós, jovens, sois chamados a ser nele protagonistas, ou melhor, coprotagonistas com o Espírito Santo, que suscita em vós o desejo de fazer da vida um dom de amor.

Acolher o próprio caminho vocacional

Queridos jovens, «a vossa vida não é «entretanto»; vós sois o agora de Deus» (Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit, 178). É necessário tomar consciência de que o dom da vida exige uma resposta generosa e fiel. Olhai para os jovens santos e beatos que responderam com alegria à chamada do Senhor: Santa Rosa de Lima, São Domingos Sávio, Santa Teresa do Menino Jesus, São Gabriel de Nossa Senhora das Dores, os Beatos — que em breve serão Santos — Carlo Acutis e Pier Giorgio Frassati, e muitos outros. Cada um deles viveu a vocação como um caminho para a felicidade plena, na relação com Jesus vivo. Quando escutamos a sua palavra, o nosso coração arde (cf. Lc 24, 32) e sentimos o desejo de consagrar a vida a Deus! Desejamos, por isso, descobrir de que modo, em que forma de vida é possível retribuir o amor que Ele primeiro nos dá.

Toda a vocação, sentida na profundidade do coração, faz germinar uma resposta como impulso interior ao amor e ao serviço, como fonte de esperança e caridade e não como busca de autoafirmação. Vocação e esperança entrelaçam-se, portanto, no projeto divino pela alegria de cada homem e mulher, todos eles chamados em primeira pessoa a oferecer a sua vida pelos outros (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 268). São muitos os jovens que procuram conhecer o caminho que Deus os chama a percorrer: alguns constatam — muitas vezes com surpresa — a vocação ao sacerdócio ou à vida consagrada; outros descobrem a beleza da chamada ao matrimónio e à vida familiar, bem como ao empenho pelo bem comum e ao testemunho da fé entre colegas e amigos.

Toda a vocação é animada pela esperança, que se traduz em confiança na Providência. Com efeito, para o cristão, ter esperança é mais do que um simples otimismo humano: é antes uma certeza enraizada na fé em Deus, que age na história de cada pessoa. E, deste modo, a vocação amadurece através do compromisso quotidiano de fidelidade ao Evangelho, na oração, no discernimento e no serviço.

Queridos jovens, a esperança em Deus não engana, porque Ele guia os passos de quem a Ele se entrega. O mundo precisa de jovens peregrinos de esperança, corajosos em dedicar a sua vida a Cristo, cheios de alegria por serem seus discípulos-missionários.

Discernir o próprio caminho vocacional

A descoberta da própria vocação passa por um caminho de discernimento. Este percurso nunca é solitário, mas desenvolve-se no seio da comunidade cristã e com ela.

O mundo, queridos jovens, induz-vos a fazer escolhas precipitadas e a encher os dias de barulho, impedindo a experiência de um silêncio aberto a Deus, que fala ao coração. Tende a coragem de parar, de escutar dentro de vós e de perguntar a Deus o que Ele sonha para vós. O silêncio da oração é indispensável para «interpretar» a chamada de Deus na própria história e para dar uma resposta livre e consciente.

O recolhimento permite compreender que todos podemos ser peregrinos de esperança se fizermos da nossa vida um dom, especialmente ao serviço daqueles que habitam as periferias materiais e existenciais do mundo. Quem se põe a escutar Deus que chama não pode ignorar o grito de tantos irmãos e irmãs que se sentem excluídos, feridos e abandonados. Cada vocação abre para a missão de ser presença de Cristo onde mais se sente necessidade de luz e consolação. Em particular, os fiéis leigos são chamados a ser «sal, luz e fermento» do Reino de Deus, através do empenho social e profissional.

Acompanhar o caminho vocacional

Nesse horizonte, os agentes pastorais e vocacionais, especialmente os conselheiros espirituais, não tenham medo de acompanhar os jovens com a esperançosa e paciente confiança da pedagogia divina. Trata-se de ser para eles pessoas capazes de escuta e respeitoso acolhimento; pessoas em quem podem confiar, guias sábios, disponíveis para os ajudar e atentos a reconhecer os sinais de Deus no seu caminho.

