
José Cerca
Perseguição aos cristãos no mundo tem sido uma constante, ao longo destes 2025 anos da era cristã. Todos os dias, homens, mulheres e crianças que professam a fé em Cristo são raptadas, torturadas, presas e até mortas, só porque creem em Cristo.
Começou no Império romano esta perseguição e continua nos dias de hoje, perante uma certa indiferença do mundo ocidental. Ignorar esta tragédia, que ocorre um pouco por todo o mundo, é ser conivente com ela.
Há 30 anos que a Fundação Ajuda à Igreja que sofre (Ais) tem angariado e canalizado para tantos países onde os efeitos e as vítimas desta perseguição são mais prementes, a ajuda possível para minimizar o sofrimento de tantos cristãos perseguidos por causa da fé.
Para rezar, sensibilizar e alertar a consciência das pessoas e sobretudo dos responsáveis políticos para este drama, a Fundação Ais decidiu celebrar nos dias 29 e 30 de março o Jubileu dos cristãos perseguidos e escolheu a igreja jubilar do mosteiro de Arouca para o fazer.
Perseguidos e esquecidos
O programa deste Jubileu começou na tarde de sábado com uma sessão no auditório municipal onde estiveram presentes, ao lado da presidente da Câmara municipal de Arouca, Margarida Belém, a diretora da Fundação Ajuda à Igreja que sofre, Catarina Bettencourt, o Pe. José Pedro Novais, pároco de várias comunidades cristãs de Arouca, e o Pe. Simon Ayogu sacerdote espiritano natural da Nigéria.
Apresentada e moderada por Paulo Aido, jornalista da Ais, a sessão abriu com um momento musical a cargo do grupo de cantas e cramóis do Conjunto etnográfico de Moldes de danças e corais arouquenses que, através de uma harmoniosa polifonia vocal, interpretaram diversos motivos musicais do cancioneiro local, todos eles com sabor telúrico e ligados às lides da terra.
Depois, o Pe. José Pedro Novais iniciou a sessão com uma palestra sobre a história do ano jubilar e seus objetivos, conduzindo a reflexão sobre o tema da esperança, escolhido pelo Papa como linha condutora e inspiradora deste Jubileu.
Seguidamente coube à diretora da Fundação Ais fazer a apresentação do Relatório “Perseguidos e esquecidos”, referindo a evolução em cerca de 18 países sobre o último relatório efetuado pela Ais. Para uma melhor compreensão da situação dos cristãos oprimidos nesses 18 países por causa da fé, foi distribuído a todos os presentes uma brochura ilustrada com informação mais pormenorizada e com o intuito de sensibilizar as pessoas para este drama que afeta milhares de cristãos em diversas partes do mundo.
Testemunhos
Após a apresentação do relatório seguiram-se testemunhos de pessoas que conhecem bem a realidade diária que se vive em certos países, onde os cristãos são perseguidos. O primeiro testemunho foi dado pelo sacerdote nigeriano, Simon Ayogu, missionário espiritano que falou sobre as dificuldades que os cristãos na Nigéria enfrentam devido ao fundamentalismo islâmico, sobretudo através do grupo Boko Haram, cujo nome em árabe quer dizer “a educação ocidental ou não islâmica é pecado”. Refira-se que esta organização terrorista surgiu na Nigéria em 2002 e continua a ter muita força nesse país, chegando o Pe. Ayogu a relatar vários casos de violência alguns deles passados até com seus familiares.
O segundo testemunho, sobre os cristãos na Faixa de Gaza, foi dado pelo Pe. Gabriel Romanelli, pároco de Gaza.
Neste testemunho, o pároco da paróquia da Sagrada Família em Gaza relatou as dificuldades do dia a dia, surgidas depois de 7 de outubro de 2023 em Gaza, comparando a situação antes e após o terrível atentado. Terminou o seu testemunho pedindo que se reze a Nossa Senhora de Fátima, por quem os cristãos de Gaza têm uma grande devoção, orando pela paz e pelo fim desta guerra. Manifestou ainda o desejo e a necessidade que existe de se convencer os responsáveis políticos de que um dia a mais de guerra não vai resolver a situação, só a vai piorar. Finalmente, o Pe. Gabriel apelou à ajuda humanitária para milhares de famílias que passam por grandes dificuldades neste momento, sejam eles palestinianos, israelitas, judeus, cristãos, muçulmanos ou até ateus, pois a situação em Gaza é de extrema pobreza. E esta ajuda será uma maneira de revelar a misericórdia de Deus para com todos.
