Israel e a Palestina precisam
«Israel e Palestina precisam de um abraço de paz!». Com as imagens do que aconteceu em Verona há vinte dias, quando um israelita e um palestiniano se abraçaram à sua frente, ainda gravadas na memória, o Papa Francisco relançou na tarde de sexta-feira 7 de junho, os votos de reconciliação entre os dois países e os respetivos povos. O seu veemente apelo a um abraço de paz entre Israel e a Palestina é um dos mais importantes. E o pensamento do Pontífice não podia deixar de se dirigir ao ainda mais significativo — «comovedor», assim o definiu — abraço de paz que, nessa ocasião, foi trocado entre o então presidente do Estado de Israel, o saudoso Shimon Peres, e o presidente do Estado da Palestina, Mahmoud Abbas, na presença do Patriarca ecuménico Bartolomeu e de representantes das comunidades cristã, judaica e muçulmana de Jerusalém. Neste encontro, oito meses depois daquele 7 de outubro de 2023 que marcou o início de um novo conflito dilacerante no Médio Oriente, Francisco chegou num golf car elétrico, saudado, entre outros, por 23 cardeais, entre os quais Sandri, vice-decano, e Parolin, secretário de Estado; pelos arcebispos Peña Parra e Gallagher, respetivamente substituto e secretário para as Relações com os Estados e as Organizações internacionais, acompanhados pelos arcebispos Campisi, conselheiro, e Fernández González, chefe do Protocolo. No final da cerimónia, antes de cumprimentar cada um dos presentes, aproximaram-se do Pontífice o rabino Alberto Funaro, da comunidade judaica de Roma, Abdellah Redouane, secretário-geral do Centro cultural islâmico da Itália, e os embaixadores de Israel e da Palestina junto da Santa Sé, Raphael Yaakov Schutz e Issa Kassissieh. Juntos, regaram a oliveira, ao pé da qual foi colocada uma placa comemorativa do evento de 2014, significando o desejo de manter vivas as raízes da esperança sem as deixar murchar. Eis as palavras proferidas pelo Papa.
Eminências, Excelências
Senhores Embaixadores
queridos irmãos e irmãs!
Agradeço-vos por estardes aqui para celebrar o décimo aniversário da invocação pela paz na Terra Santa. Obrigado!
O então Presidente do Estado de Israel, o saudoso Shimon Peres, e o Presidente do Estado da Palestina, Mahmoud Abbas, aceitaram o meu convite para virem aqui implorar de Deus o dom da paz. Algumas semanas antes, eu tinha ido como peregrino à Terra Santa e ali mesmo tinha manifestado o grande desejo de que os dois se encontrassem, para realizar um gesto significativo, histórico, de diálogo e de paz. Trago no coração muita gratidão ao Senhor por aquele dia, ao mesmo tempo que conservo a recordação daquele abraço emocionado entre os dois Presidentes, também na presença de Sua Santidade Bartolomeu i , Patriarca Ecuménico, e dos representantes das comunidades cristãs, judaicas e muçulmanas de Jerusalém.
Hoje, trazer à memória aquele acontecimento é importante, especialmente à luz do que infelizmente está a acontecer na Palestina e em Israel. Há meses que assistimos a um crescente rastro de hostilidade e, diante dos nossos olhos, vemos morrer tanta gente, incluindo tantos inocentes. Todo este sofrimento, a brutalidade da guerra, a violência que desencadeia, o ódio que semeia nas gerações futuras deveriam convencer-nos de que «toda a guerra deixa o mundo pior do que o encontrou. A guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota perante as forças do mal» (Carta Encíclica Fratelli tutti, 261).
Por esta razão, em vez de nos iludirmos de que a guerra pode resolver problemas e levar à paz, devemos ser críticos e vigilantes diante de uma ideologia, hoje infelizmente dominante, segundo a qual «o conflito, a violência e as fraturas fazem parte do funcionamento normal de uma sociedade» (Ibid., 236). Em causa estão sempre lutas de poder entre diferentes grupos sociais, interesses económicos particulares e atos de equilíbrio político internacional que visam uma paz aparente, evitando os verdadeiros problemas.
Em vez disso, numa época marcada por conflitos trágicos, é necessário um renovado compromisso na construção de um mundo pacífico. A todos, crentes e pessoas de boa vontade, gostaria de dizer: não deixemos de sonhar com a paz nem de construir relações pacíficas!
