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Textos pontifícios

 Textos pontifícios  POR-002
05 fevereiro 2025

Audiência jubilar

11 de janeiro

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Muitos de vós estais aqui em Roma como “peregrinos de esperança”. Esta manhã iniciamos as audiências jubilares de sábado, que idealmente querem acolher e abraçar todos aqueles que vêm de todas as partes do mundo em busca de um novo início. Com efeito, o Jubileu é um novo início, a possibilidade para todos de recomeçar a partir de Deus. Com o Jubileu começamos uma nova vida, uma nova etapa.

Nestes sábados, gostaria de realçar em cada um deles um aspeto da esperança. É uma virtude teologal. E em latim virtus quer dizer “força”. A esperança é uma força que vem de Deus. A esperança não é um hábito, nem um traço do caráter — que se tem ou não se tem — mas uma força a pedir. É por isso que nos fazemos peregrinos: vimos para pedir um dom, para recomeçar o caminho da vida!

Estamos prestes a celebrar a festa do Batismo de Jesus, e isto leva-nos a pensar naquele grande profeta da esperança, João Batista. Jesus disse algo de maravilhoso a seu respeito: que é o maior entre os nascidos de mulher (cf. Lc 7, 28). Então, compreendemos porque tantas pessoas acorriam a ele, com o desejo de um novo início, com o desejo de recomeçar. E o Jubileu ajuda-nos nisto. João Batista parecia verdadeiramente grande, parecia credível na sua personalidade. Assim como hoje atravessamos a Porta santa, também João propunha atravessar o rio Jordão, entrar na Terra Prometida como Josué o fizera a primeira vez, recomeçar, receber de novo a terra, como a primeira vez. Irmãs e irmãos, eis a palavra: recomeçar. Ponhamos isto na cabeça e digamos todos juntos: “recomeçar”. Digamo-lo juntos: recomeçar! [todos repetem várias vezes] Eis, não vos esqueçais disto: recomeçar!

Mas Jesus, imediatamente depois deste grande elogio, acrescenta algo que nos faz pensar: «Digo-vos que, entre os nascidos de mulher, ninguém é maior do que João, e o menor no Reino de Deus é maior do que ele» (v. 28). Irmãos e irmãs, a esperança encontra-se inteiramente neste salto de qualidade. Não depende de nós, mas do Reino de Deus. Eis a surpresa: acolher o Reino de Deus leva-nos a entrar numa nova ordem de grandeza. É disto que o nosso mundo, que todos nós precisamos! E nós, o que devemos fazer? [Todos: “Recomeçar!”], não esqueçamos isto.

Quando Jesus pronuncia estas palavras, João Batista está na prisão, cheio de interrogações. Também nós trazemos muitas perguntas na nossa peregrinação, pois há muitos “Herodes” que ainda se opõem ao Reino de Deus. Mas Jesus mostra-nos o caminho novo, o caminho das bem-aventuranças, que são a lei surpreendente do Evangelho. Então, perguntemo-nos: tenho em mim um verdadeiro desejo de recomeçar? Pensai, cada um de vós: dentro de mim, quero recomeçar? Quero aprender com Jesus, que é verdadeiramente grande? O mais pequenino, no Reino de Deus, é grande. Pois devemos... [Todos: “Recomeçar!”].

Assim, com João Batista aprendamos a acreditar de novo. A esperança para a nossa casa comum — esta nossa Terra tão maltratada e ferida — e a esperança para todos os seres humanos reside na diferença de Deus. A sua grandeza é diferente! E nós recomecemos a partir desta originalidade de Deus, que resplandeceu em Jesus e que agora nos compromete a servir, a amar fraternalmente, a reconhecer-nos pequeninos. E a ver os mais pequeninos, a ouvi-los e a ser a sua voz. Este é o novo início, este é o nosso jubileu! E por isso devemos... [Todos: “Recomeçar!”].

Obrigado!

Saudação aos fiéis de língua portuguesa.

Saúdo cordialmente os fiéis de língua portuguesa. Irmãos e irmãs, o Jubileu é a possibilidade de um novo começo para todos. Que a acolhida do Reino de Deus nos faça peregrinos, peregrinos de esperança e mensageiros da misericórdia do Pai, que perdoa sempre. Não vos esqueçais disso: Deus perdoa sempre e perdoa tudo! Deus vos abençoe!

Angelus da festa do Batismo do Senhor

12 de janeiro

Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!

A festa do Batismo de Jesus, que hoje celebramos, faz-nos pensar em muitas coisas, incluindo o nosso Batismo. Jesus une-se ao seu povo, que vai receber o batismo para o perdão dos pecados. Gosto de recordar as palavras de um hino da liturgia de hoje: Jesus vai fazer-se batizar por João “com a alma nua e os pés descalços”.

E quando Jesus recebe o batismo, manifesta-se o Espírito e acontece a Epifania de Deus, que revela o seu rosto no Filho e faz ouvir a sua voz, que diz: «Tu és o meu Filho muito amado; em ti pus todo o meu enlevo» (Lc 3, 22). O rosto e a voz.

Antes de mais, o rosto. Ao revelar-se Pai através do Filho, Deus estabelece um lugar privilegiado para entrar em diálogo e em comunhão com a humanidade. É o rosto do Filho amado.

Em segundo lugar, a voz: «Tu és o meu Filho muito amado» (v. 22). Este é um outro sinal que acompanha a revelação de Jesus.

Queridos irmãos e irmãs, a festa de hoje faz-nos contemplar o rosto e a voz de Deus, que se manifestam na humanidade de Jesus. Perguntemo-nos, então: sentimo-nos amados? Sinto-me amado e acompanhado por Deus, ou penso que Deus está distante de mim? Somos capazes de reconhecer o seu rosto em Jesus e nos irmãos? E estamos habituados a ouvir a sua voz?

Faço-vos uma pergunta: cada um de nós se lembra da data do seu Batismo? Isto é muito importante! Pensa: em que dia fui batizado, ou batizada? E se não nos lembramos, chegando a casa, perguntemos aos pais, aos padrinhos, a data do Batismo. E festejemos a data como um novo aniversário: a do nascimento no Espírito de Deus. Não vos esqueçais! Este é um trabalho a fazer em casa: a data do meu Batismo.

Confiemo-nos à Virgem Maria, invocando dela a ajuda. E não esqueçais a data do Batismo!

Audiência geral de quarta-feira

15 de janeiro

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Na audiência anterior referimo-nos às crianças, e também hoje falaremos das crianças. Na semana passada vimos como, na sua obra, Jesus falou várias vezes sobre a importância de proteger, acolher e amar os mais pequeninos.

No entanto, ainda hoje no mundo centenas de milhões de menores, embora não tenham a idade mínima para se submeter às obrigações da idade adulta, são obrigados a trabalhar e muitos deles são expostos a trabalhos particularmente perigosos. Para não falar dos meninos e das meninas que são escravos do tráfico para a prostituição ou a pornografia, e dos casamentos forçados. E isto é um pouco amargo! Nas nossas sociedades, infelizmente, há muitas formas de abusar e maltratar as crianças. O abuso de menores, seja de que natureza for, é um ato desprezível, um ato atroz. Não é simplesmente um flagelo da sociedade, não, é um crime! É uma gravíssima violação dos mandamentos de Deus. Nenhum menor deveria padecer abusos. Um só caso já é demasiado. Portanto, é preciso despertar a nossa consciência, praticar a proximidade e a solidariedade concreta para com as crianças e os jovens vítimas de abusos e, ao mesmo tempo, construir confiança e sinergias entre aqueles que se comprometem em oferecer-lhes oportunidades e lugares seguros para crescer serenamente. Conheço um país da América Latina onde cresce um fruto especial, muito especial, chamado arandano [uma espécie de mirtilo]. Para colher o arandano são necessárias mãos tenras e obrigam as crianças a fazê-lo, escravizam-nas como crianças para a colheita.

A pobreza generalizada, a carência de instrumentos sociais de apoio às famílias, a marginalidade que aumentou nos últimos anos, o desemprego e a precariedade do trabalho são fatores que fazem recair sobre os mais pequeninos o preço mais elevado a pagar. Nas metrópoles, onde o fosso social e a degradação moral “mordem”, há crianças usadas no tráfico de droga e nas mais diversificadas atividades ilícitas. Quantas destas crianças vimos cair como vítimas sacrificais! Às vezes, tragicamente, são induzidas a tornar-se “carrascos” dos seus coetâneos, além de se prejudicar a si próprias, à sua dignidade e humanidade. No entanto, quando na rua, no bairro da paróquia, estas vidas perdidas se oferecem ao nosso olhar, muitas vezes olhamos para o outro lado.

Há um caso também no meu país, um jovem chamado Loan foi raptado e o seu paradeiro é desconhecido. E uma das hipóteses é que foi raptado para tirar os órgãos, para fazer transplantes. É isto que se faz, como bem sabeis. Faz-se isto! Alguns voltam com uma cicatriz, outros morrem. É por isso que gostaria de recordar hoje este jovem, Loan.

Custa-nos reconhecer a injustiça social que impele duas crianças, talvez habitantes do mesmo bairro ou condomínio, a seguir caminhos e destinos diametralmente opostos, porque uma delas nasceu numa família desfavorecida. Uma fratura humana e social inaceitável: entre os que podem sonhar e os que devem sucumbir. Mas Jesus quer que todos nós sejamos livres, felizes; e se Ele ama cada homem e cada mulher como seu filho e filha, ama os mais pequeninos com toda a ternura do seu coração. É por isso que nos pede para parar e prestar atenção ao sofrimento de quem não tem voz, de quem não tem educação. Lutar contra a exploração, especialmente infantil, é a via mestra para construir um futuro melhor para toda a sociedade. Alguns países tiveram a sabedoria de escrever os direitos das crianças. As crianças têm direitos. Procurai vós mesmos na internet quais são os direitos da criança.

Então, podemos perguntar-nos: e eu, o que posso fazer? Em primeiro lugar, deveríamos reconhecer que, se quisermos erradicar o trabalho infantil, não podemos ser cúmplices dele. E quando o somos? Por exemplo, quando compramos produtos que empregam o trabalho infantil. Como posso comer e vestir-me, sabendo que por detrás daquela comida ou daquela roupa há crianças exploradas, que trabalham em vez de frequentar a escola? Ter consciência do que compramos é um primeiro ato para não sermos cúmplices. Ver de onde vêm tais produtos. Alguém dirá que, como indivíduos, não podemos fazer muito. É verdade, mas cada um pode ser uma gota que, com muitas outras gotas, pode tornar-se um mar. No entanto, é preciso chamar também a atenção das instituições, incluindo as eclesiais, e das empresas para a sua responsabilidade: podem fazer a diferença, transferindo os seus investimentos para companhias que não utilizam nem permitem o trabalho infantil. Muitos Estados e Organizações internacionais já emanaram leis e diretrizes contra o trabalho infantil, mas pode-se fazer mais. Exorto também os jornalistas — há alguns jornalistas aqui presentes — para que façam a sua parte: podem contribuir para dar a conhecer o problema e ajudar a encontrar soluções. Não tenhais medo, denunciai, denunciai estas situações.

