O Papa Francisco partiu do Vaticano para Verona de helicóptero às 6h30 de sábado, 18 de maio, acompanhado por monsenhor Leonardo Sapienza, regente da Prefeitura da Casa pontifícia. O helicóptero aterrou, após uma hora e meia de voo, às 7h55, no campo desportivo adjacente ao estádio Bentegodi, na cidade de Verona. O Santo Padre foi recebido por D. Domenico Pompili, bispo de Verona; Luca Zaia, presidente da região do Veneto; Demetrio Martino, prefeito de Verona; e pelo presidente da câmara municipal Damiano Tommasi. Em seguida, Francisco foi à basílica de São Zeno, onde teve lugar o encontro com 800 sacerdotes, religiosas e religiosos. Ao sair da basílica, o Papa foi saudado alegremente na praça por cerca de 6.000 crianças e jovens veroneses presentes, com as quais estabeleceu um diálogo improvisado. Sucessivamente, foi de carro ao anfiteatro romano, símbolo da cidade de Verona onde, na presença de 12.500 pessoas, presidiu ao encontro “Arena de paz — Justiça e paz beijar-se-ão”, durante o qual respondeu a 5 perguntas. No final do encontro deslocou-se à prisão de Montorio para se encontrar com os presoos. Francisco concluiu a visita a Verona presidindo à celebração da missa no estádio Bentegodi na presença de 32.000 fiéis, entre os quais numerosos jovens. Publicamos o diálogo do Pontífice no encontro na Arena de Verona com alguns representantes de várias mesas de trabalho sobre a paz.
1. a paz deve ser organizada (Mesa Democracia Direitos)
Papa Francisco, chamo-me Mahbouba Seraj, vim aqui, à Arena 2024, de Kabul, no Afeganistão. Sempre acreditei em Vossa Santidade: é um homem de paz e pode fazer muito. O que aconselho é que, para ter mais sucesso, deverá preparar instituições de paz, aplicar todos os seus esforços na construção de instituições de paz. No meu país, o Afeganistão, tivemos a ilusão da democracia, a ilusão da paz. Há 44 anos que o meu país está em guerra e gostaria de saber o que se pode fazer: o que o Santo Padre nos aconselha a fazer? Mas não só para o Afeganistão: os seus conselhos iluminados são válidos para todo o mundo. Como podemos fazer funcionar a obra da paz? E todos nós estamos ao seu lado neste esforço. [Tradução de versos proferidos por Mahbouba Seraj]: “A Mesquita, Meca, o Templo, são só desculpas. A vida de Deus está na tua casa”.
A questão é saber que tipo de liderança pode levar a cabo esta tarefa que expressaste tão profundamente. A cultura fortemente marcada pelo individualismo — e não por uma comunidade — corre sempre o risco de fazer desaparecer a dimensão comunitária: onde há um forte individualismo, a comunidade desaparece. E se passarmos a termos políticos e demográficos, talvez seja esta a raiz das ditaduras. É assim que as coisas acontecem. Desaparece a dimensão da comunidade, a dimensão dos laços vitais que nos sustentam e nos fazem avançar. E, inevitavelmente, isso tem consequências também no modo de entender a autoridade. Quem exerce um papel de responsabilidade numa instituição política, ou numa empresa, ou ainda numa realidade socialmente comprometida, corre o risco de se sentir investido da tarefa de salvar os outros como se fosse um herói. E isto faz muito mal, isto envenena a autoridade. E esta é uma das causas da solidão que tantas pessoas em posições de responsabilidade confessam sentir, bem como uma das razões pelas quais assistimos a um crescente desinteresse. Se a ideia que temos do líder é a de um solitário, acima de todos os outros, chamado a decidir e a agir em seu nome e a seu favor, então fazemos nossa uma visão depauperada e depauperante, que acaba por drenar as energias criativas de quem é líder e por tornar estéril a comunidade e a sociedade no seu conjunto. Os psiquiatras dizem que uma das agressões mais sorrateiras é a idealização: é um modo de agredir.
