
Na tarde de 12 de março, vigília do décimo segundo aniversário da eleição de Jorge Mario Bergoglio para o sólio petrino, as Embaixadas dos Estados membros da comunidade dos países de língua portuguesa (cplp) acreditados juntos da Santa Sé, promoveram a celebração de uma missa solene pela saúde do Papa Francisco. A cerimónia teve lugar na Igreja de Santo António dos portugueses em Roma, e foi presidida pelo prefeito do Dicastério para a cultura e a educação.
José Tolentino de Mendonça
Hoje em dia, quando se pergunta ao homem comum quais são os mestres contemporâneos de esperança, um dos nomes mais frequentemente mencionados é o do Papa Francisco. Nestes doze anos de pontificado, o Papa Francisco tem sido um incansável profeta da esperança, e o alcance e a autoridade da sua voz são reconhecidos dentro e fora da Igreja. Ele é uma referência de sabedoria, de amor altruísta e de coragem. Um artífice de uma visão fraterna do mundo, ao serviço do bem comum de toda a humanidade.
O Papa Francisco é uma bússola para o nosso tempo. Quando queremos encontrar o rumo da esperança, procuramos com confiança o seu pensamento, olhamos para o seu exemplo e sentimo-nos sempre fortalecidos. Ao longo dos anos, as suas palavras e gestos orientaram-nos para os grandes valores do Evangelho e do Humanismo; derrubaram barreiras de incompreensão e contribuíram para a criação de uma ordem internacional mais sólida ao redor da necessidade do diálogo e da paz. A emoção e o afeto mundial que acompanharam a sua enfermidade são bem reveladores desta sintonia com o Papa Francisco. Nesta Eucaristia, celebrada nas Vésperas do aniversário da sua eleição, damos graças pelo seu ensinamento e pedimos a Deus que o assista com os dons necessários para que possa continuar a sua preciosa missão. O Papa Francisco é um mestre de esperança.
Mas, como nos recordam as leituras bíblicas de hoje, a esperança não é uma construção fácil. As esperanças que prometem tudo e não exigem nada são moeda falsa, embora estejam muito difundidas no mundo atual. As esperanças que se apresentam como uma panaceia imediata que resolve todos os nossos problemas, sem nos envolverem em processos necessários de questionamento e transformação, são, na maior parte das vezes, uma máscara para a instrumentalização da verdade em benefício próprio. É exatamente isso que Jesus nos recorda no Evangelho de hoje, quando nos assegura: «não será dado outro sinal senão o sinal de Jonas». O “sinal de Jonas” é a aceitação de que não há esperança sem uma dinâmica de conversão, que nos envolve diretamente. Isto aplica-se às dimensões da vida espiritual e interior, mas também às da vida política e social.
Uma das maneiras pelas quais o Papa Francisco se tem mostrado um apóstolo da esperança é na proclamação de uma visão integrada, na qual o futuro da humanidade é visto numa ligação inseparável com o futuro de todo o planeta. Desde a Carta Encíclica Laudato si’ até à Exortação Apostólica Laudate Deum, o Santo Padre desafiou-nos a tornarmo-nos guardiães conscientes da criação e não déspotas prepotentes dispostos a sacrificar tudo e todos ao próprio egoísmo. Ora, isto não acontece sem conversão, que implica a aceitação da realidade. Diz o Papa Francisco: «Por muito que se tente negá-los, escondê-los, dissimulá-los ou relativizá-los, os sinais da mudança climática impõem-se-nos de forma cada vez mais evidente. Ninguém pode ignorar que, nos últimos anos, temos assistido a fenómenos extremos... e outros gemidos da terra que são apenas algumas expressões palpáveis de uma doença silenciosa que nos afeta a todos» (Laudate Deum, 5).
A esperança é um desafio para melhorar a nossa visão. Perguntemo-nos até onde chega o nosso olhar? Porque se o nosso olhar permanece fixo em nós mesmos, acabamos por perder o sentido do outro e da própria alteridade, mesmo com o “A” maiúsculo (Alteridade), e pretendemos tornar-nos o único horizonte de transcendência para nós mesmos. Mas, como diz o Santo Padre: «um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo» (Laudate Deum, 73). Para que a esperança se possa consolidar, precisamos de uma nova compreensão. O ensinamento do Papa Francisco é um apoio fundamental para o nosso tempo, que é uma época fascinante nas suas possibilidades, mas ameaçadora nos seus riscos. Com razão, o Santo Padre exorta-nos continuamente a adotar com urgência uma visão mais ampla, ancorada na participação no cuidado da casa comum e no exercício da «responsabilidade pela herança que deixaremos atrás de nós depois da nossa passagem por este mundo» (Laudate Deum, 18). Trata-se essencialmente de nos confrontarmos com a necessidade pessoal e institucional de uma «profunda conversão interior» (Laudato si’, 217).
Por detrás da esperança há sempre um caminho de conversão. É interessante, para dar um exemplo, o que o Papa Francisco diz sobre a sua conversão pessoal à ecologia. Ele conta: «Em 2007 teve lugar a Conferência do Episcopado Latino-Americano no Brasil, em Aparecida. Fiz parte do grupo de redatores do documento final, e chegavam propostas sobre a Amazónia. Eu disse: “Mas estes brasileiros, como aborrecem com esta Amazónia! O que tem a Amazónia a ver com a evangelização?”. Eu era assim em 2007. Depois, em 2015, saiu a Laudato si’. Percorri um caminho de conversão, de compreensão do problema ecológico. Antes eu não entendia nada! (Discurso a um grupo de peritos que trabalham com a Conferência episcopal francesa sobre o tema da Laudato si’, 3 de setembro de 2020).
«Antes, eu não entendia nada!»: por muito exigente que seja, esta humildade é indispensável. Porque quando nos apercebemos do que nos falta, podemos fazer progressos e procurar novas soluções. A cidade de Nínive, tão ferida por tantas desigualdades, depois de ouvir a pregação de Jonas, procurou reorientar as suas prioridades e arrepender-se da «sua má conduta e da violência das suas mãos». A consciência crítica de nós próprios e a força interior para rever os nossos modelos de comportamento são dons quaresmais que devemos pedir a Deus, inspirados pelo Papa Francisco.
Queridos irmãos e irmãs, a palavra de Jesus no Evangelho é inquestionável: «No dia do juízo, os habitantes de Nínive levantar-se-ão contra esta geração e condená-la-ão, porque se converteram com a pregação de Jonas. E eis que aqui está um maior do que Jonas». Façamos desta Quaresma a promessa de uma verdadeira renovação pascal para o mundo. Somos chamados a ser peregrinos da esperança, mas de verdadeira esperança. Como exortou o Papa na jmj de Lisboa, «Amigos, permiti que vos diga: procurai e arriscai. Neste momento histórico, os desafios são enormes, os gemidos dolorosos: estamos a viver uma terceira guerra mundial feita aos pedaços. Mas abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no fim, mas no início de um grande espetáculo. E é preciso coragem para pensar assim. Por isso sede protagonistas de uma “nova coreografia” que coloque no centro a pessoa humana, sede coreógrafos da dança da vida» (Encontro com jovens universitários na Universidade Católica Portuguesa em Lisboa, 3 de agosto de 2023).
Rezemos pelo Papa Francisco e pela sua saúde. Mas rezemos também por nós, para que a mensagem profética que ele transmite seja acolhida por nós e gere uma coreografia de esperança no mundo. Porque como dizia Camões: onde esperança falta, lá me esconde Amor um mal, que mata e não se vê.