E agradeço a todos aqueles que não olham para o outro lado quando veem crianças obrigadas a tornar-se adultas demasiado cedo. Recordemos sempre as palavras de Jesus: «Tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes» (Mt 25, 40). Santa Teresa de Calcutá, jubilosa trabalhadora na vinha do Senhor, foi mãe das meninas e meninos mais desfavorecidos e esquecidos. Com a ternura e a atenção do seu olhar, ela pode acompanhar-nos a ver os pequeninos invisíveis, os demasiados escravos de um mundo que não podemos abandonar às suas injustiças. Pois a felicidade dos mais frágeis constrói a paz de todos. E com Madre Teresa, demos voz às crianças:

«Peço um lugar seguro

onde possa brincar.

Peço um sorriso

de quem sabe amar.

Peço o direito de ser uma criança,

de ser esperança

de um mundo melhor.

Peço para poder crescer

como pessoa.

Posso contar contigo?»

(Santa Teresa de Calcutá)

Obrigado!

Saudação aos fiéis de língua portuguesa.

Saúdo os peregrinos de língua portuguesa presentes na audiência de hoje. Como Jesus em Nazaré, todas as crianças têm o direito de crescer tranquilas e felizes, distantes de qualquer violência e precariedade. Trabalhemos em conjunto para que, nas nossas sociedades, encontrem lugares seguros e adequados ao seu desenvolvimento. Que Nossa Senhora e São José vos protejam!

Discurso aos presidentes e diretores nacionais das Cáritas
da América Latina e Caribe

15 de janeiro

Amados irmãos no episcopado

estimados diretores nacionais

da Cáritas da América Latina e Caribe

Senhoras e senhores!

É com enorme satisfação que vos recebo hoje aqui, naquele que é o segundo curso de formação promovido pelas Cáritas da América Latina e Caribe. É assim porque pressupõe a consolidação de processos que visam criar a cultura do cuidado a que quisemos chamar “salvaguarda”.

No dicionário da Real Academia da Língua Espanhola, este termo é definido como “custódia, defesa, tutela”, e imagino que todos vós pensais nestes conceitos quando falais sobre isto. Mas, além deste significado, há outro que me chamou fortemente à atenção: «Sinal que, em tempo de guerra, por ordem dos comandantes militares, se coloca na entrada das povoações ou nas portas das casas para que os soldados não as danifiquem». Como suponho que tenha acontecido também a vós, vieram-me imediatamente ao pensamento os textos do profeta Ezequiel (9, 4) e do Apocalipse (7, 3). O Senhor pede ao seu anjo: «Marca com uma cruz na fronte quantos gemem e suspiram devido a todas as abominações que aí se cometem». O Senhor pede-nos, a nós seus enviados, seus anjos no sentido de missão, mas não de pureza, que coloquemos o sinal da sua cruz abençoada na testa de todos aqueles que vêm às nossas Cáritas, suspirando e chorando pelas numerosas injustiças, até abominações, perpetradas contra eles.

Colocar “virtualmente” este sinal em cada pessoa assistida, em cada profissional, em cada ser humano que encontramos, significa reconhecer nele a sua dignidade de irmão em Cristo, de redimido pelo sangue do Salvador, significa ver nele a chaga aberta do Redentor que nos oferece a sua mão estendida a fim de que possamos reconhecer o mistério da sua encarnação.

Significa também fazer nosso o imperativo iniludível do Senhor, que nos ordena: «Não ouseis tocar nos que me são consagrados» (Sl 105/104, 15). Neste sentido, salvaguarda é um termo divino, é o próprio Cristo escrito na fronte de cada homem e de cada mulher e, como que num espelho, no coração de todos nós que, na nossa fragilidade, desejamos ser portadores do seu amor, com pequenos gestos de caridade e de cuidado.

Que Jesus recompense todos os vossos esforços, que o Espírito Santo guie o vosso trabalho e que a Virgem Santíssima vos cubra com o seu manto, a fim de que aprendais com Ela a levar o cuidado e a salvaguarda a todos os homens!

Angelus do ii domingo do tempo comum

19 de janeiro

Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!

O Evangelho da liturgia de hoje (Jo 2, 1-11) narra-nos o primeiro sinal de Jesus, quando transforma a água em vinho durante uma festa de casamento em Caná da Galileia. É um relato que antecipa e resume toda a missão de Jesus: no dia da vinda do Messias — assim diziam os profetas — o Senhor preparará «um banquete de vinhos excelentes» (Is 25, 6) e «as montanhas derramarão o vinho novo» (Am 9, 13); Jesus é o Esposo que traz o “vinho novo”.

Neste Evangelho podemos encontrar duas coisas: a carência e a superabundância. Por um lado, há falta de vinho e Maria diz ao seu Filho: «Não têm vinho» (v. 3); por outro lado, Jesus intervém mandando encher seis grandes ânforas e, no fim, o vinho é tão abundante e requintado que o mestre do banquete pergunta ao esposo por que o conservou até ao fim (v. 10). Portanto, o nosso sinal é sempre a carência, mas «o sinal de Deus é sempre a superabundância» e «a superabundância de Caná é o sinal» (cf. Bento xvi, Jesus de Nazaré, vol. i, 294). Como responde Deus à carência do homem? Com a superabundância (cf. Rm 5, 20). Deus não é avarento! Quando dá, dá muito. Não te dá um pouco, dá-te muito. Às nossas carências, o Senhor responde com a sua superabundância.

No banquete da nossa vida — podemos dizer — por vezes apercebemo-nos de que nos falta o vinho: faltam-nos forças e muitas coisas. Isto acontece quando as preocupações que nos afligem, os receios que nos assaltam ou as forças perturbadoras do mal nos roubam o prazer da vida, a inebriação da alegria e o sabor da esperança. Cuidado: perante esta carência, quando o Senhor dá, dá em superabundância. Parece uma contradição: quanto maior é a carência em nós, tanto maior é a superabundância do Senhor. Porque o Senhor quer festejar connosco, uma festa que não terá fim. Por isso, rezemos à Virgem Maria. Ela, que é a “Mulher do vinho novo” (cf. A. Bello, Maria, donna dei nostri giorni), interceda por nós e, neste ano jubilar, nos ajude a redescobrir a alegria do encontro com Jesus.

Audiência geral de quarta-feira

22 de janeiro

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Retomemos hoje as catequeses do ciclo jubilar sobre Jesus Cristo, nossa esperança.

No início do seu Evangelho, Lucas mostra os efeitos do poder transformador da Palavra de Deus, que chega não apenas aos átrios do Templo, mas também à pobre morada de uma jovem, Maria, que, noiva de José, ainda vive com a família.

Depois de Jerusalém, o mensageiro dos grandes anúncios divinos, Gabriel, que em seu nome celebra a força de Deus, é enviado a uma aldeia nunca mencionada na Bíblia hebraica: Nazaré. Naquela época, era um pequeno povoado da Galileia, na periferia de Israel, área de fronteira com os pagãos e com as suas contaminações.

É precisamente aí que o anjo leva uma mensagem com uma forma e um conteúdo totalmente inauditos, de tal modo que abala e perturba o coração de Maria. Em vez da clássica saudação “a paz esteja contigo”, Gabriel dirige-se à Virgem com o convite “alegra-te!”, “rejubila!”, um apelo caro à história sagrada, porque os profetas o utilizam quando anunciam a vinda do Messias (cf. Sf 3,14; Gl 2, 21-23; Zc 9, 9). É o convite à alegria que Deus dirige ao seu povo quando termina o exílio e o Senhor faz sentir a sua presença viva e ativa.

Além disso, Deus chama Maria com um nome de amor desconhecido na história bíblica: kecharitoméne, que significa «cheia da graça divina». Maria está cheia da graça divina. Este nome diz que o amor de Deus habitou desde há tempos e continua a habitar no coração de Maria. Diz como ela é “graciosa” e, sobretudo, como a graça de Deus realizou nela um aperfeiçoamento interior, tornando-a a sua obra-prima: cheia de graça!

Esta alcunha amorosa, que Deus atribui só a Maria, é imediatamente acompanhada por uma garantia: “Não temas!”, “Não temas!”, a presença do Senhor concede-nos sempre esta graça de não temer e, por isso, diz a Maria: “Não temas!”. “Não temas”, diz Deus a Abraão, a Isaac, a Moisés na história: “Não temas!” (cf. Gn 15, 1; 26, 24; Dt 31, 8). E di-lo também a nós: “Não temais, ide. Não temais!”. “Padre, tenho medo disto”; “E o que fazes, quando...”; “Perdão, Padre, digo-lhe a verdade: vou à cartomante...”; “Tu vais à cartomante?”; “Ah, sim: peço-lhe que me leia a mão...”. Por favor, não tenhas medo! Não temas! Não tenhas medo! Isto é bom! “Eu sou o teu companheiro de viagem”: é isto que Deus diz a Maria. O «Todo-Poderoso», o Deus do «impossível» (Lc 1, 37) está com Maria, está ao seu lado, é o seu companheiro, o seu principal aliado, o eterno «Eu-contigo» (cf. Gn 28, 15; Ex 3, 12; Jz 6, 12).

Em seguida, Gabriel anuncia à Virgem a sua missão, fazendo ressoar no seu coração numerosas passagens bíblicas que se referem à realeza e à messianidade do menino que deverá nascer dela e que o menino será apresentado como o cumprimento das antigas profecias. A Palavra que vem do Alto chama Maria a ser a mãe do Messias, o Messias davídico tão esperado. É a mãe do Messias. Ele será rei não à maneira humana e carnal, mas no sentido divino e espiritual. O seu nome será “Jesus”, que significa “Deus salva” (cf. Lc 1, 31; Mt 1, 21), recordando a todos e para sempre que não é o homem que salva, mas só Deus. Jesus é Aquele que cumpre estas palavras do profeta Isaías: «Não foi um enviado nem um anjo, mas foi Ele mesmo que os salvou, com amor e compaixão» (Is 63, 9).

Esta maternidade abala Maria nos alicerces. E como mulher inteligente que é, ou seja, capaz de ler no íntimo dos acontecimentos (cf. Lc 2, 19.51), procura compreender, discernir o que acontece. Maria não procura fora, mas dentro, pois como ensina Santo Agostinho, «in interiore homine habitat veritas» (De vera religione 39, 72). E ali, no fundo do seu coração aberto, sensível, ouve o convite a confiar em Deus, que lhe preparou um “Pentecostes” especial. Tal como no início da Criação (cf. Gn 1, 2), Deus quer “incubar” Maria com o seu Espírito, uma força capaz de abrir o que está fechado sem o violar, sem impedir a liberdade humana; quer envolvê-la na «nuvem» da sua presença (cf. 1 Cor 10, 1-2), para que o Filho viva nela e ela n’Ele.

E Maria ilumina-se de confiança: é «uma lâmpada com muitas luzes», como diz Teófanes no seu Cânone da Anunciação. Abandona-se, obedece, abre espaço: é «uma sala nupcial feita por Deus» (ibid.). Maria recebe o Verbo na própria carne e empreende assim a maior missão jamais confiada a uma mulher, a uma criatura humana. Põe-se ao serviço: está cheia de tudo, não como escrava, mas como colaboradora de Deus Pai, cheia de dignidade e autoridade para administrar, como fará em Caná, os dons do tesouro divino, a fim de que muitos possam tirar dele com abundância.

Irmãs, irmãos, aprendamos de Maria, Mãe do Salvador e nossa Mãe, a deixar-nos abrir os ouvidos à Palavra divina e a acolhê-la e preservá-la, para que transforme o nosso coração em tabernáculo da sua presença, em casa hospitaleira onde fazer crescer a esperança. Obrigado!