Esta visão está muito longe daquela expressa pelo ditado bantu: “Eu sou porque nós somos”.
A sabedoria deste ditado reside na ênfase que se dá à ligação entre os membros de uma comunidade: “Nós somos, eu sou”. Ninguém existe sem os outros, ninguém pode fazer tudo sozinho. Por isso, a autoridade de que precisamos é capaz, em primeiro lugar, de reconhecer as próprias forças e limites e, depois, entender a quem pedir ajuda e colaboração. A autoridade é essencialmente colaborativa; caso contrário, será autoritarismo e muitas doenças que dele derivam. Para construir processos de paz sólidos, a autoridade sabe aproveitar o que há de bom em cada um, sabe confiar e, assim, permite que as pessoas por sua vez se sintam capazes de oferecer uma contribuição significativa. Este tipo de autoridade favorece a participação, muitas vezes reconhecida como insuficiente em quantidade e qualidade. Participação: não esquecer esta palavra. Todos nós trabalhamos, todos nós participamos no trabalho que fazemos. Uma boa participação, que descreveis assim: «Expressão de perguntas e proposta de respostas coletivas a questões e aspirações críticas, produtora de cultura e de novas visões do mundo, energia civil que torna os indivíduos e as comunidades protagonistas do próprio futuro» (Documento Democracia). Numa sociedade, num país ou numa cidade, até numa pequena empresa, se não houver participação, as coisas não funcionam, porque somos comunidades, não somos solitários. Não esquecer esta palavra: participação. É importante!
E um grande desafio atual é despertar nos jovens a paixão pela participação. Há uma palavrinha que esquecemos quando dizemos: “Eu faço”, “Eu vou”... Qual é essa palavrinha? Juntos. A força da união, a participação consiste nisto. Temos que investir nos jovens, na sua formação, para transmitir a mensagem de que o caminho para o futuro não pode passar apenas pelo compromisso de um indivíduo, por mais bem intencionado e bem preparado que seja, mas passa pela ação de um povo — o povo é o protagonista, não o esqueçamos — em que cada um desempenha a sua parte, cada um de acordo com as suas tarefas e segundo as próprias capacidades. E dirijo-vos uma pergunta: num povo, o trabalho do conjunto é a soma do trabalho de cada um? Só isso? Não, é mais. É mais! Um mais um é igual a três: é o milagre de trabalhar juntos.
2. a paz deve ser promovida
(Mesa Migrações)
[João Pedro Stédile]: Papa Francisco, trago-lhe um forte abraço de todo o povo dos “sem-terra” do Brasil: estamos unidos e rezamos por Vossa Santidade. Trago também palavras do nosso bispo dos “sem-terra”, o bispo Pedro Casaldáliga Plá, que infelizmente não está mais entre nós. Ele disse-nos: «Malditas sejam todas as cercas, maldita seja toda a propriedade particular, que nos impede de viver e amar». Obrigado!
Papa Francisco, sou Elda Baggio, trabalhadora humanitária de “Médicos sem fronteiras” e estou aqui com o João Pedro Stédile, que se uniu a nós do Brasil e traz consigo toda a sabedoria e experiência do movimento dos “sem-terra”. Obviamente, também nós estamos preocupados com a paz e com a construção da paz, e experimentamos que o primeiro passo é pôr-se ao lado dos migrantes, das vítimas, ouvi-los, deixá-los contar as suas histórias e fazer ouvir as suas vozes. Mas viver tudo isto desarma os nossos corações, os nossos olhos, as nossas mentes e torna evidentes as injustiças que existem. Mas não é um passo fácil de dar: como podemos viver esta conversão de perspetiva, esta mudança de perspetiva? O que nos pode ajudar a fazê-lo?
