«Sede pacificadores próximos dos pobres
«Sede pacíficos», isto é, “pacificadores” na fraternidade e disponibilidade para com todos, «em Cristo, próximos especialmente dos mais pobres, descartados e desesperados, sem nunca excluir ninguém». Eis o convite que o Papa Francisco dirigiu, na manhã de 31 de agosto, aos participantes no lxxxvi capítulo geral da ordem dos Frades menores capuchinhos, recebidos em audiência na sala do Consistório.
Estou contente. Lembro-me dos vossos frades em Buenos Aires: bons confessores! Os bascos que Franco tinha expulsado foram para lá. Bons confessores, bons! E ainda há um vivo, que é argentino; agora criei-o cardeal. Este perdoa tudo! Contou-me isto: que às vezes tem o escrúpulo de perdoar demasiado — perdoa sempre — e um dia foi à capela para pedir perdão ao Senhor: “Desculpa, Senhor, perdoei demasiado... Mas foste Tu que me deste o mau exemplo!”. Assim reza este vosso bom Cardeal.
Bem-vindos! Estou feliz por me encontrar convosco por ocasião do vosso lxxxvi Capítulo Geral. Dirijo-vos a minha saudação e, em particular, ao Ministro-geral, frei Roberto Genuin.
Viveis um momento importante para vós e para a Igreja. Com efeito, o Capítulo reúne frades provenientes de diferentes países e culturas, que se encontram para se ouvir e falar na única linguagem do Espírito. É uma ocasião extraordinária para partilhar as “maravilhas” (cf. Sl 125, 3) que Deus continua a realizar através de vós, filhos de São Francisco espalhados pelo mundo. Portanto, espero que, dando graças a Deus pelo desenvolvimento da Ordem, sobretudo nas jovens Igrejas, aproveiteis este confronto para vos interrogardes sobre o que o Senhor vos pede, para poder continuar, hoje, a anunciar com paixão o Reino de Deus nas pegadas do Pobrezinho.
Por isso, gostaria de recordar convosco três dimensões da espiritualidade franciscana, que julgo poderem ajudar-vos no discernimento e no apostolado missionário: a fraternidade, a disponibilidade e o compromisso pela paz.
Fraternidade. O lema do vosso Capítulo é este: «O Senhor deu-me irmãos» (Test. 14) «para ir pelo mundo» ( rb 3, 10). Ele recorda a experiência de Francisco, frisando que a missão, segundo o seu carisma, nasce na fraternidade para promover a fraternidade ( rb 3, 10-12; cf. Carta aos membros da Família franciscana no viii centenário da aprovação da Regra bulada, 9 de novembro de 2023). Na base está, poderíamos dizer, uma “mística da colaboração”, segundo a qual ninguém, no desígnio de Deus, se pode considerar uma ilha, mas cada um está em relação com os outros para crescer no amor, saindo de si mesmo e fazendo da sua singularidade um dom para os irmãos. Quem de vós cuida da própria unicidade, mas sem a transformar em dom para os irmãos, ainda não começou a ser capuchinho!
Portanto, não vos reunistes para otimizar — como infelizmente às vezes se ouve dizer — os “recursos humanos” da Ordem, nem para melhorar o seu desempenho ou para conservar as suas estruturas. Pelo contrário, voltais a reconhecer-vos, na fé, como irmãos escolhidos, reunidos e acompanhados pela caridade providencial do Pai, e a deixar-vos interpelar por esta verdade, especialmente no campo da formação, no qual trabalhais desde há algum tempo. E fazeis bem, pois sem formação não há futuro.
