· Cidade do Vaticano ·

O Pontífice aos participantes no encontro das Pontifícias Academias das ciências e das ciências sociais

Uma dívida ecológica a pagar

 Uma dívida ecológica a pagar  POR-021
23 maio 2024

«A reestruturação e a redução da dívida» do Sul do mundo e dos Estados insulares gravemente atingidos por catástrofes climáticas, «com a elaboração de uma nova carta financeira global até 2025, reconhecendo uma espécie de “dívida ecológica”», pediu o Papa — exortando a «trabalhar sobre esta expressão: dívida ecológica» — na conferência das Pontifícias Academias das ciências e das ciências sociais sobre o tema «Da crise climática à resiliência climática». O Pontífice recebeu os participantes no encontro na manhã de 16 de maio, na sala do Consistório, proferindo o seguinte discurso.

Eminência, Excelência
Senhores e Senhoras!

Tenho o prazer de vos dar as boas-vindas, Membros das Pontifícias Academias das Ciências e das Ciências Sociais. Saúdo a Presidente, todos os hóspedes, Presidentes de câmara municipais e Governadores de várias partes do mundo, para o encontro intitulado “Da crise climática à resiliência climática”.

Os dados sobre as mudanças climáticas agravam-se de um ano para o outro, e por isso é urgente proteger as pessoas e a natureza. Felicito as duas Academias por terem envidado este esforço elaborando um documento universal sobre a resiliência. As populações mais pobres, que têm muito pouco a ver com as emissões poluentes, devem ser mais apoiadas e protegidas. São vítimas.

«A destruição do meio ambiente é uma ofensa a Deus, um pecado não só pessoal mas também estrutural, que põe seriamente em perigo todos os seres humanos, de modo especial os mais vulneráveis, e ameaça desencadear um conflito entre gerações» (Discurso à cop 28, Dubai, 2 de dezembro de 2023). Portanto, a pergunta é: trabalhamos por uma cultura da vida ou por uma cultura da morte? Respondestes que devemos estar atentos ao grito da terra, ouvir o clamor dos pobres, ser sensíveis às esperanças dos jovens e aos sonhos das crianças! Que temos a grave responsabilidade de garantir que não lhes seja negado o futuro. Declarastes que escolhestes um desenvolvimento humano sustentável. Por isso, aprecio o vosso trabalho, pois as mudanças climáticas são «uma questão social global e estão intimamente ligadas à dignidade da vida humana» (Exortação Apostólica Laudate Deum, 3).

Enfrentamos desafios sistémicos distintos, mas interligados: mudanças climáticas, perda de biodiversidade, degradação ambiental, desigualdades globais, insegurança alimentar e ameaça à dignidade das populações atingidas. Se não forem abordados de forma coletiva e urgente, estes problemas representam ameaças existenciais para a humanidade, para os outros seres vivos e para todos os ecossistemas. Mas que fique claro: são os pobres da Terra que mais sofrem, apesar de serem os que menos contribuem para o problema. Os países mais ricos, cerca de mil milhões de pessoas, produzem mais de metade dos poluentes que provocam o aquecimento. Em contrapartida, os três mil milhões de pessoas mais pobres contribuem com menos de 10%, mas suportam 75% das perdas dele resultantes. Os 46 países menos desenvolvidos — na maioria africanos — são responsáveis por apenas 1% das emissões globais de co 2. Em contrapartida, os países do G20 são responsáveis por 80% de tais emissões.

A vossa investigação mostra a trágica realidade de que as mulheres e as crianças suportam um fardo desproporcionado. Muitas vezes, as mulheres não têm o mesmo acesso aos recursos dos homens e cuidar da casa e dos filhos pode impedir a sua capacidade de migrar em caso de catástrofe. No entanto, as mulheres não são apenas vítimas das mudanças climáticas: são também poderosos agentes de resiliência e adaptação. No que diz respeito às crianças, quase mil milhões delas residem em países que enfrentam um risco extremamente elevado de devastação relacionada com o clima. A idade evolutiva torna-os mais suscetíveis aos efeitos, tanto físicos como psicológicos, das mudanças climáticas.

