· Cidade do Vaticano ·

Os humoristas, os poderosos e o sorriso de Deus

20 junho 2024

A14 de junho, se tivéssemos que indicar um “tema” para o dia vivido pelo Papa Francisco, poderíamos dizer que foi o dia do poder. E o pensamento dirige-se imediatamente para o g 7, para o encontro que o Papa teve no final da manhã com os “poderosos” da Terra em Borgo Egnazia, depois de se ter encontrado de manhã cedo no Vaticano com cerca de duzentos comediantes. Mas talvez valha a pena refletir sobre este encontro matutino, que teve com os humoristas, porque também eles são “poderosos”, tal como os políticos, sob certos aspetos até mais.

Um mestre do cinema como Federico Fellini, como se sabe, cineasta muito amado pelo Papa Francisco, numa das suas últimas entrevistas disse que sentia grande atração pelos atores humoristas, que considerava benfeitores da humanidade: «Fazer rir sempre me pareceu a mais privilegiada das vocações, um pouco como a dos santos». E logo no início do seu discurso, o Papa reconheceu o grande “poder” desta categoria da sociedade, muitas vezes subestimada: «No meio de tantas notícias sombrias, imersos como vivemos em tantas emergências sociais e até pessoais, tendes o poder de difundir serenidade e sorrisos». Não é um poder pequeno, pois graças ao seu talento, «dom precioso» como o definiu Bergoglio, os comediantes conseguem unir as pessoas, «porque o riso é contagioso. É mais fácil rir juntos do que sozinhos: a alegria abre à partilha e é o melhor antídoto contra o egoísmo e o individualismo».

«Rir ajuda também a romper as barreiras sociais, a criar ligações entre as pessoas. Permite-nos exprimir emoções e pensamentos, ajudando a construir uma cultura compartilhada e a criar espaços de liberdade». Perguntamo-nos se esta não é (também) a tarefa dos políticos: romper as barreiras sociais e criar espaços de liberdade. Não é por acaso que a figura amplamente citada no encontro com os humoristas, Thomas More, com a sua Oração do bum humor (que o Papa quis que fosse lida por Luciana Litizzetto no final da audiência), é também o campeão da liberdade de consciência e o santo padroeiro dos políticos, criando assim uma ponte perfeita entre os dois eventos, como se fosse uma admoestação aos poderosos reunidos no g 7, dizendo: lembrai-vos de rir de vez em quando e, acima de tudo, de rir de vós próprios!

O poder de fazer rir é grande, mina todos os outros poderes, pois como recordou o Papa, os comediantes conseguem realizar um milagre: «Fazer sorrir até perante problemas, pequenos e grandes acontecimentos da história. Denunciais os excessos do poder; dais voz a situações esquecidas; salientais abusos; assinalais comportamentos inadequados... Mas sem espalhar alarme nem terror, ansiedade nem medo, como faz muita comunicação; despertais o sentido crítico fazendo rir e sorrir. Fazei-lo contando histórias de vida, narrando a realidade, de acordo com o vosso ponto de vista original; e nisto falais às pessoas sobre problemas grandes e pequenos». E também aqui, o pensamento voa para a política, que hoje parece muito distante das pessoas e dos seus problemas.

Quando, em 1500, Thomas More denunciou os excessos do poder, a ponto de pagar pessoalmente com o martírio, escreveu nessa oração o exato “antídoto contra o individualismo”: «... e não me deixeis preocupar excessivamente com aquela coisa pesada chamada “eu”». O santo chanceler (hoje diríamos primeiro-ministro) profetizou contra o mal de sempre e que hoje, mais do que nunca, domina a sociedade ocidental contemporânea; foi um grande humanista e um humorista requintado; na realidade, as duas coisas caminham juntas: humanista e humorista têm a sua raiz no “húmus”, a terra fértil, da qual deriva a palavra “humildade”, isto é, o reconhecimento das próprias fragilidades, contradições, fraquezas, pois o homem olha e anseia pelas estrelas, mas é feito de barro. Por isso o humor saudável, que nasce desta humildade, está ligado à misericórdia: o verdadeiro humorista ri e faz rir, sem nunca desprezar. O Papa disse-o com palavras fortes e claras: «O humorismo não ofende, não humilha, não prende as pessoas aos seus defeitos. Se hoje a comunicação gera muitas vezes oposições, vós sabeis conjugar realidades diferentes e às vezes até opostas. Como devemos aprender convosco! O riso do humor nunca é “contra” alguém, mas é sempre inclusivo, proativo, suscita abertura, simpatia, empatia». Também aqui, a política, muitas vezes reduzida ao “ser contra”, teria muito a aprender. O poderoso, quando aceita a lição do humorismo, deixa de ser “prepotente” e depõe as suas armas, muitas vezes acorrentadas a uma defesa que se transforma imediatamente em ofensa, agressividade.

E como os poderosos da política, também os cristãos poderiam aprender muito com os comediantes. O teólogo Elmar Salmann, monge beneditino alemão, no ensaio Presença de Espírito, lembra-nos que o bom humor salva os crentes do risco de que a ideia de fé possa degradar-se em ideologia, permitindo-lhes «ser verdadeiros sem fanatismo, dedicados ao bem sem moralismo, propensos à beleza sem ser estetas». Segundo Salmann, o humor manifesta-se como «um pequeno sacramento da graça, um vislumbre do porvir de Deus no meio dos homens».

Na passagem mais intensa do seu discurso, o Papa disse que vós, comediantes, «quando conseguis fazer brotar sorrisos inteligentes dos lábios de um só espetador, fazeis sorrir até Deus». E Deus também sorri sempre e nunca despreza, e ri abraçando, convidando os homens a entrar na sua alegria, como diz várias vezes nos Evangelhos, porque é um Deus Ludens, brincalhão, e isto permite ao homo sapiens ser também homo ludens neste prelúdio que é a vida terrena. Talvez então os poderosos devam calcular, pensar menos e sorrir mais, pois como diz um velho ditado hebraico: «O homem pensa, Deus ri».

O humor como “vislumbre do porvir de Deus”. Concluindo, o humor tem a ver não só com a misericórdia, mas também com a esperança. Terminando o encontro com os humoristas, num momento não programado, o Papa invocou Deus que «vos acompanhe nesta linda vocação de fazer rir, dos comediantes. É mais fácil ser trágico do que cómico, é mais fácil! Obrigado por fazer rir as pessoas e obrigado também por rir de coração».

Estas palavras captam uma verdade profunda, que mais uma vez é válida também para a política: o caminho do mal, fazer chorar, é mais fácil do que fazer rir, assim como o desespero é mais fácil do que a esperança. Mas é precisamente por isso que vale a pena seguir o caminho da esperança, “armando-nos” com o poder do bom humor, o poder mais forte precisamente porque desarmado.

Andrea Monda