Depois de ter deixado o Palais des Congrès et des Expositions de Ajácio, o Papa dirigiu-se de automóvel à catedral de Santa Maria da Assunção, detendo-se ao longo do caminho diante da venerada imagem mariana da “Madunnuccia”. Na catedral, Francisco presidiu à oração dominical do Angelus em companhia dos bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados, consagradas e seminaristas, durante a qual pronunciou o segundo discurso da viagem na Córsega.
Queridos irmãos bispos
Prezadas consagradas
estimados sacerdotes, diáconos
consagrados e seminaristas!
Encontro-me nesta linda terra apenas por um dia, mas desejei que houvesse pelo menos um breve momento para vos encontrar e saudar. Antes de mais, isto dá-me a oportunidade de vos dizer obrigado: obrigado porque estais aqui, com a vossa vida doada; obrigado pelo vosso trabalho, pelo empenho de cada dia; obrigado porque sois sinal do amor misericordioso de Deus e testemunhas do Evangelho. Fiquei muito contente quando pude cumprimentar um de vós: tem 95 anos de idade e 70 de sacerdócio! E isso significa levar por diante aquela linda vocação. Obrigado, irmão, pelo teu testemunho! Muito obrigado!
E do “obrigado” passo imediatamente à graça de Deus, que é o fundamento da fé cristã e de toda a forma de consagração na Igreja. No contexto europeu em que nos encontramos, não faltam problemas e desafios relacionados com a transmissão da fé, e todos os dias vós lidais com isso, descobrindo-vos pequenos e frágeis: não sois muito numerosos nem dispondes de meios poderosos, e os ambientes em que trabalhais nem sempre se revelam favoráveis ao acolhimento do anúncio do Evangelho. Por vezes, lembro-me de um filme, porque algumas pessoas estão dispostas a acolher o Evangelho, mas não o “porta-voz”. Aquele filme tinha esta frase: “A música sim, mas o músico não”. Pensem, a fidelidade à transmissão do Evangelho. Isso ajudar-nos-á. Porém, esta pobreza sacerdotal, gostaria de o dizer, é uma bênção! Porquê? Despoja-nos da pretensão de fazer tudo sozinhos, ensina-nos a considerar a missão cristã como algo que não depende das forças humanas, mas sobretudo da ação do Senhor, que trabalha e age sempre com o pouco que lhe podemos oferecer.
Não nos esqueçamos disto: no centro está o Senhor. No centro não estou eu, mas Deus. Na minha terra, diante de um padre presunçoso que se coloca no centro, dizemos: este é um padre yo, me, mí, conmigo, para mí. Eu, me, mim, comigo, para mim. Não! É o Senhor que está no centro. E isto é algo que talvez de manhã, ao nascer do sol, cada pastor, cada consagrado deveria repetir na oração: também no dia de hoje e no desempenho do meu serviço, no centro não estou eu, mas Deus, o Senhor. E digo isto porque há um perigo no mundanismo, um perigo que é a vaidade. Ser “pavão”. Olhar demasiado para si próprio. A vaidade! E a vaidade é um vício feio e com mau cheiro. Ser um pavão.
Porém, o primado da graça divina não significa que podemos dormir descansados sem assumir as nossas responsabilidades. Pelo contrário, devemos pensar em nós mesmos como “cooperadores da graça de Deus” (cf. 1 Cor 3, 9). E assim, caminhando com o Senhor, somos levados cada dia a uma pergunta essencial: como estou a viver o meu sacerdócio, a minha consagração, o meu discipulado? Sou próximo de Jesus?
Quando fazia visitas pastorais na minha outra diocese, encontrei alguns bons padres que trabalhavam muito, mesmo muito. “Diz-me, e tu como fazes à noite?” — “Estou cansado, como qualquer coisa e depois vou para a cama descansar um pouco, ver televisão” — “Mas não vais à capela cumprimentar o teu Chefe?” — “Não...” — “E tu, antes de dormir, rezas uma Ave Maria? Pelo menos, sê educado: passa pela capela e diz: “Olá, muito obrigado, até amanhã”. Não esqueçais o Senhor! O Senhor no princípio, a meio e no final do dia. É Ele o nosso Chefe. E é um Chefe que trabalha mais do que nós! Não vos esqueçais disto.
E faço-vos esta pergunta: como é que eu vivo o discipulado? Fixai-a no vosso coração e não a subestimeis, nem subestimeis a necessidade deste discernimento, deste olhar para dentro, para não sermos “moídos” pelos ritmos e atividades exteriores e para não perdermos a nossa consistência interior. Da minha parte, gostaria de vos deixar um dúplice convite: cuidai de vós mesmos e cuidai dos outros.