É precisamente o Evangelho que nos diz para nos colocarmos ao lado dos mais pequeninos, ao lado dos fracos, ao lado dos esquecidos. É o que o Evangelho nos diz. E com o gesto do lava-pés, que subverte as hierarquias convencionais, Jesus diz-nos o mesmo. É sempre Ele que chama os mais pequeninos e os excluídos, que os coloca no centro, que os convida a estar no meio dos outros, que os apresenta a todos como testemunhas de uma mudança necessária e possível. Com as suas ações, Jesus supera convenções e preconceitos, torna visíveis as pessoas que a sociedade do seu tempo escondia ou desprezava. Isto é muito importante: não esconder os limites. Há pessoas que são muito limitadas, física, espiritual, social, economicamente... Não esconder os limites. Jesus não os escondeu. E Jesus fá-lo sem querer substituí-los, sem os instrumentalizar, sem os privar da sua voz, da sua história, das suas experiências. Gosto quando vejo pessoas com limites físicos que participar nos encontros, como neste caso, porque Jesus não os escondeu, esta é a verdade. Cada um tem a própria voz, quer fale com a língua ou com a existência. Cada um de nós tem a própria voz. E muitas vezes não sabemos ouvi-la porque cada um de nós pensa nas suas situações ou, pior ainda, andamos o dia inteiro com o smartphone e isto impede-nos de ver a realidade: isto acontece muitas vezes, não é verdade?
Como escreveram no documento de uma das vossas mesas de trabalho, para pôr fim a todas as formas de guerra e violência, devemos estar ao lado dos mais pequeninos, respeitar a sua dignidade, ouvi-los e garantir que a sua voz possa ser ouvida sem ser filtrada. Estar sempre perto dos mais pequeninos, para que a sua voz possa ser ouvida. Conhecer os mais pequeninos, partilhar a sua dor. E tomar uma posição ao lado deles contra a violência de que são vítimas, saindo desta cultura de indiferença que justifica tantas situações.
Uma pergunta — sei que o sabeis — já pensamos hoje em quantos meninos e meninas são obrigados a trabalhar como escravos para ganhar a vida? Os mais pequeninos... Aquela criança que talvez nunca tenha tido um brinquedo porque tinha de ir por aqui, por ali, por acolá para ganhar o pão, talvez às lixeiras à procura de objetos para vender... São tantas, crianças assim, que não sabem brincar porque a vida as obrigou a viver assim. Os mais pequeninos sofrem. E sofrem por causa do mau tempo? Não, por nossa causa. Nós somos os responsáveis. “Não, Padre, eu não, porque eu sou...”. Todos nós somos responsáveis, todos nós somos responsáveis por todos. Mas hoje penso que o “prémio Nobel” que podemos dar a muitos, a tantos de nós, é o “prémio Nobel” de Pôncio Pilatos, porque somos mestres em lavar as mãos.
