· Cidade do Vaticano ·

Rearmamento e guarda-chuva nuclear

A palavra a Francisco

 A palavra a Francisco  POR-004
08 abril 2025

Andrea Tornielli

Os ventos de guerra, o rearmamento com recurso a enormes investimentos, as propostas de relançamento das armas atómicas... Impressiona verdadeiramente a forma com que, na Europa e no mundo, é apresentada a corrida aos armamentos, quase como se fosse uma perspetiva inexoravelmente necessária, a única viável.

Após anos em que a diplomacia permaneceu em silêncio e a capacidade de negociação ausente, parece que a única via percorrível é a do rearmamento. Chamam-se em causa pais fundadores como Alcide De Gasperi, que defendia a criação de um exército europeu comum, para justificar iniciativas muito diferentes, que não veem a União Europeia como protagonista, mas sim cada um dos Estados.

Volta-se a falar de “guarda-chuva nuclear” e de “dissuasão”, que faz reviver os piores cenários da Guerra Fria mas num clima de maior instabilidade e incerteza do que no século passado, com o abismo de uma Terceira Guerra Mundial cada vez mais no horizonte.

Nestes anos, com lucidez profética, o Papa Francisco viu o perigo aproximar-se. As suas palavras são iluminadoras para compreender o momento que estamos a viver. Demos voz a ele, que internado na Policlínica Gemelli oferece os seus sofrimentos e as suas orações pela paz no mundo.

«É um facto», tinha dito Francisco em novembro de 2017, «que a espiral da corrida aos armamentos não conhece descanso e que os custos de modernização e desenvolvimento de armas, não só nucleares, representam uma despesa considerável para as nações, a ponto de colocarem em segundo plano as verdadeiras prioridades da humanidade sofredora: a luta contra a pobreza, a promoção da paz, a realização de projetos educativos, ecológicos e sanitários e o desenvolvimento dos direitos humanos... Os armamentos que têm como efeito a destruição do género humano são ilógicos até mesmo no plano militar».

Em novembro de 2019, de Nagasaki, cidade mártir da bomba atómica, o Bispo de Roma afirmava: «Um dos desejos mais profundos do coração humano é o desejo de paz e estabilidade. A posse de armas nucleares e de outras armas de destruição de massa não é a melhor resposta a este desejo; pelo contrário, parecem pô-lo continuamente à prova. O nosso mundo vive a dicotomia perversa de querer defender e garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança suportada por uma mentalidade de medo e desconfiança, que acaba por envenenar as relações entre os povos e impedir qualquer diálogo possível».

E acrescentava: «A paz e a estabilidade internacional são incompatíveis com qualquer tentativa de construir sobre o medo da destruição mútua ou sobre uma ameaça de aniquilação total; só são possíveis a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço de um futuro moldado pela interdependência e pela corresponsabilidade em toda a família humana de hoje e de amanhã».

Também em novembro de 2019, de Hiroshima, Francisco recordava, fazendo suas as palavras do Papa Montini, que a verdadeira paz só pode ser desarmada: «De facto, se queremos realmente construir uma sociedade mais justa e segura, devemos deixar que as armas caiam das nossas mãos: “Não se pode amar com armas ofensivas nas mãos” (São Paulo vi, Discurso às Nações Unidas, 4 de outubro de 1965, 5). Quando nos entregamos à lógica das armas e nos afastamos do exercício do diálogo, esquecemos tragicamente que as armas, mesmo antes de causarem vítimas e destruição, têm a capacidade de gerar pesadelos, “Exigem enormes despesas. Detêm os projetos de solidariedade e de útil trabalho. Falseiam a psicologia dos povos” (ibid., 5). Como podemos propor a paz se usamos continuamente a intimidação bélica nuclear como recurso legítimo para a resolução dos conflitos? Que este abismo de dor recorde os limites que nunca se deveriam ultrapassar. A verdadeira paz só pode ser uma paz desarmada».

A do Sucessor de Pedro, continuava, é «a voz daqueles cuja voz não é ouvida e que olham com inquietação e com angústia para as crescentes tensões que atravessam o nosso tempo, as inaceitáveis desigualdades e injustiças que ameaçam a convivência humana, a grave incapacidade de cuidar da nossa casa comum, o recurso contínuo e espasmódico às armas, como se estas pudessem garantir um futuro de paz».

Depois, a condenação não só do uso mas também da posse das armas nucleares que ainda hoje enchem os arsenais do mundo com um poder tal que são capazes de destruir dezenas de vezes a humanidade inteira: «Com convicção desejo reiterar que a utilização da energia atómica para fins bélicos é, hoje mais do que nunca, um crime, não só contra o homem e a sua dignidade, mas contra qualquer possibilidade de futuro na nossa casa comum. A utilização da energia atómica para fins bélicos é imoral, tal como é imoral a posse das armas atómicas, como já disse há dois anos. Seremos julgados por isto».

Segundo a Federation of American Scientists, citada no quotidiano «Domani», na Europa existem 290 ogivas atómicas sob o controlo francês e 225 ogivas na Grã-Bretanha. A quase totalidade das ogivas atómicas — 88% — está nos arsenais dos Estados Unidos e da Rússia, mais de 5.000 ogivas cada um. No total são 9 os países a terem bombas nucleares, para além dos já citados são a China, a Índia, a Coreia do Norte, o Paquistão e Israel. Existem hoje mísseis balísticos capazes de desencadear um poder destrutivo mil vezes superior ao das bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945. É caso para se perguntar: precisamos verdadeiramente de ainda mais armas? Será realmente esta a única forma de nos defendermos?

«A Igreja Católica», tinha dito o Papa Francisco em Nagasaki há seis anos, «está irrevogavelmente empenhada na decisão de promover a paz entre os povos e as nações: é um dever para o qual se sente obrigada perante Deus e perante todos os homens e as mulheres desta terra... Na convicção de que um mundo sem armas nucleares é possível e necessário, peço aos líderes políticos de não esquecer que estas não nos defendem das ameaças à segurança nacional e internacional do nosso tempo».