O primeiro: cuidai de vós mesmos, porque a vida sacerdotal ou religiosa não é um “sim” que pronunciámos de uma vez para sempre. Com o Senhor, não se vive dos rendimentos adquiridos! Pelo contrário, todos os dias é preciso renovar a alegria do encontro com Ele, em cada momento é preciso escutar de novo a sua voz e tomar a decisão de O seguir, mesmo quando se cai. Levanta-te e olha para o Senhor: “Desculpa-me, ajuda-me a continuar”. Esta proximidade fraterna e filial.
Lembremo-nos disto: a nossa vida exprime-se na oferta de nós mesmos, mas quanto mais um sacerdote, uma religiosa, um religioso se entregam, se gastam e trabalham pelo Reino de Deus, tanto mais necessário se torna que cuidem também de si mesmos. Um padre, uma freira, um diácono que se descuida de si acabará por se descuidar também dos que lhe estão confiados. É por isso que precisamos de uma pequena “regra de vida” — os religiosos já a têm — que inclua um encontro diário com a oração, a Eucaristia, o diálogo com o Senhor, cada um segundo a sua espiritualidade e o seu estilo. E gostaria ainda de acrescentar: guardar alguns momentos de solidão; ter um irmão ou uma irmã com quem podemos partilhar livremente o que trazemos no coração — em tempos, chamava-se diretor espiritual, diretora espiritual — cultivar algo que nos apaixona, e não para passar o tempo livre, mas para descansar saudavelmente das canseiras do ministério. O ministério cansa! É preciso ter medo daquelas pessoas que estão sempre ativas, sempre no centro, que talvez por excesso de zelo nunca descansam, nunca tiram uma pausa para si mesmas. Irmãos, isto não é bom, são necessários espaços e momentos em que cada sacerdote e cada pessoa consagrada cuida de si. E não para fazer um lifting para parecer mais bonito, não, mas para conversar com o Amigo, com o Senhor e sobretudo com a Mãe — não deixeis Nossa Senhora, por favor — para falar da própria vida, de como vão as coisas. E para isso, tende sempre o confessor ou algum amigo que vos conheça bem e com quem possais conversar e fazer um bom discernimento.
E há uma outra coisa que faz parte deste cuidado: a fraternidade entre vós. Há que aprender a partilhar não só as canseiras e os desafios, mas também a alegria e a amizade entre nós: o vosso Bispo diz uma coisa que me agrada muito, ou seja, que é fundamental passar do “Livro das Lamentações” ao “Livro do Cântico dos Cânticos”. Fazemo-lo pouco. Gostamos de lamentações! E se o pobre do bispo se esqueceu do solidéu naquela manhã: “Mas, olha o bispo...”. Pega-se em qualquer coisa para falar mal do bispo. É verdade, o bispo é um pecador como qualquer um de nós. Somos irmãos! Passar do “Livro das Lamentações” para o “Livro do Cântico dos Cânticos”. Isto é importante. Di-lo também um salmo: «Converteste o meu pranto em festa» (Sl 30, 12). Partilhemos entre nós a alegria de ser apóstolos e discípulos do Senhor! A alegria é para ser partilhada. Caso contrário, o lugar que a alegria deve ocupar é ocupado pelo vinagre. É mau encontrar um padre com um coração amargurado. Não é bonito. “Mas porque é que estás assim?” — “Oh, porque o bispo não gosta de mim... Porque nomearam bispo outro e não eu... Porque... Porque...”. As lamentações. Por favor, diante das lamentações e das invejas, parai um pouco. A inveja é um vício perigoso. Peçamos ao Senhor que transforme o nosso lamento em dança, que nos dê o sentido de humor, a simplicidade evangélica.
Segunda coisa: cuidai dos outros. A missão que cada um de vós recebeu tem sempre um único objetivo: levar Jesus aos outros, dar aos corações a consolação do Evangelho. Gosto de recordar aqui o momento em que o Apóstolo Paulo está prestes a regressar a Corinto e, escrevendo à comunidade, diz: «Quanto a mim, de bom grado darei o que tenho e dar-me-ei a mim mesmo totalmente, em vosso favor» (2 Cor 12, 15). Consumir-se pelas almas, consumir-se na oferta de si mesmo por aqueles que nos foram confiados. Vem-me à memória um jovem e santo padre que morreu de cancro há pouco tempo. Vivia num bairro de lata com as pessoas mais pobres. Costumava dizer: “Às vezes apetece-me fechar a janela com tijolos, porque as pessoas vêm a toda a hora e, se eu não venho à porta, batem à janela”. O padre com um coração aberto a todos, sem fazer distinções.