Eis, esta é a conversão que muda a nossa vida, a conversão que muda o mundo. Uma conversão que diz respeito a todos nós individualmente, mas também como membros de comunidades, movimentos, associações a que pertencemos, e como cidadãos. E diz respeito também às instituições, que não são externas ou alheias a este processo de conversão. O primeiro passo é reconhecer que não estamos no centro... [vê um idoso que caminha no centro da Arena]... no centro está aquele idoso: ele é tão importante como qualquer um de nós. No centro não estão as nossas visões, as nossas ideias. E, depois, aceitar que o nosso estilo de vida seja inevitavelmente tocado, alterado. Quando estamos ao lado dos mais pequeninos, somos “incomodados”. Os pequeninos incomodam-nos, porque tocam, sensibilizam o coração. Caminhar com os mais pequeninos obriga-nos a mudar de ritmo, a rever o que trazemos na mochila, a libertar-nos de muitos pesos e lastros e a dar lugar a coisas novas. Por isso, é importante viver tudo isto não como perda, mas como enriquecimento, como poda sábia, que elimina o que não tem vida e valoriza o que é promissor. A poda não é uma perda: é dolorosa, sim, no momento em que nos tira algo, mas é algo que nos dá vida. A proximidade aos mais pequeninos deve ser vivida como poda. Olhemos para a lista dos pequeninos, de tantos “pequeninos” que temos. E pensemos numa categoria que todos temos na família, pequeninos no sentido, digamos, de diminuídos pela idade: pensemos nos avós. Vem-me à mente uma história muito bonita que não é algo que aconteceu historicamente, é um conto. Há uma família simpática — pai, mãe, filhos — e com eles vivia o avô: já ancião, e comia com eles. Mas o avô, à medida que ia envelhecendo, pegava na sopa assim [faz um gesto com a mão que treme] e sujava-se todo. A certa altura, o pai disse: “A partir de amanhã o avô começará a comer na cozinha, porque come mal, e assim podemos convidar pessoas para estar em nossa companhia”. No dia seguinte, o avô começou a comer na cozinha. Na semana seguinte, o pai chega a casa e lá está o menino de cinco anos que brinca, brinca com madeira, com pedaços de madeira... “O que fazes? — “Ah, uma mesinha, pai!” — “Uma mesinha? Porquê?” — “Para ti, quando fores velho. Atenção aos idosos: eles representam a sabedoria. Não o esqueçamos. Digo-o com dor: esta sociedade esconde tantas vezes os idosos, abandona os velhos. Obrigado!
3. a paz deve ser cuidada (Mesa Meio Ambiente/Criação)
O meu nome é Vanessa Nakate, sou ativista ugandesa, ativista pelo clima. A primeira vez que vi o Papa foi quando ele visitou o meu país. Vi-o no seu papamóvel e disse: Sinto-me feliz, apesar de estarmos separados por uma janela, mas pelo menos vi-o. Nunca teria imaginado que nove anos mais tarde estaria no mesmo palco com ele... é realmente uma honra, uma honra infinita! Não é necessário predominar como indivíduos, mas como humanidade, como coletividade; um planeta habitável é uma ótima solução para todos, não só para alguns.
[Annamaria Panarotto] Volto a ler para vós o verso que a Vanessa acabou de ler: não temos necessidade de vencer como indivíduos, mas devemos vencer juntos como humanidade! Um planeta saudável e habitável é uma vitória para todos, não apenas para alguns! Eis, amado Papa Francisco, sou uma das mães No-Pfas do Veneto. As mães fazem-se ouvir, sempre! Um grupo que trabalha há muitos anos contra a poluição da água aqui no Veneto, que adoeceu os nossos filhos, e estou aqui com Vanessa Nakate, uma jovem e corajosa guardiã ugandesa da casa comum. A paz faz-se em conjunto. Não pode haver paz entre os seres humanos se os homens e as mulheres não fizerem as pazes com a Criação. Construir relações de justiça entre todos os seres vivos requer tempo. Como podemos reencontrá-lo nesta época marcada pela rapidez e pelo imediatismo? Depois, caro Papa Francisco, queria dizer que somos muitos aqui hoje, muitos, e somos todos artesãos de paz, somos representantes de grupos, movimentos, associações, Igrejas, mas somos e queremos ser, continuar a ser artesãos da paz. Mas também sentimos a urgência quase de obrigar a política a ter visões diferentes, a dar respostas mais imediatas. Por isso, queria perguntar-te se nos podes ajudar e compreender que passos dar...
Obrigado! Gostei... Gostei especialmente deste teu “porém”. Obrigado! Vejo aquele cartaz: “Desmilitarizemos mentes e territórios”. Falamos de paz, mas sabeis que as ações mais lucrativas em certos países são as fábricas de armas? Isto é mau, é negativo! Por assim não conseguimos desmilitarizar, pois é um negócio muito grande. Se olharmos para a lista dos países que fabricam armas, vemos que é um grande negócio. Preparar para a morte. Como é horrível! E o teu “porém” indica esta situação contraditória.
