O Papa Francisco pronunciou o primeiro discurso em Singapura na manhã de 12 de setembro. Fê-lo após a visita de cortesia ao presidente da República e o encontro com o primeiro-ministro na Parliament House. Em seguida, o bispo de Roma foi ao nus University Cultural Centre, onde teve lugar o encontro com as autoridades, a sociedade civil e os membros do corpo diplomático. Publicamos em seguida o texto do discurso do Pontífice, proferido após a saudação que lhe foi dirigida pelo chefe de Estado.
Senhor Presidente
Senhor Primeiro-Ministro
Distintas Autoridades
Ilustres representantes
da sociedade civil
Membros do Corpo Diplomático!
Agradeço ao Senhor Presidente as amáveis palavras de boas-vindas que gentilmente me dirigiu e que reavivam em mim a gratidão pela sua recente visita ao Vaticano. Estou grato a todas as Autoridades pelo acolhimento cordial nesta cidade-Estado, eixo comercial de grande importância e lugar de encontro entre povos diferentes.
Quem aqui chega pela primeira vez não pode deixar de ficar impressionado com a floresta de moderníssimos arranha-céus que parecem emergir do mar. São um testemunho claro do engenho humano, do dinamismo da sociedade de Singapura e da argúcia empresarial, que encontraram aqui um terreno fértil para se exprimirem.
A história de Singapura é uma história de crescimento e resiliência. De origens humildes, esta Nação alcançou um elevado nível de desenvolvimento, demonstrando que este é fruto de decisões racionais e não do acaso: é o resultado de um empenho constante na realização de projetos e iniciativas bem ponderados e em sintonia com as caraterísticas específicas do local. Precisamente nestes dias, assinala-se o 101º aniversário do nascimento de Lee Kuan Yew que, tendo sido o primeiro a ocupar, entre 1959 e 1990, o cargo de Primeiro-Ministro de Singapura deu um forte impulso ao rápido crescimento e transformação do país.
É também importante que Singapura não tenha apenas prosperado economicamente, mas se tenha esforçado por construir uma sociedade em que a justiça social e o bem comum são tidos em grande consideração. Estou a pensar, em particular, na vossa dedicação à melhoria das condições de vida dos cidadãos com políticas sobre a habitação pública, uma educação de elevada qualidade e um sistema de saúde eficiente. Espero que estes esforços continuem a ser feitos até que todos os singapurenses se encontrem plenamente envolvidos.
A este respeito, gostaria de chamar a atenção para o risco que comportam um certo pragmatismo e exaltação do mérito, com a consequência não intencional de se legitimar a exclusão dos que se encontram à margem dos benefícios do progresso.
Neste âmbito, reconheço e louvo as várias políticas e iniciativas postas em prática, tanto para apoiar os mais frágeis — e faço votos que seja dada especial atenção aos pobres e aos idosos cujo trabalho lançou as bases da Singapura de hoje — como para proteger a dignidade dos trabalhadores migrantes, que tanto contribuem para a construção da sociedade e a quem deve ser garantido um salário justo.
As sofisticadas tecnologias da era digital e os rápidos desenvolvimentos na utilização da inteligência artificial não podem fazer-nos esquecer que é essencial cultivar relações humanas reais e concretas, e que essas tecnologias, promovendo a compreensão e a solidariedade, podem ser aproveitadas precisamente para nos aproximarmos uns dos outros em vez de nos isolarmos perigosamente numa realidade fictícia e intangível.
Singapura é um mosaico de etnias, culturas e religiões que vivem em harmonia. É muito importante esta palavra: harmonia. A conquista e a preservação desta inclusão positiva são facilitadas pela imparcialidade das autoridades públicas, empenhadas num diálogo construtivo com todos, permitindo que cada um dê o seu contributo único para o bem comum e não consentindo que o extremismo e a intolerância ganhem força e coloquem em perigo a paz social. O respeito mútuo, a cooperação, o diálogo e a liberdade de professar o próprio credo no respeito pela lei comum são condições determinantes para o êxito e a estabilidade de Singapura, pré-requisitos para um desenvolvimento não conflituoso nem caótico, mas equilibrado e sustentável.
