· Cidade do Vaticano ·

Apresentado o documento do Dicastério para a promoção da unidade dos cristãos sobre o papel do Papa e do exercício do primado petrino

Primado e sinodalidade
nos diálogos ecuménicos
e nas respostas à encíclica “Ut unum sint”

 Primado e sinodalidade nos diálogos ecuménicos  e nas respostas à encíclica “Ut unum sint”  POR-024 ...
13 junho 2024

Na manhã de 13 de junho, na Sala de imprensa da santa Sé, foi apresentado o documento do Dicastério para a promoção da unidade dos cristãos que faz o balanço do diálogo ecuménico sobre o papel do Papa e do exercício do primado petrino.

“O Bispo de Roma” é um documento do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos que recolhe o fruto dos diálogos ecuménicos sobre o ministério do Papa, em resposta ao convite formulado há quase trinta anos por João Paulo ii, na sequência dos passos dados desde o Concílio Vaticano ii. O objetivo é procurar uma forma de exercício do primado que seja partilhado pelas Igrejas que viveram em plena comunhão nos primeiros séculos. Embora nem todos os diálogos teológicos «tenham tratado o assunto ao mesmo nível ou com a mesma profundidade», é possível apontar algumas “novas abordagens” às questões teológicas mais controversas.

A releitura dos textos petrinos


Um dos frutos dos diálogos teológicos é uma leitura renovada dos “textos petrinos”, que historicamente se tornaram um obstáculo para a unidade dos cristãos. «Os parceiros do diálogo foram desafiados a evitar projeções anacrónicas de desenvolvimentos doutrinais posteriores e a considerar de novo o papel de Pedro entre os apóstolos». Por exemplo, foi redescoberta «uma diversidade de imagens, interpretações e modelos no Novo Testamento, enquanto noções bíblicas como episkopé (o ministério da supervisão), diaconia e o conceito de “função petrina” ajudaram a desenvolver uma compreensão mais abrangente dos “textos petrinos”».

A origem do primado

Outra questão controversa é a compreensão católica do primado do Bispo de Roma como uma instituição de direito divino, enquanto a maioria dos outros cristãos o entende como uma instituição unicamente de direito humano. «Esclarecimentos hermenêuticos», lê-se no documento, «ajudaram a colocar esta dicotomia tradicional numa nova perspetiva», considerando o primado tanto de direito divino como de direito humano, ou seja, «como parte da vontade de Deus para a Igreja e mediada ao longo da história humana». Os diálogos sublinharam a distinção «entre a essência teológica e a contingência histórica do primado» e exigem «uma maior atenção e avaliação do contexto histórico que condicionou o exercício do primado em diferentes regiões e períodos».

Vaticano I


Um obstáculo significativo são as definições dogmáticas do Concílio Vaticano i . Alguns diálogos ecuménicos fizeram «progressos promissores ao empreender uma “releitura” ou “re-aceitação” deste Concílio, abrindo novas vias para uma compreensão mais exata do seu ensinamento», também à luz dos contextos históricos e do ensinamento do Vaticano ii . Assim, foi dada uma leitura diferente à definição dogmática da jurisdição universal do Papa, «identificando a sua extensão e os seus limites». De igual modo, foi possível clarificar «a formulação do dogma da infalibilidade e até concordar com alguns aspetos da sua finalidade, reconhecendo a necessidade, em certas circunstâncias, de um exercício pessoal do ensinamento do magistério, dado que a unidade dos cristãos é uma unidade na verdade e no amor». Apesar destes esclarecimentos, reconhece o documento, «os diálogos continuam a exprimir preocupações sobre a relação da infalibilidade com o primado do Evangelho, a indefetibilidade de toda a Igreja, o exercício da colegialidade episcopal e a necessidade de acolhimento».