Na nossa sociedade, vivemos esta tensão: por um lado, tudo nos impele a agir rapidamente, estamos habituados a ter uma resposta imediata aos nossos pedidos e ficamos impacientes quando há um atraso. Por exemplo, a revolução digital dos últimos anos permitiu-nos estar constantemente ligados, poder comunicar facilmente com pessoas muito distantes, poder desempenhar o nosso trabalho à distância. Deveríamos ter mais tempo à nossa disposição e, ao contrário, vemos que estamos sempre apressados, perseguindo a urgência do último minuto. Por outro lado, sentimos que isso não é natural. Isto é “bélico”, isto é guerra, isto não é natural. Há um cansaço no ar da nossa sociedade, há um cansaço no ar, muitos não encontram razões para desempenhar as suas atividades quotidianas, sobrecarregados pela sensação de estar sempre fora do tempo, como que presos na repetição do que fazem, pois não têm força nem tempo para procurar a harmonia. A paz não se inventa de um dia para o outro. A paz deve ser cuidada. Se não cuidamos da paz, haverá guerra, pequenas guerras, grandes guerras. A paz deve ser cultivada, e hoje há um pecado grave no mundo: não cultivar a paz! O mundo está numa corrida, às vezes seria bom abrandar a corrida, sem nos deixarmos dominar pelas atividades, abrindo espaço dentro de nós para a ação de Deus, para a ação dos irmãos, para a ação da sociedade que procura o bem comum.
“Abrandar” pode parecer uma palavra fora do lugar, mas na realidade é um convite a recalibrar as nossas expetativas e as nossas ações. Trata-se de fazer uma “revolução” no sentido astronómico: ir à procura da paz, e como o fazer? Sempre com o diálogo: a paz faz-se em diálogo. Reconhecendo os outros, respeitando-os com sabedoria. O enorme desafio que temos à frente é ir contra a maré para redescobrir e valorizar os contextos em que é possível viver tudo isto com os outros. E não devemos inventar tudo a partir de zero, devemos responsabilizar-nos pela história.
Muitas vezes as guerras resultam da impaciência de fazer as coisas rapidamente e de não ter a paciência de construir a paz lentamente, com o diálogo. Paciência é a palavra que devemos repetir constantemente: paciência para fazer as pazes. E se alguém — vemo-lo na vida natural — se alguém nos insulta, temos imediatamente a vontade de dizer o dobro e depois o quádruplo e assim a agressão multiplica-se, as agressões multiplicam-se. Devemos parar, impedir a agressão. Certa vez — foi uma cena muito engraçada — havia uma pessoa que ia comprar algo e via-se que não lhe faziam o preço certo e então ela gritava tudo, gritava tudo. O senhor da loja ouvia-o e quando o homem acabou de gritar, disse: “Senhor, já acabou?” — “Sim, já acabei!” — “Agora vá dar uma volta.” Não o disse com estas palavras, com palavras mais fortes, mas mandou-o dar um passeio. Quando virmos que a situação começa a aquecer, paremos, demos uma volta ou digamos uma palavra, e a situação melhorará. Parar a tempo, parar a tempo!
4. a paz deve ser experimentada (Desarmamento)
[Sergio Paronetto] Alguns versos de uma pessoa muito ativa nas nossas arenas anteriores: Giulio Girardello, sacerdote missionário, poeta, amor de Giulio Battistella, outra testemunha e promotor das Arenas. Mas gostaria de dizer algo em 30 segundos, Papa Francisco. Gostaria te dizer, em nome de muitos, o nosso agradecimento pela tua coragem. Gostaria de te dizer que estamos perto de ti, que queremos ajudar-te porque, ajudando-te, ajudamo-nos a nós próprios, ajudamos o mundo a tornar-se humano e somos corresponsáveis caminhando contigo. Giulio disse: «Só das mãos plantadas no sentimento do mundo nasce a paz. Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo para fazer a paz».
