Conta-se que são Filipe Neri costumava dizer ao amigo César Baronio, fundador da historiografia católica: vem pelo menos uma vez por mês ensinar a história da Igreja aos nossos alunos, porque já não a conhecem e, se não se sabe a história, acabar-se-á por deixar de conhecer a fé. Esta atenção ao estudo da história é mais atual do que nunca, e a Carta publicada pelo Papa Francisco deixa-o bem claro. Tal como na Carta anterior, de agosto passado, dedicada à importância da literatura, o Sucessor de Pedro fala, em primeiro lugar, aos sacerdotes, pensando na sua formação, mas chama a atenção para um tema que não interessa apenas a eles.
Estudar a história da Igreja é uma forma de preservar a memória e construir o futuro. E é a melhor maneira para interpretar a realidade que nos rodeia. Educar as jovens gerações a aprofundar o passado, a não confiar em slogans simplificadores, a mover-se no labirinto de milhões de “notícias” muitas vezes falsas ou, pelo menos, tendenciosas e incompletas, é uma missão que nos diz respeito a todos. As palavras de são Filipe Neri insistem na peculiar ligação da fé cristã com a história. A encarnação, morte e ressurreição do Filho de Deus é um acontecimento que divide a história da humanidade em duas — entre um antes e um depois. A fé católica não é antes de mais ideia, filosofia, moral, mas relação, vida, consistência, história. Nós somos cristãos graças a um testemunho que foi transmitido de mãe para filho, de pai para filha, de avós para netos. E indo atrás nesta cadeia, chegamos às primeiras testemunhas, os apóstolos, que partilharam, dia após dia, toda a vida pública de Jesus.
Este amor pela história, acompanhado pelo olhar de fé, leva-nos a observar com atenção também as páginas menos nobres e mais sombrias do passado da Igreja. «Estudai sem preconceitos, porque a Igreja não precisa da mentira, mas apenas da verdade», disse Leão xiii ao abrir o então Arquivo Secreto do Vaticano, em 1889.
É claro que aprofundar a história nos coloca em contacto com as “manchas” e “rugas” do passado. Francisco explica que «a história da Igreja nos ajuda a olhar para a Igreja real, para podermos amar aquela que existe verdadeiramente e que aprendeu e continua a aprender com os seus erros e quedas». Reconhecendo-se a si mesma, também nos seus momentos obscuros, torna-a capaz de compreender «as manchas e feridas» do mundo de hoje.
O olhar do Papa está, portanto, muito distante de qualquer preocupação apologética, que visa apresentar uma realidade edulcorada; bem como das tendências ideológicas que, pelo contrário, pintam a Igreja como uma espelunca de malfeitores.
Na realidade, uma Igreja que saiba verdadeiramente confrontar-se com cada prega do seu passado mais facilmente permanece humilde, porque consciente de que é o Senhor que salva a humanidade, e não as estratégias de marketing pastoral ou o protagonismo desta ou daquela personagem da moda.
Andrea Tornielli