· Cidade do Vaticano ·

Não há mais tempo para a indiferença

A man carrying his livestock wades through flood waters in Feni, in south-eastern Bangladesh, on ...
14 novembro 2024

Publicamos a mensagem do Santo Padre, pronunciada na quarta-feira, dia 14 de novembro, pelo cardeal secretário de Estado Pietro Parolin, na xxix Sessão da Conferência dos Estados partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (C op 29), que decorre em Baku de 11 a 22 de novembro.

Senhor Presidente
Distintos Chefes de Estado e de Governo
Senhoras e Senhores!

Em nome do Papa Francisco, saúdo cordialmente todos vós e asseguro-vos a sua proximidade, apoio e encorajamento para que a C op 29 consiga demonstrar que existe uma comunidade internacional disposta a olhar para além dos particularismos e a colocar no centro o bem da humanidade e da nossa casa comum, que Deus confiou ao nosso cuidado e responsabilidade.

Os dados científicos de que dispomos não permitem mais atrasos e mostram claramente que a preservação da criação é uma das questões mais urgentes do nosso tempo. Devemos reconhecer também que está intimamente ligada à preservação da paz.

A C op 29 ocorre num contexto condicionado pela crescente desilusão em relação às instituições multilaterais e crescentes tendências a construir muros. O egoísmo — individual, nacional e dos grupos de poder — alimenta um clima de desconfiança e divisão que não responde às necessidades de um mundo interdependente, no qual deveríamos agir e viver como membros de uma só família que habita a mesma aldeia global interligada (1).

«A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos» (2). O desenvolvimento económico não reduziu as desigualdades. Pelo contrário, favoreceu a priorização do lucro e dos interesses particulares em detrimento da proteção dos mais fracos e contribuiu para o agravamento progressivo dos problemas ambientais.

Para inverter a tendência e criar uma cultura de respeito pela vida e pela dignidade da pessoa humana, é necessário compreender que as consequências nefastas dos estilos de vida afetam todos, e em conjunto moldar o futuro para «procurar que as soluções sejam propostas a partir duma perspetiva global e não apenas para defesa dos interesses de alguns países» (3).

Que o princípio das «responsabilidades comuns, mas diferenciadas e respetivas capacidades» (4) possa guiar e inspirar o trabalho destas semanas. Deixai que as responsabilidades históricas e presentes se tornem compromissos concretos e clarividentes para o futuro, de modo que destas semanas de trabalho possa emergir um Novo objetivo coletivo quantificado de financiamento climático, que é um dos mais urgentes desta Conferência.

É necessário envidar esforços para encontrar soluções que não comprometam ainda mais o desenvolvimento e a capacidade de adaptação de muitos países, sobre os quais já recai o peso de uma dívida económica opressiva. Quando se discute o financiamento climático, é importante recordar que a dívida ecológica e a dívida externa são duas faces da mesma moeda que hipotecam o futuro.

Nesta ótica, gostaria de reiterar o apelo feito pelo Papa Francisco em vista do Jubileu ordinário do ano 2025, dirigindo-se às nações mais ricas «para que reconheçam a gravidade de tantas decisões tomadas e estabeleçam o perdão das dívidas de países que nunca as poderiam pagar. Mais do que magnanimidade, é uma questão de justiça, agravada hoje por uma nova forma de iniquidade de que nos apercebemos: “Com efeito, há uma verdadeira ‘dívida ecológica’, particularmente entre o Norte e o Sul, ligada a desequilíbrios comerciais com consequências no âmbito ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos naturais efetuado historicamente por alguns países”» (5).

De facto, é essencial procurar uma nova arquitetura financeira internacional que esteja centrada nas pessoas (6), que seja audaz, criativa e baseada nos princípios da equidade, justiça e solidariedade. Uma nova arquitetura financeira internacional que possa verdadeiramente assegurar a todos os países, especialmente aos mais pobres e aos mais vulneráveis às catástrofes climáticas, vias de desenvolvimento com baixas emissões de carbono e com elevada partilha, que permitam a todos atingir o pleno potencial e ver a própria dignidade respeitada. Dispomos dos recursos humanos e tecnológicos para inverter o rumo e prosseguir o círculo virtuoso de um desenvolvimento integral que seja verdadeiramente humano e inclusivo (7). Trabalhemos juntos para garantir que a C op 29 reforce também a vontade política de canalizar tais recursos para este nobre objetivo, para o bem comum da humanidade de hoje e de amanhã. Devemos encontrar a nossa esperança na capacidade da humanidade, no facto de que «sempre podemos mudar de rumo, sempre podemos fazer alguma coisa para resolver os problemas» (8). Devemos esperar «que a humanidade dos inícios do século xxi possa ser lembrada por ter assumido com generosidade as suas graves responsabilidades» (9).

Reitero o empenho e o apoio da Santa Sé neste esforço, especialmente no campo da educação para a ecologia integral e na sensibilização para a questão ambiental como «problema humano e social em sentido amplo e a diversos níveis» (10), que exige, antes de mais, um compromisso claro, onde a responsabilidade, a aquisição de conhecimentos e a participação de cada pessoa são fundamentais.

Não podemos passar «pelo caminho olhando para o outro lado» (11). A indiferença é cúmplice da injustiça. Por isso, peço que, tendo em mente o bem comum, possamos desmascarar os mecanismos de autojustificação que tantas vezes nos paralisam: o que posso fazer? Como posso contribuir?

Hoje não há tempo para a indiferença. Não podemos lavar as nossas mãos, permanecendo distantes, desatentos, desinteressados. Este é o verdadeiro desafio do nosso século.

Para um acordo ambicioso, para cada iniciativa e processo que visam um desenvolvimento verdadeiramente inclusivo, asseguro-vos o meu apoio e o do Santo Padre, a fim de prestar um serviço eficaz à humanidade, para que todos possamos assumir a responsabilidade de salvaguardar não só o nosso futuro, mas também o de todos.

Obrigado!

(1) Cf. Papa Francisco, Audiência geral, 2 de setembro de 2020.

(2) Bento xvi , Carta encíclica Caritas in veritate, 29 de junho de 2009, n. 19.

(3) Papa Francisco, Carta encíclica Laudato si’, 24 de maio de 2015, 164.

(4) Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, art. 3.1 art. 4.1; Acordo de Paris, art. 2.2.

(5) Papa Francisco, Spes non confundit, 9 de maio de 2024, n. 16, citando a Carta encíclica Laudato si’, 24 de maio de 2015, n. 51.

(6) Cf. São Paulo vi , Carta encíclica Populorum progressio, 26 de março de 1967, n. 14.

(7) Cf. Ibidem.

(8) Papa Francisco, Carta encíclica Laudato si’, 24 de maio de 2015, n. 61.

(9) Ibidem, n. 165.

(10) Papa Francisco, Exortação apostólica Laudate Deum, 4 de outubro de 2023, n. 58.

(11) Cf. Papa Francisco, Carta encíclica Fratelli tutti, 3 de outubro de 2020, n. 75