[Andrea Riccardi] Gostaria de dizer que estar aqui parece um sonho: um povo, com o Papa Francisco, que acredita na paz. No entanto, o mundo é diferente, o mundo é muito diferente porque há guerras, e nós sabemo-lo: guerras abertas, e nós colocamo-nos ao lado das vítimas, que são muitas. Mas neste mundo há também ausência de pensamentos e projetos de paz que frustram as esperanças do fim da guerra de tantos povos. Veja, Papa Francisco, a paz é banida como ingenuidade, aliás, como Vossa Santidade dizia: a paz tornou-se um palavrão, e isto é extremamente triste porque a paz é a vida de todos, a paz é uma grande bênção. Mas há uma alternativa: devemos confessar que muitos, homens e mulheres comuns, se sentem impotentes, não sabem o que fazer, e a impotência gera indiferença, e a indiferença acaba por se tornar também consentimento, cumplicidade em decisões erradas, em caminhos de guerra, e isto é verdadeiramente dramático. Por isso, o que vos queríamos perguntar-lhe é: como ser, neste momento complexo, artífices da paz, mediadores até perante conflitos próximos e distantes? Obrigado!
Obrigado! Obrigado pelas vossas reflexões. Se há vida, se há uma comunidade ativa, se há um dinamismo positivo na sociedade, então também há conflitos e tensões. É um dado real: a ausência de conflitos não significa que haja paz, mas sim que se deixou de viver, de pensar, de se dedicar àquilo em que se acredita. Há um ditado espanhol que diz: “A água parada é a primeira que apodrece, que se decompõe”. As pessoas paradas são as primeiras que adoecem.
Na nossa vida, nas nossas realidades, nos nossos territórios, sempre lidaremos com tensões e conflitos. Perante isto, não se pode ficar parado: é preciso fazer uma opção, é preciso ser criativo. O conflito é precisamente um desafio à criatividade. Em primeiro lugar, de um conflito nunca se pode sair sozinho: de um conflito nunca se sai sozinho, é necessária a comunidade, é preciso a ajuda da família, dos amigos, mas de um conflito nunca se pode sair sozinho. E, em segundo lugar, só se sai de um conflito “em cima”. Caso contrário, desce-se. Há algo de labiríntico no conflito: de um labirinto não se pode sair sozinho, é preciso pelo menos o fio, o fio de Ariadne, que nos ajudará a sair. E de um conflito sai-se para ser melhor, “de cima”. De um conflito não se pode sair com anestesia, não, de um conflito é preciso sair com realismo: estou no labirinto; devemos ser capazes de dar um nome aos conflitos, tomá-los pela mão e sair, sair de cima e sair acompanhados, pelo menos com o fio. Na nossa vida, seremos sempre chamados a avançar com os conflitos, a dialogar com os conflitos.
Muitas vezes somos tentados a pensar que a solução para sair dos conflitos e das tensões é eliminá-los. Não! Ignoro-os, escondo-os, marginalizo-os. Não! Isto é uma bomba-relógio. Fazendo-o, amputo a realidade de uma peça incómoda, mas também importante. Sabemos que o resultado final desta forma de viver o conflito é aumentar a injustiça e gerar reações de mal-estar, de frustração, que podem até resultar em gestos violentos. E vemos isto também na política, na sociedade. Quando na política, em qualquer política, os conflitos são escondidos, mais tarde eclodem, acabam mal. Não há harmonia! Os conflitos não podem ser escondidos nem na família, nem na sociedade. Por isso, quando há problemas em família, devemos falar sobre eles para os esclarecer. E quando há problemas na sociedade, devemos partilhá-los para os resolver. Mas não saímos sozinhos!
