«Equilíbrios seculares entre o trabalho humano e a natureza foram alterados por formas predatórias» em desvantagem de quantos «durante séculos guardaram as riquezas do mar» escreveu o cardeal Michael Czerny, prefeito do Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral na mensagem por ocasião do Dia mundial da pesca, que se celebra a 21 de novembro.
«Fervilhem as águas de seres vivos» (Gn 1, 20)
Caros irmãos e irmãs!
Frequentemente na Sagrada Escritura, as grandes águas são um símbolo da instabilidade e da inquietação que experimentam os seres humanos. O povo de Deus, pelo contrário, está unido por uma esperança: a aliança entre o céu e a terra é estável e faz com que até o mar possa ser atravessado. Essas são imagens que falam à inteligência e ao coração, mudando a nossa perceção do esforço quotidiano e dos desafios que temos pela frente. O Dia mundial da pesca, que se celebra anualmente, é uma ocasião especial para aprofundar a nossa relação com a “irmã água” e com o desenvolvimento humano integral de todos.
O trabalho dos pescadores, um dos mais antigos da humanidade, sofreu profundas mudanças em grande parte do nosso planeta. Pode-se dizer que as feridas infligidas à nossa casa comum por um modelo económico agressivo e que divide afetam diretamente a vida e o futuro de milhões de seres humanos que vivem da pesca. Equilíbrios seculares entre o trabalho humano e a natureza foram perturbados por formas predatórias de implementação de tecnologias e lucros em benefício de uma minoria cada vez mais influente e poderosa, desinteressada dos efeitos a médio e longo prazo desta economia assassina. Assim, a palavra do Criador «Fervilhem as águas de seres vivos» (Gn 1, 20) é esmagada pela pesca excessiva e arrancada daqueles que durante séculos guardaram as riquezas do mar, dos rios e dos grandes lagos.
A Igreja participa das alegrias e das esperanças, mas também das tristezas e das angústias de uma humanidade chamada, neste momento da história, a redescobrir a fraternidade como dimensão social e política, a cultura do encontro como alternativa à globalização da indiferença. Os cristãos não podem, portanto, virar as costas quando ecossistemas inteiros são ameaçados por formas de trabalho que os devastam e empobrecem até à fome populações já tão afetadas por desigualdades e conflitos. A assembleia sinodal, recentemente concluída, representou uma oportunidade extraordinária de escuta mútua e de crescimento na consciência de que, nestes desafios, a missão da Igreja se torna cada vez mais clara.
A todos aqueles que reconhecem as consequências de um perverso paradigma de desenvolvimento, gostaria de recordar as palavras recentemente dirigidas pelo Santo Padre Francisco aos movimentos populares: «Saístes da passividade e do pessimismo, não vos deixeis abater pela dor e resignação. Não aceitastes ser vítimas dóceis. Reconhecestes-vos como sujeitos, como protagonistas da História. Esta é, talvez, a vossa contribuição mais bela: não recueis, ide em frente».1 Assim, a Igreja quer demonstrar o seu acompanhamento e o seu apoio a todos os pescadores do mundo.
Há de existir e ser alcançado um desenvolvimento tecnológico que reforce a dignidade e a segurança do trabalho, restabelecendo o justo equilíbrio entre as pessoas, o trabalho e o ambiente. De igual modo, os legisladores podem-se distanciar dos grandes interesses de alguns, para intervir a favor das pequenas comunidades, das empresas familiares e das organizações de pescadores que, com as devidas garantias, podem contribuir mais direta e eficazmente para o bem comum. Eles têm, realmente, uma vocação para o cuidado do mar que deve ser apoiada numa perspetiva de ecologia integral generalizada e popular. Tal sensibilidade coloca, justamente, os pescadores entre os membros do Corpo de Cristo que cooperam na criação de um mundo mais fiel aos sonhos de Deus.
Não esqueçamos, como homens e mulheres de esperança, o poder silencioso da oração, que deve acompanhar sempre o compromisso com a justiça. Suplicava o Papa Francisco: «rezo para que quantos são economicamente poderosos saiam do isolamento, rejeitem a falsa segurança do dinheiro e se abram para compartilhar bens que têm um destino universal, porque todos derivam da Criação. Todos os bens derivam daí; todos os bens têm um destino universal. É difícil que isto aconteça, é difícil, mas a Deus tudo é possível».2 Também nós rezamos assim, confiando à intercessão de Maria, Stella Maris, as preocupações e os anseios dos pescadores e de todos aqueles que beneficiam do seu trabalho.
1 Francisco, Encontro dos Movimentos populares, promovido pelo Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral (20 de setembro de 2024).
2 Ibid.