· Cidade do Vaticano ·

Na audiência à Roaco o Pontífice denunciou as barbaridades da guerra que se alastram onde vivem os católicos orientais

“Igrejas mártires” feridas
por conflitos e violências

 “Igrejas mártires” feridas por conflitos e violências  POR-027
04 julho 2024

Na Terra Santa é urgente cessar o fogo, encontrar-se e dialogar


«Muitas Igrejas do Oriente estão esmagadas por uma pesada cruz e tornaram-se “Igrejas mártires”... Muitas comunidades do Oriente estão feridas e sangram por causa dos conflitos e da violência que padecem», disse o Papa aos participantes na sessão plenária da Roaco (Reunião das obras de ajuda às Igrejas orientais), recebidos em audiência na manhã de 27 de junho na Sala Clementina, na conclusão dos trabalhos iniciados na segunda-feira 24, em Roma, na Cúria geral da Companhia de Jesus.

Estimados amigos!

Dou-vos as boas-vindas, feliz por me encontrar convosco no final da vossa sessão plenária. Saúdo o Cardeal Gugerotti, os outros Superiores do Dicastério, os Oficiais e os membros das Agências que compõem a vossa assembleia.

Fito-vos e, com o olhar do meu coração, penso nas Igrejas orientais. São Igrejas que devem ser amadas: conservam tradições espirituais e sapienciais únicas e têm muito a dizer-nos sobre a vida cristã, a sinodalidade, a liturgia; pensemos nos antigos Padres, nos Concílios, no monaquismo: tesouros inestimáveis para a Igreja. Entre as Igrejas orientais encontram-se aquelas que estão em plena comunhão com o sucessor do Apóstolo Pedro. Elas enriquecem a comunhão católica com a grandeza da sua história e peculiaridade.

Mas esta beleza está ferida. Muitas Igrejas orientais estão esmagadas por uma pesada cruz e tornaram-se “Igrejas mártires”: trazem em si os estigmas de Cristo. Sim, tal como a carne do Senhor foi trespassada por pregos e lanças, muitas comunidades orientais estão feridas e sangram por causa dos conflitos e da violência que padecem. Pensemos em certos lugares onde elas vivem: a Terra Santa, a Ucrânia, a Síria, o Líbano, todo o Médio Oriente, o Cáucaso e Tigray: precisamente lá, onde vive grande parte dos católicos orientais, as barbaridades da guerra alastram-se de modo hediondo.

E nós, irmãos e irmãs, não podemos ficar indiferentes. O Apóstolo Paulo transmitiu de modo claro e inequívoco a recomendação recebida dos outros Apóstolos, de se recordar dos mais necessitados entre os cristãos (cf. Gl 2, 10); e exortou à solidariedade para com eles (cf. 2 Cor 8-9). É a Palavra inspirada de Deus, e vós, da Roaco, sois as mãos que dão corpo a esta Palavra: mãos que levam ajuda, aliviando quantos sofrem. É por isso que vos reunis: não para fazer discursos e teorias, não para desenvolver análises geopolíticas, mas para encontrar as melhores formas de se aproximar e de aliviar o sofrimento dos nossos irmãos e irmãs orientais.

Peço-vos, suplico-vos com o coração na mão, que continueis a apoiar as Igrejas católicas orientais, ajudando-as, nestes tempos dramáticos, a manter-se firmemente enraizadas no Evangelho. Com o vosso apoio, que elas possam ajudar a compensar o que o poder civil deveria prover aos mais frágeis e miseráveis, mas não pode, não sabe ou não quer garantir. Sede estímulo para que o clero e os religiosos abram sempre os ouvidos ao clamor dos seus povos, admiráveis na fé, pondo o Evangelho acima das dissensões ou dos interesses pessoais, unindo-se na promoção do bem, porque todos na Igreja são de Cristo e Cristo é de Deus (cf. 1 Cor 3, 23).