Exorto, portanto, a que se promova o cuidado da vocação cristã nos vários campos da vida e da atividade humana, favorecendo a abertura espiritual de cada pessoa à voz de Deus. Para este fim, é importante que os itinerários educativos e pastorais contemplem espaços adequados para o acompanhamento das vocações.

A Igreja precisa de pastores, religiosos, missionários e esposos que, com confiança e esperança, saibam dizer «sim» ao Senhor. A vocação nunca é um tesouro que fica fechado no coração, mas cresce e fortalece-se na comunidade que crê, ama e espera. E como ninguém pode responder sozinho à chamada de Deus, todos temos necessidade da oração e do apoio dos nossos irmãos e irmãs.

Caríssimos, a Igreja é viva e fecunda quando gera novas vocações. E o mundo, muitas vezes inconscientemente, procura testemunhas de esperança que anunciem com a vida que seguir Cristo é fonte de alegria. Por isso, não nos cansemos de pedir ao Senhor novos operários para a sua messe, certos de que Ele continua a chamar com amor. Queridos jovens, confio o vosso seguimento de Jesus à intercessão de Maria, Mãe da Igreja e das vocações. Caminhai sempre como peregrinos de esperança no caminho do Evangelho! Acompanho-vos com a minha bênção e peço-vos que rezeis por mim!

Roma, Hospital Gemelli
19 de março de 2025.

Francisco

Angelus do iii domingo da Quaresma

23 de março

Amados irmãos e irmãs, bom domingo!

A parábola que encontramos no Evangelho de hoje fala-nos da paciência de Deus, que nos impele a fazer da nossa vida um tempo de conversão. Jesus usa a imagem de uma figueira estéril, que não deu os frutos esperados e que, no entanto, o agricultor não quer cortar: quer adubá-la de novo para ver «se dará frutos na próxima estação» (Lc 13, 9). Este agricultor paciente é o Senhor, que trabalha com cuidado o solo da nossa vida e espera com confiança o nosso regresso a Ele.

Neste longo período de hospitalização, pude experimentar a paciência do Senhor, que também vejo refletida nos cuidados incansáveis dos médicos e dos profissionais de saúde, bem como nas atenções e esperanças dos familiares dos doentes. Esta paciência confiante, ancorada no amor inabalável de Deus, é de facto necessária na nossa vida, sobretudo para enfrentar as situações mais difíceis e dolorosas.

Entristeceu-me o recomeço dos intensos bombardeamentos israelitas na Faixa de Gaza, com tantos mortos e feridos. Apelo a que se silencie imediatamente as armas; e que se tenha a coragem de retomar o diálogo, para que todos os reféns sejam libertados e se chegue a um cessar-fogo definitivo. Na Faixa de Gaza, a situação humanitária é novamente muito grave e exige um empenhamento urgente das partes beligerantes e da comunidade internacional.

Congratulo-me, em contrapartida, com o facto de a Arménia e o Azerbaijão terem concordado o texto final do Acordo de paz. Espero que seja assinado o mais rapidamente possível e que contribua assim para o restabelecimento de uma paz duradoura no Cáucaso Meridional.

Com tanta paciência e perseverança continuais a rezar por mim: muito obrigado! Também eu rezo por vós. E juntos imploremos o fim das guerras e a paz, especialmente na martirizada Ucrânia, na Palestina, em Israel, no Líbano, em Myanmar, no Sudão, na República Democrática do Congo.

Que a Virgem Maria nos proteja e continue a acompanhar-nos na nossa caminhada rumo à Páscoa.

Mensagem aos participantes na
Assembleia plenária da pontifícia Comissão para a tutela dos menores

24-28 de março

Estimados irmãos e irmãs!

Transmito-vos de coração a minha saudação e algumas indicações para o vosso precioso serviço. Com efeito, ele é como «oxigénio» para as Igrejas locais e para as comunidades religiosas, pois onde há uma criança ou uma pessoa vulnerável salvaguardada, aí serve-se e honra-se Cristo. Na trama diária do vosso trabalho — sobretudo nos âmbitos mais desfavorecidos — concretiza-se uma verdade profética: a prevenção dos abusos não é um cobertor a estender sobre as emergências, mas um dos fundamentos sobre os quais edificar comunidades fiéis ao Evangelho. É por isso que vos exprimo a minha gratidão!

