· Cidade do Vaticano ·

Reflexão litúrgico-pastoral para o domingo XI do tempo comum

A grandeza das pequenas coisas

 A grandeza das pequenas coisas  POR-024
13 junho 2024

O Evangelho deste Domingo xi do Tempo Comum (Mc 4, 26-34) põe-nos na mão, nos olhos e no coração duas parábolas singulares: a da semente que germina e cresce sozinha (vv. 26-29), que é exclusiva do Evangelho de Marcos, e a do grão de mostarda (vv. 30-32) que, com pequenas variantes, se encontra nos três Evangelhos sinóticos. As parábolas são pequenas, porque falam do que há de mais pequeno: a semente. A semente é a palavra de Deus (Mc 4, 14; Lc 8, 11). Ora, a semente — semente de planta, semente de animal, semente de homem — é vida. Jesus ensina que é a palavra que semeia a vida, pois é o seu começo. Entenda-se por este prisma o começo da vida nova do Reino de Deus que pode sempre nascer em nós, quando temos a graça de ver chegar até nós a palavra do Evangelho, o próprio Evangelho em pessoa, Jesus Cristo, que nos faz nascer do alto e nos faz nascer de novo (ánôthen) (Jo 3, 3).

2. Também pequeninos são os passarinhos do céu que vêm «fazer ninho» (à letra: «pôr a tenda» [kataskênóô]) «debaixo da sombra» (hypò tên skián) dos ramos da planta da mostarda (Mc 4, 32). Mateus e Lucas usam também a imagem dos pássaros do céu, mas põem-nos a «fazer os ninhos entre os seus ramos» (Mt 13, 32; Lc 13, 19). As coisas pequeninas — plantas, animais, crianças — requerem maior atenção. Toda a atenção, portanto, à palavra de Jesus, que nos é magistralmente repartida aos bocadinhos, como migalhas de pão.

3. Bem entendido, o texto das duas pequenas, mas belas parábolas hoje expostas diante de nós, vem depois da chamada «parábola do semeador» ou «da semente semeada», que é narrada em Mc 4, 1-9, e explicada em Mc 4, 13-20, mas que devemos ter bem presente para compreender melhor as duas pequenas parábolas de hoje. A parábola do «semeador» ou da «semente semeada» segue o esquema «3 + 1» [caminho, terreno pedregoso, espinhos + terra boa], que é já, de per si, ilustrativo, pois nos obriga a esperar até ao fim para ver o correto e lento percurso desde a sementeira [novembro/dezembro] até à colheita [abril/maio]. É mesmo dito, na parábola, pedagogicamente, que a semente que germina depressa também seca depressa (Mc 4, 5-6).

4. É notório que a semente é coisa bem pequenina. É o que há de mais pequeno. Mas contém inscrito no seu adn um percurso semelhante ao de Jesus. De facto, uma vez caída à terra, a semente dará (paradídômi) o grão e o pão (Mc 4, 29). Caída à terra, morre para nascer de outra maneira. É a Paixão. Da semente semeada, que é a Palavra de Deus, à Paixão e ao Pão. Bem entendido: a parábola da semente semeada é a parábola de Jesus! É todo o processo ou parábola de Jesus a passar diante dos nossos olhos atónitos! Portanto, diz bem o Jesus de Marcos «aos que estavam à sua volta com os Doze» (Mc 4, 10): «Se não entendeis esta parábola, como entendereis todas as parábolas?» (Mc 4, 13). Dito por outras palavras: se não entendemos a semente semeada, que é o início do processo, como entenderemos o inteiro processo e o seu final? (Mc 4, 13). Como entenderemos a glória sem a humildade, o céu sem o chão?

5. De forma significativa, as duas parábolas de hoje, situadas ainda no cone de luz da parábola da «semente semeada», só reclamam a ação humana em dois momentos distanciados no tempo: quando é lançada a semente à terra (Mc 4, 26), e quando chega o tempo da colheita (Mc 4, 29). Entre estes dois momentos, sucedem-se os dias e as noites, o homem dorme e acorda, e a semente semeada na terra germina, cresce e «oferece» (paradídômi) o seu fruto «automaticamente» (automátê), sem que o homem saiba «como» (hôs) (Mc 4, 27-28). E é verdade que o processo de germinação e de crescimento vegetal era visto como inexplicável aos olhos do homem do Oriente antigo. Não o sabia então e não o sabe hoje o homem simples do campo, embora o saiba hoje a biogenética. Na verdade, «hoje» a ciência sabe «como», mas também não sabe responder ao «porquê». Temos todos de começar mesmo pela atitude sublime da admiração!