Desde os primórdios da sua presença, a Igreja católica em Singapura procurou dar uma colaboração muito específica para o progresso desta Nação, especialmente nos domínios da educação e dos cuidados de saúde, contando com o espírito de sacrifício e a dedicação dos missionários e dos fiéis. Sempre inspirada pelo Evangelho de Jesus Cristo, a comunidade católica está também na linha de frente no que respeita às obras de caridade, contribuindo significativamente para os esforços humanitários e gerindo, para o efeito, várias instituições de saúde e muitas organizações humanitárias, entre as quais a Cáritas que todos conhecemos.
Além disso, segundo as indicações da Declaração Nostra aetate do Concílio Vaticano ii sobre as relações com as religiões não cristãs, a Igreja tem promovido constantemente o diálogo inter-religioso e a cooperação entre as diferentes comunidades religiosas, num espírito de abertura e respeito mútuo, que são fundamentais para a construção de uma sociedade justa e pacífica.
Esta minha visita realiza-se quarenta e três anos após o estabelecimento das relações diplomáticas entre a Santa Sé e Singapura. O objetivo é confirmar os católicos na fé, exortando-os a prosseguir alegres e dedicados na sua colaboração com todos os homens e mulheres de boa vontade, para construírem uma sociedade civil sã e coesa, em favor do bem comum e de um testemunho cristalino da própria fé.
Singapura tem um papel específico a desempenhar — e não esqueçamos isso — na ordem internacional, que está hoje ameaçada por conflitos e guerras sangrentas, e congratulo-me por se ter promovido com mérito o multilateralismo e uma ordem baseada em regras partilhadas por todos. Encorajo-vos a prosseguir o trabalho a favor da unidade e da fraternidade entre os homens, visando o bem comum de todos, de cada povo e Nação, com um critério que não seja excludente nem estreitamente centrado nos interesses nacionais.
Permitam-me também recordar o papel da família, que é o primeiro lugar onde cada um aprende a relacionar-se, a ser amado e a amar. Nas condições sociais atuais, os alicerces sobre os quais as famílias são construídas tornam-se objeto de discussão e correm o risco de ser enfraquecidos. As famílias precisam de ser apoiadas de modo a poderem transmitir os valores que dão sentido e forma à vida, e ensinar os jovens a formar relações sólidas e saudáveis. É louvável, portanto, o esforço de promoção, proteção e apoio à unidade familiar através do trabalho de várias instituições.
Não podemos esconder que hoje vivemos uma crise ambiental e não devemos subestimar o papel que uma pequena Nação como Singapura pode ter neste contexto. A vossa localização única dá-vos acesso a capital, tecnologia e talento, recursos que podem orientar a inovação de modo a cuidar da saúde da nossa casa comum.
O vosso empenho no desenvolvimento sustentável e na proteção da natureza é um exemplo a seguir, e a procura de soluções inovadoras para os desafios ambientais pode incentivar outros países a fazer o mesmo. Singapura é um exemplo brilhante do que a humanidade pode alcançar se trabalhar em conjunto, em harmonia, com sentido de responsabilidade e num espírito de inclusão e fraternidade. E isto, de certo modo, resume a vossa atitude: trabalhar juntos, em harmonia, com sentido de responsabilidade e num espírito de fraternidade e inclusão. Encorajo-vos a prosseguir neste caminho, confiando na promessa de Deus e no seu amor paternal por todos.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores, que Deus vos ajude a responder às necessidades e expetativas do vosso povo, e vos dê a coragem de experimentar que, através de quem permanece humilde e agradecido, Ele pode realizar grandes coisas em benefício de todos.
Deus abençoe Singapura!