Mensagem ao Fórum mundial de economia em Davos-Klosters

23 de janeiro

O tema do encontro do Fórum económico mundial deste ano, “Collaboration for the Intelligent Age”, oferece uma boa oportunidade para refletir sobre a Inteligência artificial como instrumento não apenas de cooperação, mas inclusive para unir os povos.

A tradição cristã considera o dom da inteligência um aspeto fundamental da pessoa humana, criada “à imagem de Deus”. Ao mesmo tempo, a Igreja católica foi sempre protagonista e defensora do progresso da ciência, da tecnologia, das artes e de outras formas de iniciativa humana, considerando-os âmbitos de «colaboração do homem e da mulher com Deus no aperfeiçoamento da criação visível» (Catecismo da Igreja Católica, 378).

A ia é concebida para imitar a inteligência humana que a projetou, levando assim a uma singular série de interrogações e desafios. Ao contrário de muitas outras invenções humanas, a ia é treinada tendo como base os resultados da criatividade humana, o que lhe permite gerar novos artefactos com um grau de habilidade e rapidez que muitas vezes emulam ou até excedem as capacidades humanas, suscitando preocupações importantes sobre o seu impacto no papel da humanidade no mundo. Além disso, os resultados que a ia é capaz de atingir são quase indistinguíveis daqueles alcançados pelos seres humanos, levantando interrogações sobre o seu efeito na crescente crise da verdade no fórum público. E esta tecnologia foi concebida para aprender e fazer determinadas escolhas com autonomia, adaptando-se a novas situações e dando respostas não previstas pelos seus programadores, apresentando assim questões importantes relativas à responsabilidade ética, à segurança humana e às implicações mais vastas destes desenvolvimentos para a sociedade.

Embora a ia seja uma extraordinária conquista tecnológica, capaz de imitar determinados resultados associados à inteligência humana, esta tecnologia faz «uma escolha técnica entre várias possibilidades, baseando-se em critérios bem definidos ou em inferências estatísticas. Pelo contrário, o ser humano não só escolhe como, no seu coração, é capaz de decidir» (Discurso na Sessão do g7 sobre a Inteligência artificial, Borgo Egnazia [Apúlia], 14 de junho de 2024).

Com efeito, a própria utilização da palavra “inteligência” ligada à ia é inapropriada, uma vez que a ia não é uma forma artificial da inteligência humana, mas um produto dela. Quando é utilizada corretamente, a ia ajuda a pessoa humana a realizar a sua vocação, em liberdade e responsabilidade.

Como qualquer outra atividade humana e desenvolvimento tecnológico, a ia deve visar a pessoa humana e fazer parte dos esforços para alcançar «mais justiça, mais fraternidade e uma organização mais humana das relações sociais», que «valem mais do que os progressos técnicos» (Gaudium et spes, 35; cf. Catecismo da Igreja Católica, 2293).

No entanto, existe o perigo de que a ia seja utilizada para promover o “paradigma tecnocrático”, segundo o qual todos os problemas do mundo só podem ser resolvidos com os meios tecnológicos. Neste paradigma, a dignidade e fraternidade humanas são frequentemente subordinadas à procura da eficiência, como se a realidade, o bem e a verdade emanassem intrinsecamente do poder da tecnologia e da economia. Contudo, a dignidade humana nunca deve ser violada em prol da eficiência. Os desenvolvimentos tecnológicos que não melhoram a vida de todos, mas que, pelo contrário, criam ou aumentam desigualdades e conflitos, não podem ser definidos um verdadeiro progresso. Por conseguinte, a ia deve ser posta ao serviço de um desenvolvimento mais saudável, mais humano, mais social e mais integral.

O progresso representado pelo nascimento da ia exige uma redescoberta da importância da comunidade e um renovado compromisso de cuidar da casa comum, que nos foi confiada por Deus. Para gerir as complexidades da ia, os governos e as empresas devem exercer a devida diligência e vigilância. Devem avaliar criticamente as aplicações individuais da ia em contextos específicos, a fim de determinar se a sua utilização promove a dignidade humana, a vocação da pessoa humana e o bem comum. Assim como acontece com muitas tecnologias, os efeitos das diferentes utilizações da ia nem sempre são previsíveis desde o início. Na medida em que a aplicação da ia e o seu impacto social se tornam mais evidentes ao longo do tempo, é necessário adotar respostas adequadas a todos os níveis da sociedade, de acordo com o princípio da subsidiariedade, com utilizadores individuais, famílias, sociedade civil, empresas, instituições, governos e organizações internacionais a trabalhar ao próprio nível para garantir que a ia vise o bem de todos. Hoje existem grandes desafios e oportunidades, quando a ia se insere num quadro de inteligência relacional, em que todos partilham a responsabilidade pelo bem-estar integral dos outros.

Com estes sentimentos, formulo os meus votos orantes para as deliberações do Fórum e invoco de bom grado abundantes bênçãos divinas sobre todos os participantes.

Vaticano, 14 de janeiro de 2025

Francisco

Mensagem por ocasião do lix Dia mundial das comunicações sociais

24 de janeiro

Queridos irmãos e irmãs!

Neste nosso tempo marcado pela desinformação e pela polarização, no qual alguns centros de poder controlam uma grande massa de dados e de informações sem precedentes, dirijo-me a vós consciente do quanto, hoje mais do que nunca, é necessário o vosso trabalho de jornalistas e comunicadores. Precisamos do vosso compromisso corajoso em colocar no centro da comunicação a responsabilidade pessoal e coletiva para com o próximo.

Ao pensar no Jubileu que estamos a celebrar como um período de graça em tempos tão conturbados, com esta Mensagem gostaria de vos convidar a ser comunicadores de esperança, começando pela renovação do vosso trabalho e missão segundo o espírito do Evangelho.

Desarmar a comunicação

Hoje em dia, com demasiada frequência, a comunicação não gera esperança, mas sim medo e desespero, preconceitos e rancores, fanatismo e até ódio. Muitas vezes, simplifica a realidade para suscitar reações instintivas; usa a palavra como uma espada; recorre mesmo a informações falsas ou habilmente distorcidas para enviar mensagens destinadas a exaltar os ânimos, a provocar e a ferir. Já várias vezes insisti na necessidade de “desarmar” a comunicação, de a purificar da agressividade. Nunca dá bom resultado reduzir a realidade a slogans. Desde os talk shows televisivos até às guerras verbais nas redes sociais, todos constatamos o risco de prevalecer o paradigma da competição, da contraposição, da vontade de dominar e possuir, da manipulação da opinião pública.

Há ainda um outro fenómeno preocupante: poderíamos designá-lo como a “dispersão programada da atenção” através de sistemas digitais que, ao traçarem o nosso perfil de acordo com as lógicas do mercado, alteram a nossa perceção da realidade. Acontece portanto que assistimos, muitas vezes impotentes, a uma espécie de atomização dos interesses, o que acaba por minar os fundamentos do nosso ser comunidade, a capacidade de trabalhar em conjunto por um bem comum, de nos ouvirmos uns aos outros, de compreendermos as razões do outro. Parece que, para a afirmação de si próprio, seja indispensável identificar um “inimigo” a quem atacar verbalmente. E quando o outro se torna um “inimigo”, quando o seu rosto e a sua dignidade são obscurecidos de modo a escarnecê-lo e ridicularizá-lo, perde-se igualmente a possibilidade de gerar esperança. Como nos ensinou D. Tonino Bello, todos os conflitos «encontram a sua raiz no desvanecer dos rostos».1 Não podemos render-nos a esta lógica.

Na verdade, ter esperança não é de todo fácil. Georges Bernanos dizia que «só têm esperança aqueles que ousaram desesperar das ilusões e mentiras nas quais encontravam segurança e que falsamente confundiam com esperança. [...] A esperança é um risco que é preciso correr. É o risco dos riscos».2 A esperança é uma virtude escondida, pertinaz e paciente. No entanto, para os cristãos, a esperança não é uma escolha, mas uma condição imprescindível. Como recordava Bento xvi na Encíclica Spe salvi, a esperança não é um otimismo passivo, antes pelo contrário, é uma virtude “performativa”, capaz de mudar a vida: «Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova» (n. 2).

Dar com mansidão a razão da nossa esperança

Na Primeira Carta de São Pedro (cf. 3, 15-16), encontramos uma síntese admirável na qual se relacionam a esperança com o testemunho e a comunicação cristã: «no íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça; com mansidão e respeito». Gostaria de me deter em três mensagens que podemos extrair destas palavras.

«No íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor». A esperança dos cristãos tem um rosto: o rosto do Senhor ressuscitado. A sua promessa de estar sempre connosco através do dom do Espírito Santo permite-nos esperar contra toda a esperança e ver, mesmo quando tudo parece perdido, as escondidas migalhas de bem.

A segunda mensagem pede-nos para estarmos dispostos a dar razão da nossa esperança. É interessante notar que o Apóstolo convida a dar conta da esperança «a todo aquele que vo-la pedir». Os cristãos não são, antes de mais, aqueles que “falam” de Deus, mas aqueles que fazem ressoar a beleza do seu amor, uma maneira nova de viver cada pequena coisa. É o amor vivido que suscita a pergunta e exige uma resposta: porque é que viveis assim? Porque é que sois assim?

Por fim, na expressão de São Pedro encontramos uma terceira mensagem: a resposta a este pedido deve ser dada “com mansidão e respeito”. A comunicação dos cristãos — e diria até a comunicação em geral — deve ser feita com mansidão, com proximidade: eis o estilo dos companheiros de viagem, na peugada do maior Comunicador de todos os tempos, Jesus de Nazaré, que ao longo do caminho dialogava com os dois discípulos de Emaús, fazendo-lhes arder os corações através do modo como interpretava os acontecimentos à luz das Escrituras.

Por isso, sonho com uma comunicação que saiba fazer de nós companheiros de viagem de tantos irmãos e irmãs nossos para, em tempos tão conturbados, reacender neles a esperança. Uma comunicação que seja capaz de falar ao coração, de suscitar não reações impetuosas de fechamento e raiva, mas atitudes de abertura e amizade; capaz de apostar na beleza e na esperança mesmo nas situações aparentemente mais desesperadas; de gerar empenho, empatia, interesse pelos outros. Uma comunicação que nos ajude a «reconhecer a dignidade de cada ser humano e a cuidar juntos da nossa casa comum» (Carta enc. Dilexit nos, 217).

Sonho com uma comunicação que não venda ilusões ou medos, mas seja capaz de dar razões para ter esperança. Martin Luther King disse: «Se eu puder ajudar alguém enquanto caminho, se eu puder alegrar alguém com uma palavra ou uma canção... então a minha vida não terá sido vivida em vão».3 Para isso, precisamos de nos curar da “doença” do protagonismo e da autorreferencialidade, evitar o risco de falarmos de nós mesmos: o bom comunicador faz com que quem ouve, lê ou vê se torne participante, esteja próximo, possa encontrar o melhor de si e entrar com estas atitudes nas histórias contadas. Comunicar deste modo ajuda a tornarmo-nos “peregrinos de esperança”, como diz o lema do Jubileu.

