Comunhão, criatividade e tenacidade: estas são as três palavras-chave indicadas pelo Papa Francisco aos participantes na Assembleia geral das Pontifícias obras missionárias, recebidos em audiência na manhã de 25 de maio, na Sala do Consistório.
Eminência, Excelências
Amados Diretores Nacionais das Pontifícias Obras Missionárias
Queridos colaboradores do Dicastério
para a Evangelização
Irmãos e irmãs, bom dia!
Com alegria dou as boas-vindas a todos vós, que viestes de mais de cento e vinte países dos cinco Continentes para a Assembleia Geral Anual das Pontifícias Obras Missionárias. Saúdo o Cardeal Tagle, o Secretário D. Nwachukwu, o Subsecretário D. Nappa, Presidente das pom , e os quatro Secretários Gerais. O comando é bom: um filipino, um africano e — como molho do prato — um napolitano!
Estamos nas vésperas da Solenidade da Santíssima Trindade, que nos faz entrar na contemplação do mistério de Deus: um mistério de amor que se oferece, se dá, se consome totalmente pela salvação da humanidade. Ao contemplar precisamente esta obra de salvação, descobrimos três caraterísticas fundamentais da missão divina, desde o início: a comunhão, a criatividade e a tenacidade. Reflitamos sobre estas palavras-chave, que se revelam atuais para a Igreja em permanente estado de missão e, mais ainda, para as nossas Obras Missionárias chamadas agora a renovarem-se para um serviço cada vez mais incisivo e eficaz.
Em primeiro lugar, a comunhão. Quando contemplamos a Trindade, vemos que Deus é comunhão de pessoas, é mistério de amor. E o amor com que Deus nos vem procurar e salvar, radicado no seu ser Uno e Trino, é também o que fundamenta a natureza missionária da Igreja peregrina na terra (cf. Redemptoris missio, 1; Ad Gentes, 2). Nesta perspetiva, somos chamados a viver a espiritualidade da comunhão com Deus e com os irmãos. A missão cristã não é transmitir alguma verdade abstrata ou qualquer convicção religiosa (e menos ainda fazer proselitismo, isso não) mas primariamente permitir que as pessoas, que encontramos, possam fazer a experiência fundamental do amor de Deus, e possam encontrá-lo na nossa vida e na vida da Igreja, se formos luminosas testemunhas dele refletindo um raio do mistério trinitário. Sobre o proselitismo gostaria de contar uma experiência pessoal. Estava numa das Jornadas da Juventude e ia a sair do teatro onde tinha havido uma reunião, aproximou-se uma senhora que pertencia a um grupo católico ultra (adivinhava-se pelo «cheiro»). Estava com um menino e uma menina e disse-me: «Santidade, quero dizer-lhe que converti estes dois. Converti-os eu!» Olhei-a olhos nos olhos e disse: «E a ti, quem te vai converter?» A missão… da conversão! Há grupos religiosos que têm o catálogo das conversões. Isto é feio! É uma anedota...
Por isso, exorto a todos a progredirem nesta espiritualidade da comunhão missionária, que está hoje na base do caminho sinodal da Igreja. Sublinhei-o na Constituição Praedicate Evangelium e reitero-o agora também a vós, pensando em particular no vosso processo de renovação dos Estatutos. É importante que os estatutos sejam atualizados. Para todos, é necessário um caminho de conversão missionária e, por isso, é importante que existam oportunidades de formação pessoal e comunitária para se crescer na dimensão da espiritualidade missionária de comunhão. De facto, a missão da Igreja tem como objetivo «dar a conhecer a todos e fazer com que todos vivam a “nova” comunhão que, no Filho de Deus feito homem, entrou na história do mundo» (Const. ap. Praedicate Evangelium, i , 4 ).1 E não esqueçamos que a vocação à comunhão implica um estilo sinodal, isto é, caminhar juntos, ouvir-nos, dialogar, até litigar uns com os outros, mas sempre em comunidade. Isso alarga o nosso coração e gera em nós um olhar sempre mais universal, precisamente como foi sublinhado no momento da fundação da Obra da Propagação da Fé: «Não temos de apoiar esta ou aquela missão em particular, mas todas as missões do mundo» ( Mons. Cristiani e J. Servel , Marie-Pauline Jaricot, 39).
