Na tarde de 5 de setembro, memória de Santa Teresa de Calcutá, o Papa Francisco celebrou a santa missa no estádio Gelora Bung Karno de Jacarta, último encontro público da etapa indonésia da viagem à Ásia e à Oceânia. A seguir, a homilia pronunciada pelo Pontífice.
O encontro com Jesus convoca-nos a viver duas atitudes fundamentais, que nos permitem tornarmo-nos seus discípulos. A primeira atitude: escutar a Palavra; a segunda: viver a Palavra. Primeiro escutar, porque tudo nasce da escuta, da abertura a Ele, do acolhimento do dom precioso da sua amizade. Mas depois é importante viver a Palavra recebida, para não sermos meros ouvintes que se enganam a si mesmos (cf. Tg 1, 22) e para não corrermos o risco de escutar apenas com os ouvidos, sem que a semente da Palavra desça ao coração e mude o nosso modo de pensar, sentir e agir. Isso não é bom. A Palavra que nos é dada e que escutamos pede para se tornar vida, para transformar a vida e para ser encarnada na nossa vida.
Estas duas atitudes essenciais, escutar a Palavra e viver a Palavra, podemos contemplá-las no Evangelho que acabou de ser proclamado.
Primeiramente, escutar a Palavra. O evangelista conta que muitas pessoas acorriam a Jesus e que a multidão se comprimia à volta dele «para escutar a palavra de Deus» (Lc 5, 1). Procuravam-no, tinham fome e sede da Palavra do Senhor, que ouviam ressoar nas palavras de Jesus. Por isso, este episódio, que se repete tantas vezes no Evangelho, diz-nos que o coração do homem está sempre à procura de uma verdade que possa aplacar e alimentar o seu desejo de felicidade; que não podemos contentar-nos apenas com as palavras humanas, os critérios deste mundo e os juízos terrenos; precisamos sempre de uma luz do alto para iluminar os nossos passos, de uma água viva que possa irrigar os desertos da alma, de uma consolação que não desiluda porque provém do céu e não das coisas passageiras deste mundo. Perante o entontecimento e a vaidade das palavras humanas, faz falta, irmãos e irmãs, a Palavra de Deus, a única que é bússola para o nosso caminho e é capaz de, no meio de tantas feridas e perplexidades, nos reconduzir ao verdadeiro sentido da vida.
Irmãos e irmãs, não esqueçamos isto: a primeira tarefa do discípulo — todos nós somos discípulos — não é vestir o hábito de uma religiosidade exteriormente perfeita, fazer coisas extraordinárias ou envolver-se em projetos grandiosos. Não! Pelo contrário, a primeira tarefa, o primeiro passo consiste em saber escutar a única Palavra que salva, que é a de Jesus, como podemos ver no episódio evangélico, o Mestre sobe para a barca de Pedro a fim de se afastar um pouco da margem e, assim, pregar melhor ao povo (cf. Lc 5, 3). A nossa vida de fé começa quando, acolhendo humildemente Jesus na barca da nossa vida, lhe damos espaço, escutamos a sua Palavra e, por ela, nos deixamos interpelar, estremecer e transformar.
Ao mesmo tempo, irmãos e irmãs, a Palavra do Senhor pede para ser encarnada concretamente em nós: somos, portanto, chamados a viver a Palavra. Repetir simplesmente a Palavra, sem a viver, faz-nos ser como papagaios: pronuncio-a, sim, mas não se compreende, não se vive. Na verdade, quando terminou de pregar às multidões a partir da barca, Jesus dirige-se a Pedro, exortando-o a arriscar e a apostar nesta Palavra: «Faz-te ao largo; e vós, lançai as redes para a pesca» (v. 4). A Palavra do Senhor não pode permanecer uma linda ideia abstrata ou suscitar apenas a emoção de um momento; ela exige-nos que mudemos o olhar, que deixemos o coração transformar-se à imagem do de Cristo; a Palavra chama-nos a lançar corajosamente as redes do Evangelho no meio do mar do mundo, “correndo o risco”, sim, correndo o risco de levar à prática o amor que Ele nos ensinou e viveu em primeiro lugar. Irmãos e irmãs, também a nós o Senhor, com a força ardente da sua Palavra, pede para nos fazermos ao mar, para sairmos das margens paradas dos maus hábitos, dos medos e da mediocridade, para ousarmos uma vida nova. A mediocridade agrada ao diabo! Porque entra em nós e nos arruína.