O vosso trabalho não se reduz a protocolos a aplicar, mas promove medidas de proteção: uma formação que educa, verificações que previnem, uma escuta que restitui a dignidade. Quando implantais práticas de prevenção, até nas comunidades mais remotas, escreveis uma promessa: que cada criança, cada pessoa vulnerável, encontrará um ambiente seguro na comunidade eclesial. Esta é a força motriz do que deveria ser para nós uma conversão integral.

Hoje, peço-vos três compromissos:

1. Crescer no trabalho conjunto com os Dicastérios da Cúria romana.

2. Oferecer hospitalidade às vítimas e aos sobreviventes e cuidado para as feridas da alma, segundo o estilo do bom samaritano. Escutar com o ouvido do coração, para que cada testemunho não encontre formulários a preencher, mas entranhas de misericórdia a partir das quais renascer.

3. Construir alianças com realidades extraeclesiais — autoridades civis, peritos, associações — a fim de que a tutela se torne linguagem universal.

Ao longo destes dez anos, desenvolvestes uma rede de segurança na Igreja. Ide em frente! Continuai a ser sentinelas que vigiam enquanto o mundo dorme. Que o Espírito Santo, mestre da memória viva, nos preserve da tentação de arquivar a dor, em vez de a curar.

Agradeço-vos a vossa recordação na oração. Também eu vos acompanho e peço ao Senhor e à Santíssima Virgem que vos sustentem, a fim de que possais prosseguir o caminho empreendido com dedicação e esperança.

Roma, Policlínica «A. Gemelli» 20 de março de 2025.

Francisco

Audiência geral
de quarta-feira

26 de março

Prezados irmãos e irmãs!

Depois de termos meditado sobre o encontro de Jesus com Nicodemos, que tinha ido à procura de Jesus, hoje reflitamos sobre aqueles momentos em que parece que Ele estava à nossa espera precisamente ali, naquela encruzilhada da nossa vida. São encontros que nos surpreendem e, no início, talvez até fiquemos um pouco desconfiados: procuramos ser prudentes e compreender o que se passa.

Provavelmente, foi também a experiência da samaritana, mencionada no capítulo quarto do Evangelho de João (cf. 4, 5-26). Ela não esperava encontrar um homem perto do poço ao meio-dia, aliás, não esperava encontrar ninguém. Com efeito, ela vai buscar água ao poço a uma hora inusual, quando está muito calor. Talvez esta mulher se envergonhe da sua vida, talvez se tenha sentido julgada, condenada, incompreendida, e por isso se tenha isolado, rompendo relações com todos.

Para ir da Judeia até à Galileia, Jesus poderia ter escolhido outro caminho, sem atravessar a Samaria. Teria sido até mais seguro, dadas as relações tensas entre judeus e samaritanos. Ao contrário, Ele quer passar por ali e detém-se diante daquele poço, naquela mesma hora! Jesus está à nossa espera e deixa-se encontrar precisamente quando pensamos que já não há esperança para nós. No antigo Médio Oriente o poço é um lugar de encontro, onde às vezes se arranjam casamentos, é um lugar de noivado. Jesus quer ajudar esta mulher a compreender onde procurar a verdadeira resposta ao seu desejo de ser amada.

O tema do desejo é fundamental para entender este encontro. Jesus é o primeiro a manifestar o seu desejo: «Dá-me de beber!» (v. 10). Para encetar um diálogo, Jesus faz-se ver frágil, para pôr a outra pessoa à vontade, a fim de que não se assuste. A sede é muitas vezes, até na Bíblia, a imagem do desejo. Mas aqui Jesus tem sede sobretudo da salvação daquela mulher. «Aquele que pede de beber, diz Santo Agostinho, tinha sede da fé dessa mulher» (Homilia 15, 11).

Se Nicodemos fora ao encontro de Jesus à noite, aqui Jesus encontra a samaritana ao meio-dia, no momento em que há mais luz. Com efeito, é um momento de revelação. Jesus dá-se a conhecer a ela como o Messias e, além disso, ilumina a sua vida. Ajuda-a a reler de modo novo a sua história, que é complicada e dolorosa: teve cinco maridos e agora está com um sexto, que não é seu marido. O número seis não é casual, mas geralmente indica imperfeição. Talvez seja uma alusão ao sétimo esposo, aquele que finalmente poderá saciar o desejo desta mulher de ser verdadeiramente amada. E aquele esposo só pode ser Jesus.

