«Aqui somos mendigos da misericórdia do Pai, pedindo perdão». O Papa Francisco começou por citar o livro do Eclesiástico, no final da tarde de 1 de outubro, presidindo à Vigília penitencial que encerrou o período de aproximação e preparação para a segunda sessão da xvi Assembleia geral do Sínodo dos bispos, que teve início na manhã do dia seguinte. O bispo de Roma recordou a importância, para se tornar Igreja sinodal, de curar as «relações doentias». Depois da leitura de uma passagem do profeta Isaías (58, 1-14), o momento dos testemunhos foi tocante: vozes que narraram três dramas diferentes e distantes, mas unidos pela dor. Os dramas do abuso, das migrações, da guerra. Precedentemente, sete cardeais leram os pedidos de perdão. A seguir, a reflexão do Pontífice.
Queridos irmãos e irmãs!
Como nos recorda o Livro do Ben Sirá, «a oração do humilde penetrará as nuvens» (Sr 35, 17).
Encontramo-nos aqui como mendigos da misericórdia do Pai, pedindo perdão.
A Igreja é sempre a Igreja dos pobres em espírito e dos pecadores à procura de perdão, não apenas dos justos e dos santos; ou melhor, Igreja dos justos e dos santos que se reconhecem pobres e pecadores.
Quis escrever os pedidos de perdão que foram lidos por alguns cardeais, porque era necessário chamar pelo nome os nossos maiores pecados. Nós escondemo-los ou dizemo-los com palavras demasiado polidas.
O pecado é sempre uma ferida nas relações: na relação com Deus e na relação com os outros. Irmãs e irmãos, ninguém se salva sozinho; e é igualmente verdade que o pecado de um tem efeitos sobre muitos: como tudo está ligado no bem, assim também está ligado no mal.
A Igreja, na sua essência, é uma Igreja de fé e anúncio sempre relacional, e só curando as relações doentes é que nos podemos tornar Igreja sinodal. Como poderemos ser críveis na missão, se não reconhecermos os nossos erros e não nos inclinamos para curar as feridas causadas com os nossos pecados?
E a cura da ferida começa com a confissão do pecado que cometemos.
A parábola do Evangelho de Lucas que ouvimos apresenta-nos dois homens, um fariseu e um publicano, e ambos vão ao templo para rezar. Um fica de pé, com a cabeça erguida, o outro permanece à distância, de olhos baixos.
Com a sua estatura que atrai as atenções, o fariseu enche toda a cena, impondo-se como um modelo. E assim presume rezar, mas na realidade está a celebrar-se a si próprio, mascarando as suas fragilidades com a sua confiança efémera. O que é que espera de Deus? Espera uma recompensa pelos seus méritos e, deste modo, priva-se da surpresa da gratuidade da salvação, fabricando um deus que não poderia fazer mais do que assinar um certificado de perfeição presumida. Um homem fechado à surpresa, a todas as surpresas; inteiramente fechado em si mesmo, fechado à grande surpresa da misericórdia. O seu ego não dá espaço a nada, a ninguém, nem sequer a Deus.
Quantas vezes, na Igreja, nos comportamos assim? Quantas vezes nós próprios ocupamos o espaço todo, com as nossas palavras, os nossos juízos, os nossos títulos, a nossa convicção de ter apenas méritos? E, assim, perpetuamos o que aconteceu a José e a Maria, com o Filho de Deus no seu seio, quando bateram às portas da hospitalidade. Como nos diz o Evangelho, Jesus nasceu numa manjedoura «por não haver lugar para eles na hospedaria» (Lc 2, 7).
Hoje, todos nós somos como o publicano: temos ou desejamos ter os olhos baixos, e sentimos, desejamos sentir vergonha dos nossos pecados. Como ele, mantemo-nos à distância, deixando o espaço ocupado pela presunção, a hipocrisia e o orgulho. E digamo-lo também nós, bispos, sacerdotes, consagrados e consagradas: deixando o espaço ocupado pela presunção, pela hipocrisia e pelo orgulho.
Não poderemos invocar o nome de Deus sem pedir perdão aos nossos irmãos e irmãs, à Terra e a todas as criaturas.
Começamos esta fase do Sínodo. Mas, como podemos ser uma Igreja sinodal sem reconciliação? Como podemos afirmar que queremos caminhar juntos sem receber e dar o perdão que restabelece a comunhão em Cristo?
O perdão, pedido e dado, gera uma nova concórdia na qual as diferenças não se opõem, e o lobo e o cordeiro conseguem viver juntos (cf. Is 11, 6). É corajoso o exemplo apresentado por Isaías!
Diante do mal e do sofrimento inocente, perguntamos: onde estás, Senhor? Mas a pergunta deve ser dirigida a nós, e devemos interrogar-nos sobre a responsabilidade que temos quando não conseguimos parar o mal com o bem. Não podemos pretender resolver os conflitos alimentando uma violência cada vez mais atroz, nem redimir-nos causando dor, nem salvar-nos provocando a morte dos outros. Como é que podemos buscar uma felicidade paga com o preço da infelicidade dos nossos irmãos e irmãs? E isto é válido para todos: leigas, leigos, consagradas, consagrados. Todos!
Na véspera do início da Assembleia sinodal, a confissão é uma oportunidade para restabelecer a confiança dentro da Igreja e na Igreja, uma confiança destruída pelos nossos erros e pecados, e para começar a sarar as feridas que não param de sangrar, quebrando «as cadeias da maldade» (cf. Is 58, 6).
Dizemo-lo na oração Adsumus, com a qual introduziremos amanhã a celebração do Sínodo: “Eis-nos aqui oprimidos pelo enorme peso do nosso pecado”. E não gostaríamos que este fardo atrasasse o caminho do Reino de Deus na história.
Nós fizemos a nossa parte, também com erros, e continuamos na missão até onde podemos. Mas agora dirigimo-nos a vós, jovens, que esperais a nossa passagem de testemunho, pedindo-vos também perdão se não fomos testemunhas credíveis.
E hoje, na memória litúrgica de Santa Teresinha do Menino Jesus, padroeira das missões, peçamos a sua intercessão.
Breve pausa de silêncio. Todos os presentes inclinaram a cabeça. Depois, o Santo Padre retomou a palavra, proferindo a seguinte oração.
Pai, estamos aqui reunidos conscientes da necessidade do vosso olhar amoroso. As nossas mãos estão vazias: apenas podemos receber o que Vós nos derdes. Perdoai-nos por todos os nossos pecados, ajudai-nos a restaurar o vosso rosto que desfiguramos com a nossa infidelidade. Sentindo vergonha, pedimos perdão a quem ficou ferido por causa dos nossos pecados.
Dai-nos a coragem de um arrependimento sincero para a conversão.
Vo-lo pedimos, invocando o Espírito Santo, para que encha os corações que criastes com a sua Graça, em Cristo Jesus, Senhor nosso. Todos vos pedimos perdão; todos somos pecadores mas, Senhor, todos temos esperança no vosso Amor. Amém!