· Cidade do Vaticano ·

O Papa Francisco aos participantes no capítulo geral da sociedade do Verbo Divino

Construtores de paz
e profetas de esperança

 Construtores de paz  e profetas de esperança  POR-027
04 julho 2024

Ser «construtores de paz» e «esperança profética»: eis o mandato confiado pelo Pontífice aos membros da sociedade do Verbo Divino. Francisco recebeu-os em audiência na manhã de 28 de junho na Sala Clementina, por ocasião do xix capítulo geral, sobre o tema «Resplandeça a vossa luz diante dos homens» (Mt 5, 16). Num mundo «ferido por conflitos e guerras, a paz é o clamor do povo», disse o Papa aos Verbitas, convidando-os inclusive a ser «missionários da sinodalidade» numa Igreja “em saída”.

Prezados irmãos e irmãs
bom dia e bem-vindos!

Em primeiro lugar, saúdo o Superior-geral, nomeado Arcebispo de Ende, na Indonésia.

Escolhestes um tema sugestivo para o Capítulo Geral: «“Resplandeça a vossa luz diante dos homens” (Mt 5, 16): discípulos fiéis e criativos num mundo ferido». O Capítulo é um momento de reflexão sobre o carisma e a missão de uma congregação, e dado que sois a Sociedade do Verbo Divino, durante estes dias voltai à nascente da vossa identidade, que é o Senhor, Palavra de salvação.

A Palavra gera, dá vida, inspira, motiva: é o ponto fulcral da vossa missão. A Palavra, que em Jesus se fez carne, mostrou a face do Pai, o seu amor misericordioso. Assim, o Verbo encarnado tornou-se a luz do mundo; e aos seus discípulos disse: «Resplandeça a vossa luz diante dos homens» (Mt 5, 16). Como é possível? Estando com Ele, caminhando, permanecendo no seu amor, testemunhando-o. Este é o caminho que o torna possível. «A evangelização exige familiaridade com a Palavra de Deus» (Evangelii gaudium, 175). E esta, irmãos, é a fonte da qual nasceis e renasceis sempre como discípulos fiéis e missionários criativos. Meditemos por um momento sobre estes dois aspetos.

Discípulos fiéis. Todos os batizados são chamados a ser discípulos missionários, e a fidelidade a esta vocação é o nosso compromisso, sempre com a graça de Deus. O discípulo fiel vê-se pela alegria do Evangelho que transparece do seu rosto, do seu estilo de vida, com o qual transmite aos outros o Amor que primeiro recebeu e recebe todos os dias. Experimentar o Amor trinitário e alimentar a chama do Espírito é o valor central para crescer como discípulos e religiosos missionários. É esta chama que nos renova diariamente, purificando-nos e transformando-nos, enquanto caminhamos com os nossos pecados e no meio das seduções do mundo, mas corajosos e confiantes na misericórdia de Deus, que perdoa sempre: e devemos perdoar sempre! Nunca negar a absolvição: perdoar sempre!

Missionários criativos. De onde vem a vossa criatividade? A boa e saudável, não a aparente, que é sempre autorreferencial e mundana. Pelo contrário, a missionariedade saudável vem da Palavra e do Espírito, ou seja, de Cristo vivo em vós, que vos torna participantes da sua missão. É Ele que atrai os corações, não nós! O Espírito é o protagonista, e a nossa “arte” consiste em trabalhar com todas as forças, utilizando todos os talentos, na certeza de que é sempre Ele que trabalha, é Ele que cria, e o nosso agir é docilidade, é instrumento, é “canal”, reflexo, transparência... Vós trabalhais em 79 países: estais lá para anunciar o Evangelho e «tornar o Reino de Deus presente no mundo» (Evangelii gaudium, 176). Isto — bem o sabeis — faz-se na partilha da alegria, não na imposição de obrigações. As atividades missionárias criativas nascem do amor à Palavra de Deus; a criatividade nasce da contemplação e do discernimento. E embora a ação criativa pessoal seja positiva, a ação criativa comunitária é melhor para a unidade e a força da Igreja.

Caros irmãos, agradeço-vos porque as vossas “linhas” capitulares me permitem realçar também algumas urgências atuais.

