· Cidade do Vaticano ·

Aos Missionários de São Carlos recebidos em audiência na Sala do Consistório

Caminhar juntos, “migrantes entre os migrantes” com esperança na caridade

 Caminhar juntos, “migrantes entre os migrantes”  com esperança na caridade  POR-044
31 outubro 2024

Superar «estereótipos excludentes, para reconhecer no outro, seja ele quem for e venha de onde vier, um dom de Deus, único, sagrado, inviolável, precioso para o bem de todos»: eis o convite que o Papa Francisco dirigiu na manhã de 28 de outubro aos Missionários de São Carlos, recebidos em audiência na Sala do Consistório. Inspirando-se no tema jubilar «Peregrinos de esperança», que orientou os trabalhos do xvi Capítulo geral da ordem fundada por São João Batista Scalabrini, o Santo Padre fez uma reflexão abordando três aspetos peculiares da missão: os migrantes, «mestres de esperança»; a necessidade de uma pastoral “ad hoc”; e uma caridade concreta, «que volte a colocar no centro a pessoa, os seus direitos, a sua dignidade».

Prezados irmãos, bem-vindos!

Saúdo o Superior-geral e todos vós. Estou muito feliz por me encontrar convosco, por ocasião do vosso xvi Capítulo Geral. Celebrai-lo na véspera do Ano Santo e é bom que, na programação da futura pastoral missionária e caritativa a favor dos migrantes, tenhais desejado inspirar-vos no tema do Jubileu: “Peregrinos de esperança”. Então, podemos refletir juntos a respeito desta virtude, referindo-nos a três aspetos do vosso serviço: os migrantes, o ministério pastoral e a caridade.

Primeiro: os migrantes. Eles são mestres de esperança. Sou filho de migrantes e, em casa, sempre vivemos aquela sensação de ir para lá a fim de fazer a América, para progredir, para ir mais longe. Partem, esperando “encontrar alhures o pão de cada dia” — como dizia São João Batista Scalabrini — e não se rendem, nem sequer quando tudo parece “remar contra”, até quando encontram fechamentos e rejeições. A sua tenacidade, muitas vezes sustentada pelo amor às famílias deixadas na pátria, ensina-nos muito, sobretudo a vós que, “migrantes entre os migrantes” — como vos queria o vosso fundador — partilhais o seu caminho. Assim, através da dinâmica do encontro, do diálogo, do acolhimento de Cristo presente no estrangeiro, cresceis com eles, solidários uns com os outros, abandonados «em Deus e só em Deus». Não vos esqueçais do Antigo Testamento: a viúva, o órfão e o estrangeiro. Trata-se dos privilegiados de Deus. A busca de futuro que anima o migrante exprime, de resto, uma necessidade de salvação que une todos, independentemente da raça ou da condição. Aliás, a “itinerância”, corretamente compreendida e vivida, pode tornar-se, até na dor, uma preciosa escola de fé e de humanidade, tanto para quem assiste como para quem é assistido (cf. Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 2019, 27 de maio de 2019). Não esqueçamos que a própria história da salvação é uma história de migrantes, de povos a caminho.

E isto leva-nos ao segundo ponto: a necessidade de uma pastoral da esperança. Com efeito, se por um lado a migração, com o devido apoio, pode tornar-se um momento de crescimento para todos, por outro, se for vivida na solidão e no abandono, pode degenerar em dramas de desenraizamento existencial, de crise de valores e perspetivas, a ponto de levar à perda da fé e ao desespero. As injustiças e violências pelas quais passam tantos dos nossos irmãos e irmãs, arrancados das suas casas, são muitas vezes tão desumanas que podem arrastar até os mais fortes para a escuridão do desânimo ou da resignação sombria. Não esqueçamos que o migrante deve ser acolhido, acompanhado, promovido e integrado. A fim de que neles não esmoreçam a força e a resiliência necessárias para continuar o caminho empreendido, é preciso que alguém se debruce sobre as suas feridas, cuidando da sua extrema vulnerabilidade física, mas também vulnerabilidade espiritual e psicológica. São necessárias sólidas intervenções pastorais de proximidade, a nível material, religioso e humano, para sustentar neles a esperança e, com ela, os percursos interiores que conduzem a Deus, fiel companheiro de caminho, sempre presente ao lado de quem sofre (cf. Bento xvi , Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado 2013, 12 de outubro de 2012). E hoje em dia muitos países precisam de migrantes. A Itália não tem filhos, não tem filhos. A idade média é de 46 anos. A Itália precisa de migrantes e deve acolhê-los, acompanhá-los, promovê-los e integrá-los. Devemos dizer esta verdade!

E assim chegamos ao terceiro ponto: a caridade. Na iminência do Jubileu de 1900, São João Batista Scalabrini dizia: «O mundo geme sob o peso de grandes catástrofes». São palavras graves, mas infelizmente ainda hoje soam muito atuais. Com efeito, até hoje quem parte fá-lo muitas vezes devido às trágicas e injustas desigualdades de oportunidades, democracia e futuro, ou por causa dos devastadores cenários de guerra que assolam o planeta. A isto acrescentam-se o fechamento e a hostilidade dos países ricos, que veem em quantos batem à porta uma ameaça ao próprio bem-estar. Vemos isto também aqui: há o escândalo de que para a colheita de maçãs no norte trazem migrantes da Europa Central, mas depois mandam-nos embora. Utilizam-nos para a colheita de maçãs e depois mandam-nos embora. Isto acontece hoje. Assim, no confronto dramático entre os interesses dos que protegem a sua prosperidade e a luta daqueles que procuram sobreviver, fugindo da fome e da perseguição, perdem-se muitas vidas humanas, sob o olhar indiferente dos que se limitam a assistir ao espetáculo, ou pior, especulam sobre a pele de quantos sofrem. Na Bíblia, uma das leis do Jubileu era a restituição da terra a quem a tinha perdido (cf. Lv 25, 10-28). Hoje, este ato de justiça pode concretizar-se, noutro contexto, numa caridade que volte a colocar no centro a pessoa, os seus direitos, a sua dignidade (cf. S. João Paulo ii , Discurso aos participantes no iv Congresso mundial promovido pelo Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, 9 de outubro de 1998, 2), superando estereótipos excludentes, para reconhecer no outro, quem quer que seja e de onde quer que venha, um dom de Deus, único, sagrado, inviolável, precioso para o bem de todos.

Amados irmãos, o carisma scalabriniano está vivo na Igreja: é o que testemunham muitos jovens que, de vários países do mundo, continuam a unir-se a vós. Sede gratos ao Senhor pela vocação que recebestes. Aliás, se quiserdes que o Capítulo se torne ocasião para aprofundar e renovar a vossa vida e missão, fazei dele, sobretudo um momento de humilde e alegre ação de graças diante da Eucaristia, de Jesus crucificado e de Maria, Mãe dos migrantes, como vos ensinou São João Batista Scalabrini. É só a partir daí que se começa a caminhar juntos, com esperança, na caridade (cf. Ef 5, 2).

E, foi pensando em vós que eu quis criar um Cardeal [Pe. Fabio Baggio]. Teria desejado criá-lo antes, mas ele não aceitava. Agora, por obediência, aceitou. E com ele, aqui em Roma haverá dois Cardeais Scalabrinianos. Considerai-o como um gesto de estima, de grande estima. Já vos conheço da outra diocese e sei como trabalhais, muito!

Obrigado pelo imenso trabalho que levais a cabo! Abençoo-vos, rezo por vós e, recomendo-vos, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!