«Quando conseguis despertar sorrisos inteligentes nos lábios de um único espetador», vós «fazeis sorrir até Deus». «Como precisamos de aprender convosco», disse o Papa Francisco aos artistas do mundo do humorismo provenientes de vários países, entre os quais os portugueses Ricardo de Araújo Pereira, Joana Marques e Maria Rueff; os brasileiros Fábio Porchat, Cacau Protásio e Cristiane Werson; e o timorense Rivelino Barro Gonçalves. Convidados pelo Dicastério para a cultura e a educação e pelo Dicastério para a comunicação, o Pontífice encontrou-se com eles na manhã de 13 de junho, na sala Clementina, e nessa ocasião dirigiu-lhes o seguinte discurso.
Caros amigos!
É com prazer que vos dou as boas-vindas e agradeço a todos os que, no Dicastério para a Cultura e a Educação, prepararam este encontro. O Prefeito contou-me que em Itália se diz que “o sorriso faz bom sangue”. É assim que se diz?
Olho com estima para vós, artistas, que vos exprimis na linguagem da comicidade, do humorismo, da ironia. Quanta sabedoria há nisso! De todos os profissionais que trabalham na televisão, no cinema, no teatro, na imprensa escrita, nas canções, nas redes sociais, vós estais entre os mais amados, procurados, aplaudidos. Certamente porque sois bons; mas há também outra razão: tendes e cultivais o dom de fazer rir.
No meio de tantas notícias sombrias, imersos como estamos em tantas emergências sociais e até pessoais, tendes o poder de espalhar a serenidade e o sorriso. Estais entre os poucos que têm a capacidade de falar com pessoas muito diferentes, de gerações e origens culturais diversas.
À vossa maneira, unis as pessoas, porque o riso é contagioso. É mais fácil rir em conjunto do que sozinho: a alegria abre à partilha e é o melhor antídoto contra o egoísmo e o individualismo. Rir também ajuda a abater as barreiras sociais, a criar ligações entre as pessoas. Permite-nos exprimir emoções e pensamentos, ajudando a construir uma cultura partilhada e a criar espaços de liberdade. Lembrais-nos que o homo sapiens é também homo ludens; que o divertimento lúdico e o riso são fundamentais para a vida humana, para nos expressarmos, para aprendermos, para darmos significado às situações.
O vosso talento é um dom, um dom precioso. Juntamente com o sorriso, difunde a paz, nos corações, entre as pessoas, ajudando-nos a ultrapassar as dificuldades e a suportar o stress diário. Ajuda-nos a encontrar alívio na ironia e a levar a vida com humorismo. Gosto de rezar todos os dias — há mais de quarenta anos que o faço — com as palavras de São Tomás More: «Dai-me, Senhor, o sentido do humorismo». Conheceis esta oração? Deveis conhecê-la! Encarrego os Superiores [do Dicastério] de a dar a conhecer a todos os artistas, está na minha Exortação Gaudete et exsultate, na nota de rodapé 101, está lá a oração. «Dai-me, Senhor, o sentido do humorismo». É uma graça que peço todos os dias, porque me faz levar as coisas com o espírito certo.
Mas vós também conseguis fazer outro milagre: conseguis fazer sorrir as pessoas, até tratando de problemas, de pequenos e grandes factos da história. Denunciais os excessos do poder, dais voz a situações esquecidas, chamais a atenção para abusos, assinalais comportamentos inadequados... Mas sem espalhar alarme ou terror, ansiedade ou medo, como faz muita comunicação; despertais o sentido crítico fazendo rir e sorrir. Fazei-lo contando histórias de vida, narrando a realidade, de acordo com o vosso ponto de vista original; e, desta forma, falais às pessoas sobre problemas pequenos e grandes.
Segundo a Bíblia, na origem do mundo, enquanto tudo estava a ser criado, a Sabedoria divina praticava a vossa arte em benefício nada menos do que do próprio Deus, o primeiro espetador da história. Diz assim: «Eu estava com ele como artífice e era a sua delícia todos os dias: brincava diante dele em todos os momentos, brincava sobre o globo terrestre, colocando as minhas delícias entre os filhos do homem» (Pr 8, 30-31). Lembrai-vos disto: quando conseguis provocar sorrisos inteligentes nos lábios de um único espetador — o que vou dizer agora não é uma heresia! — fazeis sorrir também Deus.