Esperar juntos

A esperança é sempre um projeto comunitário. Pensemos, por um momento, na grandeza da mensagem deste ano de graça: estamos todos — realmente todos! — convidados a recomeçar, a deixar que Deus nos reerga, nos abrace e inunde de misericórdia. E entrelaçadas com tudo isto estão a dimensão pessoal e a dimensão comunitária. É em conjunto que nos pomos a caminho, peregrinamos com tantos irmãos e irmãs e, juntos, atravessamos a Porta Santa.

O Jubileu tem muitas implicações sociais. Pensemos, por exemplo, na mensagem de misericórdia e esperança para quem vive nas prisões, ou no apelo à proximidade e à ternura para com os que sofrem e estão à margem. O Jubileu recorda-nos que todos os que se tornam construtores da paz «serão chamados filhos de Deus» (Mt 5, 9). E, deste modo, abre-nos à esperança, aponta-nos a necessidade de uma comunicação atenta, amável, refletida, capaz de indicar caminhos de diálogo. Encorajo-vos, portanto, a descobrir e a contar tantas histórias de bem escondidas por detrás das notícias; a imitar aqueles exploradores de ouro que, incansavelmente, peneiram a areia em busca de uma pequeníssima pepita. É importante encontrar estas sementes de esperança e dá-las a conhecer. Ajuda o mundo a ser um pouco menos surdo ao grito dos últimos, um pouco menos indiferente, um pouco menos fechado. Que saibais sempre encontrar as centelhas de bem que nos permitem ter esperança. Este tipo de comunicação pode ajudar a tecer a comunhão, a fazer-nos sentir menos sós, a redescobrir a importância de caminhar juntos.

Não esqueçais o coração

Queridos irmãos e irmãs, perante as vertiginosas conquistas da técnica, convido-vos a cuidar do coração, ou seja, da vossa vida interior. O que é que isto significa? Deixo-vos algumas pistas.

Sede mansos e nunca esqueçais o rosto do outro; falai ao coração das mulheres e dos homens ao serviço de quem desempenhais o vosso trabalho.

Não permitais que as reações instintivas guiem a vossa comunicação. Semeai sempre esperança, mesmo quando é difícil, quando custa, quando parece não dar frutos.

Procurai praticar uma comunicação que saiba curar as feridas da nossa humanidade.

Dai espaço à confiança do coração que, como uma flor frágil mas resistente, não sucumbe no meio das intempéries da vida, mas brota e cresce nos lugares mais inesperados: na esperança das mães que rezam todos os dias para rever os seus filhos regressar das trincheiras de um conflito; na esperança dos pais que emigram, entre inúmeros riscos e peripécias, à procura de um futuro melhor; na esperança das crianças que, mesmo no meio dos escombros das guerras e nas ruas pobres das favelas, conseguem brincar, sorrir e acreditar na vida.

Sede testemunhas e promotores de uma comunicação não hostil, que difunda uma cultura do cuidado, construa pontes e atravesse os muros visíveis e invisíveis do nosso tempo.

Contai histórias imbuídas de esperança, tomando a peito o nosso destino comum e escrevendo juntos a história do nosso futuro.

Tudo isto podeis e podemos fazê-lo com a graça de Deus, que o Jubileu nos ajuda a receber em abundância. Por isto, rezo por cada um de vós e pelo vosso trabalho, e vos abençoo.

Roma, São João de Latrão
Memória de São Francisco de Sales
24 de janeiro de 2025.

Francisco

1 «La pace come ricerca del volto», in Omelie e scritti quaresimali, Molfetta 1994, 317.

2 Georges Bernanos, La liberté, pour quoi faire?, Paris 1995.

3 Sermão “The Drum Major Instinct”, 4 de fevereiro de 1968.

Discurso por ocasião
do Jubileu do mundo da comunicação

25 de janeiro

Palavras improvisadas, antes da entrega do discurso preparado.

Estimadas irmãs e irmãos, bom dia! E obrigado por terdes vindo!

Tenho nas mãos um discurso de nove páginas. A esta hora, com o estômago que se começa a mexer, ler nove páginas seria uma tortura! Vou entregá-lo ao Prefeito. Que ele vo-lo comunique!

Queria dizer apenas uma palavra sobre a comunicação. Comunicar significa sair um pouco de mim mesmo para oferecer do que é meu ao outro. E a comunicação não significa apenas sair, mas também ir ao encontro do outro. Saber comunicar é uma grande sabedoria, uma grande sabedoria!

Estou feliz com este Jubileu dos comunicadores. O vosso é um trabalho que edifica: constrói a sociedade, constrói a Igreja, leva todos a progredir, contanto que seja verdadeiro. “Padre, digo sempre coisas verdadeiras...” — “Mas tu és verdadeiro? Não só as coisas que dizes, mas tu, no teu íntimo, na tua vida, és verdadeiro?”. É uma prova deveras grande! Comunicar o que Deus faz com o Filho, e a comunicação de Deus com o Filho e o Espírito Santo. Comunicar algo divino. Obrigado pelo que fazeis, muito obrigado! Estou feliz!

E agora gostaria de vos saudar, e em primeiro lugar de conceder a bênção!

Discurso preparado e entregue.

Amadas irmãs e irmãos, bom dia!

Agradeço a todos vós por terdes vindo em tão grande número e de tantos países diferentes, de longe e de perto. É realmente bom ver-vos a todos aqui. Agradeço aos hóspedes que tomaram a palavra antes de mim — Maria Ressa, Colum McCann e Mario Calabresi – e agradeço ao maestro Uto Ughi pelo dom da música, que é um meio de comunicação e esperança.

Este nosso encontro é o primeiro grande evento do Ano Santo dedicado a um “mundo vital”, o mundo da comunicação. O Jubileu celebra-se num momento difícil da história da humanidade, com o mundo ainda ferido por guerras e violências, pelo derramamento de tanto sangue inocente. Por isso, em primeiro lugar quero dizer obrigado a todos os agentes da comunicação que arriscam a própria vida para procurar a verdade e narrar os horrores da guerra. Desejo recordar na oração todos aqueles que sacrificaram a vida neste último ano, um dos mais letais para os jornalistas.1 Oremos em silêncio pelos vossos colegas que assinaram o seu serviço com o próprio sangue!

Além disso, quero recordar convosco também todos aqueles que estão presos simplesmente por terem sido fiéis à profissão de jornalista, fotógrafo, operador de vídeo, por terem desejado ir ver com os próprios olhos e por terem procurado narrar o que viram. São tantos!2 Mas neste Ano Santo, neste Jubileu do mundo da comunicação, peço a quem tem o poder de o fazer, que sejam libertados todos os jornalistas presos injustamente. Que também para eles se abra uma “porta” através da qual possam regressar à liberdade, pois a liberdade dos jornalistas faz crescer a liberdade de todos nós. A liberdade deles é liberdade para cada um de nós!

Peço — como já fiz muitas vezes e como fizeram também os meus predecessores — que a liberdade de imprensa e de manifestação do pensamento sejam defendidas e salvaguardadas, com o direito fundamental à informação. A informação livre, responsável e correta é um legado de conhecimento, experiência e virtude que deve ser preservado e promovido. Sem isto, corremos o risco de não distinguir mais a verdade da mentira; sem isto, expomo-nos a crescentes preconceitos e polarizações que destroem os laços de convivência civil e impedem a reconstrução da fraternidade.

A do jornalista é mais do que uma profissão. É vocação e missão. Vós, comunicadores, desempenhais um papel fundamental na sociedade de hoje, na narração dos acontecimentos e no modo como o fazeis. Sabemos bem: a linguagem, a atitude e o tom podem ser determinantes e fazer a diferença entre uma comunicação que reacende a esperança, lança pontes, abre portas, e uma comunicação que, pelo contrário, aumenta as divisões, as polarizações, as simplificações da realidade.

A vossa responsabilidade é peculiar. A vossa tarefa é preciosa. Os vossos instrumentos de trabalho são as palavras e as imagens. Mas antes delas há o estudo e a reflexão, a capacidade de ver e de ouvir; de vos colocardes ao lado dos marginalizados, de quem não é visto nem ouvido, e também de fazer renascer — no coração de quantos vos leem, vos ouvem e olham para vós — o sentido do bem e do mal e a nostalgia do bem que narrais e que, narrando, testemunhais.

Neste encontro especial, gostaria de aprofundar o diálogo convosco. E estou grato por o poder fazer a partir das reflexões e perguntas que dois dos vossos colegas acabaram de compartilhar.

Maria, falaste da importância da coragem para iniciar a mudança que a história exige de nós, a mudança necessária para superar a mentira e o ódio. É verdade, é preciso ter coragem para iniciar a mudança. A palavra coragem deriva do latim cor, cor habeo, que significa “ter coração”. Trata-se do impulso interior, da força que nasce do coração e que nos permite enfrentar as dificuldades e os desafios sem nos deixarmos dominar pelo medo.

Com a palavra coragem podemos recapitular todas as reflexões dos Dias Mundiais das Comunicações Sociais dos últimos anos, até à Mensagem com a data de ontem: escutar com o coração, falar com o coração, preservar a sabedoria do coração, compartilhar a esperança do coração. Portanto, nestes últimos anos foi o coração que me ditou o fio condutor para a nossa reflexão sobre a comunicação. Por isso, gostaria de acrescentar ao meu apelo a favor da libertação dos jornalistas mais um “apelo”, que diz respeito a todos nós: o da “libertação” da força interior do coração. De cada coração! O apelo não se dirige a outros, mas a nós!

A liberdade é a coragem de escolher. Aproveitemos a ocasião do Jubileu para renovar, para reencontrar esta coragem. A coragem de libertar o coração daquilo que o corrompe. Coloquemos de novo no centro do coração o respeito pela parte mais elevada e nobre da nossa humanidade, evitemos enchê-lo daquilo que apodrece e que o faz apodrecer. As escolhas de cada um de nós contam, por exemplo, para debelar a “putrefação cerebral” causada pelo vício do scrolling contínuo, o “deslizar” nas redes sociais, definido pelo Dicionário de Oxford como a palavra do ano. Onde encontrar a cura para esta doença, a não ser trabalhando todos juntos na formação, sobretudo dos jovens?

Precisamos de uma alfabetização mediática, para nos educarmos a nós e aos outros no pensamento crítico, na paciência do discernimento necessário para o conhecimento; e para promover o crescimento pessoal e a participação ativa de cada indivíduo no futuro das próprias comunidades. Precisamos de empresários intrépidos, de engenheiros informáticos corajosos, a fim de que não se corrompa a beleza da comunicação. As grandes mudanças não podem ser o resultado de uma multidão de mentes adormecidas, mas começam principalmente na comunhão de corações iluminados.

Um coração como este foi o de São Paulo. Hoje a Igreja celebra a sua conversão. A mudança ocorrida naquele homem foi tão decisiva que marcou não só a sua história pessoal, mas a de toda a Igreja. E a metamorfose de Paulo foi causada pelo encontro pessoal com Jesus ressuscitado e vivo. A força de percorrer um caminho de mudança transformadora é sempre gerada pela comunicação direta entre as pessoas. Pensemos em quanta força de mudança se esconde potencialmente no vosso trabalho, cada vez que unis realidades que — por ignorância ou preconceito — se opõem! A conversão, em Paulo, derivou da luz que o envolveu e da explicação que depois lhe deu Ananias em Damasco. Também o vosso trabalho pode e deve prestar este serviço: encontrar as palavras certas para aqueles raios de luz que conseguem atingir o coração e que nos levam a ver a realidade de outra maneira.

