· Cidade do Vaticano ·

O Papa Francisco a superioras e delegadas das Carmelitas descalças

Contemplação não significa evitar a realidade
mas habitá-la
com dinamismo de amor

 Contemplação não significa evitar a realidade  mas habitá-la com dinamismo de amor  POR-017
25 abril 2024

A contemplação é «um dinamismo de amor» que «nos eleva a Deus não para nos separar da terra, mas para a habitar em profundidade», recordou o Papa Francisco a superioras e delegadas das Carmelitas descalças, recebidas em audiência na manhã de 18 de abril, na Sala do Consistório.

Bom dia, bem-vindas!

Falarei em castelhano.

Estou feliz por me encontrar convosco enquanto vos reunis para refletir juntas e trabalhar na revisão das vossas Constituições de 1990, ou das anteriores, não sei, trabalhais entre vós. É um encontro importante, pois não responde somente a uma necessidade humana, às contingências da vida comunitária: pelo contrário, trata-se de um “tempo do Espírito”, que sois chamadas a viver como ocasião de oração e discernimento. Permanecendo interiormente abertas ao que o Espírito Santo vos quer sugerir, tendes a tarefa de encontrar novas linguagens, novos caminhos e novos instrumentos para dar ainda mais ímpeto à vida contemplativa que o Senhor vos chamou a abraçar, a fim de que o carisma se conserve — o carisma é o mesmo — e para que possa ser compreendido e atraia muitos corações, para a glória de Deus e para o bem da Igreja. Quando um Carmelo funciona bem, atrai, não é verdade? É como a luz com as moscas, atrai, atrai.

Rever as Constituições significa precisamente isto: recolher a memória do passado — não se deve negar isto — olhando para o futuro. Sim, ensinais-me que a vocação contemplativa não leva a conservar as cinzas, mas a alimentar um fogo que arda de maneira sempre nova, aquecendo a Igreja e o mundo. Por isso, a memória da vossa história e do que amadureceu ao longo dos anos nas Constituições representa uma riqueza que deve permanecer aberta às sugestões do Espírito Santo, à perene novidade do Evangelho, aos sinais que o Senhor nos transmite através da vida e dos desafios humanos. É assim que se conserva um carisma. Não muda, escuta e permanece aberto àquilo que o Senhor quer em cada momento.

Isto é válido em geral para todos os institutos de vida consagrada, mas vós, claustrais, experimentais isto de modo especial, pois viveis plenamente a tensão entre a separação do mundo e a imersão nele. Com efeito, não vos refugiais numa consolação espiritual intimista, nem numa oração desligada da realidade; pelo contrário, o vosso é um caminho no qual vos deixais arrebatar pelo amor de Cristo a ponto de vos unirdes a Ele, de modo que este amor impregne toda a existência e se manifeste em cada gesto e ação quotidiana. O dinamismo da contemplação é sempre um dinamismo de amor, é sempre uma escada que nos eleva até Deus, não para nos afastar da terra, mas para nos levar a habitá-la em profundidade, como testemunhas do amor recebido.

Com a sua sabedoria e fé ardente, a santa mãe ensina-vos isto. Ela está convencida de que a união mística e interior com que Deus une a alma a si, como que “selando-a” com o seu amor, permeia e transforma toda a vida, sem se desligar das ocupações diárias, nem sugerir uma evasão nas realidades do espírito. Teresa afirma que é necessário um tempo consagrado ao silêncio e à oração, mas deve ser entendido como fonte do apostolado e de todas as tarefas diárias que o Senhor nos pede, para servir a Igreja. Com efeito, ela diz: «Marta e Maria devem acolher o Senhor permanecendo juntas, conservá-lo sempre com elas, sem faltar ao dever de hospitalidade, negando-lhe algo de comer. Como o alimentaria Maria, sempre sentada aos seus pés, se a irmã não a ajudasse? O seu alimento é o esforço que fizermos para aproximar as almas d’Ele, de todas as maneiras possíveis, para que se salvem e nunca deixem de o louvar» (Santa Teresa de Ávila, As Moradas, vii, iv, 14). Eis a citação, que conheceis melhor do que eu.

Deste modo, a vida contemplativa não corre o risco de se reduzir à inércia espiritual, que distrai das tarefas da vida diária. Um sacerdote que não conhecia este tipo de mística chamava-lhes “as monjas sonolentas”, que dormem sempre. Mas a vida contemplativa continua a oferecer a luz interior para o discernimento. E de que luz precisais para rever as Constituições, abordando os numerosos problemas concretos dos mosteiros e da vida comunitária? A luz é a seguinte: a esperança no Evangelho. Mas sempre radicado nos pais fundadores, na mãe fundadora e em São João.

A esperança do Evangelho é diferente das ilusões fundadas em cálculos humanos. Significa abandonar-se a Deus, aprender a ler os sinais que nos oferece para discernir o futuro, saber fazer algumas escolhas audaciosas e arriscadas, mesmo que no momento seja desconhecido o destino para o qual nos conduzirão. Significa não confiar apenas nas estratégias humanas, nas estratégias defensivas, quando se trata de refletir sobre um mosteiro a salvar ou a abandonar, sobre as formas de vida comunitária, sobre as vocações. As estratégias defensivas são fruto de um regresso nostálgico ao passado; não funciona, a nostalgia não funciona, a esperança evangélica vai por outro rumo: dá-nos a alegria da história vivida até hoje, mas torna-nos capazes de olhar em frente, com as raízes que recebemos. Isto chama-se conservar o carisma, o desejo de ir em frente, e isto funciona!

Olhai para a frente. É isto que vos quero desejar. Olhai para a frente com a esperança evangélica e com os pés descalços, ou seja, com a liberdade do abandono em Deus. Olhai para o futuro com as raízes no passado. E que este estar totalmente mergulhadas na presença do Senhor vos conceda também sempre a alegria da fraternidade e do amor recíproco. Que Nossa Senhora vos acompanhe. De coração, abençoo todas vós, abençoo o vosso trabalho destes dias, abençoo as vossas comunidades, abençoo as monjas do mosteiro. E peço-vos que continueis a rezar por mim. A favor, não contra. Obrigado!