Outra resposta míope é procurar resolver as tensões fazendo prevalecer um dos polos, e isto é um suicídio, porque reduz a pluralidade de posições a uma única perspetiva. Hoje, o bispo mostrou-me a certidão de nascimento de um grande homem, Romano Guardini, que nasceu aqui em Verona. Ele costumava dizer que os conflitos são sempre resolvidos num plano superior, porque então os conflitos são transformados em fermento de nova cultura, de realidades novas para avançar. A uniformidade é um beco sem saída: em vez de avançar, afunda-se; não é necessária a uniformidade, é necessária a unidade, e para alcançar a unidade é preciso trabalhar com os conflitos. Quando se tem medo da pluralidade, podemos dizer que aquela família, aquela sociedade se suicida psicológica e culturalmente.
O primeiro passo para viver as tensões e os conflitos de forma saudável é reconhecer que eles fazem parte da nossa vida, são fisiológicos, quando não ultrapassam o limiar da violência. Por isso, não tenhais medo deles: aceitai-os, para os resolver. Não tenhais medo deles. Não tenhais medo se houver ideias diferentes que se confrontam e talvez se colidam. Nestas situações, somos chamados a um exercício diferente. Deixar-nos desafiar pelo conflito, deixar-nos provocar pelas tensões, partir numa busca: como resolver, como ir à procura da harmonia. É um trabalho que não estamos habituados a fazer: e, no entanto, é uma riqueza, é uma riqueza social, isto, tanto da família como da sociedade. Há conflitos? Vamos lá, falemos dos conflitos, confrontemo-nos com eles para os resolver. Por favor, não tenhais medo dos conflitos, quer sejam familiares, quer sejam sociais. E é evidente que, se eu não tiver medo do conflito, estou inclinado para o diálogo. E o diálogo ajuda-nos a resolver os conflitos, sempre. Mas o diálogo não é para chegar à igualdade, não, porque cada um tem a sua ideia; mas faz-nos partilhar a pluralidade. O pecado dos regimes políticos que acabaram em ditaduras é que não permitem a pluralidade; e a pluralidade está na sociedade em geral, como na família: nora com sogra — situação bonita de resolver, não é verdade? — mas este conflito familiar deve ser resolvido, tal como um conflito mundial deve ser resolvido. Devemos aprender a viver com o conflito: quando os filhos adolescentes começam a pedir coisas que não estamos habituados a dar-lhes, há um conflito familiar: ouvi-los, dialogar. O pai que dialoga com os filhos, a mãe que dialoga com os filhos, os cidadãos que dialogam entre si... O diálogo. E o conflito faz-nos progredir. Uma sociedade sem conflitos é uma sociedade morta; uma sociedade onde se escondem os conflitos é uma sociedade suicida; uma sociedade onde se tomam os conflitos pela mão e se dialoga é uma sociedade do futuro.
5. a paz deve ser preparada
(Mesa Trabalho e Economia)
Papa Francisco, é uma grande honra estar aqui. Vossa Santidade é um líder da paz. Estamos aqui com doze mil construtores de paz. Trazemos-lhe palavras de paz da Terra Santa.
[Roberto Romano] Procurarei tornar efetivo o que foi dito, porque em italiano não é a mesma coisa: «Levanto os olhos com esperança, não através da mira das espingardas, entoo uma canção pelo amor, não pela guerra! Não digas que o dia chegará, vive este dia porque é um sonho que está dentro de ti; e em todas as praças da cidade, em todas elas creio, só aplaudem a paz!». Este foi o primeiro poema, cântico, elogio à esperança. Agora há uma segunda representação do que podemos ver passo a passo: «Amanhã os limões florescerão, os vossos olhos dançarão e os vossos filhos voltarão a brincar; e pais e filhos encontrar-se-ão. A minha cidade, sim, a minha cidade, a cidade da paz é a cidade das oliveiras».