Diariamente rezo para que esta guerra chegue ao fim, de uma vez por todas. Penso naqueles que sofrem, em Israel e na Palestina: cristãos, judeus, muçulmanos. Penso em quão urgente é que a decisão de parar as armas surja finalmente dos escombros de Gaza e, por isso, peço um cessar-fogo; penso nos familiares e nos reféns israelitas, e peço que sejam libertados o mais rapidamente possível; penso na população palestiniana, e peço que seja protegida e receba toda a ajuda humanitária necessária; penso em tantas pessoas deslocadas por causa dos combates, e peço que as suas casas sejam reconstruídas rapidamente, para que a elas possam regressar em paz. Penso também naqueles palestinianos e israelitas de boa vontade que, entre lágrimas e sofrimentos, não deixam de aguardar, na esperança, a chegada de um novo dia e se esforçam por antecipar a aurora de um mundo pacífico no qual todos os povos «transformarão as suas espadas em relhas de arados, e as suas lanças, em foices. Uma nação não levantará a espada contra outra, e não se adestrarão mais para a guerra» (Is 2, 4).
Todos devemos trabalhar e comprometer-nos para alcançar uma paz duradoura, na qual o Estado da Palestina e o Estado de Israel possam viver lado a lado, derrubando os muros da inimizade e do ódio; e todos devemos acarinhar Jerusalém, para que, protegida por um estatuto especial garantido a nível internacional, ela se torne a cidade do encontro fraterno entre cristãos, judeus e muçulmanos.
Irmãos e irmãs, hoje estamos aqui para invocar a paz. Peçamo-la a Deus como dom da sua misericórdia. A paz não se constrói apenas com acordos escritos no papel ou à mesa dos compromissos humanos e políticos. Nasce de corações transformados, surge quando cada um de nós é alcançado e tocado pelo amor de Deus, que dissolve o nosso egoísmo, quebra os nossos preconceitos e nos dá o gosto e a alegria da amizade, da fraternidade e da solidariedade mútua. Não pode haver paz se, primeiro, não deixarmos que o próprio Deus desarme o nosso coração, para o tornar hospitaleiro, compassivo e misericordioso. Estes são os atributos de Deus: a proximidade hospitaleira, a compaixão e a misericórdia. Deus é próximo, compassivo e misericordioso.
Por isso, esta tarde, queremos renovar a nossa oração, e de novo, como há dez anos, queremos elevar a Deus a nossa súplica pela paz. Queremos pedir ao Senhor que faça crescer ainda mais a oliveira que naquele dia plantámos: tornou-se forte, viçosa, porque foi protegida dos ventos e foi regada com cuidado. Do mesmo modo, devemos pedir a Deus que a paz possa germinar no coração de cada homem, em cada povo e Nação, em cada faixa de terra, protegida de ventos de guerra e regada por aqueles que, todos os dias, se esforçam por viver em fraternidade.
Não deixemos de sonhar com a paz, que nos dá a alegria inesperada de nos sentirmos parte de uma única família humana. Esta alegria pude vê-la há poucos dias em Verona, no rosto daqueles dois pais, um israelita e um palestiniano, que se abraçaram diante de todos. É disto que Israel e a Palestina precisam: um abraço de paz!
Peçamos, então, ao Senhor que os Chefes das Nações e as partes em conflito possam reencontrar o caminho da concórdia e da unidade. Que todos se reconheçam como irmãos. Peçamo-lo ao Senhor e, por intercessão de Maria, a menina de Nazaré, Rainha da Paz, repitamos aquela oração de há dez anos:
Senhor Deus de Paz, escutai a nossa súplica! Tentámos tantas vezes e durante tantos anos resolver os nossos conflitos com as nossas forças e também com as nossas armas; tantos momentos de hostilidade e escuridão; tanto sangue derramado; tantas vidas despedaçadas; tantas esperanças sepultadas... Mas os nossos esforços foram em vão. Agora, Senhor, ajudai-nos Vós! Dai-nos Vós a paz, ensinai-nos Vós a paz, guiai-nos Vós para a paz. Abri os nossos olhos e os nossos corações e dai-nos a coragem de dizer: «Nunca mais a guerra»; «com a guerra, tudo fica destruído»! Infundi em nós a coragem de realizar gestos concretos para construir a paz. Amém!
Senhor, Deus de Abraão e dos Profetas, Deus Amor que nos criastes e chamais a viver como irmãos, dai-nos a força para sermos cada dia artesãos da paz; dai-nos a capacidade de olhar com benevolência todos os irmãos que encontramos no nosso caminho. Tornai-nos disponíveis para ouvir o grito dos nossos cidadãos que nos pedem para transformar as nossas armas em instrumentos de paz, os nossos medos em confiança e as nossas tensões em perdão. Mantende acesa em nós a chama da esperança para efetuar, com paciente perseverança, opções de diálogo e reconciliação, para que vença finalmente a paz. E que do coração de todo o homem sejam banidas estas palavras: divisão, ódio, guerra!
Senhor, desarmai a língua e as mãos, renovai os corações e as mentes, para que a palavra que nos faz encontrar seja sempre “irmão”, “irmã”, e o estilo da nossa vida se torne: shalom, paz, salam! Amém!