· Cidade do Vaticano ·

Normas para o discernimento de alegados fenómenos sobrenaturais

 Normas para o discernimento  de alegados fenómenos sobrenaturais  POR-021
23 maio 2024

As normas para o discernimento de alegados fenómenos sobrenaturais foram atualizadas: é o que estabelece o novo documento do Dicastério para a doutrina da fé, publicado na sexta-feira, 17 de maio, e que entrou em vigor no domingo, 19, solenidade de Pentecostes.

O texto é precedido por uma apresentação articulada do cardeal prefeito Víctor Manuel Fernández, a que se segue uma introdução que identifica 6 diferentes conclusões possíveis. A primeira novidade é a possibilidade de se pronunciar mais rapidamente sobre a devoção popular e, em regra, a autoridade da Igreja deixa de estar envolvida na definição oficial da sobrenaturalidade de um fenómeno que pode levar muito tempo a estudar em profundidade. A outra novidade é o envolvimento mais explícito do Dicastério para a doutrina da fé, que deverá aprovar a decisão final do bispo e terá o poder de intervir motu proprio em qualquer altura. Em muitos dos casos, nas últimas décadas, em que os bispos expressaram uma opinião individual, o antigo Santo Ofício foi envolvido, mas quase sempre a intervenção permaneceu nos bastidores e havia a solicitação de não a tornar pública. A motivar agora este envolvimento explícito do Dicastério está também a dificuldade de circunscrever a nível local fenómenos que, em alguns casos, atingem dimensões nacionais e até mundiais, «de modo que uma decisão relativa a uma diocese tem consequências também noutros lugares».

As razões
das novas normas

Na origem do documento está a longa experiência do século passado, com casos em que o bispo local (ou os bispos de uma região) declarava muito rapidamente a sobrenaturalidade, e depois o Santo Ofício exprimia uma opinião diferente. Ou casos em que um bispo se exprimiu de uma forma e o seu sucessor de forma oposta (sobre o mesmo fenómeno). Depois, há os longos tempos necessários para avaliar todos os elementos e chegar a uma decisão sobre a sobrenaturalidade ou não dos fenómenos. Tempos que às vezes colidem com a urgência de dar respostas pastorais para o bem dos fiéis. Por isso, o Dicastério começou em 2019 a rever as normas e chegou ao texto atual, aprovado pelo Papa no passado dia 4 de maio. Um texto inteiramente novo que introduz, como mencionado, seis diferentes conclusões possíveis.

Frutos espirituais e riscos

Na sua apresentação, o cardeal Fernández explica que «muitas vezes estas manifestações provocaram uma grande riqueza de frutos espirituais, crescimento na fé, devoção, fraternidade e serviço, e em alguns casos deram origem a vários santuários espalhados pelo mundo que hoje fazem parte do coração da piedade popular de muitos povos». No entanto, existe também a possibilidade de que «em alguns casos de acontecimentos de alegada origem sobrenatural» se verifiquem «problemas muito graves em prejuízo dos fiéis»: casos em que «dos alegados fenómenos se tira proveito, poder, fama, notoriedade social, interesse pessoal» ( ii , art. 15º, 4°), chegando mesmo a «exercer domínio sobre as pessoas ou a cometer abusos» ( ii , art. 16º). Pode haver «erros doutrinais, reducionismo indevido na proposta da mensagem evangélica, difusão de um espírito sectário». Assim como existe a possibilidade de «os fiéis serem arrastados para um acontecimento, atribuído a uma iniciativa divina», mas que é apenas fruto da fantasia, da mitomania ou da tendência de alguém para a falsificação.

Diretrizes gerais

De acordo com as novas normas, a Igreja poderá discernir: «se é possível entrever nos fenómenos de alegada origem sobrenatural a presença dos sinais de uma ação divina; se nos possíveis escritos ou mensagens dos implicados nos alegados fenómenos em questão não há nada contrário à fé e aos bons costumes; se é lícito apreciar os seus frutos espirituais, ou se é necessário purificá-los de elementos problemáticos ou advertir os fiéis dos perigos que deles derivam; e se é aconselhável que sejam avaliados pastoralmente pela autoridade eclesiástica competente» ( i , 10). Além disso, «em regra, não se deve esperar um reconhecimento positivo por parte da autoridade eclesiástica da origem divina de alegados fenómenos sobrenaturais» ( i , 11). Por isso, em regra, «nem o Bispo diocesano, nem as Conferências Episcopais, nem o Dicastério declararão que os fenómenos são de origem sobrenatural, e só o Santo Padre pode autorizar tal procedimento» ( i , 23).