Quando se dá conta de que Jesus conhece a sua vida, a mulher desvia a conversa para a questão religiosa, que dividia judeus e samaritanos. Isto acontece-nos às vezes também quando rezamos: no momento em que Deus toca a nossa vida com os seus problemas, às vezes perdemo-nos em reflexões que nos dão a ilusão de uma oração bem-sucedida. Na realidade, erguemos barreiras de proteção. No entanto, o Senhor é sempre maior, e àquela samaritana, a quem segundo os esquemas culturais nem sequer lhe deveria ter dirigido a palavra, oferece a mais excelsa revelação: fala-lhe do Pai, que deve ser adorado em espírito e verdade. E quando ela, mais uma vez surpreendida, observa que sobre estas coisas é melhor esperar o Messias, Ele diz-lhe: «Sou eu, aquele que fala contigo» (v. 26). É como uma declaração de amor: Aquele que esperas sou eu; Aquele que pode finalmente responder ao teu desejo de ser amada.

Naquele momento, a mulher corre para chamar os habitantes do povoado, pois é precisamente da experiência de se sentir amado que nasce a missão. E que anúncio poderia ela trazer, a não ser a sua experiência de ser compreendida, acolhida, perdoada? Trata-se de uma imagem que nos deveria fazer refletir sobre a nossa procura de novas formas de evangelizar.

Tal como uma pessoa apaixonada, a samaritana esquece a sua ânfora aos pés de Jesus. O peso da ânfora sobre a sua cabeça, cada vez que regressava a casa, recordava-lhe a sua condição, a sua vida atribulada. Mas agora a ânfora é colocada aos pés de Jesus.

O passado já não é um fardo; ela está reconciliada. E é assim também em relação a nós: para ir anunciar o Evangelho, primeiro é preciso depositar o peso da nossa história aos pés do Senhor, entregar-lhe o fardo do nosso passado. Só pessoas reconciliadas podem anunciar o Evangelho.

Caros irmãos e irmãs, não percamos a esperança! Ainda que a nossa história nos pareça pesada, complicada, talvez até arruinada, temos sempre a possibilidade de a confiar a Deus e de recomeçar o nosso caminho. Deus é misericórdia e está sempre à nossa espera!

Mensagem aos participantes no xxxv Curso sobre o Fórum interno organizado
pela Penitenciaria Apostólica

27 de março

Amados irmãos!

Saúdo todos vós que participais no xxxv Curso sobre o Fórum interno, organizado pela Penitenciaria Apostólica, e agradeço ao Penitenciário-Mor, ao Regente, aos Prelados, aos Oficiais e ao Pessoal da Penitenciaria, assim como aos Colégios dos Penitenciários ordinários e extraordinários das Basílicas Papais. O curso decorre durante a Quaresma do Ano Santo de 2025: tempo de conversão, penitência e acolhimento da misericórdia de Deus.

Celebrar a Misericórdia, sobretudo com os peregrinos do Jubileu, é um privilégio: Deus fez de nós ministros de Misericórdia pela sua graça, um dom que acolhemos porque fomos e somos os primeiros destinatários do seu perdão.

Estimados irmãos, exorto-vos a ser homens de oração, pois é na oração que residem as raízes da vossa ação ministerial, com a qual prolongais a obra de Jesus, que repete ainda e sempre: «Não te condeno. Vai e doravante não voltes a pecar» (Jo 8, 11).

Que esta palavra libertadora do Senhor possa ressoar em toda a Igreja, no Ano jubilar, para a renovação do coração, que brota da reconciliação com Deus e se abre a novas relações fraternas. Também a paz, tão almejada, brota da Misericórdia, como a esperança que não desilude.

Obrigado pelo vosso indispensável ministério sacramental! Que Nossa Senhora vos ampare no amor e na paciência de Cristo. Abençoo-vos de coração e peço-vos, por favor, que rezeis por mim!

Vaticano, 27 de março de 2025.

Francisco

Mensagem do Santo Padre por ocasião
do Jubileu dos Missionários da misericórdia

29 de março

Caros irmãos!