Um ministério para a Igreja reconciliada


Muitos diálogos teológicos reconheceram «a necessidade de um primado a nível universal. Referindo-se à tradição apostólica, alguns diálogos afirmam que, desde as origens da Igreja, o cristianismo foi fundado em sedes apostólicas principais que ocupavam uma ordem específica, das quais a Sé de Roma foi a primeira». Alguns diálogos realçaram que existe uma interdependência mútua entre primado e sinodalidade a todos os níveis da vida da Igreja: local, regional, mas também universal. Outro argumento a favor, de carácter mais pragmático, diz respeito ao contexto contemporâneo da globalização e das exigências missionárias. Os diálogos teológicos identificaram alguns critérios do primeiro milénio «como pontos de referência e fontes de inspiração para o exercício aceitável de um ministério da unidade a nível universal, tais como: o carácter informal — e não primariamente jurisdicional — das expressões de comunhão entre as Igrejas; o “primado de honra” do Bispo de Roma; a interdependência entre as dimensões primacial e sinodal».

Primado e sinodalidade


Muitos diálogos reconhecem que o primeiro milénio da história cristã não deveria, no entanto, «ser idealizado nem simplesmente recriado», também porque um primado a nível universal deve responder aos desafios contemporâneos. Assim, foram identificados alguns princípios para o exercício do primado no século xxi : «Um primeiro acordo geral é a interdependência mútua entre primado e sinodalidade a todos os níveis da Igreja e a consequente necessidade de um exercício sinodal do primado». Outro acordo diz respeito à articulação entre «a dimensão “comunitária” baseada no sensus fidei de todos os batizados; a dimensão “colegial”, expressa sobretudo na colegialidade episcopal; e a dimensão “pessoal” expressa pela função primacial». Uma questão crucial é a relação entre a Igreja local e a Igreja universal, que tem consequências importantes para o exercício do primado. Os diálogos ecuménicos ajudaram a chegar a um acordo «sobre a simultaneidade destas dimensões, insistindo que não é possível separar a relação dialética entre a Igreja local e a Igreja universal».

O papel das Conferências Episcopais


Muitos diálogos realçaram «a necessidade de um equilíbrio entre o exercício do primado a nível regional e universal, observando que, na maioria das comunhões cristãs, o nível regional é o mais relevante para o exercício do primado e também para a sua atividade missionária. Alguns diálogos teológicos com as comunhões cristãs ocidentais, constatando uma “assimetria” entre estas comunhões e a Igreja Católica, exigem o reforço das conferências episcopais católicas, também a nível continental» e a descentralização inspirada no modelo das antigas Igrejas patriarcais.

Tradições e subsidiariedade


A importância do princípio da subsidiariedade é então frisada: «nenhuma questão que possa ser adequadamente tratada a um nível inferior deve ser levada a um nível superior». Alguns diálogos aplicam este princípio para definir um modelo aceitável de “unidade na diversidade” com a Igreja Católica, argumentando que «o poder do Bispo de Roma não deveria exceder o necessário para o exercício do seu ministério de unidade a nível universal e sugerem uma limitação voluntária no exercício do seu poder — embora reconhecendo que ele precisará de um grau suficiente de autoridade para lidar com os muitos desafios e obrigações complexas do seu ministério».

Sugestões práticas de trabalho


Uma primeira proposta é a de uma nova interpretação, por parte da Igreja Católica, dos ensinamentos do Vaticano i , com «novas expressões e vocábulos fiéis à intenção original, mas integrados numa eclesiologia de comunhão e adaptados ao atual contexto cultural e ecuménico». Sugere-se também que se faça uma distinção mais clara entre as diferentes responsabilidades do Bispo de Roma, «particularmente entre o seu ministério patriarcal na Igreja do Ocidente e o seu ministério primacial de unidade na comunhão das Igrejas». É também necessário dar maior ênfase ao exercício do ministério do Papa na sua Igreja particular, a diocese de Roma. A terceira recomendação diz respeito ao desenvolvimento da sinodalidade no seio da Igreja Católica. Em particular, foi sugerida «uma maior reflexão sobre a autoridade das conferências episcopais católicas nacionais e regionais, a sua relação com o Sínodo dos Bispos e com a Cúria Romana. A nível universal, foi salientada a necessidade de uma maior participação de todo o povo de Deus nos processos sinodais». Por fim, uma última proposta diz respeito à «promoção da “comunhão conciliar” através de reuniões regulares entre os líderes das Igrejas em todo o mundo», e à promoção da sinodalidade entre as Igrejas com consultas regulares e ações e testemunhos conjuntos entre bispos e primazes.