6. E no que ao grão de mostarda diz respeito — trata-se da mostarda negra (brassica nigra) — a ação humana só é evocada quando o pequeno grão que é a semente, que é, senão a menor, pelo menos uma das menores e uma das mais conhecidas sementes de então, devido ao seu uso medicinal, é semeada na terra (Mc 4, 31). Depois, só lhe é dado constatar o súbito e espantoso crescimento de uma planta hortícola, que chega a atingir três ou quatro metros de altura, com grandes ramos, em que até os pássaros do céu vêm fazer os seus ninhos à sua sombra (Mc 4, 32).

7. O que é que isto quer dizer? Quer dizer com certeza que o Reino de Deus tem o seu dinamismo próprio, e que é de crescimento. E mais do que querer saber qual é esse dinamismo, porventura para dele se apoderar e controlar e até empenhar-se no seu desenvolvimento, a reação do homem deve ser, antes de mais, de admiração, adoração, louvor e gratidão. Jesus, Filho de Deus, Deus Ele mesmo, atravessa o nosso mundo na condição humilde da nossa humana natureza, utilizando a cultura hebraica em que nasceu, falando a língua então popular nessa cultura, o aramaico, servindo-se das imagens mais simples e próximas, ao alcance de todos: os campos, a semente, as árvores, as aves do céu... Também passará pelo sofrimento e pela morte. Só depois virá a glória da ressurreição. E o Apóstolo Paulo dirá: o que aconteceu a Ele, também nos acontecerá a nós; como aconteceu a Ele, também nos acontecerá a nós! Dito por Jesus: «a eles» (autoîs) (Mc 4, 34a), aos de fora (Mc 4, 11b), tudo chega em parábolas, mas a vós (Mc 4, 11a), «aos próprios discípulos» (toîs idíois mathetaîs) (Mc 4, 34b), expressão só aqui usada, é dado o mistério do Reino de Deus (Mc 4, 11a), e explicava-lhes tudo (Mc 4, 34b). De notar que a expressão «os próprios discípulos» só se encontra nesta passagem, e mostra a particularíssima relação que une a Jesus os seus discípulos.

8. A parábola do pequeno rebento do cedro, apresentada por Ezequiel (17, 22-24), está em perfeita sintonia com as parábolas do Evangelho de hoje. Um pequeno rebento plantado por Deus em Israel crescerá tanto que servirá de abrigo a todas as aves do céu. E além disso servirá ainda de aviso a todas as grandes árvores do campo, pois na verdade Deus derruba a árvore grande e exalta a pequena, seca a árvore verde e reverdece a seca. Esta pequena parábola ganha ainda mais relevo se posta em confronto com a parábola da videira luxuriante, que é o rei Sedecias, plantada por Nabucodonosor em 597, e que volta os seus ramos quer para a Babilónia quer para o Egito, as duas grandes águias, os dois senhores do tempo. Não terá sucesso Sedecias, pois será apanhado nas malhas da rede de Deus, e não vingará (Ez 17, 1-21). Na verdade, embora tendo fugido, é alcançado por Nabucodonosor perto de Jericó, em 587. Antes de lhe serem vazados os olhos e de ser levado cego para a Babilónia, terá de ver ainda, com os seus olhos, serem mortos os seus filhos e a sua mulher. Lição: assim caem as árvores grandes! Mas a árvore pequenina, plantada por Deus continuará a crescer sem sobressaltos e servirá de morada aos passarinhos!

9. Tenha-se sempre bem presente que a semente é a Palavra de Deus (Mc 4, 14; Lc 8, 11). A semente é Jesus, e todo o processo de germinação na terra é a sua Paixão e Morte. E o grão é o fruto novo da Ressurreição. Portanto, é fundamental entender e viver a parábola da semente, que aparece nos três Evangelhos sinóticos. Jesus ensinou muitas vezes em parábolas, as meshalîm hebraicas, que entusiasmavam o povo, que gostava de as ouvir, ainda que, como sabemos, nem sempre as entendesse. A parábola é uma forma de ensino concreto e pouco sistemático. Daí, o facto de despertar o gosto do ouvinte. Mas veja-se aqui já, na parábola da semente e nas duas parábolas de hoje, o trabalho de evangelização a cargo dos discípulos, a quem Jesus enviará a semear a semente pequenina da Palavra de Deus. Ficando eles a saber também desde já que grande parte do processo não será obra deles, mas de Deus. E o fruto dado será sempre muito maior do que a semente semeada.

D. António Couto
Bispo de Lamego