· Cidade do Vaticano ·

O Papa à conferência da Fundação Centesimus annus sobre a inteligência artificial

A inovação é para o bem da humanidade

 A inovação é para o bem da humanidade   POR-026
27 junho 2024

No campo das inovações tecnológicas é necessário criar um «quadro regulamentar, económico e financeiro que limite o poder monopolista de poucos e permita um desenvolvimento em benefício de toda a humanidade», reiterou o Papa Francisco aos participantes na conferência internacional promovida pela Fundação Centesimus annus Pro Pontifice sobre a inteligência artificial e o paradigma tecnocrático. Francisco recebeu-os em audiência na manhã de 22 de junho, na Sala Clementina, dirigindo-lhes as seguintes palavras.

Ilustres Senhoras e Senhores
Eminência, Excelências
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Saúdo e agradeço à Presidente, Senhora Anna Maria Tarantola, e saúdo todos vós que participais na Conferência internacional anual da Fundação Centesimus Annus Pro Pontifice. O tema deste ano é “A inteligência artificial e o paradigma tecnocrático: como promover o bem-estar humano, o cuidado da natureza e um mundo de paz”.

É um tema que merece atenção especial, pois a ia tem influência disruptiva sobre a economia e a sociedade e pode ter impactos negativos sobre a qualidade de vida, as relações entre as pessoas e entre os países, a estabilidade internacional e a casa comum.

Como sabeis, abordei o desenvolvimento tecnológico na Encíclica Laudato si’ e na Exortação Apostólica Laudate Deum, e a ia na Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano e, há poucos dias, no discurso ao g 7.

Aprecio que a Centesimus Annus tenha dado amplo espaço a esta matéria, envolvendo estudiosos e peritos de vários países e disciplinas, analisando as oportunidades e os riscos ligados ao desenvolvimento e à utilização da ia , com uma abordagem transversal e sobretudo com um olhar antropocêntrico, e tendo presente o perigo de um fortalecimento do paradigma tecnocrático.

A análise multidisciplinar é essencial para compreender todos os aspetos atuais e prospetivos da ia , os benefícios que pode trazer em termos de produtividade e crescimento, e os riscos que pode acarretar, para identificar as formas éticas corretas de desenvolvimento, utilização e gestão.

Na Mensagem para o último Dia da Paz, eu quis falar de algor-ética, para indicar a absoluta necessidade de um desenvolvimento ético dos algoritmos, em que os valores orientem os percursos das novas tecnologias.

No discurso ao g 7 salientei os aspetos críticos da Inteligência Artificial, realçando que ela é e deve continuar a ser um instrumento nas mãos do homem. Como outros utensílios-chave ao longo dos milénios, também este testemunha a capacidade que o ser humano tem de ir além de si próprio, da sua “ulterioridade”, podendo provocar grandes transformações, positivas ou negativas. Neste segundo sentido, a ia poderia reforçar o paradigma tecnocrático e a cultura do descarte, a disparidade entre nações avançadas e em desenvolvimento, e a delegação às máquinas de decisões essenciais para a vida humana. Por isso, afirmei a absoluta necessidade do desenvolvimento e da utilização ética da ia , convidando a política a tomar medidas concretas para governar o processo tecnológico em curso, no sentido da fraternidade universal e da paz.

Neste contexto, a vossa Conferência contribui para aumentar a capacidade de apreender os aspetos positivos da ia e de conhecer, mitigar e gerir os riscos, dialogando com o mundo da ciência para identificar em conjunto os limites a colocar à inovação, se ela for prejudicial à humanidade.

Stephen Hawking, famoso cosmólogo, físico e matemático, afirmou: «O desenvolvimento da ia completa poderia significar o fim da raça humana... Iria em frente sozinha, reprojetando-se a um ritmo cada vez maior. Os seres humanos, limitados por uma lenta evolução biológica, não poderiam competir e seriam superados» (entrevista à bbc ). É isto que queremos?

A questão fundamental que se apresenta é a seguinte: para que serve a IA? Serve para satisfazer as necessidades da humanidade, a fim melhorar o bem-estar e o desenvolvimento integral das pessoas, ou serve para enriquecer e aumentar o já elevado poder de poucos gigantes tecnológicos, não obstante os perigos para a humanidade? Esta é a interrogação basilar!

A resposta depende de muitos fatores e há muitos aspetos a explorar. Gostaria de evocar alguns deles, como estímulo para o vosso maior aprofundamento.

* Há que aprofundar o tema delicado e estratégico da responsabilidade pelas decisões tomadas com o uso da ia ; este aspeto interpela vários ramos da filosofia e do direito, bem como disciplinas mais específicas.

* É preciso identificar incentivos oportunos e uma regulamentação eficaz, por um lado a fim de estimular a inovação ética útil para o progresso da humanidade e, por outro, a fim de evitar ou limitar os efeitos indesejáveis.

* Todo o mundo da educação, da formação e da comunicação deveria iniciar um processo coordenado para aumentar o conhecimento e a sensibilização para a utilização correta da ia e para transmitir às novas gerações, desde a infância, a capacidade crítica em relação a estes instrumentos.

* É necessário avaliar os efeitos da ia no mundo do trabalho. Convido os membros da Fundação Centesimus Annus e quantos participam nas suas iniciativas a agir, nos respetivos âmbitos, para solicitar um processo de requalificação profissional e a adoção de formas que facilitem a recolocação das pessoas despedidas noutras atividades.

* É preciso analisar atentamente os efeitos positivos e negativos da ia no campo da segurança e da privacidade.

* Devem ser considerados e aprofundados os efeitos sobre a capacidade relacional e cognitiva das pessoas e sobre os seus comportamentos. Não podemos aceitar que tais capacidades sejam reduzidas ou condicionadas por um instrumento tecnológico, ou seja, por quantos o possuem e utilizam.

* Para concluir — mas este elenco não tenciona ser exaustivo — é preciso recordar o enorme consumo de energia necessário para desenvolver a ia , enquanto a humanidade enfrenta uma delicada transição energética.

Caros amigos, é na frente da inovação tecnológica que se jogará o futuro da economia, da civilização, da própria humanidade. Não devemos perder a ocasião de pensar e agir de modo novo, com a mente, o coração e as mãos, a fim de orientar a inovação para uma configuração centrada no primado da dignidade humana. Isto é inquestionável! Uma inovação que promova o desenvolvimento, o bem-estar e a convivência pacífica, protegendo os mais desfavorecidos. E isto exige um ambiente regulamentar, económico e financeiro que limite o poder de monopólio de poucos e permita que o desenvolvimento beneficie toda a humanidade.

Por isso, espero que a Centesimus Annus continue a abordar este tema. Congratulo-me com o lançamento da segunda investigação conjunta entre a Fundação e a Aliança Estratégica das Universidades Católicas de Investigação ( sacru ) sobre “A Inteligência artificial e o cuidado da casa comum: atenção aos negócios, às finanças e à comunicação”, coordenada pela Senhora Tarantola. Por favor, mantende-me informado sobre isto! E termino com uma provocação: temos a certeza de que queremos continuar a chamar “inteligência” àquilo que não é inteligência? É uma provocação! Pensemos nisto e perguntemo-nos se o uso impróprio desta palavra tão importante, tão humana, não é já uma rendição ao poder tecnocrático.

Abençoo-vos e desejo-vos todo o bem para as vossas atividades. Continuai a trabalhar com coragem, arriscai! E peço-vos, por favor, que rezeis por mim. Obrigado!