E aqui gostaria de me referir ao tema do poder transformador da narração, do conto e da escuta de histórias, que Colum realçou. Voltemos ainda por um instante à conversão de Paulo. O acontecimento é narrado três vezes nos Atos dos Apóstolos (9, 1-19; 22, 1-21; 26, 2-23), mas o núcleo permanece sempre o encontro pessoal de Saulo com Cristo; a maneira de contar muda, mas a experiência fundamental e transformadora permanece igual.

Contar uma história corresponde ao convite a fazer uma experiência. Quando os primeiros discípulos se aproximaram de Jesus e lhe perguntaram: «Mestre, onde moras?» (Jo 1, 38), Ele não respondeu dando-lhes o endereço de casa, mas disse: «Vinde ver!» (v. 39).

As histórias revelam que fazemos parte de um tecido vivo; o entrelaçamento dos fios que nos ligam uns aos outros.3 Nem todas as histórias são boas, mas também elas devem ser narradas. O mal deve ser visto para ser redimido; mas é necessário narrá-lo bem, para não desgastar os frágeis fios da convivência.

Por isso, neste Jubileu lanço outro apelo a vós aqui reunidos e aos comunicadores do mundo inteiro: narrai também histórias de esperança, histórias que alimentam a vida. Que o vosso storytelling seja também hopetelling. Quando narrardes o mal, deixai espaço à possibilidade de remendar o que está rasgado, ao dinamismo do bem que pode consertar o que está quebrado. Semeai interrogações! Narrar a esperança significa ver as migalhas de bem escondidas até quando tudo parece perdido, significa permitir esperar até contra toda a esperança.4 Significa dar-se conta dos rebentos que brotam quando a terra ainda está coberta de cinzas. Narrar a esperança significa ter um olhar que transforma a realidade, levando-a a tornar-se o que poderia, o que deveria ser. Significa fazer com que a realidade se encaminhe para o seu destino.

Eis o poder das histórias! E é isto que vos encorajo a fazer: narrar a esperança, compartilhá-la. Este é — como diria São Paulo — o vosso “bom combate”!

Obrigado, amados amigos! Abençoo de coração todos vós e o vosso trabalho. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim!

1 De acordo com o relatório anual da Federação internacional de jornalistas, são mais de 120.

2 Segundo os Repórteres sem fronteiras, são mais de 500. Num comunicado de imprensa publicado no final de 2024, rsf realça que «a prisão continua a ser um dos meios preferidos daqueles que atentam contra a liberdade de imprensa».

3 Cf. «Para que tu contes e conserves na memória» (Ex 10, 2). A vida faz-se história, Mensagem para o 54º Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2020.

4 Cf. Compartilhar com mansidão a esperança que está no vosso coração, Mensagem para o 59º Dia Mundial das Comunicações Sociais, 2025.

Segundas Vésperas no encerramento
da Semana de oração
pela unidade dos cristãos

25 de janeiro

Jesus chega a casa das suas amigas Marta e Maria, quando o irmão destas, Lázaro, se encontrava morto já há quatro dias. Toda a esperança parece perdida, de tal modo que as primeiras palavras de Marta exprimirem a sua tristeza e, simultaneamente, a sua consternação porque Jesus veio tarde demais: «Senhor, se Tu cá estivesses, o meu irmão não teria morrido» (Jo 11, 21). Porém, a chegada de Jesus acende, ao mesmo tempo, a luz da esperança no coração de Marta e leva-a a fazer uma profissão de fé: «Mas, ainda agora, eu sei que tudo o que pedires a Deus, Ele to concederá» (v. 22). É aquela atitude de deixar sempre a porta aberta, nunca fechada! E Jesus, com efeito, anuncia-lhe a ressurreição dos mortos não apenas como um acontecimento que terá lugar no fim dos tempos, mas como algo que já acontece no presente, porque Ele próprio é ressurreição e vida. E, depois, faz-lhe uma pergunta: «Crês nisto?» (v. 26). Essa pergunta é também para nós, para ti, para mim: “Crês nisto?”.

Detenhamo-nos também nesta interrogação: «Crês nisto?» (v. 26). É uma pergunta concisa, mas exigente.

Este terno encontro entre Jesus e Marta, que escutámos no Evangelho, ensina-nos que, mesmo nos momentos de desolação, não estamos sós e podemos continuar a ter esperança. Jesus dá vida, mesmo quando parece que toda a esperança desapareceu. Depois de uma perda dolorosa, uma doença, uma amarga desilusão, uma traição ou outras experiências difíceis, a esperança pode vacilar; mas, embora cada um de nós viva momentos de desespero ou encontre pessoas que perderam a esperança, o Evangelho diz-nos que com Jesus a esperança renasce sempre, porque Ele sempre nos reergue das cinzas da morte. Jesus nos reergue sempre, dando-nos a força para retomar o caminho e recomeçar.

Queridos irmãos e irmãs, nunca esqueçamos disso: a esperança não desilude! A esperança nunca desilude! A esperança é aquela corda com a âncora à qual, na praia, nos agarramos. E isso nunca desilude! Isto é importante também para a vida das Comunidades cristãs, das nossas Igrejas e relações ecuménicas. Por vezes, sentimo-nos esmagados pelo cansaço, desanimamos perante os resultados do nosso esforço, parece-nos até que o diálogo e a colaboração entre nós não têm esperança, estão condenados quase à morte, e tudo isto faz-nos experimentar a mesma angústia de Marta. Mas, o Senhor vem. Acreditamos nisto? Acreditamos que Ele é ressurreição e vida? Que toma as nossas fadigas e nos dá sempre a graça de retomar, juntos, o caminho? Acreditamos nisto?

Esta mensagem de esperança está no centro do Jubileu que iniciámos. O apóstolo Paulo, cuja conversão a Cristo recordamos hoje, dizia aos cristãos de Roma: «A esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5). Todos nós — todos! — recebemos o mesmo Espírito, e este é o fundamento do nosso caminho ecuménico. É o Espírito que nos guia neste caminho. Não se trata de coisas práticas que fazem com que nos compreendamos melhor. Não, o Espírito é presente, e temos de seguir sob a orientação desse Espírito.

E este Ano jubilar da esperança, celebrado pela Igreja católica, coincide com uma efeméride de enorme significado para todos os cristãos: o aniversário dos 1700 anos do primeiro grande Concílio ecuménico, o Concílio de Niceia. Este Concílio esforçou-se por preservar a unidade da Igreja num momento muito difícil, e os Padres conciliares aprovaram por unanimidade o Credo que muitos cristãos ainda hoje recitam todos os domingos durante a Eucaristia. Este Credo é uma profissão de fé comum que vai para além de todas as divisões que feriram o Corpo de Cristo ao longo dos séculos. Portanto, o aniversário do Concílio de Niceia representa um ano de graça e uma oportunidade para todos os cristãos que recitam o mesmo Credo e acreditam no mesmo Deus: recuperemos as raízes comuns da fé, preservemos a unidade! Sempre em frente! Aquela unidade que todos nós queremos alcançar, que desejamos que aconteça. Não vos lembrais do que um grande teólogo ortodoxo, Ioannis Zizioulas, costumava dizer: “Sei quando será a data da plena unidade: no dia a seguir ao Juízo Final?”. Mas, por agora, temos de caminhar juntos, trabalhar juntos, rezar juntos, amar-se juntos. E isso é muito bonito!

Queridos irmãos e irmãs, esta fé que partilhamos é um dom precioso, mas é também um desafio. Com efeito, o aniversário não deve ser celebrado apenas como “memória histórica”, mas também como compromisso de testemunhar a crescente comunhão entre nós. Devemos encontrar o modo para não a deixar fugir, para construir laços sólidos, para cultivar a amizade recíproca, para ser tecelões de comunhão e fraternidade.

Nesta Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, também podemos viver o aniversário do Concílio de Niceia como um convite a perseverar no caminho rumo à unidade. De modo providencial, este ano, precisamente durante o aniversário ecuménico, a Páscoa será celebrada no mesmo dia tanto no calendário gregoriano como no juliano. Renovo o meu apelo para que esta coincidência sirva de estímulo a todos os cristãos para darem resolutamente um passo rumo à unidade, em torno de uma data comum, uma data para a Páscoa (cf. Bula Spes non confundit, 17); e a Igreja católica está disposta a aceitar a data que todos quiserem estipular: uma data da unidade.

Agradeço a presença do Metropolita Policarpo, em representação do Patriarcado ecuménico; do Arcebispo Ian Ernest, em representação da Comunhão anglicana e a concluir o seu valioso serviço, pelo qual lhe estou muito grato — desejo-lhe as maiores felicidades quando regressar à sua terra natal — e dos representantes de outras Igrejas que participam no sacrifício de louvor desta tarde. É importante rezarmos juntos, e a vossa presença aqui esta tarde é uma fonte de alegria para todos. Saúdo também os estudantes apoiados pela Comissão para a colaboração cultural com as Igrejas ortodoxas e ortodoxas orientais do Dicastério para a promoção da unidade dos cristãos, os participantes na visita de estudo do Instituto ecuménico de Bossey do Conselho mundial de Igrejas e os muitos outros grupos ecuménicos e peregrinos que vieram a Roma para esta celebração. Agradeço ao coro, que nos proporciona um ambiente de oração tão bonito. Que, como São Paulo, cada um de nós possa encontrar a própria esperança no Filho de Deus encarnado e a ofereça aos outros onde ela se tenha desvanecido, onde as vidas tenham sido despedaçadas ou onde os corações tenham sido esmagados pela adversidade (cf. Homilia de abertura da Porta Santa e Santa Missa na noite de Natal, 24 de dezembro de 2024).

Em Jesus, a esperança é sempre possível. Ele sustenta também a esperança do nosso caminho comum na sua direção. Surge, por isso, de novo a pergunta feita a Marta e, nesta tarde, a cada um: “Crês nisto?”. Acreditamos na comunhão entre nós? Acreditamos que a esperança não desilude?

Queridas irmãs, queridos irmãos, este é o momento de confirmar a nossa profissão de fé no único Deus e encontrar em Cristo Jesus o caminho da unidade. Enquanto esperamos que o Senhor venha «em sua glória, para julgar os vivos e os mortos» (cf. Credo niceno), nunca nos cansemos, diante dos povos, de dar testemunho do Filho unigénito de Deus, fonte de toda a nossa esperança.

Homilia na missa do domingo
da Palavra de Deus

26 de janeiro

O Evangelho que escutámos anuncia-nos o cumprimento de uma profecia transbordante de Espírito Santo. Quem a cumpre é Aquele que vem “com a força do Espírito” (cf. Lc 4, 14): é Jesus, o Salvador.

A Palavra de Deus é viva: através dos séculos caminha connosco e, com a força do Espírito Santo, age na história. Com efeito, o Senhor é sempre fiel à sua promessa, que realiza por amor dos homens. É exatamente isto que Jesus diz na sinagoga de Nazaré: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir» (Lc 4, 21).