A recusa de agir rapidamente para proteger os mais vulneráveis expostos às mudanças climáticas provocadas pelo homem é uma culpa grave. Além disso, o progresso ordenado é impedido pela procura voraz do lucro a curto prazo por parte das indústrias poluentes e pela desinformação, que gera confusão e dificulta os esforços coletivos para uma inversão de rota.

Irmãos e irmãs, o caminho é difícil e repleto de perigos. Os resultados desta conferência revelam que o espetro das mudanças climáticas paira sobre todos os aspetos da existência, ameaçando a água, o ar, os alimentos e os sistemas energéticos. Igualmente alarmantes são as ameaças à saúde pública e ao bem-estar. Assistimos à dissolução de comunidades e à deslocação forçada de famílias. A poluição atmosférica ceifa prematuramente milhões de vidas todos os anos. Mais de três mil e quinhentos biliões de pessoas vivem em regiões altamente sensíveis às devastações das mudanças climáticas, o que leva à migração forçada. Nos últimos anos, vemos como muitos irmãos e irmãs perdem a vida em viagens desesperadas, e as previsões são preocupantes. Defender a dignidade e os direitos dos migrantes climáticos significa afirmar a sacralidade de cada vida humana e honrar o mandato divino de preservar e proteger a casa comum.

Perante esta crise planetária, uno-me a vós neste veemente apelo.

Em primeiro lugar, devemos adotar uma abordagem universal e uma ação rápida e decisiva, capaz de levar a mudanças e decisões políticas. Em segundo lugar, devemos inverter a curva do aquecimento, procurando reduzir pela metade a taxa de aquecimento no breve espaço de um quarto de século. Ao mesmo tempo, devemos ter como objetivo a descarbonização global, eliminando a dependência dos combustíveis fósseis. Em terceiro lugar, é necessário remover grandes quantidades de dióxido de carbono da atmosfera, através de uma gestão ambiental que abranja várias gerações. É um trabalho longo, mas também clarividente, que todos devemos empreender em conjunto. E, neste esforço, a natureza é a nossa fiel aliada, pondo à nossa disposição os seus poderes, os poderes que a natureza tem de regenerar, os poderes regenerativos.

Salvaguardemos as riquezas naturais: as bacias do Amazonas e do Congo, as turfeiras e os mangais, os oceanos, os recifes de coral, as terras agrícolas e as calotas glaciais, pela sua contribuição para a redução das emissões globais de carbono. Esta abordagem holística combate as mudanças climáticas e aborda igualmente a dupla crise da perda de biodiversidade e da desigualdade, alimentando os ecossistemas que sustentam a vida.

A crise climática exige uma sinfonia de cooperação e solidariedade globais. O trabalho deve ser sinfónico, harmonioso, todos juntos. Através da redução das emissões, da educação sobre estilos de vida, do financiamento inovador e da utilização de soluções comprovadas baseadas na natureza, reforçamos a resiliência, em especial a resiliência à seca.

Concluindo, há que desenvolver uma nova arquitetura financeira para responder às necessidades do Sul do mundo e dos Estados insulares gravemente atingidos por catástrofes climáticas. A reestruturação e a redução da dívida, com a elaboração de uma nova Carta financeira mundial até 2025, que reconheça uma espécie de “dívida ecológica” — é preciso trabalhar sobre esta expressão: dívida ecológica — podem constituir uma ajuda preciosa para a atenuação das mudanças climáticas.

Caros amigos, agradeço o vosso compromisso e encorajo-vos a continuar a cooperar na transição da atual crise climática para a resiliência climática com equidade e justiça social. É necessária uma ação urgente — urgente! — compaixão e determinação, pois a aposta não poderia ser mais alta. Ide em frente e Deus vos abençoe! Rezo por vós e vós, por favor, fazei-o por mim. Obrigado!