Mensagem do bispo do Porto
O bispo do Porto, D. Manuel Linda, não pôde estar presente, mas mandou uma mensagem vídeo desejando que «este Jubileu seja também uma forma de nos dar ânimo, a nós que vivemos em liberdade para que, como eles, possamos testemunhar Cristo em qualquer circunstância da vida».
A sessão terminou com as palavras da presidente da Câmara municipal, Margarida Belém, dizendo que Arouca ficou muito sensibilizada e honrada por ter recebido a Fundação Ais para celebrar o Jubileu dos cristãos perseguidos na igreja jubilar do mosteiro local. Realçou ainda o trabalho meritório que a Ais tem vindo a desenvolver ao longo de 30 anos de existência, sobretudo no apoio a tantas situações de extrema carência nos mais diversos países do mundo.
Abertura da exposição “Das trevas à luz”
O primeiro dia deste Jubileu terminou com a abertura da exposição “Das trevas à luz” nos claustros do mosteiro. Nessa exposição, ao longo de 14 painéis ilustrados, são referidas impressionantes e dramáticas situações de vários “Heróis da fé” em vários países: Iraque, Paquistão, Nigéria, Camarões, Ucrânia, Síria, Índia e Moçambique. A leitura destes casos prova bem que os cristãos continuam a ser perseguidos, discriminados e até mortos, apenas por causa da sua fé.
Mas na maioria dos casos a perseguição aos cristãos engloba também a profanação e a vandalização dos lugares de culto e das alfaias litúrgicas. E isto ficou bem demonstrado através da segunda exposição sobre “Objetos religiosos profanados” que abriu na sala do Capítulo do mosteiro, com mais de duas dezenas de objetos religiosos danificados pelo jihadismo islâmico no Iraque em 2014.
Eucaristia para todo o país
O momento alto deste Jubileu foi a eucaristia do iv domingo da Quaresma, concelebrada na igreja jubilar do mosteiro, presidida pelo Pe. Simon Ayogu e transmitida em direto pela rtp1, sendo animada musicalmente pelo coro paroquial da missa dominical, dirigido por Elvira Tavares e acompanhado ao órgão de tubos pela organista Célia Tavares.
Para assinalar o Jubileu dos cristãos perseguidos foram levados ao altar, na procissão inicial, dois dos objetos profanados que, depois de apresentados à assembleia, ficaram expostos ao lado do altar, durante toda a celebração: um cálice destruído por uma bala na igreja sírio-católica de Qaraqosh no Iraque e um crucifixo em metal da igreja caldeia de Telaskuf, danificado pelo jihadismo islâmico.
Durante a celebração, Catarina Bettencourt teve ocasião de falar sobre a Fundação que dirige e que tem como missão «apoiar os que são perseguidos, ameaçados ou refugiados por causa da sua fé». Fundada há 30 anos em Portugal, esta instituição pontifícia apoia cerca de 5.000 projetos em 140 países.
A realização deste Jubileu pela Ais pretende exprimir que estes cristãos perseguidos não estão sós e precisam do nosso conforto e orações, bem como da ajuda monetária para tantos casos de extrema carência e que só esta instituição consegue apoiar.
Concerto jubilar
Tendo sido aberto com um momento musical, este Jubileu encerrou também com música, através de um Concerto jubilar na igreja do mosteiro pelo grupo coral de Urrô, dirigido por Paulo Bernardino e enriquecido pelo quinteto de sopro da Academia de música de Arouca.
Com um reportório variado que incluiu uma peça de órgão na abertura, alguns números pelo quinteto de sopro e a interpretação de diversas peças pelo citado grupo coral, este concerto terminou com o hino do Jubileu, encerrando assim de maneira expressiva esta celebração que pretendeu não só dar voz a tantos cristãos “perseguidos e esquecidos”, como também despertar consciências e vencer a indiferença generalizada para com estes dramas que ainda persistem em muitas regiões do mundo.