
Fabio Colagrande
Há uma estética da fé e da espiritualidade que pode estabelecer uma ponte entre passado e presente e pôr em contacto pessoas de diferentes regiões do mundo. Esta capacidade da arte inspirada na religião é contada na segunda Bienal das Artes Islâmicas, inaugurada a 25 de janeiro em Jeddha, na Arábia Saudita, e que decorre até 25 de maio, sob as estruturas de tração do Western Hajj Terminal do Aeroporto King Abdulaziz, uma obra-prima arquitetónica construída para acolher o afluxo de peregrinos à Meca.
Cinco pavilhões, jardins exteriores, quinhentas peças, mais de trinta instituições internacionais de vinte países e vinte artistas contemporâneos para cento e dez mil metros quadrados de exposição. Os números desta Bienal, organizada pela Diriyah Biennial Foundation, após o sucesso da de 2023, falam de um evento grandioso que quis entrelaçar antigo e contemporâneo, a história e o presente da cultura islâmica, num momento de transformação económica, social e cultural para a Península Arábica. Serve de fio condutor, um verso recorrente do Alcorão — and all that is in between (“e tudo o que está no meio”) — que exprime a vastidão e a multiformidade da criação.
Assim, no pavilhão AlMukarramah, dedicado à cidade natal do profeta Maomé, encontramos a instalação Magnetism (“Magnetismo”), de 2009, do artista saudita Ahmed Mater, uma das vozes que melhor narram a Arábia Saudita contemporânea. Um cubo preto magnético — tão pequeno quanto a Kaaba na Mesquita de Meca é monumental — que foi posto a rodar, pondo em movimento milhares de partículas de ferro e criando um vórtice que ecoa o movimento dos peregrinos durante o Hajj, a peregrinação anual à cidade santa. «Através do Magnetismo — explica o autor — sugiro que o universo funciona num equilíbrio de forças opostas, atração e repulsão».
Na mesma secção, encontramos a obra do único artista italiano convidado para a Bienal, o vicentino Arcangelo Sassolino, que utiliza materiais industriais para revelar contrastes e forças opostas. Na sua instalação Memory of becoming (“Memória de se tornar”), um grande disco revestido com óleo industrial roda lenta e perpetuamente e é o movimento contínuo que mantém o material viscoso na superfície. A obra encarna a luta contra a decadência, mas é também um monumento à impermanência na base da criação.
Entre os pavilhões da Bienal dedicados às duas cidades santas, Meca e Medina — que contêm objetos sagrados que nunca saíram daqueles lugares, como a sagrada Kiswah — encontramos a instalação Zubaydah Trail (“Entre as cidades sagradas”) do artista paquistanês Imran Qureshi, habituado a sintetizar motivos tradicionais com reflexões sociopolíticas sobre a atualidade. Realizada em nylon tecido à mão, a obra octogonal estende-se por 450 metros quadrados, convidando os visitantes a reunir-se, repousar e contemplar, simulando o espaço de um oásis. A técnica de tecelagem reativa os ofícios artesanais, como que para os salvaguardar do desaparecimento devido ao advento das tecnologias contemporâneas.
Mas as instalações contemporâneas são apenas uma face de uma Bienal que, acima de tudo, conta a história cultural e artística da civilização islâmica através de artefactos, manuscritos, objetos, mapas, joias e armas provenientes da Ásia, da África e de museus e coleções internacionais. Entre estes, destaca-se a contribuição da Biblioteca Apostólica do Vaticano, presente em Jeddah — na secção AlMadar — com onze peças históricas, entre as quais um mapa do Nilo de seis metros de comprimento do século xvii, restaurado para a ocasião com fundos sauditas, que saiu pela primeira vez dos Muros Leoninos.
Julian Raby, um dos diretores artísticos do evento, entrevistado pelos meios de comunicação social do Vaticano, comentou positivamente a colaboração entre a Bienal saudita e a Biblioteca do Papa. «Naturalmente há um enorme simbolismo nisto, mas também um grande nível académico. Pensemos no facto de que aqui, graças a eles, temos em exposição uma tradução em língua grega do Alcorão, criada no espaço de um século depois da sua redação, e uma tradução hebraica do Alcorão e uma das primeiras traduções ocidentais. Quero dizer, só o Vaticano poderia fazer isto!».
«Devo dizer que desde o nosso primeiro encontro com a Biblioteca Apostólica do Vaticano, que me parece que ocorreu em setembro-outubro de 2023, tem sido um prazer, cada passo tem sido de respeito, de tolerância, de compreensão, de inteligência», acrescenta um outro dos diretores artísticos da Bienal, Abdul Rahman Azzam. «Esperamos realmente que a Bienal de Arte Islâmica de 2025 seja o primeiro de muitos passos de colaboração entre a Biblioteca Apostólica do Vaticano e esta instituição».
A sublinhar um adicional significado desta cooperação entre a Santa Sé e a Arábia Saudita, duas realidades que atualmente não têm relações diplomáticas, foi o Arcebispo Angelo Vincenzo Zani, Arquivista e Bibliotecário da Santa Igreja Romana, presente em Jeddah para a inauguração da Bienal. «A nossa participação aqui foi também abençoada pela Secretaria de Estado, porque é um pouco como uma precursora da diplomacia da cultura. O campo da cultura é um campo que se abre a todos os diálogos e a todas as dimensões, e foi isto que vivemos na Arábia Saudita».