A 5 de setembro, o Papa Francisco iniciou a sua peregrinação na Indonésia com um encontro inter-religioso muito aguardado na mesquita Istiqlal, em Jacarta. O Pontífice chegou de carro da nunciatura apostólica, sua residência na capital indonésia, e depois de visitar com o Grão-Imã o “Túnel da amizade” que liga o edifício de oração para os fiéis do islão à catedral católica de Nossa Senhora da Assunção, dirigiu-se com o líder religioso muçulmano para a grande tenda onde teve lugar o encontro. Aqui, após a saudação do Grão-Imã e a assinatura da “Declaração conjunta de Istiqlal 2024”, o Papa pronunciou o seguinte discurso.
Queridos irmãos e irmãs
bom dia!
É para mim motivo de alegria estar aqui, na maior mesquita da Ásia, juntamente com todos vós. Saúdo o grão-imã e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu, recordando que este lugar de culto e de oração é também “uma grande casa para a humanidade”, na qual cada um pode entrar para se deter consigo mesmo, para dar espaço àquele anelo de infinito que traz no coração, para procurar o encontro com o divino e para sentir a alegria da amizade com os outros.
Gosto de recordar que esta mesquita foi projetada pelo arquiteto Friedrich Silaban, que era cristão e ganhou o concurso. Isto testemunha que, na história desta Nação e na cultura que aqui se respira, a Mesquita e outros lugares de culto são espaços de diálogo, de respeito mútuo, de convivência harmoniosa entre religiões e sensibilidades espirituais diferentes. É um grande dom, que sois chamados a cultivar todos os dias, para que a experiência religiosa seja um ponto de referência numa sociedade fraterna e pacífica e nunca seja um motivo de fechamento e confronto.
A este respeito, há que referir a construção de um túnel subterrâneo — o “túnel da amizade” — que liga a Mesquita Istiqlal e a Catedral de Nossa Senhora da Assunção. Trata-se de um sinal eloquente, que permite que estes dois grandes lugares de culto estejam não só “em frente” um do outro, mas também “ligados” um ao outro. Esta passagem permite, com efeito, um encontro, um diálogo, uma possibilidade real de «descobrir e transmitir a “mística” de viver juntos, misturar-nos, encontrar-nos, [...] participar nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada» (Exortação ap. Evangelii gaudium, 87). Encorajo-vos a prosseguir por este caminho: que todos nós, juntos, cada um cultivando a sua espiritualidade e praticando a sua religião, possamos caminhar à procura de Deus e contribuir para a construção de sociedades abertas, fundadas no respeito mútuo e no amor recíproco, capazes de isolar a rigidez, os fundamentalismos e os extremismos, que são sempre perigosos e nunca justificáveis.
Nesta perspetiva, simbolizada pelo túnel subterrâneo, gostaria de partilhar dois pensamentos, para encorajar o caminho de unidade e harmonia já iniciado.
O primeiro é: olhar sempre com profundidade, porque só assim se pode encontrar o que une para além das diferenças. A imagem do túnel recorda-nos algo importante: os aspetos visíveis das religiões — ritos, práticas, etc. — são um património tradicional que deve ser protegido e respeitado; mas o que está “por baixo”, o que corre no subsolo, exatamente como o “túnel da amizade”, poderia dizer-se a raiz comum a todas as sensibilidades religiosas, é uma só: a procura de um encontro com o divino, a sede de infinito que o Altíssimo colocou no nosso coração, a busca de uma alegria maior e de uma vida mais forte do que qualquer morte, que anima o caminho da nossa existência e nos impele a sair de nós mesmos para ir ao encontro de Deus. Recordemo-nos disto: olhando com profundidade, captando o que flui no mais íntimo da vida e o desejo de plenitude que habita no mais profundo do nosso coração, descobrimos que, para além do que nos diferencia, somos todos irmãos, todos peregrinos, vamos todos a caminho, em direção a Deus.
O segundo convite é: cuidar dos vínculos. O túnel foi construído de um lado ao outro para criar uma ligação entre dois lugares diferentes e distantes. É isto que a passagem subterrânea faz: liga, ou seja, cria um vínculo. Por vezes, pensamos que o encontro entre as religiões é uma questão de procurar, a todo o custo, pontos comuns entre diferentes doutrinas e profissões religiosas. Na realidade, pode acontecer que tal atitude acabe por nos dividir, pois as doutrinas e os dogmas de cada experiência religiosa são diferentes. O que realmente nos aproxima é o criar uma ligação entre as nossas diferenças, ter o cuidado de cultivar vínculos de amizade, de atenção, de reciprocidade. São relações em que cada um se abre ao outro e em que nos comprometemos a procurar juntos a verdade aprendendo com a tradição religiosa do outro, a corresponder às necessidades humanas e espirituais de cada um. São vínculos que nos permitem trabalhar juntos e avançar unidos em busca de um objetivo, na defesa da dignidade humana, na luta contra a pobreza, na promoção da paz. A unidade nasce dos vínculos pessoais de amizade, respeito mútuo, defesa recíproca dos espaços e das ideias do outro. Que possais cuidar sempre de tudo isto!
Queridos irmãos e irmãs, “promover a harmonia religiosa em prol da humanidade” é a inspiração que somos chamados a seguir e que serve também de título à Declaração Conjunta, preparada para esta ocasião. Nela assumimos de forma responsável as graves e, por vezes, dramáticas crises que ameaçam o futuro da humanidade; em particular, as guerras e os conflitos, infelizmente alimentados também pela instrumentalização religiosa, mas de igual modo a crise ambiental, que se tornou um obstáculo ao crescimento e à convivência dos povos. Perante este cenário, é importante que os valores comuns a todas as tradições religiosas sejam promovidos e reforçados, ajudando a sociedade a «derrotar a cultura da violência e da indiferença» (Declaração conjunta de Istiqlal) e a promover a reconciliação e a paz.
Obrigado por este caminho comum que estais a percorrer. A Indonésia é um grande país, um mosaico de culturas, etnias e tradições religiosas, com uma diversidade muito rica, que se reflete também na variedade do ecossistema e do ambiente circundante. E se é verdade que albergais a maior jazida de ouro do mundo, sabei que o tesouro mais precioso é a vontade de que as diferenças não se tornem motivo de conflito, mas se harmonizem na concórdia e no respeito recíproco. A harmonia, o que vós construís. Não percais este dom! Nunca vos empobreçais, abandonando esta enorme riqueza; muito pelo contrário, cultivai-a e transmiti-a, sobretudo aos mais jovens. Que ninguém sucumba ao fascínio do integralismo e da violência, mas que todos se deixem cativar pelo sonho de uma sociedade e humanidade livres, fraternas e pacíficas!
Obrigado! Obrigado pelo sorriso amável, que brilha sempre nos vossos rostos, sinal da vossa beleza e abertura interior. Deus vos conceda este dom. Com a sua ajuda e bênção, segui em frente, Bhinneka Tunggal Ika, unidos na diversidade. Obrigado!