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Mais de 100.000 pessoas forçadas a abandonar as suas casas desde dezembro

Os desafios de Moçambique entre a insegurança e a crise das pessoas deslocadas

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08 maio 2024

Onorte de Moçambique está a enfrentar uma das piores crises humanitárias, marcada por ondas de violência de grupos armados não-estatais (Nsag) que forçaram dezenas de milhares de pessoas a fugir para os distritos do sul em busca de segurança. De acordo com o instrumento de monitorização de emergência Displacement Tracking Matrix (Dtm) da Organização Internacional para as Migrações ( oim ), um total de 112.894 pessoas foram deslocadas por causa da violência desde dezembro de 2023. Este é o maior evento de deslocação desde os ataques de Palma em 2021. Particularmente marcados pela violência são os distritos de Macomia, Mecúfi e Chiure, onde mais de 90.000 pessoas foram forçadas a deixar as suas casas, tanto dentro como fora da província, devido à violência. As ondas de conflito e violência levaram à destruição de áreas residenciais inteiras e centros comunitários, como igrejas e escolas, dificultando a realocação das pessoas deslocadas.

As famílias que abandonam as suas casas deslocam-se para várias áreas da província de Cabo Delgado e são acolhidas pelas comunidades locais, onde existem instalações públicas e residências, mas a deslocação continua a ser muito perigosa devido à precariedade das condições de segurança e à dificuldade em receber ajuda humanitária. Além disso, a cólera, que atinge o país desde outubro de 2023, causando mais de 10.000 casos em 30 distritos, está cada vez mais disseminada.

A opressão da população local e os repetidos tiroteios entre as forças militares governamentais e os grupos armados jihadistas duram há sete anos e têm um impacto devastador em termos de vidas humanas: as decapitações e os raptos são frequentes, com muitas crianças entre as vítimas. Os menores são os que mais sofrem com a violência dos conflitos: a organização Save the Children afirma que, nos últimos meses, mais de 61.000 crianças tiveram de fugir para salvar a sua vida, o que representa o maior número de crianças obrigadas a abandonar as suas casas num período de tempo tão curto.

Os grupos armados que atuam em Cabo Delgado, um território extremamente pobre do ponto de vista socioeconómico, mas muito rico em recursos energéticos, remontam geralmente a um grupo de inspiração jihadista denominado Ahlu al-Sunnah Wal-Jamaah (Aswj) e conhecido localmente como al-Shabaab, homónimo da organização somali, com a qual não tem qualquer ligação. O grupo afiliou-se ao autodenominado Estado islâmico (Ei) em 2019. Na origem do conflito está a presença de gás e petróleo no país: em março de 2021, a cidade de Palma, onde se encontram instalações de gás natural, foi tomada por organizações jihadistas que a devastaram durante cerca de dez dias, matando um número exagerado de pessoas e provocando a fuga de dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças. Em consequência da violência terrorista, as empresas mundiais que operam em Moçambique, como a TotalEnergies — uma companhia petrolífera francesa —, decidiram suspender os seus trabalhos e projetos previstos para o país, esperando que a segurança e o respeito pelos direitos humanos sejam restabelecidos.

No início de 2023, a situação em Cabo Delgado parecia acalmar-se: havia poucos ataques, a parte centro-norte da costa (Palma, Mocímboa da Praia, Afungi) tinha sido quase completamente restaurada em termos de segurança e a Total anunciara que estava pronta para retomar o seu investimento de 20 mil milhões de dólares na exploração de gás, que tinha sido interrompido «por causas de força maior». No entanto, logo em dezembro, os ataques recomeçaram em grande escala, intensificando-se entre janeiro e fevereiro. De facto, a oim /Dtm refere que, a 24 de fevereiro, em Eráti, distrito da província de Nampula, havia 33.218 deslocados, e mais de 75.000 pessoas foram deslocadas, também no mesmo período, dos distritos de Chiure, Macomia e Metuge, da província de Cabo Delgado.

A crise humanitária de Moçambi é também profundamente marcada por graves choques climáticos. O país tem registado um aumento das catástrofes naturais devido às alterações climáticas, resultando em perdas e danos significativos, incluindo deslocações em massa. A sua localização torna-o particularmente vulnerável aos ciclones sazonais que têm um impacto negativo na agricultura, um sector crucial para a economia nacional. As alterações climáticas representam um sério desafio para o desenvolvimento socioeconómico de Moçambique, exacerbando as dificuldades já existentes devido ao conflito e à violência. Perante esta emergência, organizações internacionais como a oim e o acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) estão a intervir para prestar assistência vital a mais de 30.000 pessoas, através da gestão de locais de abrigo, fornecimento de alojamento temporário, cuidados de saúde, distribuição de alimentos e água e apoio à saúde mental. No entanto, a crise em constante evolução ultrapassa os recursos disponíveis, criando obstáculos à garantia de um apoio adequado a todas as pessoas necessitadas.

Mónica Defilippis