Caros representantes das Agências, obrigado pelo que fazeis: sois evangelizadores, participantes na missão da Igreja, portadores do amor de Jesus. Quantas pessoas, ao longo dos anos, receberam o fruto da vossa generosidade! Sois semeadores de esperança, testemunhas chamadas, segundo o estilo do Evangelho, a trabalhar com mansidão e sem clamores. Quase nada do que fazeis se destaca aos olhos do mundo, mas é agradável aos olhos de Deus. Obrigado, pois respondeis aos que destroem reconstruindo; aos que privam da dignidade restituindo a esperança; às lágrimas das crianças com o sorriso de quem ama; à lógica maligna do poder com a lógica cristã do serviço. As sementes que plantardes em solos poluídos pelo ódio e pela guerra germinarão, disto estou certo! E serão profecias de um mundo diferente, que não acredita na lei do mais forte, mas na força de uma paz desarmada.

Sei que nestes últimos dias meditastes sobre a dramática situação da Terra Santa: ali, onde tudo começou, onde os Apóstolos receberam o mandato de ir pelo mundo para anunciar o Evangelho, hoje os fiéis de todo o mundo são chamados a fazer sentir a sua proximidade; e a encorajar os cristãos, ali e em todo o Médio Oriente, a ser mais fortes do que a tentação de abandonar as suas terras, dilaceradas pelos conflitos. Penso numa situação horrível: que aquela terra se despovoa de cristãos. Quanta dor provoca a guerra, ainda mais estridente e absurda onde foi anunciado o Evangelho da paz! Aos que alimentam a espiral de conflitos e lucram com ela, repito: basta! Parai, porque a violência nunca trará a paz. É urgente cessar o fogo, encontrar-se e dialogar para permitir a convivência entre diferentes povos, única via possível para um futuro estável. Pelo contrário, com a guerra, aventura sem sentido e inconclusiva, ninguém sairá vencedor: todos sairão derrotados, pois a guerra, desde o início, já é uma derrota, sempre! Escutemos quantos sofrem as consequências, como as vítimas e os necessitados, mas escutemos também o clamor dos jovens, das pessoas comuns e dos povos, cansados de retóricas belicistas, de refrões estéreis que culpam sempre os outros, dividindo o mundo entre bons e maus, de líderes que têm dificuldade de se sentar ao redor de uma mesa para encontrar mediações e favorecer soluções.

Penso também no drama trágico da martirizada Ucrânia, pela qual rezo e não me canso de convidar a rezar: que se abra espirais de paz para aquela amada população, que os prisioneiros de guerra sejam libertados e as crianças repatriadas. A promoção da paz e a libertação dos presos são sinais marcantes da fé cristã (cf. Mt 5, 9; Lc 4, 18), que não pode ser reduzida a um instrumento de poder. Nestes dias, refletistes também sobre a situação humanitária das pessoas deslocadas na região de Karabakh: obrigado por tudo o que se fez e se fizer para ajudar quantos sofrem. Gostaria de agradecer a Sua Excelência Gevork Saroyan, da Igreja Apostólica arménia, pela sua presença durante estes dias; quando voltar para casa, queira transmitir as minhas saudações fraternas a Sua Santidade Karekin ii e ao amado povo da Arménia. Conheci os dois Karekin, o primeiro e o segundo, em Buenos Aires.

Hoje, muitos cristãos do Oriente, talvez como nunca antes, fogem dos conflitos ou migram em busca de trabalho e de melhores condições de vida: são numerosos os que vivem na diáspora. Sei que refletistes sobre a pastoral dos orientais que vivem fora do próprio território. É uma questão atual e importante: algumas Igrejas, devido às migrações maciças das últimas décadas, têm a maior parte dos seus fiéis fora do seu território tradicional, onde a assistência pastoral é muitas vezes deficiente devido à falta de sacerdotes, de estruturas e de conhecimentos adequados. Assim, aqueles que já tiveram de deixar a pátria correm o risco de ser privados até da identidade religiosa; e, com o passar das gerações, desaparece a herança espiritual oriental, uma riqueza imperdível para a Igreja católica. Agradeço às dioceses latinas que recebem os fiéis orientais e respeitam as suas tradições; convido-as a cuidar deles, para que estes irmãos e irmãs possam manter vivos os seus ritos. E encorajo o Dicastério a trabalhar neste sentido, definindo também princípios e normas que ajudem os Pastores latinos a apoiar os católicos orientais na diáspora. Obrigado pelo que puderdes fazer!

E obrigado pela vossa presença! Por favor, peço-vos que rezeis por mim. Obrigado!