Possíveis votações
sobre os alegados fenómenos

Segue-se uma lista dos seis votos finais possíveis no final do discernimento.

Nihil Obstat: não se exprime qualquer certeza de autenticidade sobrenatural, mas reconhecem-se sinais de uma ação do Espírito. O bispo é encorajado a avaliar o valor pastoral e a promover a difusão do fenómeno, incluindo as peregrinações.

Prae oculis habeatur: reconhecem-se sinais positivos, mas há também elementos de confusão ou de risco que exigem discernimento e diálogo com os destinatários. Pode ser necessária um esclarecimento doutrinal se houver escritos ou mensagens associadas ao fenómeno.

Curatur: estão presentes elementos críticos, mas há uma ampla difusão do fenómeno com frutos espirituais verificáveis. Desaconselha-se uma proibição que possa perturbar os fiéis, mas pede-se ao bispo que não encoraje o fenómeno.

Sub-mandato: As questões críticas não estão relacionadas com o fenómeno em si, mas com o mau uso feito por indivíduos ou grupos. A Santa Sé confia ao bispo ou a um delegado a guia pastoral do lugar.

Prohibetur et obstruatur: Apesar de alguns elementos positivos, os pontos críticos e os riscos são graves. O Dicastério pede ao bispo que declare publicamente que a adesão não é permitida e que explique os motivos da decisão.

Declaratio de non supernaturalitate: o bispo está autorizado a declarar que o fenómeno não é sobrenatural com base em provas concretas, como a confissão de um suposto vidente ou testemunhos credíveis de falsificação do fenómeno.

Procedimentos a seguir

Sucessivamente, são indicados os procedimentos a seguir: cabe ao bispo examinar o caso e submetê-lo à aprovação do Dicastério. Pede-se ao bispo que se abstenha de fazer declarações públicas sobre a autenticidade ou sobrenaturalidade, e também que se assegure que não haja confusão e que não se fomente o sensacionalismo. No caso de os elementos recolhidos «parecerem suficientes», o bispo constituirá uma comissão de inquérito, contando entre os seus membros pelo menos um teólogo, um canonista e um perito escolhido com base na natureza do fenómeno.

Critérios positivos
e negativos

Entre os critérios positivos encontram-se «a credibilidade e a idoneidade das pessoas que se declaram destinatárias de acontecimentos sobrenaturais ou diretamente envolvidas em tais acontecimentos, bem como das testemunhas ouvidas... a ortodoxia doutrinal do fenómeno e da possível mensagem a ele ligada, o carácter imprevisível do fenómeno, do qual se deduz claramente que não é fruto da iniciativa das pessoas envolvidas, os frutos de vida cristã» ( ii , 14). Os critérios negativos incluem «a presença de um erro manifesto sobre o facto, possíveis erros doutrinais..., um espírito sectário que gera divisão no tecido eclesial, uma evidente busca de lucro, poder, fama, notoriedade social, interesse pessoal intimamente ligado ao facto, ações gravemente imorais..., alterações psíquicas ou tendências psicopáticas no sujeito, que podem ter exercido uma influência sobre o presumido facto sobrenatural, ou psicose, histeria coletiva ou outros elementos reconduzíveis a um horizonte patológico» ( ii , 15). Por fim, «a utilização de alegadas experiências sobrenaturais ou de elementos místicos reconhecidos como meio ou pretexto para exercer domínio sobre as pessoas ou para cometer abusos deve ser considerada de particular gravidade moral» ( ii , 16). Qualquer que seja a determinação final aprovada, o bispo «tem o dever de continuar a vigiar sobre o fenómeno e sobre as pessoas envolvidas» ( ii , 24).