A primeira: ser construtores de paz. O mundo está ferido por conflitos, guerras, destruição, inclusive destruição do meio ambiente, violência contra a vida e a dignidade humana, ideologias fundamentalistas e outras chagas, tantas. A paz é o clamor dos povos: escutemos este grito e tornemo-nos construtores de paz! Jesus ressuscitado repetiu várias vezes aos Apóstolos: «A paz esteja convosco» (Jo 20, 19.21.26). Quer que sejam semeadores de paz. «A paz esteja convosco». E depois disse: «Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio» (v. 21). Levemos a paz de Cristo a todos, especialmente aos pobres, aos migrantes — que sofrem tanto! — às mulheres discriminadas, às crianças, aos excluídos. Deus ouviu o grito do povo escravizado (cf. Ex 3, 9); não fechemos os ouvidos ao clamor dos escravos de hoje, sejamos criativos na construção da paz.

A segunda urgência: ser esperança para todas as culturas. É preciso ser esperança para todas as culturas. Na vigília do ano jubilar, num mundo ferido, as nossas comunidades devem tornar-se sinais de esperança. E isto é profecia! Isto significa, ainda antes de dar esperança, ser esperança, exercitando o caráter que nos vem do Batismo, de ser esperança. Para vós, a consagração segundo o carisma original vem confirmar e fortalecer o dom batismal, tornando-se compromisso de testemunho nos vários contextos sociais e culturais em que viveis. “Ser esperança profética para todas as culturas”. É um grande desafio! Só a Igreja pode responder-vos, porque desde o início é animada pelo Espírito do Pentecostes. Gosto de ler no livro dos Atos dos Apóstolos: o que faz o Espírito Santo? Há confusão, todos falam, mas todos se entendem! Muitas vezes, nas confusões, o Espírito leva a Igreja em frente. Não tenhais medo dos conflitos! Não crieis conflitos, mas não tenhais medo dos conflitos, não receeis a confusão da cultura de hoje. O Espírito pode entrar nela. “Sede esperança para todas as culturas”. Sois peritos em interculturalidade, é uma das consequências do vosso carisma, ser peritos em interculturalidade. Ao longo dos anos, aprendestes a viver a missão respeitando cada cultura e cada povo. Mas é necessário o discernimento. Hoje, através da Internet e das redes sociais, corre-se o risco de aceitar tudo indiscriminadamente, influenciando o estilo de vida e os valores das pessoas. Mas São João Paulo ii dizia: «Suscitar uma nova cultura do amor e da esperança, inspirada na verdade que nos liberta em Cristo Jesus. Eis a finalidade da inculturação».1 É necessário o discernimento: pedi ao Espírito Santo esta graça do discernimento!

Terceiro aspeto de atualidade: ser missionários da sinodalidade. A Igreja que “sai” está aberta aos outros. É uma comunidade que acolhe e abraça, onde o Senhor vive e o Espírito é ativo. A Igreja em saída é extrovertida, enquanto que uma Igreja sectária é introvertida. Sempre abertos, com o coração na mão! Hoje, esta Igreja deve crescer com uma abordagem sinodal, escutando todos, dialogando com todos e discernindo no Espírito Santo qual é a missão. A sinodalidade não é uma moda, «é em si mesma missionária, e vice-versa, a missão é sempre sinodal» (Mensagem para o Dia Mundial das Missões, 20 de outubro de 2024). Por isso, encorajo-vos a promover a sinodalidade em todos os âmbitos da vossa vida: deixai que cada comunidade cresça e desfrute de um estilo sinodal em que todos se sintam ouvidos e acolhidos. Em síntese, fazei o que o Espírito diz, mas é importante o processo em que o Espírito se move de modo delicado, entre os povos simples e nos lugares mais remotos.

Prezados irmãos, em 2025 celebrareis o 150º aniversário de fundação da Sociedade do Verbo Divino. No vosso coração vibra a gratidão a Deus pelo seu imenso amor, que vos impeliu a ir a todas as partes do mundo para pregar a Palavra e propagar o amor de Deus, para formar comunidades, servir os pobres, procurar a justiça para os povos, a educação e a emancipação, para cuidar do meio ambiente. Com este espírito grato, refleti sobre o modo de partilhar hoje, de maneira criativa, a alegria da ressurreição de Jesus. Santo Arnold Janssen soube discernir a vontade de Deus, levando a Sociedade a caminhar segundo o Espírito: eis o carisma de um fundador! Hoje, seguindo este carisma, com o seu exemplo e intercessão, compete a vós fazer o discernimento comunitário e dar passos corajosos na humildade e no abandono confiante a Deus. Obrigado pelo que sois e pelo que fazeis. Abençoo-vos de coração. E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.

Obrigado!

 

1 Discurso aos participantes na sessão plenária do Pontifício Conselho para a Cultura (10 de janeiro de 1992), 10.