«Omagistério eclesial protege a fé dos simples... esta é a sua tarefa democrática. Deve dar voz àqueles que não têm voz». Estas palavras do cardeal Joseph Ratzinger vêm-me à mente depois de ler as normas sobre os alegados fenómenos sobrenaturais publicadas pelo Dicastério para a doutrina da fé. Um documento que reflete a abordagem pastoral distintiva do pontificado de Francisco e que era necessária para ultrapassar as dificuldades, os becos sem saída e as contradições abertas que se verificaram no último meio século, com pronunciamentos de sinais até opostos sobre o mesmo fenómeno.
A fé das pessoas simples é protegida, em primeiro lugar, porque o texto reafirma claramente que a Revelação terminou com a morte do último apóstolo e que nenhum crente é obrigado a acreditar em aparições ou outros alegados fenómenos sobrenaturais, mesmo que tenham sido aprovados ao longo dos séculos pela autoridade eclesiástica e explicitamente declarados sobrenaturais. Ao mesmo tempo, reconhece-se que, em muitos casos, estas manifestações excecionais provocaram uma abundância de frutos espirituais e de crescimento na fé e, por isso, a autoridade da Igreja não deve ter um juízo negativo a priori, como se Deus ou a Virgem Maria precisassem da autorização de uma cúria ou de um dicastério do Vaticano para se manifestar.
É também muito clara a intenção de proteger a fé do povo simples das ilusões, do fanatismo, das fraudes, dos fenómenos de marketing religioso, bem como da obsessão de perseguir esta ou aquela mensagem apocalíptica, acabando por esquecer o essencial do Evangelho.
É também notável a escolha de não querer chegar mais — exceto em casos muito raros que envolvem diretamente a autoridade do sucessor de Pedro — a declarações vinculativas de autenticidade e sobrenaturalidade do fenómeno. É também uma forma de proteger a fé do povo de Deus, deixando maior liberdade para aderir às devoções e peregrinações quando não há razões contra. Continuar a estudar o fenómeno, acompanhar os videntes sem os deixar sozinhos e à deriva (como infelizmente tem acontecido), desenvolver atividades pastorais e catequéticas que ajudem a dar bons frutos espirituais.
São introduzidas seis categorias de votos conclusivos sobre os alegados fenómenos, em vez das três já existentes. Segundo as antigas normas de 1978, a sentença podia concluir com uma declaração de sobrenaturalidade (constat de supernaturalitate), com uma declaração negativa mas aberta a possíveis desenvolvimentos ulteriores (non constat de supernaturalitate) ou com uma declaração decididamente negativa quando a não-supranaturalidade era evidente (constat de non supernaturalitate). Agora há mais possibilidades e nuances, também para proteger a fé dos simples, e, em regra, o juízo mais positivo passa a ser o do nihil obstat, que não obriga a Igreja a pronunciar-se sobre a sobrenaturalidade, mas atesta que os elementos positivos prevalecem; por isso, trata-se de um fenómeno a promover.
O que aconteceu nas últimas décadas ajuda também a compreender porque é que, a partir de agora, se espera sempre a intervenção do Dicastério para a doutrina da fé e o bispo diocesano se pronunciará sempre de acordo com a Santa Sé. Uma medida que se tornou necessária devido aos casos de pronunciamentos contraditórios no passado recente e também pela impossibilidade agora evidente de circunscrever estes fenómenos à esfera local.
Andrea Tornielli