Vós, queridos artistas, sabeis pensar e falar com humor em diferentes formas e estilos; e, em todo o caso, a linguagem do humor é adequada para compreender e “sentir” a natureza humana. O humorismo não ofende, não humilha, não prende as pessoas aos seus defeitos. Se hoje em dia a comunicação gera frequentemente oposições, vós sabeis conjugar realidades diferentes e por vezes até opostas. Como precisamos de aprender convosco! O riso do humorismo nunca é “contra” alguém, mas é sempre inclusivo, proativo, suscita abertura, simpatia, empatia. Por favor, rezai ao Senhor e pedi o sentido do humorismo. Ireis receber essa bela oração de São Tomás More.
Recordo-me da história, no livro do Génesis, em que Deus promete a Abraão que terá um filho dentro de um ano. Ele e a sua esposa Sara já eram idosos e sem descendência. Sara ouvia e riu por dentro. Porque, como as mulheres, era curiosa e escutava por detrás da cortina o que o marido fazia, o que o marido dizia, talvez para o repreender... Escutou que teria um filho dentro de um ano e riu por dentro. E o mesmo terá feito Abraão, com alguma amargura. “Na minha idade, não brinques!”. Mas, de facto, Sara concebeu e deu à luz o seu filho na velhice, no tempo que Deus tinha estabelecido. Então ela disse: «Deus deu-me um motivo de riso jubiloso» (Gn 21, 6). Foi por isso que ao filho deram o nome de Isaac, que significa “ele ri”.
Também se pode rir de Deus? Claro que sim, e não se trata de blasfémia, pode-se rir, tal como se joga e se brinca com as pessoas que amamos. A tradição sapiencial e literária judaica é mestra nisto! É possível fazê-lo, mas sem ofender os sentimentos religiosos dos crentes, sobretudo dos pobres.
Queridos amigos, Deus abençoe a vós e à vossa arte. Continuai a animar as pessoas, especialmente aquelas que têm mais dificuldade em olhar para a vida com esperança. Ajudai-nos, com um sorriso, a ver a realidade com as suas contradições e a sonhar com um mundo melhor! Abençoo-vos de coração e peço-vos por favor que rezeis por mim: a favor, com um sorriso, não contra!
Agora, antes de conceder a bênção, gostaria que todos nós ouvíssemos essa bela oração de São Tomás More.
Luciana Littizzetto tomou então a palavra, dizendo: «Obrigada, entretanto obrigada em meu nome e em nome de todos os meus colegas. Encontramo-nos sempre apenas em funerais, desta vez é um momento de alegria. Obrigada»! A artista piemontesa leu a oração.
Dai-me Senhor, uma boa digestão
e também algo para digerir.
Dai-me a saúde do corpo,
com o bom humor necessário
para a manter.
Dai-me Senhor, uma alma santa,
que saiba valorizar
o que é bom e puro,
e que não tenha medo do pecado,
mas que encontre meios
de o corrigir.
Dai-me uma alma que não conheça o tédio, a murmuração, o suspiro
e o gemido,
e que não me aflija demasiado
por essa coisa incómoda que
se chama “eu”.
Dai-me, Senhor, um sentido
de humorismo,
Dai-me a graça de entender
as piadas,
para que eu possa ter alguma alegria na vida e seja capaz
de a comunicar aos outros.
Assim seja!
Depois, o Papa Francisco acrescentou ainda as seguintes palavras.
Esqueci-me que vos tinha concedido a bênção, por isso desejo-vos, como despedida, uma bênção humana. Desejo-vos as maiores felicidades e que Deus vos acompanhe nesta lindíssima vocação dos comediantes de fazer rir. É mais fácil ser trágico do que cómico, é mais fácil. Obrigado por fazer rir as pessoas e obrigado também pelo rir de coração. Que o Senhor abençoe todos vós. Obrigado!