· Cidade do Vaticano ·

Aquelas flores amarelas e a “lectio brevis” de Francisco

 Aquelas flores amarelas  e a “lectio brevis” de Francisco  POR-004
08 abril 2025

Andrea Monda

Naqueles poucos minutos em que apareceu na varanda da Policlínica Gemelli e abençoou a multidão de mais de 3000 pessoas presentes, o Papa proferiu pouquíssimas palavras mas disse muitas coisas. O seu poder de comunicação pôde mais uma vez revelar-se.

Já o tinha feito nos dias de “silêncio”, um silêncio eloquente, em que estava “fora do cenário”, mas ao mesmo tempo estava no centro do mundo. Não só porque, como se diz, “todos os olhos do mundo” estavam voltados para aquela janela do hospital, mas também porque o Papa tem a força de abraçar a realidade, de se relacionar com ela de forma direta, viva e fecunda. Daqui a quatro dias, recordaremos os cinco anos da Statio Orbis na Praça de São Pedro, durante o momento mais sombrio da pandemia de Covid-19. Também ali: a praça estava vazia, mas ao mesmo tempo estava cheia, cheia do mundo inteiro e das suas feridas e dores. Essa dor estava a ser suportada por aquele homem sozinho debaixo da chuva.

Como ontem (23 de março, ndr), no Gemelli. Olhou para fora, abençoou, com dificuldade, com os braços, mas sobretudo viu, observou, acolheu a realidade, relacionou-se com ela. E disse estas palavras simples: “E vejo esta senhora com as flores amarelas! Ela é bondosa!”, indicando com a sua mão outra mão, a da senhora Carmela Mancuso, de 78 anos, da Calábria, na primeira fila virada para a varanda, com um ramo de flores amarelas. É este o estilo do Papa Francisco: diante de milhares de pessoas, mas procura a relação “um a um”, “cara a cara”. Tal como Jesus faz no episódio da mulher hemorroíssa, quando pergunta à multidão “quem me tocou?” e perscruta com o seu olhar a pessoa com quem já entrou em contacto. «Não sei o que dizer. Obrigado, obrigado, ao Senhor e ao Santo Padre. Não pensei ser tão “notada”», disse a senhora Carmela, imediatamente contactada pelos meios de comunicação do Vaticano. É assim mesmo: a surpresa de ser “tão notada”, vista de um certo modo. O modo como o Papa vê o mundo e as pessoas continua a surpreender-nos. E este é um sinal ambíguo: é mau porque significa que, após doze anos, ainda não compreendemos o olhar do Papa e a importância do seu olhar, mas também é belo porque esse olhar nasce do enlevo e do amor e, por isso, é sempre surpreendente, é sempre fonte de admiração. Essa admiração que significa abertura à realidade sem preconceitos, sem condicionamentos ideológicos.

Em 1966, Bob Dylan escreveu uma canção Absolutely Sweet Marie em que cantava: «And now I’m standing here watching your yellow railroad in the rubble of your balcony». Algum tempo depois, comentou este verso: «Escrevi-o a olhar para um lugar em particular. Sabes, quando se é músico, acontece que se viaja pelo mundo. Por isso, temos de nos habituar a observar tudo. Mas a maior parte das vezes a realidade atinge-nos, nem sequer precisamos de a observar. Atinge-nos. Como o caminho de ferro amarelo [...] Não é uma imagem artificial.

Qual é a nossa abordagem da realidade, pergunta-nos o Papa: é “artística” ou instrumental, utilitarista? É uma abordagem de abertura atenta e surpreendida ou é “artificial”? Se nasce da admiração, conduzirá a outra atitude fundamental para Francisco e para cada cristão: a gratidão. Deixando o Gemelli imediatamente, o Papa, antes de regressar à Casa Santa Marta, foi a Santa Maria Maior, como faz quando regressa das viagens apostólicas pelo mundo, para agradecer a Maria, a Salus Populi Romani. No final desta longa “viagem” de 38 dias no hospital, o Papa quis levar flores a Nossa Senhora, flores amarelas, precisamente aquelas da senhora Carmela.