Papa Francisco, o meu nome é Maoz Inon, sou de Israel e os meus pais foram mortos pelo Hamas. Papa Francisco, o meu nome é Aziz Sarah, sou da Palestina e esta guerra e os soldados israelitas mataram o meu irmão. A nossa dor, o nosso sofrimento aproximou-nos, levou-nos ao diálogo para criar um futuro melhor. Somos empresários e acreditamos que a paz é o maior projeto a realizar. Estamos aqui com Roberto Romano que partilha as nossas ideias. Não pode haver paz sem uma economia de paz. Uma economia que não mate, que não produza guerra, uma economia baseada na justiça; e perguntamos: como podem os jovens ser empresários da paz, quando os lugares de educação são frequentemente influenciados por paradigmas tecnocráticos e pela cultura do lucro a qualquer custo?
Creio que perante o sofrimento destes dois irmãos, que é o sofrimento de dois povos, nada se pode dizer... nada se pode dizer. Eles tiveram a coragem de se abraçar. E isto não é apenas coragem e um testemunho de querer a paz, mas também um projeto para o futuro. Abraçar-nos! Ambos perderam familiares, as suas famílias estão destroçadas por causa desta guerra. Para que serve a guerra? Por favor, façamos um pequeno momento de silêncio, porque não se pode falar muito sobre isto, mas sim “sentir”. E olhando para o abraço destes dois, que cada um, no coração, reze ao Senhor pela paz e tome a decisão interior de fazer algo para que as guerras acabem. Em silêncio, um momento...
E pensemos nas crianças desta guerra, de tantas guerras... Que futuro terão? Lembro-me das crianças ucranianas que vêm a Roma: não sabem sorrir. As crianças na guerra perdem o sorriso. E pensemos nos idosos que trabalharam a vida inteira para fazer avançar estes dois países, e agora... Uma derrota, uma derrota histórica, e uma derrota de todos nós. Oremos pela paz e digamos a estes dois irmãos que levem aos seus povos este nosso desejo e a vontade de trabalhar pela paz. Obrigado, irmãos!
Eis as palavras com que o Papa concluiu o encontro.
Ouvimos as mulheres. E o mundo deve olhar para as mulheres a fim de encontrar a paz. São as mães.
Os testemunhos destas corajosas construtoras de pontes entre israelitas e palestinianos confirmam-no.
Estou cada vez mais convencido de que “o futuro da humanidade não está apenas nas mãos dos grandes líderes, das grandes potências e das elites. Está sobretudo nas mãos dos povos — dos povos! — na sua capacidade de se organizar e também nas suas mãos que irrigam, com humildade e convicção, este processo de mudança» (Discurso no ii Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015). Os povos devem ter autoconsciência e agir como povo, agir com essa vontade de construir a paz.
Mas vós, tecelões do diálogo na Terra Santa, por favor, pedi aos líderes mundiais que ouçam a vossa voz, que vos envolvam nos processos de negociação, para que os acordos surjam da realidade, não das ideologias. Lembrai-vos que as ideologias não têm pés para andar, nem mãos para curar feridas, nem olhos para ver o sofrimento dos outros. A paz faz-se com os pés, as mãos e os olhos dos povos envolvidos, todos juntos.
A paz nunca será fruto da desconfiança, fruto de muros, de armas apontadas uns contra os outros. São Paulo diz: «Cada um colherá o que tiver semeado» (Gl 6, 7). Irmãos e irmãs, neste momento as nossas civilizações semeiam a morte, a destruição, o medo. Irmãos e irmãs, semeemos a esperança! Sejamos semeadores de esperança! Todos procurem ser semeadores de esperança, sempre. É isso que também vós fazeis, nesta Arena de paz: semear a esperança. Não pareis. Não desanimeis. Não vos torneis espetadores da chamada guerra “inevitável”. Não, espetadores da chamada guerra inevitável, não! Como dizia o bispo Tonino Bello: “De pé, todos, construtores de paz!”. Todos juntos. Obrigado!