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Cinema

Ode à resiliência

 Ode à resiliência  POR-004
08 abril 2025

Sérgio Suchodolak

Em diálogo com o cineasta Walter Salles, vencedor do recente Óscar com «Ainda estou aqui», Alexander Payne (The Holdovers, The Descendants) foi lapidar: «Acaba de criar um clássico». O filme descreve com elegância a luta contra a perda de segurança e de “normalidade”, e sabe aproveitar a capacidade do cinema de unir as pessoas através de experiências humanas compartilhadas. Baseado numa história real, pessoal e ao mesmo tempo universal, narrada no livro «Ainda estou aqui» (Ed. Alfaguara, 2015, 295 páginas), de Marcelo Rubens Paiva — que tinha apenas 11 anos na época dos acontecimentos — o enredo segue uma linha do tempo cadenciada pelo ritmo de vida de uma família brutalmente interrompido. Uma história que ocorreu há meio século, mas que ainda hoje é muito atual.

Estamos no Rio de Janeiro, no início da década de 1970, no seio de um núcleo familiar de classe média em que serenidade e alegria são acompanhadas por uma grande riqueza de estímulos culturais e sociais. Feliz foi a opção do cineasta de utilizar, no início, uma película de 35mm, cores quentes e músicas de fundo alegres, para criar um forte contraste com o que aconteceria em seguida. A atmosfera serena não deixa transparecer a grave ameaça que já pende sobre o destino da família e de milhões de pessoas que vivem à sombra da ditadura militar, já em ato.

Como numa história policial, uma inesperada inquietação abre caminho no meio das amplas salas de uma casa colonial perto da praia do Leblon, com uma vista deslumbrante para o Pão de Açúcar onde Eunice se abstrai do mundo nadando nas águas plácidas do mar. Uma casa onde a personagem central da história vive com os seus filhos, cheia de planos e sonhos. Uma família repentinamente impelida para o abismo do desconhecido, um convite implacável a beber um cálice demasiado amargo. Janelas fechadas, cortinas puxadas, portas trancadas. A escuridão é a melhor aliada da mentira e do engano.

O único primeiro plano do filme retrata Eunice na soleira da porta enquanto saúda o marido, que lhe sorri docemente quando é levado embora pela polícia. A intenção do cineasta parece clara: «Aconteça o que acontecer contigo, eu ainda estou aqui, procurarei fazer-te justiça com todas as minhas forças, amar-te-ei para sempre». A partir daquele momento, a narrativa recai totalmente sobre os ombros da mulher. Torna-se a sua história.

O papel interpretado por Fernanda Torres, galardoada com o Golden Globe, deixou a sua marca. Incisiva, penetrante, mas ao mesmo tempo doce e reconfortante. Conduzindo com maestria o público ao longo de uma história que poderia ter sido de ódio, mas que se revelou de puro amor — pela família, pelo mundo, por si mesma — Torres consegue dar expressão a uma vasta gama de emoções diferentes, encarnando visceralmente Eunice Paiva, advogada e ativista, esposa do deputado Rubens Paiva, cujo desaparecimento nunca foi totalmente esclarecido. É palpável, primeiro, a sua vulnerabilidade, e em seguida a determinação inabalável com que resiste a um destino adverso. Mas é aqui que, lentamente, a intérprete começa a tecer um autêntico elogio da coragem. Com efeito, é impressionante a tenacidade com que Eunice, para a fotografia de família com que dar a conhecer ao mundo a sua história, se recusa a ouvir o fotógrafo de uma revista, que gostaria de os retratar esmagados pela dor. Pelo contrário, Eunice opta por sorrir, consciente de que quem sabe rir é senhor do mundo, como escrevia Giacomo Leopardi. E que, quando o mal procura anular toda a capacidade de resistência, o sorriso e a esperança podem revelar-se armas poderosas. É nesta mesma linha que se apresenta o poder, muitas vezes insuspeitável, do amor de ultrapassar todas as contingências humanas. Afinal de contas, é precisamente o amor que confere à vida o seu sentido mais profundo. E é assim que, depois de longos anos de luta, chega a resposta, que se manifesta a verdade sobre o destino do marido desaparecido, aquela verdade que nem o tempo tinha conseguido violar, o único remédio capaz de curar uma cicatriz há demasiado tempo descoberta.

No final a protagonista, já idosa e doente — interpretada por Fernanda Montenegro, mãe de Fernanda Torres — fixa a televisão com um olhar intenso, enquanto passam as imagens do caso do marido finalmente resgatado das sombras do passado. Como se dissesse “fez-se justiça”. E valeu a pena, pois foi alcançada sem ceder à vingança nem à violência, graças à única e preciosa virtude da resiliência, da esperança que não desilude. E que não abandona quem consegue libertar a alma do ódio e do ressentimento, permanecendo obstinadamente ancorado no futuro.