Irmãs e irmãos, que feliz coincidência! No domingo da Palavra de Deus, ainda nos inícios do Jubileu, é proclamada esta página do Evangelho de Lucas, na qual Jesus se revela como o Messias «ungido» (v. 18) e enviado «a proclamar um ano favorável da parte do Senhor» (v. 19)! Jesus é a Palavra viva, em quem toda a Escritura encontra o seu pleno cumprimento. E nós, no hoje da Sagrada Liturgia, somos seus contemporâneos: também nós, cheios de admiração, abrimos o coração e a mente para O escutar, porque «é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura» (Conc. Ecum. Vat. ii, Const. Sacrosanctum Concilium, 7). Eu disse uma palavra: admiração. Quando ouvimos o Evangelho, as palavras de Deus, não se trata apenas de as ouvir, de as compreender, não. É preciso que elas cheguem ao coração e produzam aquilo que eu disse: “admiração”. A Palavra de Deus surpreende-nos sempre, renova-nos sempre, entra no nosso coração e renova-nos sempre.

E nesta atitude de jubilosa fé, somos convidados a acolher a antiga profecia como se tivesse saído do Coração de Cristo, detendo-nos nas cinco ações que caraterizam a missão do Messias: uma missão única e universal. Única, porque Ele, somente Ele a pode realizar; universal, porque quer envolver todos.

Antes de mais, Ele é enviado «para anunciar a Boa Nova aos pobres» (v. 18). Eis o “evangelho”, a Boa Nova que Jesus proclama: o Reino de Deus está próximo! E quando Deus reina, o homem está salvo. O Senhor vem visitar o seu povo, cuidando dos humildes e dos infelizes. Este Evangelho é palavra de compaixão, que nos chama à caridade, a perdoar ao próximo, a um generoso compromisso social. Não esqueçamos que o Senhor está próximo, é misericordioso e compassivo. A proximidade, a misericórdia e a compaixão são o estilo de Deus. Ele é assim: misericordioso, próximo, compassivo.

A segunda ação de Cristo é «proclamar a libertação aos cativos» (v. 18). Irmãos, irmãs, o mal tem os dias contados, porque o futuro pertence a Deus. Com a força do Espírito, Jesus redime-nos de toda a culpa e liberta o nosso coração, liberta-o de todas as amarras interiores, trazendo ao mundo o perdão do Pai. Este Evangelho é palavra de misericórdia, que nos chama a ser testemunhas apaixonadas de paz, solidariedade e reconciliação.

A terceira ação, com a qual Jesus cumpre as profecias, é dar «aos cegos, a recuperação da vista» (v. 18). O Messias abre-nos os olhos do coração, muitas vezes ofuscados pelo fascínio do poder e da vaidade: doenças da alma, que impedem de reconhecer a presença de Deus e tornam invisíveis os fracos e os sofredores. Este Evangelho é palavra de luz, que nos chama à verdade, ao testemunho da fé e à coerência de vida.

A quarta ação é «mandar em liberdade os oprimidos» (v. 18). Nenhuma escravatura resiste à ação do Messias, que nos faz irmãos no seu nome. Pelo poder amoroso de Deus, as prisões da perseguição e da morte são escancaradas, pois este Evangelho é palavra de liberdade, que nos chama à conversão do coração, à honestidade de pensamento e à perseverança na provação.

Por fim, a quinta ação: Jesus é enviado «a proclamar um ano favorável da parte do Senhor» (v. 19). Trata-se de um tempo novo, que não consome a vida, mas a regenera. É um Jubileu, como aquele que iniciámos, preparando-nos com esperança para o encontro definitivo com o Redentor. O Evangelho é palavra de alegria, que nos chama ao acolhimento, à comunhão e a caminhar, como peregrinos, em direção ao Reino de Deus.

Através destas cinco ações, Jesus já cumpriu a profecia de Isaías. Ao realizar a nossa libertação, ele anuncia-nos que Deus se aproxima da nossa pobreza, redime-nos do mal, ilumina os nossos olhos, quebra o jugo das opressões e faz-nos entrar no júbilo de um tempo e de uma história em que Ele se faz presente, para caminhar connosco e nos conduzir à vida eterna. A salvação que Ele nos dá ainda não se realizou plenamente, bem o sabemos; no entanto, as guerras, as injustiças, a dor e a morte não terão a última palavra. O Evangelho é, efetivamente, palavra viva e certa, que nunca desilude. O Evangelho nunca desilude.

Irmãos e irmãs, no domingo dedicado de modo especial à Palavra de Deus, agradeçamos ao Pai por nos ter dirigido o seu Verbo, feito homem para a salvação do mundo. É este o acontecimento de que falam todas as Escrituras, que têm os homens e o Espírito Santo como verdadeiros autores (cf. Conc. Ecum. Vat. ii, Const. dogm. Dei Verbum, 11). Toda a Bíblia faz memória de Cristo e da sua obra, e o Espírito atualiza-a na nossa vida e na história. Quando nós lemos, rezamos e estudamos as Escrituras, não recebemos apenas informações sobre Deus, mas acolhemos o Espírito que nos recorda tudo o que Jesus disse e fez (cf. Jo 14, 26). Assim, o nosso coração, inflamado pela fé, aguarda na esperança a vinda de Deus. Irmãos, irmãs, temos de nos habituar mais à leitura das Escrituras. Gosto de recomendar a cada um que tenha um pequeno Evangelho, um pequeno Novo Testamento de bolso, e que o leve na bolsa, que o leve sempre consigo, que o pegue durante o dia e o leia. Uma passagem, duas passagens... E assim, durante o dia, há esse contacto com o Senhor. Um Evangelho pequenino é suficiente.

Respondamos com ardor ao alegre anúncio de Cristo! Com efeito, o Senhor não nos falou como a ouvintes mudos, mas como a testemunhas, chamando-nos a evangelizar em todos os tempos e lugares. Hoje, de muitas partes do mundo, vieram até aqui quarenta irmãos e irmãs para receber o ministério do leitorado. Obrigado! Agradeçamos-lhes e rezemos por eles. Todos rezamos por vós. E comprometamo-nos todos a levar a Boa Nova aos pobres, a proclamar a libertação aos cativos e a vista aos cegos, a mandar em liberdade os oprimidos e a proclamar o ano favorável da parte do Senhor. Então, sim, irmãs e irmãos, transformaremos o mundo segundo a vontade de Deus, que o criou e redimiu por amor. Obrigado!

Angelus do iii domingo do tempo comum

26 de janeiro

Queridos irmãos e irmãs, bom domingo!

O evangelista Lucas, neste domingo, apresenta-nos Jesus na sinagoga de Nazaré, a cidade onde ele cresceu. Jesus lê o trecho do profeta Isaías que anuncia a missão evangelizadora e libertadora do Messias e depois, no silêncio geral, diz: “Hoje cumpriu-se esta Escritura” (cf. Lc 4, 21).

Imaginemos a surpresa e a perplexidade dos concidadãos de Jesus, que o conheciam como o filho do carpinteiro, José, e nunca teriam imaginado que ele pudesse apresentar-se como o Messias. Foi uma perplexidade. Mas é de facto assim: Jesus proclama que, com a sua presença, chegou «o ano da graça do Senhor» (v. 19). É a boa nova para todos e de modo especial para os pobres, os presos, os cegos, os oprimidos, diz o Evangelho (cf. v. 18).

Naquele dia, em Nazaré, Jesus confronta os seus interlocutores com uma escolha sobre a sua identidade e a sua missão. Na sinagoga, ninguém podia deixar de se interrogar: será apenas o filho do carpinteiro que se arroga um papel que não lhe pertence, ou será verdadeiramente o Messias, enviado para salvar o povo do pecado?

O evangelista conta-nos que os nazarenos não reconheceram em Jesus o ungido do Senhor. Pensavam que o conheciam demasiado bem e isso, em vez de facilitar a abertura das suas mentes e dos seus corações, bloqueava-os, como um véu que obscurece a luz.

Irmãs e irmãos, este acontecimento, com as devidas analogias, também se verifica connosco hoje. Também nós somos interpelados pela presença e pelas palavras de Jesus; também nós somos chamados a reconhecer n’Ele o Filho de Deus, o nosso Salvador. Mas pode acontecer-nos, como aconteceu aos seus conterrâneos, pensar que já o conhecemos, que já sabemos tudo sobre ele, que crescemos com ele, na escola, na paróquia, na catequese, num país de cultura católica... E assim, para nós, ele é uma Pessoa próxima, ou melhor, “demasiado” próxima.

Mas procuremos interrogar-nos: sentimos a autoridade única com que Jesus de Nazaré fala? Reconhecemos que Ele é portador de um anúncio de salvação que mais ninguém nos pode dar? E eu, sinto-me necessitado dessa salvação? Sinto que também eu sou, de alguma forma, pobre, preso, cego, oprimido? Então, só então, o “ano de graça” será para mim!

Dirijamo-nos com confiança a Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, para que nos ajude a reconhecer Jesus.

Mensagem por ocasião
do xxxiii Dia mundial do doente

11 de fevereiro

«A esperança não engana» (Rm 5, 5)

e fortalece-nos nas tribulações

Queridos irmãos e irmãs!

Estamos a celebrar o xxxiii Dia Mundial do Doente no Ano jubilar de 2025, durante o qual a Igreja convida a tornar-nos “peregrinos de esperança”. Nisto, somos acompanhados pela Palavra de Deus que, através de São Paulo, nos transmite uma mensagem de grande encorajamento: «A esperança não engana» (Rm 5, 5), aliás, fortalece-nos nas tribulações.

São expressões reconfortantes, mas que podem levantar algumas questões, sobretudo em quem sofre. Por exemplo: como é que nos mantemos fortes quando somos feridos na carne por doenças graves, que nos incapacitam, que talvez exijam tratamentos cujos custos vão para além das nossas possibilidades? Como fazê-lo quando, não obstante o nosso próprio sofrimento, vemos o daqueles que nos amam e que, embora próximos de nós, se sentem impotentes para nos ajudar? Em todas estas circunstâncias, sentimos a necessidade de um apoio maior do que nós: precisamos da ajuda de Deus, da sua graça, da sua Providência, daquela força que é dom do seu Espírito (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1808).

Detenhamo-nos, pois, por momentos, a refletir sobre a presença de Deus junto dos que sofrem, particularmente nos três aspetos que a caraterizam: o encontro, o dom e a partilha.

1. O encontro. Quando Jesus envia os setenta e dois discípulos em missão (cf. Lc 10, 1-9), exorta-os a dizer aos doentes: «O Reino de Deus já está próximo de vós» (v. 9). Ou seja, pede-lhes que os ajudem a aproveitar a oportunidade de encontro com o Senhor, mesmo na doença, por muito que seja dolorosa e difícil de compreender. Com efeito, no momento da doença, se por um lado sentimos toda a nossa fragilidade – física, psíquica e espiritual – de criaturas, por outro lado experimentamos a proximidade e a compaixão de Deus, que em Jesus participou do nosso sofrimento. Ele não nos abandona e, muitas vezes, surpreende com o dom de uma tenacidade que nunca pensámos possuir e que, sozinhos, não teríamos encontrado.

A doença torna-se então a oportunidade para um encontro que nos transforma, a descoberta de uma rocha firme na qual descobrimos que podemos ancorar-nos para enfrentar as tempestades da vida: uma experiência que, mesmo no sacrifício, nos torna mais fortes, porque mais conscientes de não estarmos sós. Por isso se diz que a dor traz sempre consigo um mistério de salvação, porque nos faz experimentar, de forma próxima e real, a consolação que vem de Deus, a ponto de «conhecer a plenitude do Evangelho com todas as suas promessas e a sua vida» (São João Paulo ii, Discurso aos jovens, Nova Orleães, 12 de setembro de 1987).

