Aprótese que substitui a perna direita de Ibrahim Al-Hussein é testemunho de dor que se transforma num tenaz apelo à paz para a sua Síria. A trégua olímpica (e paralímpica) — também apoiada pelo Papa Francisco — não foi atendida. Expirará no domingo, 15 de setembro, sete dias após a conclusão dos Jogos Paralímpicos parisienses (passado domingo à noite com a cerimónia de encerramento no Stade de France).
Os ecos sangrentos das guerras ressoaram em Paris: nas competições olímpicas e paralímpicas sentiu-se o peso de morte das violências na Ucrânia, na Terra Santa e em todos os lugares (mesmo esquecidos, longe dos holofotes) onde guerras e injustiças devastam a vida das pessoas.
Com a sua participação nos Jogos de Paris, na equipa paralímpica dos refugiados, Ibrahim contou o drama da Síria: no grande palco desportivo (e não só) de Paris, fez de maneira a que não seja esquecido, que não ajam álibis para dizer “não sabia”. «Estou aqui para ser uma mensagem de esperança, sobretudo para todos os refugiados», declara.
Terminou em sexto lugar no triatlo (especialidade que envolve natação, ciclismo e corrida), a 3’ do pódio. Ibrahim aproximou-se recentemente a este tipo de prova: na World triathlon para cup na Corunha, em 2023, ficou em quarto («podia ter ficado em segundo, mas enganei-me no caminho»).
Em Paris, viveu os seus terceiros Jogos Paralímpicos, depois do Rio de Janeiro e de Tóquio (a competir em natação). «Três vezes nos Jogos: impensável para um homem com a minha história!», diz.
Ibrahim reconta assim a sua vida: «Estava a fugir em direção a um amanhã melhor — nasci em 1988 em Deir el-Zor — quando um atirador furtivo atingiu um amigo meu. Estava no chão e gritava por socorro. Eu sabia que, se fosse ajudá-lo, também poderia ser atingido. Mas depois nunca me teria perdoado por o ter deixado no meio da estrada. Poucos segundos e uma bomba explodiu mesmo ao meu lado. Perdi a parte inferior da perna direita e sofri danos também na esquerda. Fui socorrido por um dentista».
«Naquele tempo, em 2012, era um ótimo nadador», recorda. «O meu pai tinha ganho duas medalhas de prata em piscina nos Campeonatos asiáticos e tinha-me transmitido a paixão pelo desporto e pela natação em particular. Foi precisamente a tenacidade necessária para as longas sessões de treino que me ajudou a não me resignar. De qualquer modo, cheguei a Istambul e lá encontrei pessoas generosas que me arranjaram uma prótese precária, mas melhor do que nada: tinha de a reparar a cada 300 metros».
«Depois, na noite de 27 de fevereiro de 2014 — que é a data de início da minha “segunda vida” — atravessei o Mar Egeu numa jangada até à ilha de Samos, na Grécia. Medo? Na verdade, não tinha nada a perder. Lá encontrei outras pessoas generosas que me acompanharam até Atenas».
E heis o ponto de viragem para Ibrahim: «Um médico, Angelos Chronopoulos, deu-me uma verdadeira prótese. Eu não tinha um tostão. Com a prótese arranjei um emprego: limpava as casas de banho da estação de autocarros. E também voltei a praticar desporto, em primeiro lugar como um escape, para reencontrar aquelas sensações humanas que pensava ter perdido e para estar melhor comigo próprio». Mas não termina aqui. «Em outubro de 2015, comecei a treinar inclusive na piscina dos Jogos de Atenas 2004. A minha habilidade de nadador voltou à tona, mais ou menos rapidamente, e eis que surgem as primeiras vitórias. E, sobretudo, o incrível convite a participar, como refugiado, nos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro de 2016. Nem de longe imaginava que fosse possível!».
O desporto permitiu a Ibrahim de tomar as rédeas da sua vida: «Comecei a trabalhar em Atenas como artesão de lembranças. Mas há uma coisa que quero dizer acima de todas as outras. Na Síria, temos um ditado: “Faz o bem e atira-o ao oceano... um dia voltará para ti”. Aquele amigo ferido que ajudei na rua não só sobreviveu, como agora tem três filhos. E se para o ajudar perdi a minha perna... a vida devolveu-me tanto na generosidade de pessoas que nem sequer conhecia». E sim, o desporto foi o canal, a linguagem comum que tornou possível a “segunda vida” de Ibrahim Al Hussein.
Giampolo Mattei