A escuta, a proximidade às pessoas, é também um convite a encontrar, no contexto atual, as vias pastorais mais eficazes para a evangelização. Não tenhais medo de mudar, de rever velhos modelos, de renovar as linguagens da fé, aprendendo que a missão não é uma questão de estratégias humanas, é antes de tudo uma questão de fé. Cuidai dos outros: dos que aguardam a Palavra de Jesus, dos que se afastaram d’Ele, dos que precisam de orientação ou consolação por causa do seu sofrimento. Tomar conta de todos, na formação e sobretudo no encontro. Ir ao encontro das pessoas, onde elas vivem e trabalham, é importante.
E depois, uma coisa que me é tão cara: por favor, perdoai sempre. Perdoai tudo. Perdoai tudo e sempre. Aos padres, digo que, no sacramento da Reconciliação, não façam demasiadas perguntas. Ouvi e perdoai. Um Cardeal — que é um pouco conservador, um pouco quadrado, mas que é um grande padre — dizia numa conferência aos sacerdotes: “Se alguém [na Confissão] começa a gaguejar porque tem vergonha, eu digo-lhe: está bem, compreendi, pode passar a outra coisa. Na realidade, não compreendi nada, mas Ele [o Senhor] compreendeu”. Por favor, não se torturem as pessoas no confessionário: onde, como, quando, com quem... Perdoar sempre, sempre! Há um grande frade capuchinho em Buenos Aires, que eu nomeei cardeal aos 96 anos. Tem sempre uma longa fila de pessoas, porque é um bom confessor. Também eu costumava ir ter com ele. Este confessor disse-me um dia: “Ouve, às vezes fico com escrúpulos por perdoar demasiado” — “E o que fazes? — “Vou rezar e digo: Senhor, desculpa-me, perdoei demasiado. Mas logo a seguir digo: Mas foste Tu que me deste o mau exemplo!”. Perdoar sempre. Perdoar tudo. E isto digo-o também às religiosas e aos religiosos: perdoar, esquecer, quando nos fazem mal, as lutas ambiciosas da comunidade... Perdoar. O Senhor deu-nos o exemplo: perdoar tudo e sempre! A todos, todos, todos. E faço-vos uma confidência: já tenho 55 anos de sacerdócio, fi-los anteontem, e nunca neguei a absolvição. E gosto muito de confessar. Sempre procurei o modo de perdoar. Não sei se é bom, se o Senhor me vai dar.... Mas este é o meu testemunho.
Queridas irmãs e queridos irmãos, agradeço-vos do fundo do coração e desejo-vos um ministério cheio de esperança e alegria. Mesmo nos momentos de cansaço e desânimo, não vos deixeis abater. Voltai o vosso coração para o Senhor. Não vos esqueçais de chorar diante do Senhor! Ele manifesta-se e deixa-se encontrar na medida em que cuidardes de vós mesmos e dos outros. Deste modo, Ele oferece a consolação àqueles que chamou e enviou. Segui em frente com coragem: encher-vos-á de alegria!
Dirijamo-nos agora em oração à Virgem Maria. Nesta Catedral, dedicada à sua Assunção ao Céu, o povo fiel venera-a como Padroeira e Mãe da Misericórdia, a “Madunnuccia”. Desta ilha do Mediterrâneo, elevamos-lhe a súplica pela paz: paz para todas as terras banhadas por este mar, especialmente para a Terra Santa onde Maria deu à luz Jesus. Paz para a Palestina, para Israel, para o Líbano, para a Síria, para todo o Médio Oriente! Paz para o martirizado Mianmar. Que a Santa Mãe de Deus alcance a tão desejada paz para o povo ucraniano e para o povo russo. São irmãos — “Não, padre, são primos!” — São primos, irmãos, não sei, mas que se entendam! A Paz! Irmãos, irmãs, a guerra é sempre uma derrota. Também a guerra nas comunidades religiosas, a guerra nas paróquias é sempre uma derrota, sempre! Que o Senhor nos dê a todos a paz.
E rezemos pelas vítimas do ciclone que atingiu o arquipélago de Maiote nas últimas horas. Estou espiritualmente próximo de todos aqueles que foram atingidos por esta tragédia.
E agora, todos juntos, rezemos o Angelus.
Angelus Domini...