2. E isto leva-nos ao segundo ponto de reflexão: o dom. Efetivamente, em nenhuma outra ocasião como no sofrimento, nos damos conta que toda a esperança vem do Senhor e que, assim sendo, é antes de mais um dom a acolher e a cultivar, permanecendo «fiéis à fidelidade de Deus», segundo a linda expressão de Madeleine Delbrêl (cf. A esperança é uma luz na noite, Cidade do Vaticano 2024, Prefácio).

Além disso, só na ressurreição de Cristo é que cada um dos nossos destinos encontra o seu lugar no horizonte infinito da eternidade. Só da sua Páscoa nos vem a certeza de que nada, «nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus» (Rm 8, 38-39). E desta “grande esperança” derivam todos os outros raios de luz com que se podem ultrapassar as provações e os obstáculos da vida (cf. Bento xvi, Carta enc. Spe salvi, 27.31). E não apenas isso, porque o Ressuscitado também caminha connosco, fazendo-se nosso companheiro de viagem, como aconteceu com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-53). À semelhança destes, também nós podemos partilhar com Ele as nossas perturbações, preocupações e desilusões, podemos escutar a sua Palavra que nos ilumina e faz arder o coração, e reconhecê-Lo presente ao partir o Pão, recolhendo do seu estar connosco, apesar dos limites do tempo presente, aquele “mais além” que, ao aproximar-se, nos restitui a coragem e a confiança.

3. E assim chegamos ao terceiro aspeto, o da partilha. Os lugares onde se sofre são frequentemente espaços de partilha, nos quais nos enriquecemos uns aos outros. Quantas vezes se aprende a esperar à cabeceira de um doente! Quantas vezes se aprende a crer ao lado de quem sofre! Quantas vezes descobrimos o amor inclinando-nos sobre quem tem necessidades! Ou seja, apercebemo-nos de que todos juntos somos “anjos” de esperança, mensageiros de Deus, uns para os outros: doentes, médicos, enfermeiros, familiares, amigos, sacerdotes, religiosos e religiosas. E isto, onde quer que estejamos: nas famílias, nos ambulatórios, nas unidades de cuidados, nos hospitais e nas clínicas.

É importante saber captar a beleza e o alcance destes encontros de graça, e aprender a anotá-los na alma para não os esquecermos: guardar no coração o sorriso amável de um profissional de saúde, o olhar agradecido e confiante de um doente, o rosto compreensivo e atencioso de um médico ou de um voluntário, o rosto expetante e trepidante de um cônjuge, de um filho, de um neto, de um querido amigo. Todos eles são raios de luz que é preciso valorizar e que, mesmo durante a escuridão das provações, não só dão força, mas dão o verdadeiro sabor da vida, no amor e na proximidade (cf. Lc 10, 25-37).

Queridos doentes, queridos irmãos e irmãs que cuidais de quem sofre, neste Jubileu, mais do que nunca, vós desempenhais um papel especial. Na verdade, o vosso caminhar juntos é um sinal para todos, «um hino à dignidade humana, um canto de esperança» (Bula Spes non confundit, 11), cuja voz vai muito além dos quartos e das camas dos lugares de assistência em que vos encontrais, estimulando e encorajando na caridade «a sincronização de toda a sociedade» (ibid.), numa harmonia por vezes difícil de alcançar, mas por isso mesmo dulcíssima e forte, capaz de levar luz e calor aonde é mais necessário.

Toda a Igreja vos agradece por isso! Também eu o faço e rezo por vós, confiando-vos a Maria, Saúde dos Enfermos, através das palavras com que tantos irmãos e irmãs, nas suas necessidades, se dirigiram a Ela:

À vossa proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus.

Não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades,

mas livrai-nos de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita.

A todos vós, juntamente com as vossas famílias e entes queridos, vos abençoo e peço, por favor, que não vos esqueçais de rezar por mim.

Roma, São João de Latrão, 14 de janeiro de 2025.

Francisco

A responsáveis das comunicações
de Conferências episcopais
e famílias religiosas

27 de janeiro

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Dou as boas-vindas a vós que, nas Igrejas locais, desempenhais um serviço de responsabilidade no campo da comunicação. É bom ver-vos aqui, bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas, leigas e leigos, chamados a comunicar a vida da Igreja e uma visão cristã do mundo. É bom comunicar esta visão cristã!

Encontramo-nos hoje, depois de termos celebrado o Jubileu do Mundo da Comunicação, para fazer juntos um exame de consciência. Meditemos ainda sobre o modo concreto de comunicar, animados pela fé que, como está escrito na Carta aos Hebreus (cf. 11, 1), é fundamento daquilo que se espera e prova do que não se vê.

Então, perguntemo-nos: como semear esperança no meio de tanto desespero que nos toca e interpela? Como curar o vírus da divisão, que ameaça até as nossas comunidades? A nossa comunicação é acompanhada pela oração? Ou acabamos por comunicar a Igreja, adotando somente as regras do marketing empresarial? Devemos fazer todas estas perguntas!

Sabemos testemunhar que a história humana não terminou num beco sem saída? E como indicamos uma perspetiva diferente, para um futuro que não está já escrito? Gosto desta expressão, escrever o futuro. Compete a nós escrever o futuro. Sabemos comunicar que esta esperança não é uma ilusão? A esperança nunca desilude; mas sabemos comunicar isto? Sabemos comunicar que a vida dos outros pode ser mais bonita, inclusive através de nós? Quanto a mim, posso dar beleza à vida dos outros? E sabemos comunicar e convencer que é possível perdoar? Isto é tão difícil!

Comunicação cristã significa mostrar que o Reino de Deus está próximo: aqui, agora, e é como um milagre que pode ser vivido por cada pessoa, por cada povo. Um milagre que deve ser narrado, oferecendo as chaves de leitura para olhar além do banal, além do mal, além dos preconceitos, além dos estereótipos, além de nós mesmos. O Reino de Deus está além de nós próprios. O Reino de Deus vem até através da nossa imperfeição, e isto é bonito! O Reino de Deus vem na atenção que prestamos aos outros, no cuidado atento com que lemos a realidade. Vem na capacidade de ver e semear uma esperança de bem. E, assim, de derrotar o fanatismo desesperado!

Este, que para vós é um serviço institucional, é também vocação de cada cristão, de cada batizado. Cada cristão é chamado a ver e narrar as histórias de bem que o jornalismo negativo tenciona anular, dando espaço unicamente ao mal. O mal existe, não deve ser escondido, mas deve despertar, gerar perguntas e respostas. Por isso, a vossa tarefa é grandiosa e pede que saiamos de nós mesmos, que façamos um trabalho “sinfónico”, envolvendo todos, valorizando idosos e jovens, mulheres e homens; com todas as linguagens, com a palavra, a arte, a música, a pintura, as imagens. Todos nós somos chamados a averiguar como e o que comunicamos. Comunicar, comunicar sempre!

Irmãs, irmãos, o desafio é grande! Por conseguinte, encorajo-vos a revigorar a sinergia entre vós, tanto a nível continental como universal. A construir um modelo diferente de comunicação, diferente no espírito, na criatividade, na força poética que vem do Evangelho e que é inesgotável. Comunicar é sempre original. Quando comunicamos, somos criadores de linguagens, de pontes. Somos criadores. Uma comunicação que transmite harmonia e é alternativa concreta às novas torres de Babel. Pensemos nisto! As novas torres de Babel: todos falam e não se entendem. Pensemos nesta simbologia!

Deixo-vos duas palavras: juntos e rede.

Juntos. Só juntos podemos comunicar a beleza que encontramos: não porque somos competentes, não porque dispomos de mais recursos, mas porque nos amamos uns aos outros. É daí que vem a força para amar até os nossos inimigos, para envolver até aqueles que erraram, para unir o que está dividido, para não desesperar. E para semear esperança. Não vos esqueçais disto: semear esperança. Não é o mesmo que semear otimismo, não, de modo algum! Semear esperança! Para nós, comunicar não é uma tática, não é uma técnica. Não significa repetir frases feitas ou slogans, nem é limitar-se a escrever comunicados de imprensa. Comunicar é um ato de amor. Só um ato de amor gratuito tece redes de bem. Mas as redes devem ser cuidadas, remendadas, todos os dias. Com paciência e fé!

Rede é a segunda palavra sobre a qual vos convido a refletir. Pois, na realidade, perdemos a sua memória, como se fosse uma palavra ligada à civilização digital. E, ao contrário, é uma palavra antiga. Lembra-nos, antes das sociais, as redes dos pescadores e o convite de Jesus a Pedro, a tornar-se pescador de homens. Portanto, criar rede significa colocar em rede competências, conhecimentos, contribuições, para poder informar de maneira adequada e, assim, ser todos salvos do mar do desespero e da desinformação. Esta é já uma mensagem, é por si só um primeiro testemunho.

Então, pensemos no que poderíamos fazer juntos, graças aos novos instrumentos da era digital, graças também à inteligência artificial se, em vez de fazermos da tecnologia um ídolo, nos comprometêssemos mais em criar rede. Confesso-vos o seguinte: mais do que a inteligência artificial, preocupa-me a natural, a inteligência que devemos desenvolver.

Quando temos a impressão de cair num abismo, olhemos mais além, além de nós próprios. Nada está perdido; pode-se recomeçar sempre, confiando uns nos outros e todos juntos em Deus, este é o segredo da nossa força comunicativa. Criar rede! Ser rede! Em vez de confiar nas sirenes estéreis da autopromoção, na celebração das nossas iniciativas, pensemos em como construir juntos as narrações da nossa esperança!

Esta é a vossa tarefa. A sua raiz é antiga. O maior milagre que Jesus fez para Simão e os outros pescadores desiludidos e cansados não foi tanto aquela rede cheia de peixes, mas sim a ajuda a não caírem na desilusão e do desânimo perante as derrotas. Por favor, não caiamos nesta tristeza interior. Não percamos o sentido de humor, que é sabedoria, sabedoria de todos os dias!

Irmãs, irmãos, a nossa rede é para todos. Para todos! A comunicação católica não é algo separado, não é somente para os católicos. Não é um recinto onde nos fecharmos, uma seita para falarmos entre nós, não! A comunicação católica é o espaço aberto de um testemunho que sabe escutar e captar os sinais do Reino. É o lugar hospitaleiro de verdadeiras relações. Perguntemo-nos: os nossos escritórios, as relações entre nós, são assim? A nossa rede é a voz de uma Igreja que só saindo de si própria volta a encontrar-se a si mesma e as razões da sua esperança. A Igreja deve sair de si mesma. Gosto de pensar naquele trecho do Apocalipse, em que o Senhor diz: «Estou à porta e bato» (3, 20). Diz isto para entrar. Mas agora, o Senhor bate muitas vezes a partir de dentro para que nós, cristãos, o deixemos sair! E, muitas vezes, tomamos o Senhor unicamente para nós. Devemos fazer com que o Senhor saia — bate à porta para sair — e não o podemos manter um pouco “escravizado” para os nossos serviços. Os nossos escritórios, as relações entre nós, a nossa rede, são efetivamente de uma Igreja em saída?

Obrigado, obrigado pelo vosso trabalho! Ide em frente com coragem, com a alegria de evangelizar. Abençoo todos vós de coração. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.

Obrigado!