Claro que existem sempre obstáculos e desculpas no sentido de dizermos “não”; mas olhemos de novo para a atitude de Pedro: tinha vindo de uma noite difícil, em que não tinha apanhado nada, estava arrasado, cansado, desiludido; e, no entanto, em vez de ficar paralisado naquele vazio e bloqueado pelo seu próprio fracasso, diz: «Mestre, trabalhámos durante toda a noite e nada apanhámos; mas, porque Tu o dizes, lançarei as redes» (v. 5). Porque Tu o dizes, lançarei as redes. E então dá-se o inaudito: o milagre de uma barca que se enche de peixes a ponto de quase afundar (cf. v. 7).
Irmãos e irmãs, perante as muitas tarefas da nossa vida quotidiana; perante o apelo, que todos sentimos, de construir uma sociedade mais justa, de avançar no caminho da paz e do diálogo – aquele caminho que aqui na Indonésia foi traçado há muito tempo – podemos por vezes julgar-nos inadequados, sentir o peso de tanto esforço que nem sempre dá os frutos esperados, ou o peso dos nossos erros que parecem impedir o caminho. Mas, com a mesma humildade e fé de Pedro, também nos é pedido para não ficarmos prisioneiros dos nossos fracassos. Trata-se de uma coisa muito má, porque os fracassos apanham-nos e podemos tornar-nos seus prisioneiros. Não! Por favor: não fiquemos prisioneiros dos nossos fracassos! Em vez de permanecermos com os olhos fixos nas nossas redes vazias, olhemos para Jesus e confiemos n’Ele. Não olhes para as tuas redes vazias; olha para Jesus, olha para Jesus! Ele far-te-á caminhar, Ele far-te-á andar bem. Confia n’Ele! Podemos sempre arriscar, fazendo-nos ao mar e lançando de novo as redes, mesmo depois de termos atravessado a noite do fracasso, o tempo da desilusão, em que não pescámos nada. Agora farei um pequeno momento de silêncio e cada um de vós vai pensar nos seus próprios fracassos. [pausa] Olhando para estes fracassos, arrisquemos, avancemos com a coragem da Palavra de Deus.
Santa Teresa de Calcutá, cuja memória celebramos hoje, que se dedicou incansavelmente aos mais pobres e se tornou uma promotora da paz e do diálogo, costumava dizer: “Quando nada tivermos para dar, demos esse nada. E lembra-te: nunca te canses de semear, mesmo se não vieres a colher nada”. Irmão e irmã, nunca te canses de semear, porque isto é vida.
É exatamente isto, irmãos e irmãs, que eu gostaria de dizer também a vós, a esta nação, a este arquipélago maravilhoso e variegado: não vos canseis de partir para o alto-mar nem vos canseis de lançar as redes; não vos canseis de sonhar nem de construir de novo uma civilização de paz! Ousai sempre o sonho da fraternidade, que é um verdadeiro tesouro entre vós. Com a Palavra do Senhor encorajo-vos a semear o amor, a percorrer com confiança o caminho do diálogo, a praticar continuamente a vossa bondade e amabilidade com o sorriso que vos carateriza. Já vos disseram que sois um povo sorridente? Não percais o sorriso, por favor, e segui em frente! E sede construtores de paz. Sede construtores de esperança!
É este o desejo recentemente expresso pelos Bispos do vosso país, e é o voto que também eu gostaria de formular a todo o povo indonésio: caminhar juntos para o bem da sociedade e da Igreja! Sede construtores de esperança. Escutai bem: sede construtores de esperança! Daquela esperança do Evangelho que não desilude (cf. Rm 5, 5), nunca desilude, e abre a uma alegria sem fim. Muito obrigado!