Por isso, nos vossos encontros, convido-vos a estar atentos para que nunca sejam colocados no centro os recursos económicos, os cálculos humanos ou outras realidades semelhantes: são todos instrumentos úteis, com os quais também é preciso preocupar-se, mas sempre como meios, nunca como fins. Que no centro estejam as pessoas: aquelas a quem o Senhor vos envia e com quem vos concede viver, o seu bem, a sua salvação. Em síntese: que no centro esteja a fraternidade, da qual vos encorajo a fazer-vos promotores nas vossas casas de formação, na grande família franciscana, na Igreja e em todos os âmbitos em que trabalhais, até à custa de renunciar, a favor da fraternidade, a projetos e realizações de outro tipo. A fraternidade está em primeiro lugar. Sois frades. “Mas eu sou sacerdote!”. Sim, sim, mas depois disto. O importante é o frade. És sacerdote, diácono, o que for, mas és frade: esta é a base!
E isto leva-nos ao segundo aspeto da nossa reflexão: disponibilidade. Fraternidade e disponibilidade. Vós, capuchinhos, tendes a reputação de estar prontos a ir onde ninguém quer ir, e isto é muito bom! Com efeito, o vosso estilo aberto testemunha a todos que o mais importante na vida é a caridade (cf. 1 Cor 13, 13), e que vale sempre a pena despender a própria existência por ela.
Assim, representais um sinal para toda a Comunidade, chamada a ser no seu conjunto, sempre e em toda a parte, missionária e “em saída” (cf. conc. ecum. vat. ii , Decr. Ad gentes, 2; Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 20). Trata-se de um sinal importante, sobretudo em tempos como os nossos, marcados por conflitos e fechamentos, onde a indiferença e o egoísmo parecem prevalecer sobre a disponibilidade, o respeito e a partilha, com consequências graves e evidentes, como a exploração injusta dos pobres e a devastação ambiental.
Neste contexto, a vossa prontidão a deixar-vos envolver pessoalmente pelas necessidades dos vossos irmãos e a dizer com coragem humilde: «Eis-me, envia-me a mim!» (Is 6, 8) é um dom carismático a valorizar e a incrementar. Procurai ser sempre assim: simples, livres e disponíveis, dispostos a deixar tudo (cf. Mc 1, 18) para estar presentes onde o Senhor vos chamar, sem procurar reconhecimentos nem fazer reivindicações, com o coração e os braços abertos. E esta será a vossa pobreza!
Assim chegamos ao terceiro valor que vos distingue: compromisso pela paz. Sede pacíficos! Com efeito, a vossa capacidade de estar com todos, no meio do povo, a ponto de ser habitualmente considerados os “frades do povo”, fez de vós, ao longo dos séculos, peritos “pacificadores” (cf. Mt 5, 9), capazes de criar ocasiões de encontro, de mediar a resolução de conflitos, de unir as pessoas e de promover uma cultura da reconciliação, até nas situações mais difíceis.
No entanto, na base deste carisma há, como dissemos, uma condição fundamental: estar, em Cristo, próximo de todos (cf. Lc 10, 25-37), especialmente dos mais pobres, descartados e desesperados, sem nunca excluir ninguém. Como sabemos, o próprio São Francisco chegou a ser o “homem de paz” que o mundo inteiro reconhece, a partir do encontro com os leprosos, em cujo abraço descobriu e aceitou as suas feridas mais profundas e em cuja presença encontrou Cristo, seu Salvador. Assim, de perdoado fez-se portador de perdão, de amado, distribuidor de amor, de reconciliado, promotor de reconciliação. Sentiu-se perdoado, amado, reconciliado, e traz o perdão, o amor e a reconciliação. E vós deveis ser assim, homens de amor, perdão, reconciliação. Foi a fé que fez dele, em tantas ocasiões, instrumento de paz nas mãos de Deus e, tanto para Ele como para nós, ela teve e terá sempre um vínculo vital com a proximidade aos últimos, não o esqueçamos (cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 49).
Concluindo, prezados irmãos, convido-vos a perseverar no vosso caminho, com confiança, com esperança. Que Nossa Senhora vos acompanhe. E obrigado por todo o bem que praticais na Igreja. Abençoo-vos de coração, a vós e à grande família capuchinha. E peço-vos por favor que rezeis por mim — a favor, não contra!