A segunda palavra-chave — a primeira, era comunhão — a segunda palavra-chave que vos proponho é criatividade. Radicados na comunhão trinitária, estamos inseridos na obra criadora de Deus, que faz novas todas as coisas. Também nós participamos nesta criatividade e, a propósito, gostaria de dizer duas coisas. A primeira é que a criatividade está ligada à liberdade que Deus possui e nos dá em Cristo e no Espírito. Com efeito, «onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade» (2 Cor 3, 17). O que nos dá a liberdade é o espírito. Leiamos os primeiros capítulos dos Atos dos Apóstolos: ali vemos criatividade, há o Espírito... Por favor, não deixemos roubar-nos a liberdade criativa missionária! A segunda coisa, como disse São Maximiliano Maria Kolbe, missionário franciscano no Japão e mártir da caridade, é esta: «só o amor cria», só o amor cria. Então recordemo-nos de que a criatividade evangélica nasce do amor, do amor divino, e que cada atividade missionária é criadora na medida em que a caridade de Cristo constitui a sua origem, a sua forma e o seu fim. Deste modo, com uma imaginação inexaurível, cria maneiras sempre novas de evangelizar e servir os irmãos, especialmente os mais pobres. Expressão desta caridade são também as tradicionais coletas destinadas aos fundos universais de solidariedade com as missões. Com este objetivo, devemos promovê-las, fazer compreender que esta ajuda que eu dou, que cada cristão dá, faz crescer a Igreja e salva as pessoas, e naturalmente ajudar esta participação não só das pessoas, mas também de grupos e instituições que, com espírito de gratidão pelas graças recebidas do Senhor, desejam apoiar as inúmeras realidades missionárias da Igreja.
A terceira e última palavra é tenacidade, ou seja, a firmeza e a perseverança nos propósitos e na ação. Também este traço podemos contemplá-lo no Amor da Trindade divina que, para realizar os seus desígnios de salvação, com constante fidelidade enviou os seus servos no decurso da história e, na plenitude dos tempos, deu-Se a Si mesmo em Jesus. Assim, a missão divina «é caminhar incansavelmente para a humanidade inteira a fim de a convidar ao encontro e à comunhão com Deus. Incansável! Tenacidade. (…) Por isso, a Igreja continuará a ir além de toda e qualquer fronteira, a sair uma vez e outra sem se cansar nem desanimar perante dificuldades e obstáculos, para cumprir fielmente a missão recebida do Senhor» (Mensagem para o Dia Mundial das Missões de 2024). E isso mesmo até ao martírio. A propósito, gostaria de parar um pouco para agradecer a Deus pelo testemunho de martírio que deu, nestes últimos dias, um grupo de católicos do Congo, do Kivu do Norte. Foram degolados, simplesmente porque eram cristãos e não queriam passar ao Islão. Hoje existe esta grandeza do martírio na Igreja. E recuando um pouco… há cinco anos na praia da Líbia, aqueles coptas que foram degolados enquanto de joelhos iam dizendo: «Jesus, Jesus, Jesus». A Igreja dos mártires é a Igreja da tenacidade que o Senhor realiza.
Por isso, também nós somos chamados a ser perseverantes e tenazes nos propósitos e na ação. E também a viver esta dimensão de martírio com o nosso exemplo. Vós, agentes das Pontifícias Obras Missionárias, entrais em contacto com as mais diversas realidades, situações e acontecimentos que fazem parte do grande fluxo da vida da Igreja, em todos os Continentes. Deste modo tendes a possibilidade de embater em tantos desafios, situações complexas, dificuldades e cansaços que acompanham a vida eclesial. Não desanimeis! Aqui gostaria de fazer um parêntese sobre as fragilidades de muitos nossos irmãos e irmãs, que às vezes caem. Por favor, tenhamos paciência! Tomemo-los pela mão e acompanhemo-los. Por favor, não vos escandalizeis com estas escorregadelas. «Pode-me acontecer a mim». Cada qual deve dizer: «pode-me acontecer a mim». Sejamos caridosos, muito delicados e… esperar. Uma das coisas que, a meu ver, toca o coração do Senhor é a paciência: saber esperar, saber esperar. Olhemos mais para os aspetos positivos e, nesta alegria que brota de contemplar a obra de Deus, saberemos enfrentar com paciência inclusive as situações problemáticas, para não ficar prisioneiros da inatividade e do espírito derrotista. Tenazes e perseverantes, continuai a caminhar no Senhor! E com os irmãos e irmãs que escorregam e caem, lembrai-vos de que só numa ocasião é lícito olhar uma pessoa de alto para baixo; uma só: para ajudá-la a levantar-se. Sempre este gesto, com os irmãos e as irmãs que escorregaram.
Queridos irmãos e irmãs, novamente agradeço a todos vós e aos vossos colaboradores pela generosidade e dedicação na promoção da responsabilidade missionária dos fiéis, nomeadamente na solicitude pelas crianças da Obra da Santa Infância. Nossa Senhora interceda por vós. De coração vos abençoo. Agradeço-vos aquilo que fazeis… e vós, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim! Mas, rezar a favor… Obrigado.
1Na Constituição, cita-se o número 32 da Exortação apostólica pós-sinodal Christifideles laici, de São João Paulo ii , 30 de dezembro de 1988.