Teria desejado encontrar-me convosco por ocasião da vossa peregrinação jubilar e exprimir-vos pessoalmente, Missionários da Misericórdia, a minha gratidão e o meu encorajamento.

Agradeço-vos, porque com o vosso serviço dais testemunho do rosto paterno de Deus, infinitamente grande no amor, que chama todos à conversão e nos renova sempre com o seu perdão. Conversão e perdão são as duas carícias com as quais o Senhor enxuga cada lágrima dos nossos olhos; são as mãos com as quais a Igreja nos abraça a nós, pecadores; são os pés com os quais caminhar na nossa peregrinação terrena. Jesus, o Salvador do mundo, abre para nós o caminho que percorremos juntos, seguindo-o com a força do seu Espírito de paz.

Encorajo-vos por isso, no vosso ministério de confessores, a ser atentos no escutar, prontos no acolher e constantes no acompanhar aqueles que desejam renovar a própria vida e voltam para o Senhor. Com a sua misericórdia, de facto, Deus transforma-nos interiormente, muda o nosso coração: o perdão do Senhor é fonte de esperança, para que possamos contar sempre com Ele, em qualquer situação. Deus fez-se homem para revelar ao mundo que nunca nos abandona!

Caríssimos, desejo-vos uma peregrinação frutuosa. Abençoo de coração o vosso apostolado, pedindo a Maria Imaculada que vele sobre vós como Mãe de misericórdia. E não vos esqueçais, por favor, de rezar por mim.

Roma, Policlínica «Gemelli», 19 de março de 2025
Solenidade de São José.

Francisco

Angelus do iv domingo da Quaresma

30 de março

Estimados irmãos e irmãs, bom domingo!

No Evangelho de hoje (Lc 15, 1-3.11-32), Jesus dá-se conta de que os fariseus, em vez de se alegrarem porque os pecadores se aproximam d’Ele, se escandalizam e murmuram às suas costas. Então Jesus narra-lhes a história de um pai que tem dois filhos: um sai de casa, mas depois, tendo acabado na miséria, regressa e é recebido com alegria; o outro, o filho «obediente», indignando com o pai, não quer participar na festa. É assim que Jesus revela o coração de Deus: sempre misericordioso para com todos; cura as nossas feridas para que nos possamos amar como irmãos.

Caríssimos, vivamos esta Quaresma, ainda mais no Jubileu, como tempo de cura. Também eu a experimento assim, na alma e no corpo. Por isso, agradeço de coração a todos aqueles que, à imagem do Salvador, são instrumentos de cura para o próximo com a sua palavra e o seu saber, com o afeto e a oração. A fragilidade e a doença são experiências comuns a todos nós; no entanto, com mais razão somos irmãos na salvação que Cristo nos concedeu.

Confiantes na misericórdia de Deus Pai, continuemos a rezar pela paz: na martirizada Ucrânia, na Palestina, em Israel, no Líbano, na República Democrática do Congo e em Myanmar, que sofre muito também devido ao tremor de terra.

Acompanho com preocupação a situação no Sudão do Sul. Renovo o meu apelo sincero a todos os Líderes a fim de que envidem todos os esforços para diminuir a tensão no país. É preciso pôr de lado as divergências e, com coragem e responsabilidade, sentar-se à volta de uma mesa e encetar um diálogo construtivo. Só assim será possível aliviar os sofrimentos do amado povo sul-sudanês e construir um futuro de paz e estabilidade.

E no Sudão, a guerra continua a ceifar vítimas inocentes. Exorto as partes em conflito a pôr em primeiro lugar a salvaguarda da vida dos seus irmãos civis; e desejo que se iniciem o mais rapidamente possível novas negociações, capazes de assegurar uma solução duradoura para a crise. A Comunidade internacional intensifique os esforços para enfrentar esta terrível catástrofe humanitária.

Graças a Deus, há também dados positivos: cito como exemplo a ratificação do Acordo sobre a demarcação dos confins entre o Tajiquistão e o Quirguistão, que constitui um excelente resultado diplomático. Encorajo ambos os países a prosseguir por este caminho.

Que Maria, Mãe de misericórdia, ajude a família humana a reconciliar-se na paz.