Audiência geral de quarta-feira

29 de janeiro

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje continuamos a contemplar Jesus no mistério das suas origens, narrado pelos Evangelhos da infância.

Enquanto Lucas nos permite fazê-lo na perspetiva da mãe, a Virgem Maria, Mateus, pelo contrário, coloca-se na perspetiva de José, o homem que assume a paternidade legal de Jesus, enxertando-o no tronco de Jessé e ligando-o à promessa feita a David.

Com efeito, Jesus é a esperança de Israel que se cumpre: é o descendente prometido a David (cf. 2 Sm 7, 12; 1 Cr 17, 11), que torna a sua casa «abençoada para sempre» (2 Sm 7, 29); é o rebento que brota do tronco de Jessé (cf. Is 11, 1), o «rebento justo», destinado a reinar como verdadeiro rei, que sabe exercer o direito e a justiça (cf. Jr 23, 5; 33, 15).

José entra em cena no Evangelho de Mateus como noivo de Maria. Para os judeus, o noivado era um verdadeiro vínculo jurídico, que preparava para o que haveria de acontecer cerca de um ano mais tarde, ou seja, a celebração do casamento. Era então que a mulher passava da guarda do pai para a do marido, transferindo-se para a sua casa e tornando-se disponível para o dom da maternidade.

É precisamente neste intervalo de tempo que José descobre a gravidez de Maria, e o seu amor é duramente posto à prova. Perante uma situação semelhante, que comportaria a interrupção do noivado, a Lei sugeria duas possíveis soluções: ou um ato jurídico de caráter público, como a convocação da mulher ao tribunal, ou uma ação particular, como a entrega à mulher de uma carta de repúdio.

Mateus define José como um homem «justo» (zaddiq), um homem que vive segundo a Lei do Senhor, que se inspira nela em todas as ocasiões da sua vida. Portanto, seguindo a Palavra de Deus, José age com ponderação: não se deixa dominar por sentimentos instintivos, nem pelo medo de acolher Maria, mas prefere deixar-se guiar pela sabedoria divina. Prefere separar-se de Maria sem clamor, privadamente (cf. Mt 1, 19). E esta é a sabedoria de José, que lhe permite não se enganar, abrir-se e tornar-se dócil à voz do Senhor.

Deste modo, José de Nazaré traz à mente outro José, filho de Jacob, chamado «senhor dos sonhos» (cf. Gn 37, 19), tão amado pelo pai e tão odiado pelos irmãos, que Deus elevou, levando-o a fazer parte da corte do Faraó.

Pois bem, com o que sonha José de Nazaré? Sonha com o milagre que Deus realiza na vida de Maria, e também com o milagre que cumpre na sua própria vida: assumir uma paternidade capaz de conservar, proteger e transmitir uma herança material e espiritual. O ventre da sua esposa está grávido da promessa de Deus, promessa que tem um nome no qual a certeza da salvação é oferecida a todos (cf. At 4, 12).

Durante o sono, José ouve estas palavras: «José, filho de David, não tenhas medo de receber Maria como esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo dos seus pecados» (Mt 1, 20-21). Perante esta revelação, José não pede mais provas, confia! José confia em Deus, aceita o sonho de Deus sobre a sua vida e a da sua noiva. Assim entra na graça de quem sabe viver a promessa divina com fé, esperança e amor.

Em tudo isto, José não pronuncia sequer uma palavra, mas crê, espera e ama. Não se expressa com “palavras ao vento”, mas com gestos concretos. Pertence à linhagem daqueles a quem o apóstolo Tiago chama os que «põem em prática a Palavra» (cf. Tg 1, 22), traduzindo-a em ações, em carne, em vida. José confia em Deus e obedece: «A sua vigilância interior para Deus... torna-se espontaneamente obediência» (Bento xvi, A infância de Jesus, Milão-Cidade do Vaticano 2012, 57).

Irmãs, irmãos, peçamos também nós ao Senhor a graça de escutar mais do que falamos, a graça de sonhar os sonhos de Deus e de acolher responsavelmente Cristo que, a partir do momento do nosso batismo, vive e cresce na nossa vida. Obrigado!

Saudação aos fiéis de língua portuguesa.

Queridos peregrinos de língua portuguesa, sede bem-vindos. Deus não cessa de nos sonhar como homens e mulheres de esperança, de concórdia e de paz, como pessoas que não se deixam abater pelas adversidades. Desejo a cada um de vós a coragem de vos sonhardes exatamente assim como Deus vos sonha. Que o Senhor vos abençoe! E obrigado pela presença de tantos brasileiros, que são animados...

Discurso ao Tribunal da Rota Romana

31 de janeiro

Prezados Prelados Auditores!

A inauguração do Ano Judicial do Tribunal da Rota Romana oferece-me a oportunidade de renovar a expressão do meu apreço e da minha gratidão pelo vosso trabalho. Saúdo cordialmente o Mons. Decano e todos vós que prestais serviço neste Tribunal.

Este ano celebra-se o décimo aniversário dos dois Motu Proprio Mitis Iudex Dominus Iesus e Mitis et Misericors Iesus, com os quais reformei o processo para a declaração de nulidade do matrimónio. Parece-me oportuno aproveitar esta tradicional ocasião de encontro convosco para evocar o espírito que permeou aquela reforma, por vós aplicada com competência e diligência em benefício de todos os fiéis.

A necessidade de modificar as normas relativas ao processo de nulidade tinha sido expressa pelos Padres sinodais congregados na Assembleia extraordinária de 2014, formulando o pedido de tornar os processos mais acessíveis e ágeis (cf. Relatio Synodi 2014, 48). Assim, os Padres sinodais expressaram a urgência de completar a conversão pastoral das estruturas, já preconizada na Exortação apostólica Evangelii gaudium (cf. n. 27).

Era ainda mais oportuno que esta conversão incluísse também a administração da justiça, para que ela respondesse da melhor maneira a quantos recorrem à Igreja para esclarecer a sua situação conjugal (cf. Discurso ao Tribunal da Rota Romana, 23 de janeiro de 2015).

Eu quis que o bispo diocesano estivesse no centro da reforma. Com efeito, é a ele que compete a responsabilidade de administrar a justiça na Diocese, quer como garante da proximidade dos tribunais e da vigilância sobre eles, quer como juiz que deve decidir personaliter nos casos em que a nulidade é manifesta, ou seja, mediante o processus brevior como expressão da solicitude pela salus animarum.

Por conseguinte, solicitei a inserção da atividade dos tribunais na pastoral diocesana, encarregando os bispos de assegurar que os fiéis conheçam a existência do processo como possível remédio para a situação de necessidade em que se encontram. Às vezes é triste saber que os fiéis não têm conhecimento da existência desta via. Além disso, é importante «que se garanta a gratuidade dos procedimentos, a fim de que a Igreja [...] manifeste o amor gratuito de Cristo, por quem todos fomos salvos» (Proémio, vi).

Em particular, a solicitude do bispo atua-se garantindo por lei a constituição na sua diocese do tribunal, dotado de pessoas — clérigos e leigos — bem formadas, aptas para esta função; e assegurando que desempenhem o seu trabalho com justiça e diligência. O investimento na formação de tais agentes — formação científica, humana e espiritual — beneficia sempre os fiéis, que têm direito a uma análise atenta dos seus pedidos, até quando devem receber uma resposta negativa.

Guiou a reforma — e deve guiar a sua aplicação — a preocupação pela salvação das almas (cf. Mitis Iudex, proémio). Interpelam-nos a dor e a esperança de tantos fiéis que procuram clareza a respeito da verdade da sua condição pessoal e, por conseguinte, sobre a possibilidade de uma plena participação na vida sacramental. Para tantos que «viveram uma experiência matrimonial infeliz, a averiguação da validade ou não do matrimónio representa uma possibilidade importante; e estas pessoas devem ser ajudadas a percorrer quanto mais facilmente possível este caminho» (Discurso aos participantes no Curso promovido pela Rota Romana, 12 de março de 2016).

As normas que estabelecem os procedimentos devem garantir alguns direitos e princípios fundamentais, principalmente o direito à defesa e a presunção de validade do matrimónio. O objetivo do processo não é «complicar inutilmente a vida dos fiéis, nem muito menos exacerbar a sua litigiosidade, mas unicamente prestar um serviço à verdade» (Bento xvi, Discurso à Rota Romana, 28 de janeiro de 2006).

Vem-me à mente o que disse São Paulo vi, depois de ter encerrado a reforma efetuada mediante o Motu Proprio Causas matrimoniales. Ele observava «que as simplificações [...] introduzidas na abordagem das causas matrimoniais visam tornar este exercício mais fácil e, portanto, mais pastoral, sem prejuízo dos critérios de verdade e justiça, aos quais um processo deve honestamente aderir, na confiança de que a responsabilidade e a sabedoria dos Pastores estão religiosa e mais diretamente comprometidas» (Discurso à Rota Romana, 30 de janeiro de 1975).

Também a recente reforma quis favorecer «não a nulidade dos matrimónios, mas a celeridade dos processos, no fundo uma justa simplificação para que, por causa da demora na definição do juízo, o coração dos fiéis que aguardam o esclarecimento do seu estado não seja longamente oprimido pelas trevas da dúvida» (Mitis Iudex, Proémio). Com efeito, para evitar que se verifique o provérbio “summum ius summa iniuria” (Cícero, De Officiis i, 10, 33), suprimi a necessidade do juízo de dupla conformidade e encorajei a decidir mais rapidamente as causas em que a nulidade é manifesta, visando o bem dos fiéis e desejando trazer paz às suas consciências. É evidente — mas gostaria de o reiterar aqui — que a reforma interpela fortemente a vossa prudência na aplicação das normas. E isto «requer duas grandes virtudes: a prudência e a justiça, que devem ser informadas pela caridade. Existe uma íntima ligação entre prudência e justiça, uma vez que o exercício da prudentia iuris visa saber o que é justo no caso concreto» (Discurso à Rota Romana, 25 de janeiro de 2024).

Cada protagonista do processo aborda a realidade conjugal e familiar com veneração, pois a família é reflexo vivo da comunhão de amor que é Deus Trindade (cf. Amoris laetitia, 11). Além disso, os cônjuges unidos em matrimónio receberam o dom da indissolubilidade, que não é uma meta a alcançar com o próprio esforço, nem sequer um limite à sua liberdade, mas uma promessa de Deus, cuja fidelidade torna possível a do ser humano. O vosso trabalho de discernimento sobre a existência ou não de um matrimónio válido constitui um serviço à salus animarum, pois permite aos fiéis conhecer e aceitar a verdade da sua realidade pessoal. Com efeito, «qualquer sentença justa de validade ou nulidade do matrimónio é um contributo para a cultura da indissolubilidade, tanto na Igreja como no mundo» (São João Paulo ii, Discurso à Rota Romana, 29 de janeiro de 2002).

Estimados Irmãos, a Igreja confia-vos uma tarefa de grande responsabilidade, mas em primeiro lugar de grande beleza: ajudar a purificar e a restabelecer as relações interpessoais. O contexto jubilar em que nos encontramos enche o vosso trabalho de esperança, da esperança que não desilude (cf. Rm 5, 5). Invoco sobre todos vós, peregrinantes in spem, a graça de uma jubilosa conversão e a luz para acompanhar os fiéis rumo a Cristo, Juiz manso e misericordioso. Abençoo-vos de coração e peço-vos por favor que rezeis por mim. Obrigado!